CONTRIBUIÇÕES DO GRUPO FAMILIAR PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ATENDIMENTO PSICOLÓGICO Celina Monteiro Azevedo (bolsista PIPES-UFPA) Airle Miranda de Souza (DPSE/CFCH-UFPA, [email protected]) Resumo: O objetivo deste trabalho foi identificar e avaliar as contribuições do grupo familiar para a promoção da saúde mental de crianças/adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS). Para tanto foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com nove acompanhantes/familiares de dez crianças/adolescentes em atendimento psicológico. Obteve-se os seguintes resultados: a) Atitudes de incentivo ao tratamento psicológico; b) Opiniões acerca das dificuldades não relacionadas a dinâmica familiar; c) Expressão de sentimentos e uso do diálogo como recursos para superação das dificuldades. Concluiu-se que a participação do grupo familiar no tratamento psicológico de crianças/ adolescentes é de extrema importância para a promoção da saúde mental destas. INTRODUÇÃO O presente trabalho, como parte integrante do projeto de pesquisa “Instituição, Família e Saúde Mental, trata-se basicamente de uma pesquisa realizada junto à acompanhantes/familiares de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), visando identificar e avaliar as contribuições do grupo familiar para a promoção da saúde mental destas crianças e adolescentes. Segundo JOHNSON (1975), “... a família é uma importante força de desenvolvimento humano. Indiscutível é a influência que exerce sobre a saúde mental” (p.16). Dessa forma, o presente estudo estará contribuindo à reflexão quanto a dinâmica do grupo familiar de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia, e sobre o papel do grupo familiar no contexto da saúde. Este autor destaca ainda, que a família é a matriz que molda e desenvolve o indivíduo, preparando a criança para a vida adulta. ACKERMAN (1986), destaca que apesar dos padrões de vulnerabilidade à doenças psiquiátricas serem formados na infância, o destino dessa vulnerabilidade é determinado pelas experiências interpessoais da vida subseqüente, sendo a adolescência a fase de desenvolvimento de transição, na qual a vulnerabilidade ao colapso é intensificada. Foi justamente os acompanhantes / familiares de crianças e adolescentes com distúrbios psicológicos que a presente pesquisa abordou, para possibilitar a compreensão do contexto em que estes pacientes estão inseridos. A noção e promoção de Saúde Mental é um tema que deve ser enfocado, visto que é essencial a vida do homem. MEIRA (1976), ressalta que os modernos pontos de vista sobre a saúde enfatizam a pessoa como um todo, preocupando-se em conceituála dentro do contexto sócio-cultural, visto que a percepção da mesma varia de acordo com os padrões culturais, ou seja, diferenças de épocas, locais, e até mesmo diferenças de camadas sociais, de instituição, ocupação, renda, religião, etc., na mesma época e no mesmo local, influenciam na percepção do binômio saúde-doença. O autor acima afirma que é possível entender a saúde como um estado físico, mental e também social, que possibilita as habilidades pessoais para a realização de funções de maneira normal, em contrapartida a doença seria qualquer condição que impediria a realização dessas funções. Dessa forma, têm-se a saúde como uma qualidade dinâmica de vida e não como uma entidade estática. Segundo a constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidades. Dessa forma a Saúde Mental é multideterminada, daí a necessidade da utilização do enfoque biopsicossocial, que concebe o comportamento do homem de forma integral. É de extrema importância uma equipe multiprofissional trabalhando em saúde, haja vista que, os numerosos fatores que influenciam o indivíduo são da competência de diversas áreas do conhecimento e atuação. Daí o interesse de investigar as contribuições do grupo familiar para a promoção da saúde mental de crianças e adolescentes em atendimento psicológico. VERAS & GERALDES (1990), afirmam que o objetivo da Psiquiatria mudou, passando da cura da doença mental para a sua prevenção. Neste sentido, inúmeras medidas e ações vêm sendo desenvolvidas visando impedir o aparecimento de uma posterior patologia. Dessa forma, considerou-se