São Paulo, 25 de abril de 2013. Discurso do Diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, durante a Conferencia Internacional Itau BBA + Macro Vision 2013 A todos aqui presentes, meu cordial boa tarde. Quero inicialmente agradecer aos organizadores - especialmente ao Ilan Goldfajn - pelo convite para participar dessa conferência. Meu plano para hoje é fazer breves considerações sobre alguns aspectos da conjuntura, com foco na economia brasileira. Nesse sentido, vou explorar quatro dimensões: condições de oferta; condições de demanda; ambiente externo; e inflação. Condições de Oferta A trajetória do PIB em 2012 indica uma economia paulatinamente se fortalecendo. Iniciou o ano passado com crescimento de 0,1% no primeiro trimestre, e encerrou com crescimento de 0,6% no quarto trimestre (acumulando expansão de 0,9% no ano). Hoje ainda prevalece um ambiente de recuperação da confiança, mas, o ponto de vista dominante (com o qual eu compartilho) é de que a economia tende a crescer em 2013 a uma taxa mais próxima daquela que se acredita ser o crescimento potencial do Brasil, com perspectiva de aceleração no horizonte relevante para a política monetária. Dentre outros, quatro aspectos apoiam essa visão: (1) estímulos fiscais, monetários, creditícios e cambiais introduzidos na economia (admitindo-se a validade da condição de Marshall-Lerner); (2) perspectivas de que 2013 tende a ser um ano melhor para a economia global do que 2012, e de que o ano de 2014 tende a ser melhor do que 2013; (3) no Brasil, eventos isolados como secas no Nordeste e no Sul, bem como mudanças regulatórias como a que impactou o mercado de caminhões e de ônibus, provavelmente não se repetirão este ano; e (4) está em discussão (parte já em implementação) um programa de concessão de serviços públicos, que pode ser importante catalisador da recuperação da confiança dos agentes e, por conseguinte, dos investimentos. Indicadores coincidentes sugerem que o crescimento no primeiro trimestre de 2013 foi ainda mais forte do que no quarto trimestre do ano passado, em torno de 1% (4% em termos anualizados). Caso seja confirmada, uma taxa com essa magnitude seria a maior desde o segundo trimestre de 2010. De um lado, uma leitura com tal dimensão seria positiva porque colocaria a economia crescendo a taxas superiores ao que se estima ser o crescimento potencial; de outro, pode gerar ansiedade em certos segmentos porque muitas instituições avaliam que um crescimento anualizado de 4% no primeiro trimestre tenderia a ser o teto, ou seja, no restante de 2013 as leituras trimestrais seriam menores. O Banco Central estima, para 2013, uma taxa de crescimento de 3,1%. Levadas em conta as evidências e respeitado o princípio da razoabilidade, emerge a ideia de que o ritmo sustentável de crescimento para o Brasil de hoje não se distancia muito dessa estimativa. E por que, para uma economia no estágio de desenvolvimento como a brasileira, o crescimento potencial não seria muito diferente de 3,1%? Minha resposta, de certo, está entre as menos sofisticadas: essencialmente, porque nossa taxa de investimento é baixa (deixo as razões para essa baixa taxa de investimentos para outra oportunidade). Quais as implicações desse quadro de crescimento potencial para a formulação da política monetária? De modo geral, pode-se afirmar que uma demanda crescendo sistematicamente muito acima de 3,1% ao ano tenderia a gerar pressões inflacionárias. Há exceções. No médio e longo prazo, um cenário em que essa regra geral não se aplicaria contempla crescimento moderado do consumo e forte recuperação dos investimentos, tendo como contrapartida a absorção de poupança externa (neste caso, restaria saber que trajetória das transações correntes seria sustentável). Neste ponto, gostaria de lembrar que o Banco Central tem comunicado seu entendimento de que limitações no campo da oferta - ora presentes na economia brasileira - não podem ser endereçadas por ações de política monetária, que são, por excelência, instrumentos de controle