O TRABALHO E A EDUCAÇÃO ENQUANTO AGENTES DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL Amarilis Rosie Carvalho Silvares1 Eliana dos Santos Alves Nogueira INTRODUÇÃO No atual sistema de produção, o capitalismo, o individuo é valorizado por sua capacidade de consumo. Pior que isso, só é reconhecido como igual pela sociedade que o rodeia se possui um potencial para consumir. Se não se encaixar nesse perfil exigido, não possuindo acesso a rendas que lhe permitam esse comportamento ostensivo; esse indivíduo é excluído de tal sociedade, é simplesmente descartado por este sistema. Produzindo e perpetuando a todo instante vidas desumanizadas pela opressão e extrema dominação; o capitalismo é um modelo de produção que não pode, pela essência de seus objetivos que visam lucrar sempre mais, e a qualquer custo, resolver os problemas e contradições internas que gera. De um lado, vive de sugar desmedidamente a energia humana para trabalhar em sua maquinaria; mas de outra perspectiva impõe pela lei da concorrência no mundo dos negócios, um aumento de produtividade em que a força de trabalho humano é substituída pelo desenvolvimento das novas tecnologias, que este mesmo sistema produz. Este paradoxo dentro do próprio sistema gera profundas crises, inicialmente econômicas, mas que inevitavelmente afetam também âmbito político o social; do que temos como exemplo a Crise de 1929. A busca cega e incessante por lucros é mantida a qualquer preço, sem uma mínima preocupação com as consequências. O custo a ser pago pelo meio ambiente é a sua contínua e até agora irreversível degradação ambiental. Para a humanidade custa a redução da 1 Graduanda do 4º ano de Direito da Faculdade de História, Direito e Serviço Social (FHDSS), da Universidade Estadual Paulista UNESP/Franca. E-mail: [email protected]. existência humana e sua potencialidade subjetiva e criativa ao extremo individualismo, que concebe consumo como sinônimo de felicidade. A conseqüência dessa busca por produtividade e lucro é um sistema incontrolável e de desperdício ambiental e humano; que favorece a concentração de riquezas; causa a destruição ambiental bem como a destruição de indivíduos e mesmo nações inteiras. Pelas enormes e crescentes desigualdades e exclusões que o capitalismo gera, é preciso buscar meios que parem e também revertam essa situação alarmante. Algumas políticas bem intencionadas foram pensadas e em alguns lugares postas em prática com o intuito de minimizar e, se possível, reverter esse panorama de exclusão e miséria. Tem-se como exemplo a social democracia, mas que em toda parte degenerava-se em neoliberalismo ou no capitalismo grosseiro. Ou ainda o regime da atual Rússia, que ficou conhecido como Socialismo; apesar de ser a iniciativa de uma população extremamente explorada que visualizava no movimento uma libertação, que perdeu o foco dos seus objetivos em meio a burocracia e concentração de poderes, não proporcionando ao indivíduo oportunidades para desenvolver satisfatoriamente sua identidade e subjetividade. Mais do libertar o indivíduo deste sistema é preciso humanizá-lo, torná-lo consciente de sua condição de cidadão, enfim possibilitar-lhe sua emancipação. O trabalho, juntamente com a educação, podem ser instrumentos para a emancipação desse indivíduo, tanto das relações opressoras de ordem econômica, como também em sua formação humana e nas relações com seus semelhantes. OBJETIVOS O capitalismo enquanto modo de produção vigente é em sua essência, incapaz de resolver seus próprios conflitos, conforme dito anteriormente. Então, diante da inevitável irreversibilidade da desigualdade e exclusão humana pelo próprio capitalismo, constata-se que as soluções para estas mazelas não estão no seu interior; tais alternativas encontram-se fora deste sistema, devem ser buscadas em outros modos de produção, diferente do atual. Busca-se, com o presente trabalho apontar alternativas viáveis de emancipação humana, com o intuito de valorizar o indivíduo enquanto cidadão dotados de direitos que é. O trabalho, fato que sempre esteve presente na história da civilização, é um fenômeno multifacetado. Por ser de múltiplas faces pode ser instrumentalizado tanto pelo sistema vigente, para condicionar sempre e cada vez mais os indivíduos a um comportamento padrão e de ordem, que é o chamado trabalho alienado; ou ainda ser um instrumento para a emancipação destes indivíduos, que através do trabalho podem tornar-se livres, não apenas da opressão econômica, mas também livres da marginalização