Artigo Original TRATAMENTO DA ÚLCERA DE ESTASE VENOSA DOS MEMBROS INFERIORES COM BOTA DE UNNA DOMICILIAR. SEGUIMENTO DOS PACIENTES. George Carchedi Luccas • INTRODUÇÃO Em trabalho anterior 1 apresentamos a possibilidade de tratamento da úlcera de estase venosa dos membros inferiores pelo próprio paciente ou familiar, com o uso de Bota de Unna, após assistirem palestra de orientação e obterem aprendizado prático na feitura da primeira bota. Cornos resultados animadores a curto prazo, relatados naquele trabalho, prosseguimos com o uso desta metodologia e, na presente publicação procuramos analisar o seguimento a médio prazo destes pacientes no sentido de verificar a porcentagem de cicatrização, índice de recidiva, valor do uso de meias elásticas, influência do nível de escolaridade -e condições sócio-econômicas no aproveitamento das instruções, e, principalmente, quantos doentes mantiveram a patologia sob controle. METODOLOGIA São apresentados os resultados da revisão a médio prazo do tratamento de 59 pacientes portadores de úlcera de estase venosa crônica com a aplicação domiciliar de Bota de Unna, analisando-se a porcentagem inicial de cicatrização, índice de recidiva, valor do uso de meias elásticas, influência do nível de escolaridade e condição sócioeconômica. Como principal resultado observou-se que 70, 1 % destes pacientes apresentavam boa evolução por ocasião da revisão. Unitermos: Insuficiência venosa, úlcera de estase ·venosa, síndrome pós flebítica. O trabalho foi desenvolvido no posto de atendimento PA-l do INAMPS de Campinas, SP. Coordenado por uma assistente social, os pacientes com atendimento inicial no período de 1985 a 1987 foram convocados por carta para comparecerem ao posto de atendimento. Os pacientes responderam a questionário padrão extenso, previamente elaborado, aplicado pela assistente social e/ou enfermeira que participaram do Programa de Bota de Unna domiciliar. A entrevista foi realizada em fevereiro/89 com tempo de evolução do primeiro atendimento à revisão variando de um ano e quatro meses a três anos e sete meses. CASUÍSTICA Foram revistos 59 pacientes. Destes, 33-eram do sexo feminino e 26 do masculino; 44 da raça branca e 15 da raça negra, com idade variando de 27 a 83 anos (média de 54 anos). O tempo de evolução da doeI1ça desde o aparecimento inicial de úlcera na extremidade, variou de 3 meses a 40 anos, com média de 17 anos e 9 meses. Em seis pacientes a doença era bilateral, e, em relação ao número de úlceras na mesma extremidade, observou-se uma única lesão em 45,8% dos casos, duas úlceras em 16,6%, três em 12,5% e mais de três em 25,0% destes pacientes. RESULTADOS • Professor Assistente Disciplina de Moléstias Vasculares Periféricas Departamento de Cirurgia - FCM - UNICAMP Quanto à cicatrização da ferida após a instituição do tratamento, obteve-se em 47 pacientes fechamento da lesão. Em três, com lesões extensas, houve boa evolução, estando as úlceras praticamente cicatrizadas por ocasião da 'reavaliação, permanecendo o tratamento em continuação. Em 9 casos houve insucesso do tratamento. Assim, considerando-se os dois primeiros grupos, tivemos 84,7% (50/59) de bons resultados e 15.2% (9/59) de resultados desfavoráveis. Quanto à recidiva, nesta observação a médio prazo, verificou-se que dos 47 pacientes em que ocorreu cicatrização da ferida houve aparecimento de nova ulceração em 25 casos (53,1 %), contra 22 (46,3%) que não apresen, taram recidiva no período de revisão. CIR. VASC. ANG. 6(3): 23,25, 1990 23 Trabalho realizado no PA-l do INAMPS - CAMPINAS. George Carchedi Luccas o número de botas realizadas em casa pelos pacientes variou de 01 a 170, sendo de 1 a 3 em 40,4%,3 a 10 em 27,6% dos casos e mais de 10 em 31,9% dos pacientes. Houve, portanto, 68 % de cicatrização das úlceras com até 10 botas. As meias elásticas foram utilizadas após o fechamento da ferida por 22 pacientes (46,8%), sendo que 72,7% destes afirmaram na entrevista sentir-se bem com a meia e os restantes a utilizaram apenas por ter sido dito ser necessário. Os 25 (53,2%) que não a utilizaram após a cicatrização, justificaram-se pelo desconforto (38,0%), preço (28,5%), por se julgarem estar bem (14,2%) e preguiça, esquecimento, não ter encontrado, vergonha, etc. nos restantes. Entre os que utilizaram a meia houve 7 (31,8 %) que tiveram recidiva e no grupo dos que não utilizaram, a recidiva ocorreu em 18 (72,0%). Nesta revisão houve particular interesse pelo grupo de pacientes que não apresentou recidiva (22 pacientes), junto ao que com úlceras extensas, tiveram praticamente as úlceras fechadas com tratamento prolongado (3 pacientes), somado ao que após a recidiva tomaram a iniciativa de reiniciar por si só a aplicação de bota de Unna, obtendo novamente cicatrização (10 pacientes). Estes totalizaram 35 pacientes (59,3%), considerados com a doença sob controle. A análise desse grupo, em confronto com o dos pa,cientes que tiveram recidiva sem reiniciar o tratamento expontaneamente, acrescentados aos que abandonaram sem haver cicatrização da úlcera, mostrou que em relação ao grau de instrução havia no primeiro grupo 13 analfabetos (37,1 %) e no segundo grupo 9 (37,5%). Quanto à condição sócio-econômica observou-se 11 pacientes do grupo C e D (31,4%) no primeiro grupo e 7 (29,1 %) no segundo