da demanda. Por outro lado, também gostaria de destacar que é compartilhado pelos banqueiros centrais - no que são acompanhados pelos teóricos em política monetária - o entendimento de que a política monetária pode, sim, contribuir para que a economia obtenha taxas mais elevadas de crescimento no médio e longo prazo (além, claro, de poder contribuir para suavizar o ciclo no curto prazo). Como se daria essa contribuição então? Com a garantia de estabilidade de preços, com inflação baixa e estável (e a meu ver existe só, e somente só, esse caminho). Isso equivale a dizer que, por si só, o controle da inflação é uma panaceia? Não. Quer dizer apenas que é uma condição necessária, sobretudo em países com um histórico inflacionário como o Brasil. Dito de outra forma: a experiência internacional e a teoria econômica apontam inflação baixa e estável como pré-condição para o crescimento sustentável. Condições de Demanda Sobre condições de demanda, vale destacar inicialmente que a demanda doméstica tem sido o grande suporte da economia brasileira. Em 2012, o consumo das famílias cresceu 3,1% e o do governo 3,2%, sendo o recuo de 4% do investimento a nota negativa. Mesmo assim, a taxa de expansão da demanda doméstica igualou-se à do PIB (0,9%). O Banco Central estima crescimento de 3,5% da demanda doméstica este ano – consumo das famílias (3,5%), consumo do governo (2,8%) e investimento (4%) – ante 3,1% de crescimento do PIB. Olhando à frente, embora com alguma moderação, os principais fatores de sustentação do consumo das famílias continuam presentes: emprego e salários em alta, bem como as transferências de renda; e a expansão do crédito. O investimento, tipicamente a parcela mais volátil da demanda doméstica, ultimamente também tem sido a mais frágil, mas pode reagir rápida e fortemente ainda este ano. Os sinais recentes são positivos, com recuperação da produção e da absorção de bens de capital. Em termos do consumo do governo, a política fiscal tem se posicionado no campo expansionista, e não são desprezíveis as chances de que esse quadro persista no horizonte relevante para a política monetária. Ambiente Externo No front externo, os riscos para a estabilidade financeira global continuam elevados, haja vista que está em curso processo de desalavancagem – de famílias, bancos e governos - nos principais blocos econômicos. Neste ponto, cabe destacar que, no horizonte relevante para a política monetária, poderemos testemunhar o início (ou iminência de sua ocorrência) do processo de normalização das condições monetárias nos Estados Unidos, evento este que tende a gerar volatilidade nos preços dos ativos. A volatilidade observada nos últimos dias, semanas, serve para lembrar que o ambiente global permanece complexo, muito embora o entendimento majoritário (com o qual compartilho) seja o de que o pior momento para a atividade global, no período pós-crise, tenha ficado para trás. Dito de outra forma, há uma percepção de que 2013 tende a ser um ano melhor para a economia global do que 2012, e de que o ano de 2014 tende a ser melhor do que 2013. Como esse cenário global pode se manifestar no cenário prospectivo para a inflação doméstica? Em se concretizando um ritmo de crescimento global mais robusto no horizonte relevante para a política monetária, a tendência é de que isso se traduza em expansão da demanda agregada doméstica, bem como em pressões altistas nas cotações das commodities nos mercados internacionais. Inflação Nos últimos três anos, a inflação média foi de 6,1%, portanto, 1,6 p.p. acima da meta de 4,5%. Encerramos 2012 com inflação de 5,84%, iniciamos 2013 com 6,15% e ultrapassamos o limite de 6,5% antes do que indicavam as projeções. Algumas estatísticas complementam esse quadro: (1) a inflação de preços livres, que responde mais direta e rapidamente às ações de política (monetária e fiscal), encerrou 2012 em 6,6% e se deslocou para 8,2% em março; (2) a média do índice de difusão no primeiro trimestre alcançou 72%; (3) nos últimos doze meses, metade dos 