Da Retomada da Etica das Virtudes

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Da Retomada da Ética das Virtudes
Introdução:
O presente encontro do Filosofia para Todos tem por objetivo esclarecer o porquê da
retomada de uma ética das virtudes, inspirado no modelo aristotélico, encontrado, basicamente,
na Ética Nicomaquéia de Aristóteles. Retomada iniciada pelos chamados neo-aristotélicos
ingleses. Aqui representada, principalmente, pelos filósofos: Bernard Willians, Elizabeth
Anscombe e Hampshire. Tais filósofos se opõem ao modelo de filosofia moral desenvolvido na
modernidade e contemporaneidade, apresentado por Hume, Kant e Moore, tomados aqui por
serem os mais influentes (na verdade escolhidos por mim para o recorte dado a este encontro) a
pensarem as questões abordadas. No entender dos neo-aristotélicos ingleses, uma ética das
virtudes, supera problemas tais como a questão da motivação do agente moral, da dicotomia
entre fato e valor e da objetividade dos juízos morais.
Contextualização
O projeto ético aristotélico é teleológico, nele o bem e o fim são idênticos, sendo o bem
aquilo para o qual todas as ações e escolhas tendem, um fim é postulado e as ações morais se
conduzem a esse fim, o fim último é a felicidade, caracterizada como uma atividade da alma
racional de acordo com a virtude, a ética é, ainda, uma ciência prática. A ação gera um hábito,
que gera uma disposição, a qual gera um caráter, o qual gera a virtude. O agente é responsável
pela formação do seu caráter e posterior aquisição da virtude, isso implica sua responsabilidade.
Para os modelos principialistas deontológicos, a orientação da ação se dá a partir de um
princípio fundamental, como em Kant, por exemplo, o imperativo categórico, o qual pressupõe
uma universalização de regras do agir, a autonomia do sujeito e o respeito pela pessoa, vendo-a
sempre, enquanto pessoa, como um fim em si mesmo e nunca como meio. Já na ética utilitarista
tem-se o princípio da utilidade, uma ação é boa quando traz o máximo de bem-estar para o maior
número de pessoas envolvidas.
É importante ainda, caracterizar o modelo meta-ético contemporâneo, o qual será aqui
representado por Moore em seu Principia Ethica. Para Moore ética é uma ciência teórica,
opondo-se a Aristóteles que a vê como prática, por exemplo. Seu papel é depurar a linguagem
moral, restrita a uma semântica moral e não necessariamente dizer algo no âmbito prescritivo,
sobre o que se deve fazer. Para Moore, ao tentar fundamentar o bom, encontra-se um fundamento
que é um fato, um dado natural ou metafísico, que não é nem bom ou mal em si no sentido ético.
Isso implica que no mundo empírico, fenomênico, não se pode inferir logicamente
valores morais intrínsecos. Ao se fazer isso se cai em uma falácia, a qual Moore chama de falácia
naturalista. Dito de outra forma, a falácia naturalista consiste em passar de juízos descritivos para
juízos prescritivos, tomar o bom pelas coisas que são boas.
Nas concepções éticas contemporâneas, de um modo geral, faz-se uma dicotomia entre
juízos de fato e juízos de valor. Os juízos de fato são identificados com os juízos da ciência e
estes têm valor de verdade verdadeiro ou falso, seriam, portanto, objetivos. Os juízos de valor
são entendidos como expressões dos gostos, das preferências, fundamentados no que Hume
chama de impressões sensíveis (emoções, sentimentos), para referir-se “às nossas percepções
mais fortes, tais como nossas sensações, afetos e sentimentos” (Hume, 2000, p. 493; Thu, Livro
III, Advertência). Os valores ligam-se, assim, estreitamente às emoções e sentimentos, logo são
subjetivos.
Essa caracterização da esfera dos valores será também dominante, na década de 30 do
século passado, com os positivistas lógicos, para os quais os enunciados éticos (bem e mal) e
estéticos (belo e feio) não possuem significado cognitivo, não expressam propriamente
conhecimento; possuem apenas significado emotivo, por serem expressões das emoções e
sentimentos.
