LIBERDADE PROVISÓRIA APLICADA NOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS. Felipe Vittig Ghiraldelli 1 [email protected] Resumo Este artigo cientifico apresenta hipóteses de aplicação do instituto da liberdade provisória no ordenamento jurídico pátrio, com a apreciação judiciária sobre o caso concreto, apresenta por outro lado a vedação legal dada pela lei de drogas que proíbe expressamente a concessão da liberdade provisória sem permitir que o judiciário verifique as hipóteses concretas da aplicação da lei, fato que foi discutido amplamente pelo Supremo Tribunal Federal, que ao analisar o caso concreto realizou controle difuso da constitucionalidade da norma face os preceitos constitucionais. Abstract This research paper presents the application of hypotheses institute bail the national laws with the judicial assessment of the case, on the other hand shows the prohibition by law on drug law that expressly prohibits the granting of bail without allowing judicial check the hypotheses of the concrete application of the law, which was widely discussed by the Supreme Court, that in analyzing the case held diffuse control of the constitutionality of the rule against the constitutional precepts. Palavras-chaves: liberdade provisória, tráfico de drogas, fiança. 1. INTRODUÇÃO A liberdade é inerente ao ser humano, pois, em regra, todos nascem livres e mantém está condição, até que através de opções particulares ou conflito com as leis punitivas criadas pela sociedade esta liberdade é cerceada. Como bem salienta Carlos Bernado Pecotche 2: “a liberdade é prerrogativa natural do ser humano, já que nasce livre, embora não se dê conta até o momento em que sua consciência o faz experimentar a necessidade de exercê-la como único meio de realizar suas funções primordiais da vida e o objetivo que cada um deve atingir como ser racional e espiritual. Como princípio, assinala ao homem e lhe substancia sua posição dentro do mundo”. Discorrendo no sentido jurídico, a liberdade está prevista no artigo 5º, caput, da atual Constituição Federal Brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Tratase de exemplo de direito fundamental de primeira dimensão, que são aqueles que se referem a um absenteísmo estatal, ou seja um não fazer do Estado perante a esfera privada, de acordo com os ensinamentos do doutrinador Pedro Lenza 3, os direitos de primeira dimensão também são chamados de direitos de liberdades públicas que garante ao individuo a oposição contra atos estatais que possam cercear sua liberdade de forma arbitrária. Avaliado por outra perspectiva a garantia de liberdade, deve ser direcionada a necessidade da intervenção estatal para que um indivíduo não agrida a esfera intima de liberdade de outro, é uma intervenção necessária para assegurar o direito de liberdade. Nas palavras de 1 FELIPE VITTIG GHIRALDELLI. Professor do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – UNIFEG. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – UNIFEG. Pós graduado, Especialista, em Direito Penal e Processual penal com ênfase em Penal Econômico, pela Escola Superior Verbo Jurídico, Porto Alegre/RS. 2 WIKIPEDIA. em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade>. Acesso em 27 ago 2013. 3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 958. 4 Marcelo Novelino : A noção de liberdade não deve ser associada à arbitrariedade, mas sim à ideia de responsabilidade, que serve como limite ao seu exercício. A proteção assegurada ao núcleo essencial dos direitos de liberdade impede sua supressão por emenda (Constituição Federal, art. 60, §4º, IV) ou por lei infraconstitucional, mas não significa a impossibilidade de restrições decorrentes da harmonização com determinados padrões ético-jurídicos e com a própria liberdade de terceiros, afinal, “só há liberdade onde existe restrição a liberdade”. Caso um indivíduo desrespeite o pacto social e jurídico da comunidade em que vive, desafiando suas leis penais, o corpo social prejudicado poderá impor uma pena ligada ao cerceamento da liberdade, utilizando seu ordenamento jurídico, mas, para que a legislação seja aplicada deve-se levar em consideração o fato delituoso cometido de acordo com a norma penal objetiva, em consonância com condições subjetivas, respeitando a atuação do direito penal sobre o individuo de forma proporcional ao crime praticado sem nenhum