LOCALIZAÇÃO SUBCELULAR DA PROTEÍNA DO CAPSÍDEO DO VÍRUS RESPONSÁVEL PELA DOENÇA AZUL DO ALGODOEIRO EM CÉLULAS DE TABACO TRANSGÊNICAS 1* Tatiane da Franca Silva (UFRJ/ [email protected]), Régis Lopes Corrêa (UFRJ), Marcos de Bonis (UFRJ), Gilberto Sachetto Martins (UFRJ) e Maite Vasln de Freitas Silva (UFRJ) RESUMO - O agente causal da doença azul do algodoeiro, o Cotton leafroll dwarf virus (CLRDV) é um vírus pertencente ao gênero Polerovirus família Luteoviridae. Membros desta família possuem RNA genômico organizado em 5 a 6 fases abertas de leitura (ORFs). A ORF3 codifica a proteína do capsídeo (CP) viral e a ORF 4 uma proteína do movimento, sendo transcrita a partir de uma mudança de fase de leitura da ORF 3. A proteína codificada pela ORF 5 é responsável pela transmissão viral sendo produzida através de uma fusão traducional com o capsídeo e expressa ocasionalmente através do não reconhecimento do códon de terminação capsidial. Dentre as múltiplas funções da CP no ciclo viral, está a ligação ao RNA e, possivelmente, o endereçamento da partícula para o núcleo . Com o objetivo de compreender a função da CP, caracterizando a sua localização subcelular, promovemos a transformação de células Nicotiana tabacum BY-2 com uma construção contendo a fusão da CPCLRDV e a proteína GFP (Green-Fluorescent protein). Analisando diversas linhagens transgênicas, observamos a expressão da CP:GFP próximo ao núcleo, em vesículas associadas à membrana perinuclear. Embora preliminares estes resultados já foram observados para outros luteovírus e abrem novas perspectivas sobre o papel da CP no ciclo viral. Palavras-chave: localização subcelular, capsídeo do CLRDV, doença azul INTRODUÇÃO Considerada uma das mais importantes patologias bióticas relatadas na cultura do algodão, a doença azul do algodoeiro apresenta ampla disseminação, sendo encontrada nas Américas, África e Asia. Cotton leafroll dwarf virus (CLRDV), membro da família Luteoviridae (gênero Polerovirus), foi identificado como agente causal desta patologia (CORRÊA et al., 2005). Baseado na organização genômica, mecanismos de expressão e estratégias de replicação, a família Luteoviridae é agrupada em três genêros: Luteovirus, Polerovirus e Enamovirus (D’ARCY et al., 1999). Todos os membros da família apresentam restrição aos feixes vasculares e o RNA genômico estruturado em cinco ou seis fases abertas de leitura (ORFs) designadas ORF0 até ORF6 (PFEFFER et al., 2002). As ORFs 1 e 2 estão sobrepostas, e codificam proteínas envolvidas com a replicação (RdRp RNA polimerases dependentes de RNA). A ORF3 codifica a proteína do capsídeo (CP) viral e a ORF4 a proteína do movimento, a qual é transcrita a partir de uma mudança da fase da leitura da ORF 3. A proteína de transmissão (ORF5) é expressa ocasionalmente pelo não reconhecimento do códon de término da ORF3. A ORF0 codifica uma proteína supostamente envolvida no processo de silenciamento gênico (TERRADOT et al., 2001). A proteína do capsídeo está envolvida em vários estágios do ciclo de vida viral. Exerce uma função crucial na associação do vírus ao afídeo, além de participar de vários eventos pós-transmissão, 1 Agências Financiadoras: FACUAL e CNPq. como o empacotamento da partícula e o acúmulo de RNA viral na planta (REUTENAUER et al., 1993; BRAULT et al., 2003). Com base na estrutura protéica da CP de outros vírus icosaédricos, a proteína pode ser dividida em dois domínios. Um rico em arginina, que interage com o RNA viral, localizado na região Nterminal e o domínio da capa, que compõem a estrutura principal do capsídeo (LEE et al. 2005). Em luteovirus, próximo à região N-terminal, há um putativo sinal de localização nuclear (NLS - nuclear localization signals) (MUKHERJEE et al., 2003). Vários trabalhos têm sugerido a associação de Luteovirus ao núcleo da célula vegetal. Partículas íntegras de Beet western yellows virus, gênero Polerovirus (ESAU E HOEFERT, 1972), e de Barley yellow dwarf virus, gênero Luteovirus (NASS et al., 1995), têm sido encontrada no núcleo. Esta localização, provavelmente está sendo direcionada pelo sinal específico NLS, que pode apresentar uma