Desenvolvimento
Os neo-aristotélicos ingleses que propõem a retomada da ética das virtudes, a partir do
modelo aristotélico, encontrado principalmente na Ética a Nicômacos, ou Ética Nicomaquéia,
contrapõem-se ao modelo meta-ético emotivista-intuicionista no qual juízos morais são tomados
como subjetivos. O conceito de bom é intuitivo, determinado pelas emoções e apenas juízos
factuais, a exemplo dos juízos científicos, são objetivos.
Há também uma contraposição ao principialismo, o qual pode ser representado por Kant
e pelo utilitarismo. A posição de Kant em ética e o utilitarismo operam com critérios normativos
universais, os quais estão descolados, por assim dizer, da ação do sujeito, esses princípios são
externos à motivação do sujeito e para os neo-aristotélicos se a razão para agir é externa ao
agente, então não há razão para agir, uma razão externa não tem força motivadora.
A filosofia moral moderna e, principalmente a contemporânea, assumiu, em geral, uma
posição correspondentista da realidade. Essa visão emula o modelo científico vigente que, grosso
modo, estabelece uma relação de correspondência entre o discurso e a realidade. Se há
correspondência entre o discurso e a realidade (ou estado de coisas no mundo) tem-se o valor de
verdade V, se não há essa relação de correspondência, tem-se o valor de verdade F.
Quando se compara um fato científico a um fato moral, o fato moral parece uma quimera.
Com efeito, o que chamamos de moralidade carece da mesma objetividade de um fato científico.
Não se pode observar e verificar a coragem da mesma maneira que se observa e verifica o salto
quântico de um elétron ou o fenômeno de atração dos corpos. Entretanto, ainda assim há uma
objetividade na moralidade, o que será exposto adiante.
Antes de definir o modelo contemporâneo de ética das virtudes, faz-se necessária uma
breve caracterização do modelo aristotélico encontrado na Ética Nicomaquéia. Para Aristóteles
há dois campos do conhecimento: o campo do universal e necessário e o campo do particular e
contingente. Este é o âmbito prático, da ética e da política; aquele é o âmbito da teoria, das
ciências matemáticas, por exemplo. O campo do particular e contingente, onde se dão as relações
éticas, pode ser caracterizado como aquilo que acontece no mais das vezes, o que evidencia certa
inexatidão da ética.
Para Aristóteles a virtude pertence ao gênero da disposição e sua espécie é a mediania. É
uma disposição para agir de determinada maneira, essa maneira é a mediedade (ou mediania)
com relação ao agente. Um agente livre possui o princípio motor de seus movimentos e conhece
as circunstâncias do seu agir.
A mediedade é o justo meio-termo entre a falta e o excesso em relação ao agente e, ou,
ao objeto, como no caso da coragem: o excesso é chamado de temeridade e a falta, covardia. Em
uma guerra, em algumas situações é corajoso avançar, em outras, recuar. Isso acentua, também, o
caráter particular e contingente da ética.
É a partir da ação que se adquire uma disposição para agir virtuosamente. A ação gera um
hábito, que gera uma disposição, que forja um caráter, que gera a virtude, a ação é condição de
possibilidade da virtude e a virtude orienta a ação. O agente virtuoso possui uma estrutura
apetitiva e desiderativa capaz de ouvir a razão, a maneira que um filho ouve um pai. O agir
virtuoso deriva também da educação dos desejos e apetites.
Mais dois conceitos importantes no modelo aristotélico são a deliberação e escolha
deliberada. A deliberação consiste em pesar razões para agir em determinada situação, como no
caso da guerra, o agente delibera se deve avançar ou recuar. Ele então pesa as razões para agir
naquela situação e se decide, dadas as circunstâncias. O fruto da sua escolha é a escolha
deliberada, e esta é idêntica à ação e à mediania. Faz-se necessário salientar que o que
caracteriza, também, a ação livre é a potência dos contrários, que consiste em poder escolher
entre uma ação e seu contrário ou entre agir e não agir.
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