Adamastor

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Português
9º Ano
Ano letivo de 2016/2017
Adamastor
O Adamastor de Os Lusíadas, poema épico de Camões, recupera a figura mitológica de um
dos titãs que se revoltaram contra Zeus e foram, por este, castigados e transformados em
rochedos, ilhas e promontórios. Inicialmente, o seu aspecto é o de uma figura descomunal,
estranha e medonha. A aparência horrenda do gigante é sugerida ainda antes de ele surgir,
quando, nas estrofes 37 e 38 do canto V, se forma uma «temerosa nuvem negra»,
acompanhada dos bramidos do mar irado. Este aspecto negro e carregado do céu e do mar
funciona como uma espécie de presságio, anunciando qualquer coisa de temível, que vem a
corporizar-se no Adamastor.
A sua imagem traduz as dificuldades sentidas pelos navegadores na passagem do oceano
Atlântico para o oceano Índico, ao dobrarem o cabo das Tormentas, mais tarde da Boa
Esperança. É mais um processo de enaltecimento, ao encarnar a vingança dos elementos
naturais face à audácia dos navegadores portugueses, que se atreviam a penetrar em espaços
até então inacessíveis ao homem.
Na primeira parte do seu discurso, o Adamastor apresenta-se como senhor do mar
desconhecido, ameaçando os portugueses, que queriam devassar os seus domínios secretos,
e profetizando para eles duros castigos futuros. Na segunda parte do seu discurso, o
Adamastor, identificando-se com o cabo Tormentório e elogiando-se por ter conseguido o
domínio dos mares, logo se abre em confidências, revelando os acontecimentos que o levaram
até àquele estado. A sua paixão por Tétis mereceu o castigo dos deuses, que converteram o
seu gigantesco corpo no cabo das Tormentas.
O Adamastor surge, no poema de Camões, como uma criação maravilhosa, a corporizar e
simbolizar a quase intransponível força do mar. O gigante é, pois, o símbolo das forças
cósmicas que continuamente limitam o homem. A vitória sobre o obstáculo que este gigante
constitui significa o completo domínio dos mares pelos portugueses.
Gigante Adamastor (C. V, 37-60)
As naus portuguesas navegavam há cinco dias, estando junto do Cabo das Tormentas
(futuro Cabo da Boa Esperança) quando subitamente aparece, perante o espanto dos
marinheiros uma nuvem escura e imensa, que escondia o céu; o mar bramia e agitavase, pressagiando uma ameaça terrível.
Desenha-se a imensa figura do Adamastor, gigante de aspecto horrendo e irado. O
Poeta compara-o ao colosso de Rodes, não se poupando a adjectivos para a sua
descrição. O monstro interpela os marinheiros aterrorizados, reduzidos pela sua
presença avassaladora à dimensão de seres frágeis e indefesos. Censura-lhes a ambição,
a constante procura do novo, a ousadia de invadirem domínios que jamais tinham sido
atravessados.
Vasco da Gama enfrentando o próprio medo, ergue-se e frente àquela grandíssima
estatura (59.5), ousa perguntar: Quem és tu? (49.3).O poeta mostra, com estes efeitos
cenográficos e intensamente dramáticos, a sua concepção de valentia: herói não é aquele
que não teme, mas o que supera o temor.
O gigante, irritado, profetiza a sua terrível vingança para os portugueses que
ousarem por ali passar no futuro. Os segredos do mar nunca tinham sido a nenhum
grande humano concedidos (42.3), e nem a coragem reconhecida do povo luso poderá
alterar essa lei. Vasco da Gama fica a saber quais serão os destinos fatais de Pedro
Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, D. Francisco de Almeida e Manuel de Sousa
Sepúlveda, com sua mulher e filhos, que irão morrer naquele local, a que D. João II dá o
nome de Cabo da Boa Esperança.