tipo de exagero, nem abrandamento o que poderia trazer sensação de impunidade e ineficácia para os demais componentes da sociedade. Neste sentido cabe o estudo específico da liberdade provisória com função ontológica de instituto do direito com natureza constitucional e processual penal ligado intrinsecamente a liberdade de locomoção do indivíduo. A liberdade provisória se contrapõe a prisão cautelar que é o cerceamento temporário do direito de ir e vir do individuo antes que ocorra a sentença penal condenatória transitada em julgado. Na verdade, o direito de liberdade provisória é um direito constitucionalmente adquirido através do artigo 5º, LXVI da Constituição Federal: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. O instituto da liberdade provisória que ilide com a prisão também está presente no Pacto de San José da Costa Rica Art. 7, 5: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. Estes dispositivos legais, apresentam de forma genérica o direito de liberdade do individuo face a prisão, e por outro lado demonstram o direito do Estado através da autoridade legítima julgadora de manter a liberdade ou a prisão avaliando o caso concreto. No diploma infraconstitucional, os requisitos da liberdade provisória estão expressos nos artigos 321 e seguintes do Código de Processo Penal. Existe outras previsões em legislações especiais, como a vedação expressa da liberdade provisória na lei de Drogas, Lei n. 11.343 de 2006, como na hipótese do artigo 7º da Lei do Crime Organizado Lei n. 9.034/95, atualmente revogada pela lei 12.850/13. Fica claro que há grande preocupação do Legislador em estabelecer às hipóteses que poderiam ser concedida a liberdade provisória. Porém, até qual ponto este pode determinar de forma objetiva as situações que poderão ser aplicadas a liberdade provisória sem possibilitar a margem de avaliação do Magistrado. 2. HÍPOTESES DE LIBERDADE PROVISÓRIA Através dos Ensinamentos de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues5 a liberdade provisória em razão da admissibilidade legal é dividida da seguinte forma: Liberdade Provisória Obrigatória: ocorre quando o agente foi surpreendido e preso em flagrante e não será submetido a nenhuma obrigação, hipótese atualmente prejudicada com a nova redação do artigo 321 do Código de Processo Penal. Era utilizada antes da lei 12.403/11 que alterou este diploma legal. A hipótese era prevista quando se utilizava a expressão “livrar Souto”. Liberdade Provisória Permitida: é admitida na ausência dos requisitos para decretação da preventiva, e quando não houver vedação legal. É utilizada com a aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, utilizando como parâmetro de aplicação o artigo 282 do mesmo diploma. No artigo 310, parágrafo único do Código de Processo Penal, existe também a utilização desta liberdade provisória, pois, o Juiz verifica que o agente praticou o fato acobertado por uma excludente de ilicitude prevista no artigo 23 do Código Penal, esta liberdade será concedida mediante termo de comparecimento a todos atos processuais. 4 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Método. 2010, p. 399. TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7ª ed. Salvador: Editora Juspodivm. p. 643. 5 Liberdade Provisória Vedada ou Proibida: Ao analisar o caso concreto se verificado os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal que autorizam a aplicação da Prisão Preventiva bem como avaliação dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei de Prisão Temporária, Lei.7.960/89, haverá vedação da liberdade provisória, pois, em contraponto será necessário a prisão. Pode ocorrer hipóteses de vedação legal, que é utilizado o critério de política criminal, como no caso apresentado neste artigo. 3. ESPÉCIES DE LIBERDADE PROVISÓRIA A Liberdade provisória pode ocorrer de diversas maneiras, esta pode ser vinculada a medidas cautelares previstas na lei processual penal ou a nenhum tipo de medida, este sistema serve como uma verdadeira aplicação do principio da proporcionalidade que deve ponderar as ações cometidas com as restrições impostas. É tratado na doutrina administrativa6 como seguimento dos padrões comuns na sociedade em que vive, e não deve ficar preso a padrões frios da lei, deve ser utilizado o caso concreto para aferir suas medidas. 