região de sobreposição ao domínio de ligação RNA. Estes domínios podem estar competindo entre si, modulando o envolvimento da CP em diferentes funções durante as infecções por luteovirus (HAUPT et al., 2005). Com o objetivo de melhor entender a função da CP do CLRDV durante o processo de infecção, caracterizou-se, neste trabalho, a localização subcelular da proteína do capsídeo. Para isso, células de Nicotiana tabacum foram transformadas com uma construção contendo CP-CLRDV fusionada a proteína verde fluorescente GFP (Green-Fluorescent Protein). Luteovirus Polerovirus Enamovirus Figura 1. Esquema do genoma dos gêneros Luteovirus, Polerovirus e Enamovirus. Os números 0 a 5 correspondem as OFRs 0 a 5, respectivamente MATERIAL E MÉTODOS A seqüência integra da ORF3, obtida por PCR utilizando oligos específicos para a amplificação da CP integra, foi clonada, através do sistema de recombinação Gateway (KARIMI et al., 2002) no vetor de destino pK7FWG2. A construção resultante originou a fusão da CP a GFP sob o controle do promotor, constitutivamente expresso 35S do Cauliflower mosaico vírus. Esta construção foi inserida, por eletroporação, na cepa LB404 de Agrobacterium tumefaciens. Células BY-2 (Bright Yellow - 2) de Nicotiana tabacum foram co-inoculadas com a cultura de bactérias transformantes, durante três dias no escuro. Em seguida, a co-cultura foi plaqueada em meio de seleção, contendo os antibióticos vancomicina e canamicina, e mantidas no escuro a 28 °C por duas ou três semanas. Após este período, vários calos, supostamente transformados, foram obtidos e isoladamente transferidos para uma nova placa contendo o mesmo meio seletivo. A expressão de GFP foi confirmada por análise em microscópio confocal e de fluorescência. RESULTADOS E DISCUSSÃO Através do sistema de clonagem por recombinação Gateway obtive-se a CP do CLRDV fusionada a GFP no vetor de transformação por Agrobacterium tumefaciens pKFWG2. Cepas de agrobacterium contendo este vetor foram usadas para transformar células da linhagem de crescimento contínuo de tabaco BY-2. Após transformação e seleção, linhagens de calos transgênicas foram analisadas por microscopia. Verificou-se, por meio de análise em microscópio de fluorescência, uma fraca expressão da proteína GFP no núcleo ou próximo a ele nas linhagens transgênicas de BY-2 (Fig. 2). Uma análise preliminar em microscópio confocal permitiu a localização mais detalhada da expressão CP-GFP, em vesículas próximas ou associadas à membrana perinuclear (Fig. 3). Estas estruturas vesiculares foram encontradas em 32 linhagens independentes de BY-2 transgênicas, e podem ser observadas em microscopia sob luz visível; entretanto, encontram-se ausentes tanto em células BY-2 não transgênicas quanto em células transformadas somente com a proteína GFP (Fig. 4). Vários trabalhos têm descrito a associação de partículas virais de luteovírus, como o Beet western yellows vírus (ESAU E HOEFERT, 1972) ou o Barley yellow dwarf virus (NASS et al., 1995), ou ainda somente a proteína do capsídeo com o núcleo (HAUPT et al., 2005). Embora partículas virais do PLRV (Potato leafroll virus, gênero Polerovirus) não tenham sido encontradas nesta organela, a seqüência do capsídeo apresenta NLS, e sua localização nuclear foi confirmada por imunomicroscopia e pela expressão da fusão protéica CP::GFP. A função desta proteína, isolada da partícula viral, no núcleo ainda não foi elucidada, mas possivelmente pode estar de alguma forma controlando a expressão gênica do hospedeiro (HAUPT et al., 2005). Para melhor visualização das alterações observadas na membrana perinuclear das linhagens transgênicas CP:GFP as células transformadas foram submetidas à microscopia eletrônica. A análise em microscópio de transmissão revelou um padrão alterado da membrana nuclear presente apenas nas linhagens expressando a CP do CLRDV. Inúmeras vesículas formadas aparentemente por evaginações na membrana nuclear foram observadas. Um exemplo é mostrado na figura 5. A fim de analisar se a formação de vesículas estava relacionada diretamente a presença da CP viral ou a algum evento durante a transformação