Mas, diante da pergunta de Vasco da Gama, o Gigante muda o seu discurso. Explica
que ele é o próprio Cabo Tormentoso, castigo que os deuses lhe deram pela sua paixão
por Tétis, que o despreza. A cólera das suas primeiras palavras termina em lágrimas de
dor. A nuvem negra desfaz-se, depois desta confidência.
O Adamastor condensa em si todos os medos que suscitava o Mar Tenebroso, com o
imaginário domínio de forças sobrenaturais e maléficas. Mais um obstáculo vencido, à
custa da coragem e inteligência de alguns Portugueses.
Paráfrase do episódio do Adamastor (Canto
V)
37
Tinham passado cinco dias de navegação com ventos favoráveis quando, numa noite em
que estavam de vigia à proa, viram formar-se sobre as suas cabeças uma nuvem que
escurecia os céus.
38
A nuvem era tão escura e carregada que inspirava um grande medo. Ouvia-se ao longe o
estrondo das vagas contra os rochedos.
"Meu Deus - exclamei eu - que ameaça ou que segredo este mar nos mostra, que parece
ser coisa pior que um temporal?"
39
Ainda eu não tinha acabado de dizer isto e já um vulto gigantesco se erguia diante de
nós.
O rosto era sombrio, a barba desgrenhada, os olhos encovados, a expressão medonha e
má, os cabelos cheios de terra, a boca negra e os dentes amarelos.
40
Era tão grande que, posso assegurar-te, era um segundo colosso de Rodes, que foi uma
das sete maravilhas do mundo.
Falava com uma voz cavernosa, que parecia vir do fundo do mar. Arrepiavam-se as
carnes e os cabelos só de o ouvir e ver.
41
E disse: "Ó gente mais audaz que qualquer outra que tenha praticado grandes feitos! Tu,
que nunca repousas dos trabalhos e das guerras, pois te atreves a romper os limites e a
navegar nos mares que eu guardo, e nos quais nunca ninguém navegou:
42
pois vens desvendar os segredos da natureza e do mar que nunca nenhum mortal
conheceu, ouve e fica sabendo os males que eu tenho preparado para castigar o teu
atrevimento quer no mar, quer na terra que, com dura guerra, virás a dominar.
43
Fica a saber que todas as naus que fizerem esta viagem terão como inimigo este lugar,
com ventos e tempestades terríveis.
Na primeira armada que aqui passar eu farei subitamente um castigo inesperado, mas
destruidor.
44
Aqui espero vingar-me do primeiro que me descobriu.
E não será esse o único castigo da vossa temeridade; todos os anos vereis naufrágios,
perdições e o menos doloroso dos males será ainda a morte.
45
Do primeiro fidalgo que teve o título de Vice-rei, serei eterna sepultura.
Aqui deixará os troféus das suas vitórias sobre os turcos; aqui se vingarão dele as
cidades de Quíola e Mombaça.
46
Também um outro homem ilustre, na companhia da formosa dama que o Amor lhe deu,
escapará ali vivo de um naufrágio, para encontrar em terra morte com maior sofrimento.
47
Depois de terem caminhado muito tempo pela areia ardente, verão morrer os filhos de
fome, verão os Cafres roubar à esposa os vestidos que a cobriam, até a deixarem
exposta ao calor, ao frio, ao vento, inteiramente nua.
48
E, os que escaparem, verão os míseros amantes morrer abraçados na mesma sepultura,
depois de lágrimas e lamentos que comoveriam as próprias pedras."
49
O monstro horrendo continuava a vociferar os nossos destinos quando eu lhe perguntei:
"Quem és tu?"
Retorceu os olhos, deu um espantoso brado como se a pergunta lhe tivesse doído, e
respondeu:
50
"Eu sou aquele oculto e grande cabo que se estende em direção ao Polo Sul, onde
termina a costa africana.
Os grandes geógrafos da antiguidade não me conheceram, e a vossa ousadia muito me
ofende!
51
Fui um filho da Terra, do mesmo modo que o foram os Gigantes revoltados.
Chamo-me Adamastor, e estive na guerra contra Júpiter; não fui dos que colocaram
monte sobre monte para chegar ao céu, mas andei no mar, em guerra contra Neptuno.