importante enfocar a prevenção da doença mental e como o grupo familiar poderia contribuir para higiene mental das crianças e adolescentes. A ação preventiva é importante e depende de diversos fatores. Acerca disso, SCHALL & STRUCHINER (1999) ressaltam a necessidade da educação em saúde, haja vista que a mesma é um campo multifaceado, para o qual convergem diversas concepções, que se espelham em diferentes compreensões do mundo, demarcados por distintas posições políticas-filosóficas sobre o homem e a sociedade. De acordo com essas autoras, a educação em saúde se sobrepõe a promoção de saúde, visto que possuí uma definição mais ampla de um processo que abrange a vida cotidiana de toda a população e não apenas das pessoas sob o risco de adoecer. O ser humano entra em contato com suas primeiras emoções e sentimentos nas relações com suas figuras familiares, sendo que o papel da família abrange não só elementos básicos para a sua sobrevivência física, mas também para o seu desenvolvimento emocional. Segundo SOIFER (1994), o objetivo primordial da família é a defesa da vida, o qual é atingido através do processo de educação , que deve priorizar o ensino das ações de preservação da vida, que abrangem desde o cuidado físico, até o desenvolvimento da capacidade de relacionamento familiar e social. Acerca das funções familiares, MANCIAUX (1975) destaca três principais: a primeira se refere à reprodução, a segunda à criação e educação dos filhos e a terceira à satisfação das necessidades dos adultos. Segundo este autor, embora a reprodução ainda seja primordial, para muitas famílias essa função não se constituí como objetivo essencial, sendo desassociada a vida conjugal da reprodução. Quanto a criação e a educação como funções da família, cabem principalmente aos primeiros anos da criança, quando a mesma ainda é muito dependente. É importante ressaltar a necessidade de estímulos afetivos para o desenvolvimento harmonioso da criança, juntamente com uma alimentação saudável. Referente à terceira função, que é a satisfação das necessidades dos adultos, é desejável um equilíbrio entre as necessidades físicas e psicológicas. No ano de 1999 foi desenvolvido por MAGALHÃES (1999) um estudo intitulado “Características do grupo familiar de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza”, inserido no projeto “Instituição, Família e Saúde Mental”, como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A partir desse estudo, que abrangeu as características do grupo familiar, tais como: a qualidade de vida dos pacientes, seu padrão sócio-econômico, cultural e educacional, etc., pretendeu-se identificar e avaliar como os familiares contribuíam ao tratamento dos pacientes, proporcionando assim, maior conhecimento nessa área de estudo. Nota-se, então, que o papel do grupo familiar é essencial ao desenvolvimento da personalidade sadia e ajustada, da mesma forma que, certamente, possuí uma significativa parcela de contribuição para o surgimento de alguns distúrbios em seus membros. Daí a importância dessa pesquisa, não apenas para subsidiar futuras 2 pesquisas sobre o tema, mas também para fomentar reflexões e planejamento de estratégias de atuação, promoção e prevenção em saúde mental. OBJETIVOS a) Geral: - Identificar e avaliar as contribuições do grupo familiar para a promoção da saúde mental de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. b) Específicos: - Identificar e avaliar as atitudes dos familiares em relação ao paciente, tais como: acompanham o tratamento do paciente; vêm ao hospital com o paciente para a consulta; apoiam afetivamente e financeiramente o paciente; incent ivam o paciente a dar prosseguimento ao tratamento, etc. - Identificar e avaliar as opiniões dos familiares em relação às dificuldades do paciente, tais como: o que pensam acerca dessas dificuldades; como vêem o paciente com a dificuldade; e como esta infl uência o grupo familiar. - Identificar e avaliar os sentimentos dos familiares em relação ao paciente. MÉTODO Foi utilizado o método qualitativo, que de acordo com CHIZZOTTI (1995), fundamenta-se em dados coletados nas interações interpessoais, que são analisados a partir das significações dadas através da compreensão e interpretação