7 De acordo com Tavora e Rodrigues dentre as espécies existe a liberdade provisória sem fiança e sem vinculação: “Trata-se da possibilidade de o juiz entender desnecessária ou inadequada a imposição de qualquer medida cautelar do art. 319, CPP, ou a imposição de outra obrigação, concedendo a liberdade provisória simples, não vinculada a qualquer condição”. Existe a hipótese da liberdade provisória sem fiança e com vinculação, na mesma doutrina, é apresentado o seguinte conceito: “É a liberdade provisória condicionada, apesar de não exigir fiança. O infrator permanecerá em liberdade, submetendo-se às exigências legais, sem necessidade de realizar nenhum implemento pecuniário”. Com a revitalização do arbitramento de fianças realizado pela lei 12.403/11, que em regra, tornou quase todos os crimes afiançáveis com exceção daqueles que são vedados pela Constituição Federal, ocorre a hipótese da concessão da liberdade provisória mediante fiança, que é direito subjetivo do beneficiário, que atenda aos requisitos legais e assuma as respectivas obrigações, de permanecer em liberdade durante a persecução penal. É a contracautela destinada ao combate de algumas prisões processuais, imprimindo uma implementação financeira e condicionando o beneficiário a uma série de imposições, poderá ainda haver cumulação, inclusive, com as demais medidas cautelares diversas da prisão. Nota-se que este tipo de liberdade provisória vincula-se a condições financeiras que devem ser analisadas de acordo com o caso concreto, com a avaliação dos requisitos presentes no artigo 326 do Código de Processo Penal: “Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento”. Existem casos previstos que não é permitida a concessão de fiança por plena política criminal adotada pelo legislador ao acreditar que estes crimes devem ser tratados de forma mais gravosa, porém, apesar destes crimes não permitirem a concessão de fiança, não vedam a liberdade provisória que pode ser cumulada com outra medida cautelar. Eugênio Pacelli de Oliveira8 critica a não utilização da fiança em alguns crimes: “Nota-se que a liberdade provisória com a proibição da fiança é fruto de delírio legislativo, fundamentado na Constituição da República, que previu a inafiançabilidade para vários e graves delitos. A ideia parece ter sido a proibição de qualquer restituição da liberdade para aquele preso em crimes inafiançável. Equívoco manifesto! É a própria Constituição que exige ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente para qualquer modalidade de prisão. Não bastasse, a redação do art. 283, caput, CPP, reafirma essa exigência. No entanto, logo adiante, no art. 323, CPP, introduz-se um novo regime de irrecusável contradição: autoriza-se a liberdade provisória para todo e qualquer crime, quando ausentes as razões da preventiva, vedando a exigência de fiança justamente para os crimes mais graves e de maior reprovação social! Ou seja, permite a liberdade com a imposição de uma ou de várias cautelares, desde que não seja a fiança”! Quando o Magistrado converte a prisão em flagrante em prisão temporária ou preventiva, ou concede liberdade provisória com vinculação à determinada medida cautelar, estas exigem a gravitação da motivação em torno do fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Diferentemente do que ocorre com o dever de fundamentar a concessão da liberdade provisória sem vinculação onde a 6 PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 76. TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. p. 641. 8 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p 574. 7 interpretação permanece em torno da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade aliadas a interpretação a contrário senso dos requisitos cautelares. As decisões judiciais aplicadas a liberdade provisória devem obedecer por expressa ordem constitucional o artigo 93, IX da Constituição Federal: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Verifica-se que apesar da liberdade ser inerente ao ser humano e que por uma extensão lógica não haveria necessidade prática da fundamentação judicial da sua decisão, o artigo constitucional exige esta motivação que avaliará o caso concreto justificando a manutenção da liberdade. 3. ENFRENTAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FACE A LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE DROGAS. A redação legal do artigo 44 da Lei 11.343/2006, diz expressamente que: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”. O artigo faz referência aos crimes de Trafico e equiparado, Maquinário, Associação, Financiamento e Colaboração para o Tráfico ilícito de drogas. Esta figura típica inclui quase todos tipos penais, excetuando-se apenas desta vedação os crimes de Uso, Prescrição culposa de entorpecentes e a Condução de aeronave ou embarcação sob o efeito de drogas. Recentemente o Plenário do Supremo Tribunal Federal sob a presidência do Ministro Ayres Britto se reuniu para decidir o Habeas Corpus 104.339/ SP9, que se referia a um Habeas Corpus em que: O paciente foi preso em flagrante, em 25.8.2009, nas proximidades de escolas públicas estaduais, mantendo em guarda e em depósito, em sua residência, 27,3 gramas de cocaína, acondicionadas em sessenta e duas cápsulas de cocaína em pó, 6,7 gramas de crack em forma de uma pedra, 73,5 gramas de cocaína em pó divididas em duas porções, e 4,9 quilos de cocaína divididos em cinco tijolos. Foram ainda apreendidas, na ocasião, duas balanças de precisão e R$ 44.877,00 em espécie. O paciente foi denunciado pelo crime de tráfico de drogas do art. 33 da Lei 11.343/2006, com a causa de aumento do inciso III do art. 40 do mesmo diploma legal (infração cometida nas imediações de estabelecimentos de ensino). Foi denegada a liberdade provisória ao paciente por força da vedação contida no art. 44 da Lei 11.343/2006. Denegou-se, sob o mesmo fundamento, habeas corpus impetrados perante o Tribunal de Justiça de São Paulo e perante o Superior Tribunal de Justiça. Quanto à conduta narrada houve a denúncia por tipificação do crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, com causa de aumento do inciso III do artigo 40 desta lei. A defesa impetrou habeas corpus que foi denegado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça sob o fundamento de que o artigo 44 da Lei 11.343/2006 veda expressamente a liberdade provisória no crime prescrito no artigo 33. Com a denegação do Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça este se tornou autoridade coatora. Vislumbrou-se possibilidade da Corte Suprema julgar a ação autônoma de impugnação nos termos do artigo 102, I, i da Constituição Federal. Os votos dos Ministro Gilmar Mendes relator do Habeas Corpus, foi no sentido de conceder a ordem de forma parcial sob o argumento de que a vedação prevista no artigo 5º, XLIII da Constituição Federal conflita com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, dentre eles a presunção de inocência e o devido processo legal. O Ministro ainda afirmou que neste caso deve ser aplicado o principio da proporcionalidade, chegando a conclusão de que: Afastar a concessão da liberdade provisória de forma apriorística e genérica, retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere, em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais. 9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 104.339/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes, 2012. Por fim, pediu para que os autos a fim de que determinasse ao juízo de primeiro grau verificar as hipóteses de aplicação da liberdade provisória no caso concreto. Voto que foi seguido pela Ministra Rosa Weber, que ainda ressaltou que a prisão em flagrante não é suficiente para afastar a presunção de inocência e permitir imediata conclusão acerca da responsabilidade criminal do processado. Ressaltou ainda que o se houver no caso concreto os pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal pode haver a decretação da prisão preventiva. Os Ministro Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski seguiram o voto do Ministro Gilmar Mendes. O Ministro Cezar Peluso,fez referência a separação da aplicação de fiança e liberdade provisória, afirmando que em nenhum momento há vedação da concessão de liberdade provisória sem fiança, e que nos casos previstos na Constituição Federal seriam vedados apenas a concessão de liberdade com fiança. O Ministro Luiz Fux denegou o Habeas Corpus ao analisar o texto constitucional do artigo 5º, XLIII e afirmou que pelo princípio da unidade da Constituição, o legislador quis acabar com o tráfico de drogas, impedindo a fiança e a liberdade provisória. Afirmou categoricamente ainda que a Constituição não permitiu margem a legislação infraconstitucional para decidir acerca da liberdade provisória, pois, o