social, com o desenvolvimento do seu potencial criativo, enquanto seres humanos complexos que são, com infinita capacidade criativa a ser desenvolvida. A educação, semelhante ao que acontece com o trabalho, pode ser usada para fins diferentes e até antagônicos. Neste modo de produção que temos hoje, a educação é usada para legitimar o monopólio do poder e dar credibilidade aos discursos fatalistas, que pregam a imutabilidade da situação atual, bem como sua consequente impossibilidade de mudanças. Mas pode ter também uma prática emancipadora que possibilita a formação do indivíduo e sua libertação, como defendia Paulo Freire a instrumentalização da educação para resolver a “problemática da libertação das pessoas concretamente em suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social”. A emancipação se apresenta como um fenômeno complexo por que está inserido numa sociedade que é naturalmente dinâmica, e possui portanto, muitas dimensões. Busca a libertação plena e satisfatpória em diversos aspectos dos seres humanos que sobrevivem sob pesados jugos, oprimidos em muitos aspectos, que vão desde um ambiente mais restrito que convivem diariamente até um contexto maior e global. O atual paradigma em que nos encontramos, uma transição entre a Modernidade e a PósModernidade, de acordo com a classificação dada por Boaventura, encontra-se numa aguda e irreversível crise. A superação dessa crise faz-se necessária pois a queda deste paradigma é inevitável, cabe, portanto, aos excluídos e marginalizados pelas condições atuais, a construção de um novo paradigma, pautado em valores mais humanizados, fundamentado numa ressignificação do chamado senso-comum, papel que Boaventura atribui aos que chama de Novos Movimentos Sociais. Mas, emancipação social vai além de promover algumas possibilidades de escolhas para uns indivíduos no âmbito social, ou permitir a outros o acesso a medidas assistencialistas. Para Pochmann, esta mudança que levará e emancipação humana só acontecerá “quando essas pessoas passarem a ser capazes de reconstituírem a sua própria vida, de transformarem a sua realidade e se integrarem na sociedade”. Pensar emancipação é repensar todo o contexto em que os indivíduos se inserem, sua cultura, seja ela fruto natural de suas necessidades e costumes, ou valores impostos pela sociedade economicamente dominante. É necessário repensar também as instituições, sejam elas criadas para sustentáculo deste sistema, ou como uma tentativa de torná-lo menos opressor. Destas instituições, a de papel mais relevante com possibilidades reais de promover esta emancipação, é a educação. A educação, para ajudar a construir esse novo paradigma, além de resgatar, deve implementar efetivamente esses valores voltados ao pleno desenvolvimento do indivíduo. Deve buscar a construção da liberdade pessoal de crítica de todo indivíduo, ser um processo de formação humana e permanente, que supere a alienação na articulação dos conceitos de individualidade e coletividade, buscando a ruptura com os modelos hegemônicos de transmissão e regulação do conhecimento e formação de subjetividades. Como todo agente emancipador, a educação tem uma função social a cumprir de maneira comprometida com a total e completa autonomia desta sociedade de cidadãos hipossuficientes. Essa função social está em socializar as novas gerações, permitindo que tenham acesso aos conhecimentos historicamente acumulados, possibilitando-lhes conhecer o mundo e compreender suas contradições, para que lhes seja possível apropriar-se deste mundo e transformá-lo de acordo com sus necessidades. O trabalho, importante agente para a concretização desta emancipação, também se encontra em crise, e como o paradigma da modernidade, também precisa de uma ressignificação voltada para a valorização do indivíduo. Desde há muito tempo, o trabalho tem servido para alienar os indivíduos, que o praticam de forma mecânica e até pode-se afirmar, irracional. Não se identificam com o produto final que produzem, não se sentem participantes do processo produtivo de um bem útil; seja pela imensa fragmentação desta produção em cadeias produtivas, ou pela impossibilidade financeira de ter acesso ao produto final que sua força de trabalho produziu. Esta crise do trabalho interfere em todos os demais conflitos sociais O sintoma marcante desta crise, e talvez o mais evidente é a individualização, o lema popular do “cada um por si”, em que as preocupações coletivas são minimizadas ou até mesmo extintas, e aqueles que não tem