dos dados obtidos. Acerca do método qualitativo, MINAYO (1996) afirma que o mesmo responde a questões particulares, que não podem ser quantificadas. Dessa forma, trabalha -se com significados, aspirações, valores, crenças e atitudes, o que corresponde a uma maior profundidade no estudo das relações, dos processos e dos fenômenos que não são redutíveis à operacionalização de variáveis. - Sujeitos: Participaram deste estudo nove (09) acompanhantes de dez (10) crianças e adolescentes atendidas no Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, no período de abril a junho ( três meses ) de 2000. - Instrumento: Buscando alcançar os objetivos propostos, foi elaborado um questionário semi estruturado, contendo cinco tópicos: 1) Identificação da criança ou adolescente; 2) Identificação do acompanhante; 3) Identificação dos pais; 4) Configuração do grupo familiar; 5) Participação do grupo familiar no tratament o da criança / adolescente. Vale destacar que no 5º tópico foram elaboradas 11 perguntas abertas, referindo-se às atitudes, opiniões e sentimentos do familiar / acompanhante em relação à criança / adolescente. - Materiais: Foram utilizados os seguintes ma teriais: papel, caneta e prancheta. - Procedimento: Inicialmente foi apresentado o plano de trabalho para a direção do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), e após a sua aprovação, foi feito um levantamento das características do referido hospital e do Serviço de Psicologia. 3 Em seguida, foi realizado o contato com os acompanhantes das crianças e adolescentes a serem entrevistados, expondo os objetivos da pesquisa e convidado os a participarem. Vale destacar que foi realizado o teste piloto do instrumento e feito os reajustes necessários. Antes de cada entrevista foi assinado pelos acompanhantes o Termo de Compromisso Pós-Informação. As entrevistas foram realizadas em uma das salas do HUBFS, enquanto as crianças e adolescentes estavam sendo atendidas no Serviço de Psicologia, tendo duração média de 45 minutos cada. Para análise dos resultados, foi feita a leitura e a tabulação dos dados das entrevistas, sendo que para a análise das respostas abertas foram criadas e utilizadas categorias específicas. Além disso, foram feitas discussões e reflexões em grupo sobre os dados coletados, embasados teoricamente na literatura existente. RESULTADOS - Identificação das Crianças/Adolescentes atendidas pelo Serviço de Psicologia Dentre as 10 (100%) crianças e adolescentes atendidas no Serviço de Psicologia, 6 (60%) são do sexo masculino, e 4 (40%) são do sexo feminino. Essa diferença de sexo é ressaltada por AJURIAGUERRA E MARCELLI (1991), que afirmam que todos os estudos epidemiológicos concordam em reconhecer a existência de uma maior representação dos meninos em relação às meninas na população consultante com distúrbios. Segundo esses autores, antes dos 14 anos, conta -se entre 60 a 65% de meninos para 35 a 40% de meninas em atendimento. A idade dessas crianças e adolescentes variou de 3 a 15 anos, sendo que 2 (20%) destas apresentavam 3 e 5 anos, outras 2 (20%) 8 e 10 anos, e as demais, ou seja, 6 (60%) encontravam-se na faixa etária entre 11 e 15 anos. Nota -se uma maior concentração dos pacientes no período de desenvolvimento correspondente à adolescência, o que chama atenção a medida em que a adolescência é considerada um período de grandes conflitos com o mundo interno e externo. Segundo KAPLAN & SADOCK (1993), ocorrem dificuldades na adolescência , que é caracterizada por ligeira ansiedade e depressão com relação às tarefas do desenvolvimento, porém essas dificuldades não são em si mesmas, um estado anormal. Quanto à escolaridade das crianças e adolescentes, 1 (10%) com 3 anos de idade ainda não freqüentava a escola, 1 (10%) cursava o Jardim 2, período denominado de educação infantil, 7 (70%) cursavam o Ensino Fundamental, e 1 (10%) o Ensino Médio. As 10 (100%) crianças e adolescentes eram naturais da cidade de Belém, do estado do Pará, sendo que 7 (70%) destas foram levadas ao hospital espontaneamente por seus pais para o atendimento psicológico, 2 (20%) foram encaminhadas por médicos ( clínico geral e pediatra ) do HUBFS, e 1 (10%) por um dos psicólogos do referido hospital. Os