fato é considerado inafiançável. O Ministro Marco Aurélio afirmou que o poder legislativo redigiu a lei de Drogas de acordo com permissivo constitucional, e de acordo com a política criminal vigente. O Ministro Joaquim Barbosa seguiu o voto de indeferimento. Houve declaração de inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” descrita no art. 44 da Lei 11.343/06, que foi feita através de controle difuso, incidenter tantum, que pode ser realizado por qualquer juiz, mas que quando for suscitado em Tribunais deve ser respeitada a clausula de reserva de plenário prevista no artigo 97 da Constituição Federal. Este controle ocorre quando há um caso concreto em que o tema constitucional não é aferido no plano principal, há discussão de caso concreto e no decorrer desta é suscitada a constitucionalidade da norma aplicada. Em regra o efeito da decisão é inter partes, ex tunc e não vinculante, ou seja, tem valor apenas para as partes que demandaram a ação, seus efeitos são retroativos e não há obrigatoriedade de observância por parte dos órgãos da Administração Pública bem como pelas demais instâncias judiciárias. Apesar da decisão ter ocorrido apenas com efeito inter partes, têm se verificado que em algumas decisões como a realizada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário10, que se tem utilizado a teoria da transcendência da ratio decidendi que ignorou a necessidade do Senado Federal em suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o artigo 52, X da Constituição Federal. Com este tipo de decisão o Supremo vincula os demais órgãos do Poder Judiciário, se não ocorrer a suspensão por parte do Senado Federal a lei continua válida e eficaz, só se tornando nula no caso concreto, em razão de sua não aplicação. Nesta situação o Supremo Tribunal Federal entendeu que houve declaração de inconstitucionalidade sem redução parcial de texto, pois, não houve supressão de palavras que compõem o elemento textual, apesar de ter considerado inconstitucional a expressão “liberdade provisória” está não foi expurgada da lei, pois o controle foi realizado de forma difusa e gera efeito inter partes. Não houve declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, pois, no entendimento do Ministro Sepulveda Pertence11 na Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.645/TO, a impugnação parcial de uma norma só é admissível no controle abstrato, o que não ocorreu no caso analisado neste artigo. 3. Utilização dos critérios de política criminal sobre o combate as drogas. A vedação de liberdade provisória prevista na Lei de Drogas, esta em desacordo com a dogmática moderna dos direitos fundamentais como a presunção de inocência e do devido processo legal na sua concepção substantiva, que garante ao processo legal a justiça e adequação, nesta perspectiva os julgadores devem abstrair da lei o seu real significado. Marcelo 12 Novelino afirma que o devido processo legal substantivo se dirige em um primeiro momento ao legislador, constituindo-se em um limite à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça razoabilidade e racionalidade. Na situação em que o legislador faz uma vedação de liberdade provisória de forma genérica atendendo os critérios de política criminal, poderia haver 10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 197.917/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes, 2004. 11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.645/TO. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, 2004. 1212 NOVELINO, Marcelo. Op. cit. p .446 engessamento do devido processo legal, por não permitir ao Magistrado a concessão de liberdade provisória, mesmo com o compromisso do réu de comparecer a todos os atos processuais e talvez o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão. A fundamentação do tratamento mais gravoso a punição do crime de tráfico de Drogas está devidamente fundamentado com a utilização de critérios de política criminal, que de acordo 13 com Dotti : Compete à Política Criminal fornecer e avaliar os critérios para se apreciar o valor do Direito vigente e revelar o Direito que deve vigorar; cabe-lhe ensinar-nos também a aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins. Em síntese, pode-se afirmar que a Política Criminal é a sabedoria legislativa do Estado na luta contra as infrações penais. Ela deve ser concebida e