grupo. Finalmente, a análise desta pesquisa mostrou bons resultados a médio prazo em 71,1 % (42/59) dos pacientes na época da entrevista, somando-se aos 35 acima referidos com controle da doença, mais 7 pacientes que após a recidiva retornaram ao mesmo Posto de Atendimento apenas para pedir nova orientação e autorização para reiniciar a aplicação da bota, e assim fazendo obtiveram cicatrização da ferida. DISCUSSÃO' Embora descrito há quase um século, o tratamento da úlcera de estase venosa pela aplicação de bota de Unna continua fazendo parte do arsenal terapêutico como maneira efetiva de enfrentar essa patologia, como se demonstrá em compêndios atualizados 2,3. Apesar disto ainda é muito grande o número de portadores desta afecção crônicaque freqüentam os consultórios médicos e os ambulatórios de instituições públicas, em verdadeiras peregrinações diárias à procura de "curativos". A palavra "curativo", neste caso, é mal empregada. -Se ao invés de esperar condução, enfrentar filas e ao ser atendido ter apenas trocadas as gazes e aplicadas diferentes pomadas, o paciente permanecesse em casa lavando a ferida e ficando em rePouso com os membros inferiores elevados, o benefício seria muito maior. Como o repouso prolongado é impossível para a grande maioria destes pacientes, passamos a reativar o antigo 24 Tratamento de ' Úlcera de Estase com bota de Unna. método terapéutico da bota de Unna. Os resultados obtidos quanto à cicatrização inicial referidos em pliblicação anterior l , foram confirmados nesta atual revisão que inclui pacientes de período maior de observação. Curiosamente, o grau de instrução não interferiu nos resultados, ou seja, mesmo um indivíduo analfabeto é capaz de aprender os ensinamentos para tratamento da úlcera de estase por este método. Tal fato reforça a importância de se gastar tempo e energia na educação dos pacientes, como ponto fundamental no controle dessa patologia. Quanto à condição sócio-econômica cuja classificação leva em conta condições de habitação, situação financeira e ajuda familiar, também não houve diferença entre os grupos com sucesso e insucesso, embora o fato de se ter fornecido a pasta de -Unna e ataduras de gaze possa ter contribuído para igualar os grupos com melhor e pior condição sócioeconômica. O principal objetivo dessa revisão foi a procura da realidade da evolução com o tratamento, uma vez que impressionou a diminuição acentuada dos portadores da úlcera de estase que freqüentavam tanto o Posto do INAMPS, como o ambulatório de Moléstias Vasculares Periféricas da FCM - UNICAMP nos quais o método está sendo aplicado. Necessitávamos saber se esta diminui: ção representava o controle da patologia pela maioria dos pacientes. Neste sentido, o resultado obtido de 59 . 1% de pacientes que a médio prazo se tornaram independen.tes em relação aos cuidados com sua doença, somados aos que na recidiva apenas procuravam autorização para reiniciar tratamento com o qual se adaptaram bem, atinge-se o índice de 70,1% de pacientes com boa evolução, justificando assim a diminuição da freqüência desses casos nos ambulatórios como fato muito positivo. Impressiona também o elevado número de recidivas, que confere o grau de gravidade a esta doença crônica. O usá de meias elásticas se mostrou útil, com índice nitidamente superior de recidiva nos pacientes que não a utilizaram após a cicatrização inicial. Verificamos, entretanto, que mesmo com a utilização de .meias houve recidiva em número significativo de pacientes, cabendo a ressalva de que nem sempre as meias são adequadamente usadas. É muito comum os pacientes continuarem a utilizar a meia mesmo após perda da força elástica e, ainda pior, passando a utilizar meias usadas, sem medidas corretas, doadas por parentes ou amigos. Infelizmente, apesar dos bons resultados relatados, não se atinge o ideal de se tratar adequadamente a totalidade dos pacientes. Outras alternativas como o repouso prolongado e o enxerto de pele necessitam fazer parte do plano de tratamento dos quadros graves de insuficiência venosa profunda, e em especial, investir em pesquisa de métodos de tratamento das lesões do sistema venoso quando se obteria o efetivo controle da hipertensão venosa. CIR. VASCo ANG. 6(3): 23,25, 1990 George Carchedi Luccas Tratamento de Úlcera de Estase com bota de Unna. SUMMARY REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: HOME TREA TMENT OF VENOUS ULCERS OF THE LOWER EXTREMITIES. PA TlENT FOLLOW-VP. 1 LUCCAS,GC: Tratamento domiciliar da úlcera de estase venosa dos membros inferiores. Cir Vasc Angiol, 2(2):25, 1986 2 RUTHERFORD,RB & JOHNSON G Jr: Nonoperative management of chronic venous insufficiency. In: Rutherford,RB. - Vascular Surgery. W.B.Saunders Cómpany, 1984, pg. 1397. 3 SILVA,MC: Insufioiência Venosa Crônica. Diagnóstico e Tratamento Clínico. Em: Maffei,FHA - Doenças Vasculares Periféricas. Medsi, 1987, pg. 655. The follow-up study of 59 paiients with Unna paste boot home treatmeht program for chroríic venous ulcers are presentep. Thé initial healing index, 'percentage of ulcer recurtence, use of elastic stocking and influence o.f scolarity and social-economical conditions are reported. Favourable results were noted in 70, 1 % of the patients. UNITERMS: Venous insufficiency; skin ulcer. CIR: VASCo ANG. 6(3): 23,25, 1990 25