dados referente ao encaminhamento, mostram que a grande maioria das crianças e adolescentes (70%) que estão recebendo atendimento psicológico são levadas espontaneamente por seus responsáveis, o que indica uma preocupação dos mesmos com o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. Segundo MOURA (1999), a falta de conhecimento sobre os tipos de problemas infantis que merecem acompanhamento psicológico, ou também, o desconhecimento dos benefícios que uma psicoterapia pode trazer à criança em seu desenvolvimento e, consequ entemente, a sua família, podem contribuir ao não encaminhamento da criança a esses serviços. O motivo da consulta destas crianças e adolescentes, segundo o discurso dos acompanhantes, foram descritos como: Agressividade – incluindo manifestações de crises de raiva, rebeldia; Retraimento – envolvendo dificuldades de se relacionar com os outros e consequentemente o isolamento; Problemas de Aprendizagem – 4 envolvendo dificuldade para aprender, baixo desempenho e rendimento; e Comportamento Regressivo – com manifestações de comportamentos infantis incompatíveis com a idade. Foram relatados 4 (40%) casos de agressividade, 3 (30%) de retraimento, 2 (20%) de problemas de aprendizagem e 1 (10%) de comportamento regressivo. (Tabela 1) Tabela 1 – Motivos da consulta psicológica MOTIVOS QUANTIDADE Agressividade 04 Retraimento 03 Problemas de Aprendizagem 02 Comportamento Regressivo 01 TOTAL 10 PORCENTAGEM 40% 30% 20% 10% 100% Observa-se nesta tabela que a agressividade (40%) e o retraimento (30%) foram os motivos mais freqüentes da consulta psicológica para as crianças e adolescentes, representando 70% do total. De acordo com MOURA & GABASSI (1998), tem-se observado atualmente que os excessos comportamentais, tais como a agressividade, estão entre os motivos mai s freqüentes pelos quais os pais encaminham suas crianças para psicoterapia, por outro lado os déficits comportamentais, tais como o retraimento, também é uma queixa muito comum no tratamento psicológico. Também observa-se na tabela acima, problemas de ap rendizagem (20%) e comportamento regressivo (10%) como motivos para a psicoterapia. Segundo ROSS (1979), crianças com dificuldade para aprender podem estar com suas funções prejudicadas em conseqüência de distúrbios psicológicos que não se relacionam a escola ou à aprendizagem, mas interferem secundariamente ou impedem o comportamento escolar apropriado. Quanto ao comportamento regressivo, MINERVINO (1997) ressalta que o ritmo de crescimento de cada criança, é um processo que possuí “idas e vindas”, d essa forma, a criança pode regredir a uma fase de seu desenvolvimento já superada, devido a um acontecimento qualquer em seu cotidiano, o que não significa uma regressão anormal, pois pode ser transitória. - Identificação dos Acompanhantes Foram entrevistados nove (09) acompanhantes de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia, sendo que um destes acompanhantes foi entrevistado duas vezes, visto que acompanhava duas crianças / adolescentes em atendimento psicológico em diferentes mome ntos. Os 9 (100%) acompanhantes eram do sexo feminino, retratando que são mulheres, mães, avós, que estão envolvidas no cuidado com a criança, no que se refere a levá -la ao atendimento psicológico. Quanto à idade dessas acompanhantes, houve variação entre 30 e 54 anos, sendo que 3 (33%) encontravam-se na faixa etária entre 20 e 40 anos, e 6 (67%) entre 40 e 65 anos. Referente à escolaridade dessas acompanhantes, 1 (11%) era analfabeta, 2 (22%) haviam concluído o ensino fundamental, 4 (45%) haviam cursado até o ensino médio e 2 (22%) haviam cursado o ensino superior. Entre as nove acompanhantes, 3 (34%) relataram não terem uma profissão específica, 3 (33%) são professoras, 2 (22%) são vendedoras autônomas e 1 (11%) exerce o cargo de auxiliar de enfermagem. Acerca da ocupação atual, 5 (56%) acompanhantes relataram que são donas-de-casa, 2 (22%) são vendedoras autônomas, 1 (11%) exerce o cargo de vice-direção de uma escola, e 1 (11%) o de auxiliar de enfermagem. 