executada dentro de uma realidade humana e social vigente, daí porque se fala na necessidade de se conjugar os seus objetivos, meios e métodos com uma dogmática realista. Esta deve ser considerada como um núcleo característico da ciência penal que deve partir de suas normas e de seus institutos, ajustando-os, porém, às exigências da coletividade e ao reconhecimento da condição humana de seus membros. Não há dúvida que o aumento nos casos da utilização de Drogas ilícitas está proporcionalmente ligada a muitos crimes e que a política criminal deve estar voltada para a 14 repressão destes delitos. A Secretária de Estado e Defesa Social de Minas Gerais publicou pesquisa que apresenta informações relevantes sobre o aumento da criminalidade associado ao tráfico de Drogas: “De acordo com dados levantados pelo Relatório da Superintendência de Informação e Inteligência da Polícia Civil de Minas Gerais indica ainda que há uma estreita relação entre o tráfico de drogas e os homicídios consumados. De acordo com o documento – elaborado com base nas ocorrências recebidas pelos Departamentos de Polícia Civil (DPCs), que abrangem as cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte – há coincidência entre as “zonas quentes do tráfico” com as “zonas quentes dos homicídios”. Ao longo de 2011, nos levantamentos mensais feitos pelos DPCs, as motivações “drogas ilícitas”, “vingança”, “ações de gangues” e “disputas de quadrilhas” lideram o preenchimento dos Registros de Ocorrência de Defesa Social (Reds), nos casos em que as causas presumidas dos crimes foram identificadas. Outro indicativo da relação entre drogas e criminalidade está no fato de que, em 2011, houve um aumento de 17,30% nas apreensões de drogas em todo o Estado. Em 2010, foram registradas 43.641 ocorrências com esse teor pela Polícia Militar de Minas Gerais contra 51.192 em 2011. Já as apreensões de armas de fogo – instrumento utilizado em cerca de 80% das ocorrências de homicídio – também aumentaram em 2011, passando de 22.519 ocorrências em 2010 para 23.942 em 2011 – uma elevação de 6,31%”. Nas lições de Cezar Roberto Bittencourt15, o direito penal que deve ser aplicado no Estado Democrático de direito, é aquele que faz a ponderação entre a realidade e a ratio legis, deve haver sentido social próprio e adequado, anterior à norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações. Este autor em continuidade as suas lições afirma que o direito Penal funciona, da seguinte forma: num primeiro plano, garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade e em segundo plano, reage, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição de pena correspondente. Orienta-se o Direito Penal segundo a escala de valores da vida em sociedade, destacando aquelas ações que contrariam essa escala social, definindo-as como comportamentos desvaliosos, apresentando, assim, os limites da liberdade do individuo na vida comunitária Não há duvida que o tráfico de drogas é conduta extremamente desvaliosa que destrói famílias e consequentemente sociedades inteiras como demonstrado através da pesquisa realizada pela Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, são valores que extrapolam a simples relação comercial entre traficante e usuário. 13 DOTTI, Renê Ariel, A Crise do Sistema Penal, p. 424. MINAS GERAIS. Sitio da Secretária de Estado e Defesa Social: <https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1584&Itemid=71> Acesso em 27, ago, 2013. 15 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p 36-37. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS O legislador ao vedar a aplicação da liberdade provisória aos crimes de tráfico de drogas adotou critérios de política criminal, visando inibir esta prática que desencadeia diversos outros crimes apresentando para a sociedade uma resposta legislativa para o aumento da criminalidade. De outra forma, o combate contra as drogas deve contar com uma legislação mais árdua desde que não impeça o Poder Judiciário de utilizar os princípios do direito em seus julgamentos avaliando o caso concreto e respeitando os princípios gerais da proporcionalidade e razoabilidade para fundamentar a aplicação das medidas cautelares, incluindo as prisões provisórias, pois tratam-se de valores que tutelam a liberdade do individuo em contrapartida ao direito do Estado em buscar a adequada persecução penal.