condições de “estarem por si”, ficam a mercê da sorte. Mesmo diante da promoção de políticas de crescimento econômico o desemprego crônico e estrutural é permanente, bem como a perpetuação da má distribuição de riquezas. A escassez de oportunidades de inserção profissional é o maior obstáculo a qualidade de vidas das pessoas que estão nesta situação. A globalização, fruto da existência deste capitalismo e do liberalismo em escala mundial, provoca mudanças na estrutura dos mercados e consequentemente na própria natureza do trabalho; o que constitui o problema central do desenvolvimento social. O capitalismo é global, mas como já afirmado, serve para beneficiar poucos, uma minoria que dele se aproveita e através dele enriquece dia após dia. Isso termina com a exclusão social de parcelas imensas de populações que são jogadas diariamente na miséria, e mesmo Estados inteiros, que por não possuírem a capacidade de consumo e absorção de mercadorias consideradas suficientes aos olhos do mercado, são descartadas pelos grupos hegemônicos que ditam a economia global. Tais nações, no desespero para sobreviver em meio a concorrência desleal e por vezes selvagem do capitalismo, são empurradas para guerras internas, étnicas, onde a palavra de ordem é vencer a concorrência a qualquer preço, despedaçando ainda mais a já tão frágil idéia de nacionalidade. Uma das muitas e trágicas conseqüências é que estes Estados, em tese, livres e soberanos, se desorganizam numa velocidade nunca antes presenciada pela história. O Estado, enquanto detentor da soberania e regulação interna é cada vez mais fragilizado, e posto a serviços dos grupos internacionais que decidem como e o que fazer com estes países e suas populações. MÉTODO O método dedutivo,é trabalhado na observação do geral para se chegar a conclusões particulares. O uso deste método é possível na busca por alternativas de produção e geração de renda ao modelo capitalista vigente, e aplicá-las as populações excluídas da generalidade deste sistema. Uma alternativa viável é através do trabalho associativo e cooperativo. Neste tipo de trabalho comunitário, coletivo, há uma busca por fortalecer as raízes culturais e a economia local. Há nesta forma de trabalho um mecanismo de resistência dentro do próprio sistema, onde grupos de excluídos, através de um modelo alternativo promovem a sustentabilidade social do meio em que vivem. O “pobre” deixa de ser um fracassado para controlar e gerir os meios de produção que promovem sua emancipação das viciosas e opressoras políticas neoliberais, e ainda desenvolve a comunidade em que se situa. Há também a aplicação do método indutivo. Este método parte de situações concretas, particulares para chegar a conclusões gerais. As premissas particulares são o trabalho cooperativo nas comunidades, em que os indivíduos passam a se reconhecer como cidadãos detentores de direitos. Por possuírem um trabalho são aceitos e reconhecidos na sociedade como iguais, não sofrendo a marginalização que antes lhes era destinada, o que mostra mais uma vez o trabalho enquanto agente da emancipação humana. Ainda devido à possibilidade gerada pelo trabalho associado, solidário, é possível desenvolver uma educação voltada para o esclarecimento destes indivíduos, levando-os a reconhecerem-se como seres inseridos no mundo, com capacidade de transformá-lo. Esse descobrimento de seu infinito potencial criativo e de sua capacidade de interferência na sua realidade traz para esse cidadão a compreensão de que ao se associar e se organizar com seu iguais, está caminhando a passo largos para sua plena emancipação. Através da premissa particular do trabalho cooperativo, e seu potencial emancipador, chega-se a conclusões gerais de que estas formas alternativas de produção levarão numa escala global ao abalo significativo do capitalismo, e promoverá a emancipação dos seres humanos. RESULTADOS O acesso a uma educação não comprometida com o capitalismo globalizado é de fundamental importância para que o indivíduo possa desenvolver a plenitude de sua subjetividade, bem como descobrir e aplicar seu infinito potencial enquanto ser humano. Na busca pela emancipação, desenvolver o potencial criativo humano não é copiar soluções estabelecidas em outras realidades diferentes da sua; mas vencendo a angústia da impotência que lhe é transmitida pela cultura dominante, apreender sua capacidade de pensar idéias e propor soluções para sua própria realidade, criar seu lugar no mundo, e junto com seus semelhantes extrair desses potenciais