5 Quanto ao grau de parentesco das acompanhantes com as crianças e adolescentes atendidas no Serviço de Psicologia, 7 (78%) são mães ( sendo que 4 são mães biológicas e 3 são mães adotivas ), e 2 (22%) são avós. Referente a quem trouxe a criança / adolescente para a consulta inicial, em 4 casos (4 5%) foi a mãe, 1 caso (11%) foi o pai, 1 caso (11%) foi a avó, e em 3 (33%) casos foi a mãe acompanhada de outros parentes ( esposo, mãe, irmã ). Atualmente sobre quem acompanha a criança / adolescente ao atendimento psicológico, verificou -se que em 6 casos (67%) é a mãe quem acompanha, em 2 casos (22%) é a avó, e em 1 caso (11%) é o pai. - Atitudes do familiar/acompanhante em relação à criança/adolescente Acerca dos motivos para que os acompanhantes fossem ao hospital com as crianças / adolescentes para o atendimento psicológico, 5 (50%), relatam que buscavam a mudança do comportamento da criança / adolescente, 3 (30%) iam em busca de aconselhamento para si e para criança / adolescente, e 2 (20%) iam somente acompanhá-las. (Tabela 2) Tabela 2 – Motivos do acompanhamento MOTIVOS QUANTIDADE Mudança de Comportamento 05 Aconselhamento 03 Companhia 02 TOTAL 10 PORCENTAGEM 50% 30% 20% 100% Os dados descritos na tabela acima mostram que 50% dos acompanhantes buscam a mudança do comportamento da criança / adolescente, considerado inadequado, através do atendimento psicológico. MOURA & GABASSI (1998), ressaltam a importância da participação dos pais no tratamento, para serem orientados quanto as suas práticas educativas, de forma que eles se tornem mais afetivos e possam implementar mudanças no comportamento da criança. Observa-se também na tabela acima, que alguns acompanhantes (30%) buscam aconselhamento para as crianças / adolescentes e para si mesmos. Isso demonstra, como afirma MOURA (1999), que o problema apresentado pela criança ocorre principalmente no contexto familiar, sendo, dessa forma, necessário o acompanhamento psicológico da própria família. Acerca do assunto que conversavam com a criança / adolescente, 6 (60%) acompanhantes relataram que conversavam sobre o comportamento inadequado da criança / adolescente, e 4 (40%) sobre a necessidade de atendimento para que a criança apresente melhoras. Referente a maneira como esses acompanhantes conversavam com a criança / adolescente, 6 (60%) responderam que conversavam calmamente ( dando atenção, respeitosamente ), e 4 (40%) impacientemente ( brigando, agredindo ). Constata-se que a maioria dos acompanhantes (60%) conversam com a criança / adolescente acerca do comportamento inadequado, o que é de extrema importância, haja vista que possibilita a expressão de idéias e sentimentos. Outros acompanhantes (40%) relataram que conversavam com as crianças / adolescentes sobre a necessidade de atendimento, argumentando que as mesmas estavam precisando de ajuda para melhor se adaptarem ao meio em que estavam inseridas. Verifica-se também que a maioria dos acompanhantes (60%) conversavam com as crianças / adolescentes calmamente, objetivando o entendimento da mensagem por elas. Os outros acompanhantes (40%) relataram que conversavam impacientemente com suas crianças / adolescentes, o que provavelmente dificultava o diálogo, daí a necessidade de orientação destes últimos. 6 - Opiniões do familiar/acompanhante criança/adolescente em relação às dificuldades da No que diz respeito ao que os acompanhantes atribuíam como etiologia das dificuldades das crianças / adolescentes, 3 (30%) deles relataram que a dificuldade era hereditária, 2 (20%) devido à problemas emocionais maternos durante a gravide z, 1 (10%) rejeição paterna, 1 (10%) característica da personalidade, 1 (10%) adoção, 1 (10%) vício, e 1 (10%) doença. (Tabela 3) Tabela 3 – Opiniões dos acompanhantes em relação às dificuldades das crianças / adolescentes OPINIÃO QUANTIDADE PORCENTAGEM Hereditário 03 30% Problemas na gravidez 02 20% Rejeição Paterna 01 10% Característica/ personalidade 01 10% Adoção 01 10% Vício 01 10% Doença 01 10% TOTAL 10 100% Verifica-se que 30% dos acompanhantes atribuíram a dificuldade da criança / adolescente a fatores hereditários, os quais estariam influenciando o bom desenvolvimento das mesmas. Entre estes fatores haviam dois relacionados a doenças psiquiátricas, e um a deficiência física. Isso provavelmente dificulta a adaptação da criança / adolescente ao seu meio, ocasionando sentimento de inferioridade e distúrbios