apenas, foram analisados ao ME células de BY-2 não transformadas e células de BY-2 transformadas apenas com o gene da GFP (GFP livre). Em ambos os casos não se observou a formação de vesículas perinucleares. A formação destas vesículas, portanto, está associada à CP do CLRDV. Vesículas associadas à membrana nuclear e a membrana plasmática foram também observadas em análises ao ME de cortes ultrafinos realizadas com células de floema de plantas de algodão infetadas com o CLRDV emblocadas (Fig. 6). Padrão de vesiculação similar ao encontrado neste trabalho foi descrito anteriormente em plantas infectadas com outros vírus da família Luteoviridae, por exemplo com o Pea enation mosaic virus (ZOETEN et al., 1972) (Fig. 5E). A função destas vesículas no processo de infecção necessita de maiores estudos, porém alguns autores sugerem função no transporte do capsídeo para o núcleo onde poderia estar ocorrendo à montagem da partícula viral (Esau e Hoefert, 1972). CONCLUSÕES Os dados preliminares obtidos neste trabalho revelam a associação da CP do CLRDV com a membrana nuclear da célula vegetal a com a sua morfologia alterada. Para melhor caracterização da localização do capsídeo do CLRDV, estão sendo geradas plantas transgênicas de tabaco expressando a fusão CP::GFP e construções contendo: deleções na seqüência da CP, fusões da ORF4 e 5 com a proteína GFP. CONTRIBUIÇÃO PRÁTICA E CIÊNTÍFICA DO TRABALHO Este trabalho revela, pela primeira vez, à capacidade da CP, na ausência da partícula viral integra, em reproduzir o padrão de vesiculação encontrado. Além de abrir novas perspectivas sobre o papel da CP no ciclo viral. Figure 2: Localização intracelular da CP do CLRDV fusionada a GFP. Imagens em microscópio de fluorescência sob luz UV. A - Linhagem transformada somente com a proteína GFP; B-D - Linhagens transformadas com a construção CP-CLRDV fusionada a GFP. Figura 3: Localização intracelular da CP do CLRDV fusionada a GFP. A – Imagens de microscopia confocal das linhagens transgênicas sob luz ultravioleta; B – Imagens de microscopia sob a luz visível de linhagens transgênicas BY-2 CP:GFP. C - sobreposição das imagens A e B mostrando a colocalização de CP;GFP e vesículas perinucleares; D - microscopia, sob a luz visível, de células de calos não transformadas de BY-2, mantidos nas mesmas condições que as linhagens transgênicas. A B C D Figura 4, Microscopia sob a luz visível, A e B – Linhagens transgênica CP:GFP; C – linhagens transformada somente com GFP; D – Células BY- 2 selvagens (não transgênicas). A B E D Ne W C Va Figura 5. Microscopia eletrônica mostrando a formação de vesículas perinucleares em linhagens transgênicas CP:GFP e em plantas infectadas com luteovirus. A - Células BY-2 selvagens. B e C ampliações da figura D, mostrando detalhe da membrana nuclear vesiculada. D - BY-2 transformadas com a construção CP:GFP. E- Planta infectada com Pea enation mosaic virus (Zoeten et al., 1972); N, nucleo; Ne, membrana nuclear; W – parede celular; Ves, vesículas; Va, vacúolo. A barra presente em A,B,C e D equivale a 3µm e em E 1µm. W N Figura 6. Microscopia Eletrônica de plantas de algodão infectadas em casa de vegetação com o CLRDV ; N, núcleo; W, parede celular. Barra: 3 µm. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAULT, V. M.; BERGDOLL, J.; MUTTERER, V.; PRASAD, S.; PFEFFER, M.; ERDINGER, K. E.; RICHARDS, E V. ZIEGLER-GRAFF. Effects of point mutations in the major capsid protein of beet western yellows virus on capsid formation, virus accumulation, and aphid transmission. J. Virol., v. 77 p. 3247–3256, 2003. CORRÊA, R. L.; SILVA, T. F.; SIMÕES-ARAÚJO, J. L.; BARROSO, P. A.; VIDAL, M. S. E VASLIN, M. F. S. Molecular characterization of a virus from the family Luteoviridae associated with cotton blue disease. Arch. Virol., v. 150, p.1351-1367, 2005. D’ARCY, C. J. D.; DOMIER, L. L. E TORRANCE, L. Detection and diagnosis of luteoviruses. The Luteoviridae, p.147-168, 1999. Esau, K. e Hoefert, L. L. Development of infection with beet western yellows virus in sugarbeet. Virology , v. 48, p. 724–738,1972. 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