humanos, a transformação da realidade em que vive; aí então, será um ser humano emancipado. Através da inserção profissional, o individuo se vê reconhecido e respeitado pela sociedade em que vive. Com o amadurecimento do trabalho cooperativo, solidário, os indivíduos começam a ter consciência dos seus direitos enquanto cidadãos. O trabalho cooperativo, associado permite muito mais que uma geração de renda para os que nele se encontram envolvidos. Para a comunidade local, o trabalho em cooperativas permite uma autonomia para os grupos sociais envolvidos. Traz por conseguinte, o desenvolvimento econômico e conseqüentemente social, além de um potencial desenvolvimento da cultura local, que normalmente é sufocada pela cultura do grupo social dominante. O processo de emancipação social através do trabalho, em corolário com a educação, permite-se chegar a resultados satisfatórios, que são a recuperação de sua auto-estima e dignidade, a completude na formação humana do individuo que teve acesso á estas formas de trabalho alternativo ao vigente sistema de produção. CONCLUSÃO Por todo o exposto e analisado acima, decorre a necessidade de buscar alternativas ao modo de produção capitalista para promover as mudanças necessárias na busca pela emancipação social dos indivíduos excluídos por este sistema. Na impotência gerada por uma ideologia não condizente com sua realidade, o individuo torna-se alienado, não questiona os valores sociais vigentes, que lhe parecem imutáveis. Essa falsa noção de imutabilidade é gerada e legitimada por um discurso fatalista, difundido pela grande mídia. Mídia esta que possui entrada livre em todos os lares e é, muitas vezes o único meio de informação de que dispões a maioria da população excluída, é um meio visivelmente manipulador e a serviços dos grupos hegemônicos detentores do monopólio do capital. Quando tiverem conhecimento de sua alienação e oportunidade para reconstituírem suas vidas e transformarem sua realidade, pondo fim a idéia de impotência gerada pela ideologia da globalização, os cidadãos terão conseguido sua emancipação enquanto seres humanos. Conclui-se que as alternativas apresentadas, o trabalho associado em sua forma de cooperativas, permitem o desenvolvimento social da comunidade envolvida de forma sustentável. Sustentabilidade ecológica, econômica, social e cultural, sendo esta última acobertada e estigmatizada de maneira preconceituosa pela cultura produzida por numa realidade antagônica a desse cidadão. Sustentabilidade econômica ao proporcionarem a autonomia das comunidades envolvidas e seus trabalhadores. Social, quando estes mesmos trabalhadores sentem-se sujeitos de sua própria realidade, capazes de alterá-la de acordo com suas necessidades. Cultural porque têm a oportunidade de desenvolver seu potencial, criando novas e consolidando a cultura popular e local já existentes, manifestando através dela sua maneira de interagir com o meio em que vive. Possibilitando o resgate do exercício da cidadania destes seres humanos antes marginalizados e excluídos, juntos, a educação e o trabalho não alienado, permitem ao ser humano o desenvolvimento pleno de sua identidade enquanto ser no mundo, agente capaz de transformar sua realidade, não estando sujeito a nenhum fatalismo histórico, mas que associados com seus iguais podem emancipar-se e conjuntamente permitirem a emancipação social da comunidade em que estão inseridos. Portanto, a emancipação que se busca é a que se baseia no reconhecimento das diferenças e da coexistência de uma vida em comum. BIBLIOGRAFIA CAPUCHA, L.M.A. Exclusão social e acesso ao emprego: paralelas que podem convergir. Sociedade & Trabalho. 3:61-69, 1998. [Links] DUSSEL. Enrique. O Encobrimento do Outro. Petrópolis: Vozes, 1993. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1993. _____________ Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994. HARNECKER, Marta. Conceitos elementares do materialismo histórico. São Paulo: Global, 1981. POCHMANN, M. e AMORIN, R. (org). Atlas da exclusão social no Brasil. / Atlas of social exclusion in Brazil. São Paulo: Cortez, 2003. ______________ Cadernos de psicologia social do trabalho, Dec. 2004, vol 7, p.81-91. INSS 1516-3717. <http:scielo.bvs-psi.org.Br/scielo.php?> acesso em 10.02.2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 11 ed. São Paulo: Cortez, 1995. ____________________________ Um discurso sobre as ciências. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2006. SINGER, Peter. Hegel. São Paulo: Loyola, 2003.