52
Foram os amores da esposa de Peleu que me fizeram tomar tão grande empresa.
Desprezei outras deusas do céu para amar só a princesa das águas. vi-a um vez, na
companhia da Nereides, sair nua das águas, e logo senti um desejo que ainda agora dura.
Como me não era possível consegui-la, por ser tão feio de figura, resolvi conquistá-la, e
exponho o assunto a Dóris. esta fala-lhe por mim, mas ela respondeu com um sorriso:
"Qual será o amor da deusa que aguente o dum gigante(?)...
54
...mas, para evitar a guerra do Oceano, procurarei uma forma de, respeitando a honra,
evitar prejuízos", respondeu-me Dóris. Eu não consegui compreender este engano.
como são cegos os amores! Fiquei cheio de desejo e de esperanças.
55
Já sem saber o que fazia, numa noite prometida por Dóris, vejo de longe o vulto de
Thétis, sé desejada.
Corro para ela como louco, abraço-a e beijo-lhe os olhos, as faces, os cabelos.
56
Ó! Tenho até vergonha de o contar: julgando ter nos braços quem amava, encontrei-me
abraçado a um duro monte, e em vez de apertar um rosto angélico, tinha um penedo nas
mãos. Eu próprio me senti de pedra: era um penedo junto a outro penedo.
57
Ó formosa ninfa! Já que a minha presença te não agradava, que te custaria manter-me
nesta ilusão, fosse ela monte, nuvem, sonho ou nada?
E fujo, quase louco, do desgosto e do vexame ali sofridos, a procurar outro mundo onde
ninguém da minha dor se risse.
58
Já então meus irmãos tinham sido vencidos na sua guerra, para que deuses vãos se
sentissem mais seguros, alguns estavam sepultados sob vários montes. E como contra o
céu não há defesa, comecei a sentir o castigo dos meus atrevimentos.
59
A carne é agora terra dura; os ossos fizeram-se penedos. Estes membros que aqui vês, e
esta figura estendem-se pelo mar. Enfim, transformei-me neste cabo. E, para ainda mais
me magoar, cerca-me Thétis nestas águas.
60
E, dizendo isto, com um medonho choro o Adamastor desapareceu dante os nossos
olhos. Desfez-se a nuvem negra e o mar soou até longe. Eu pedi a Deus que removesse s
trágicas profecias do Adamastor.
Momentos fundamentais
1. Preparação do ambiente para o aparecimento do Gigante (37-38)
Depois de cinco dias claros, surge uma nuvem negra "tão temerosa vinha e carregada"
que põe nos corações uma grande medo e leva Vasco da Gama a interpelar o próprio
Deus, todo poderoso.
2. Visão do Gigante: retrato físico e traços morais (39-40)
A caracterização é feita sobretudo através da adjectivação sugestiva e abundante a
mostrar a imponência, o terror e a estupefacção de Vasco da Gama e dos seus
companheiros.
3. Discurso do Gigante: (41-48)
- introdução;
- profecias
De carácter profético e ameaçador o discurso é efectuado num tom de voz horrendo e
grosso, anuncia os castigos e os danos por si reservados para aquela "gente ousada", que
invadira os seus domínios. Promete-lhe castigos como a morte de algumas pessoas que
lá vão passar: Bartolomeu Dias; D. Francisco de Almeida e família Sepúlveda.
4. Interpelação do Gama (49)
Incomodado com as profecias, Vasco da Gama interroga o monstro sobre a sua
identidade. É essa questão tão simples que promove a profunda viragem do seu
discurso, fazendo-o recordar a frustração amorosa passada e meditar na sua actual
condição de solitário e petrificado.
5. Confissão pelo Gigante sobre o seu passado amoroso (50-59)
Na segunda parte do discurso do Gigante, o assunto é de carácter autobiográfico.