365 subitens que compõem a cesta do IPCA tiveram seus preços majorados em mais de 6,5%, e um terço, em mais de 9%; e (4) nos doze meses encerrados em março, os 52 itens que compõem o IPCA tiveram, em bases mensais, os respectivos subíndices de preços majorados em média 9,5 vezes (ou seja, em 9,5 meses houve aumento nos preços desses grupamentos). Dentre outros, cinco desenvolvimentos ajudam a entender a evolução recente da inflação: (1) os choques desfavoráveis, domésticos e externos, no segmento de alimentação; (2) a depreciação do real ocorrida ano passado; (3) as repercussões diretas, bem como sobre a dinâmica da curva de salários, do aumento de 14,3% do salário mínimo; (4) política fiscal e parafiscal expansionista; e (5) política monetária expansionista. Cabe destacar que, atualmente, as duas últimas condições ainda prevalecem. Além disso, importantes fontes de riscos desfavoráveis se mostram no cenário prospectivo, por exemplo: (1) Indexação, que pereniza níveis elevados de inflação; (2) concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade; (3) crescimento das projeções (expectativas) de inflação dos participantes de mercado, e, numa dimensão mais abrangente de expectativas, crescimento da percepção dos agentes em geral (consumidores e investidores) de que inflação está elevada; e (4) as commodites tendem a responder à eventual intensificação do ritmo de atividade global. Por outro lado, identificam-se algumas fontes de riscos favoráveis: (1) a taxa de câmbio tem mostrado certa estabilidade; (2) o indicativo de uma safra recorde de grãos; e (3) o arrefecimento dos preços de imóveis. Em termos líquidos, entendo que o balanço de riscos é desfavorável. Ainda sobre inflação, as projeções do Banco Central indicam inflação de 5,7% em 2013; de 5,3% em 2014; e de 5,4% no primeiro trimestre de 2015, conforme o cenário de referência constante do último Relatório de Inflação. Conclusão No horizonte relevante para a política monetária, o cenário base que acabo de esboçar, não obstante limitações ora presentes no campo da oferta, sugere que a recuperação da atividade se consolida e que a economia tende a crescer mais em linha com o que se acredita ser o crescimento potencial; contempla uma demanda doméstica robusta, com retomada dos investimentos; contempla um ambiente global complexo e com riscos ainda elevados para a estabilidade financeira global (com 2013 tendendo a ser melhor do que 2012 e 2014 tendendo a ser melhor do que 2013); e contempla projeções de inflação elevadas, assim como um balanço de riscos desfavorável (que, em parte, refletem o fato de a inflação corrente se mostrar elevada, disseminada e resistente). É plausível afirmar que o contexto acima não é dos mais simples, de modo que alguém pode ter a impressão de que há mais problemas a serem resolvidos do que soluções à vista (a demanda por soluções é maior do que a oferta). Dado esse desequilíbrio então, se esse alguém se dispuser a enfrentar um dos problemas, em princípio, pode escolher um (ou mais de um), mas correndo o risco de fazer escolhas erradas. Esse definitivamente não é o caso do Copom, pois a escolha do Comitê é o combate à inflação. Essa escolha deriva de seu compromisso com o Regime de Metas e do fato de o Banco Central ter como missão manter a estabilidade do poder de compra da moeda. Neste ponto, embora reconheça que a inflação corrente e as projeções de inflação estejam elevadas, bem como que o balanço de riscos no horizonte relevante se apresenta desfavorável, vou discordar daqueles que argumentam que a inflação no Brasil está fora do controle. Não está. Não está e nem estará. Quero lembrar que o Banco Central dispõe - e está fazendo uso - do instrumento de política (a taxa Selic), que, por excelência, destina-se a combater a inflação e o faz com eficácia. E como última palavra, gostaria de registrar que cresce em mim a convicção de que o Copom poderá ser instado a refletir sobre a possibilidade de intensificar o uso do instrumento de política monetária (da taxa Selic).