6. Desaparecimento do Gigante e do cenário que o enquadra (60)
Súbito desaparecimento do Adamastor, choroso do seu passado triste, levando consigo a
nuvem negra. Vasco da Gama pede a Deus que remova "os duros casos que Adamastor
contou futuros"
Evolução dos comportamentos destas duas personagens
... do Gigante
... de Vasco da Gama
1- mostra-se rancoroso, vingativo,
ameaçador;
1- amedrontado: "arrepiam-se as carnes e o
cabelo";
2- dor profunda, raiva, desespero;
humaniza-se, reconhece a sua derrota;
2- sem medo, de cabeça erguida (Alçado),
num tom de igual para igual, quase de
desafio;
3- desaparecimento.
3- atitude de fé: no momento em que o
Gigante, a chorar, desaparece, o Gama
pede a Deus que "removesse os
duros/Casos que Adamastor contou
futuros."
Repara que a evolução dos comportamentos é oposta.
Significado / Simbolismo do episódio
Geograficamente simboliza o Cabo das Tormentas, posteriormente chamado da Boa
Esperança;
Mitologicamente o Gigante apaixonado pela deusa Tétis, transformado em
promontório pelos deuses, que não toleram ousadias; símbolo da frustração amorosa;
Simbolicamente série de perigos e dificuldades que os Portugueses tiveram de
enfrentar e vencer. No dizer de Amélia Pinto Pais, este episódio "é uma espécie de
abóbada arquitectónica do Poema, em que vêm concentrar-se as grandes linhas da
epopeia: o real-maravilhoso (...); a existência de profecias (...); é igualmente um
episódio lírico (...); por outro lado, é igualmente um episódio trágico (...). É sobretudo
um episódio épico, em que se consolida a vitória do homem, "bicho da terra", sobre uma
natureza poderosa."
Algumas questões sobre o episódio
Caracteriza o discurso do Adamastor.
Explica a mudança de comportamento do Adamastor.
Analisa a evolução do estado de espírito dos Portugueses.
Explica a simbologia deste episódio.
Caracteriza o discurso do Adamastor.
O discurso do Adamastor é constituído por duas partes distintas, unidas entre si por
uma pergunta de Vasco da Gama.
No primeiro momento, o Gigante faz um discurso de carácter profético e ameaçador
e assume duas posições: por um lado, o elogio épico dos Portugueses; por outro, a
atitude vingativa e consequentes profecias.
A partir da estrofe 49, estamos no segundo momento, em que o Adamastor faz a sua
auto-apresentação e conta a sua história.
Explica a mudança de comportamento do Adamastor.
No início, o Gigante, com um tom arrogante faz o elogio da ousadia dos Portugueses
e assume uma postura ameaçadora.
No entanto, a partir do momento em que Vasco da Gama o interroga sobre a sua
identidade, assiste-se a uma mudança de comportamento por parte do Adamastor. Este,
ao recordar o seu passado amoroso infeliz, revela a sua sensibilidade e fragilidade
psicológica.
Analisa a evolução do estado de espírito dos Portugueses.
Antes do aparecimento do gigante, os marinheiros estão descuidados. Assim que
vêem a nuvem temerosa e carregada, ficam aterrorizados: Que pôs nos corações um
grande medo. Quando o Adamastor inicia o seu discurso, o medo intensifica-se:
arrepiam-se as carnes e o cabelo.
No entanto, apesar de todas as ameaças proferidas pelo Adamastor, Vasco da Gama,
numa atitude quase desafiadora, ousa enfrentá-lo, de cabeça erguida, perguntando-lhe
quem era ele.
Por fim, quando o Gigante desaparece, Vasco da Gama demonstra a sua fé em Deus,
pedindo-lhe que as profecias do Adamastor não se concretizassem.
Explica a simbologia deste episódio.
O gigante Adamastor aponta para um espaço geográfico - o Cabo das Tormentas.
Simboliza a oposição da Natureza, as tempestades, os naufrágios, os terrores e as lendas
do mar. Trata-se de uma figura mitológica criada por Camões para significar todos os
perigos que os Portugueses terão de enfrentar e transpor nas suas viagens.
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