psicológicos. Principalmente nestes casos o apoio da família é fundamental na superação dos obstáculos cotidianos. Destaca-se também que 20% dos acompanhantes atribuíram as difi culdades das crianças /adolescentes à problemas emocionais maternos durante a gravidez. Acerca disso, KAPLAN E SADOCK (1993), afirmam que o feto é vulnerável ao estresse materno, dessa forma, as mães com altos níveis de ansiedade tendem a produzir bebês hiperativos e irritáveis, com diversos problemas de saúde e comportamentais. Quando questionados acerca da influência que as dificuldades das crianças / adolescentes exerciam sobre a vida familiar, 9 (90%) acompanhantes relataram que essas dificuldades estavam provocando desentendimentos familiares, entre os pais, entre os filhos, e entre pais e filhos, e 1 (10%) relatou que estava influenciando no desempenho profissional. Segundo o relato dos acompanhantes esses desentendimentos ocorrem entre os pais, que geralmente culpam um ao outro pela dificuldade da criança / adolescente, ocorrem também entre os filhos, haja vista que a criança / adolescente com dificuldades tende a se tornar o centro das atenções, e ainda ocorrem entre pais e filhos, onde os p ais, visando a resolução do problema, acabam por terem atitudes enérgicas, o que agrava a situação. Acerca dos resultados positivos do tratamento que os acompanhantes observaram no comportamento da criança / adolescente, 5 (50%) desses acompanhantes relataram que as mesmas estavam apresentando melhoras, e 5 (50%) relataram poucas melhoras. Nota-se que em100% da amostra entrevistada houve o relato de melhora em maior ou menor grau atribuídas ao tratamento. Acerca dos resultados do tratamento, ACKERMAN (1986), afirma que independente do método particular utilizado ou do processo de avaliação empregado, achados estatísticos se mostram aproximadamente equivalentes, havendo um terço de pacientes que melhoram substancialmente, um terço apresenta um gr au de melhora, e um terço permanece inalterado. 7 - Sentimentos do Familiar / Acompanhante em relação à Criança / Adolescente Quando os acompanhantes foram indagados acerca de seus sentimentos mais freqüentes em relação à criança / adolescente, 7 (70%) relataram que sentiam amor / carinho, enquanto que 3 (30%) relataram que sentiam raiva. Observa-se que os sentimentos mais freqüentes relatados pelos acompanhantes em relação às crianças e adolescentes, foram amor / carinho. Acerca desse assunto, FÉRES -CARNEIRO (1992) afirma que o carinho é fundamental para o crescimento emocional saudável dos membros da família, daí a importância do mesmo. Nos outros casos (30%), o sentimento descrito como mais freqüente foi a raiva, o que provavelmente está influenciando a relação mãe-criança e a dinâmica familiar, demonstrando a necessidade de atenção também a estes acompanhantes. Acerca de como os acompanhantes expressam esses sentimentos em relação à criança / adolescente, 5 (50%) relataram que expressam através de manifestações de afeto, 3 (30%) através de punições, e 2 (20%) dialogando. Segundo FÉRESCARNEIRO (1992), para que uma família promova o desenvolvimento emocional saudável de seus membros, o contato físico tem que estar presente e deve ser manifestado. Vale destacar que 30% dos acompanhantes descreveram que expressam seus sentimentos através de punições às crianças e adolescentes. Nesses casos, é de vital importância a orientação desse grupo familiar, no sentido de melhor poderem lidar com sua crianças / adolescentes. Os outros 20% dos acompanhantes relataram que expressam seus sentimentos dialogando, o que, de acordo com FÉRES -CARNEIRO (1992), é essencial para o desenvolvimento emocional saudável dos membros da família. Referente às contribuições que os acompanhantes davam à crianças e adolescentes para que as mesmas apresentassem melhoras, 6 (60%) relataram que contribuíam aconselhando, conversando com as crianças / adolescentes, 3 (30%) possibilitando o atendimento psicológico, e 1 (10%) punindo. ( Tabela 4) Tabela 4 – Contribuições dos acompanhantes para a melhora das crianças / adolescentes CONTRIBUIÇÕES QUANTIDADE PORCENTAGEM Conversa / Conselho 06 60% Atendimento Psicológico 03 30% Punição 01 10% TOTAL 10 100% Nota-se que a maioria dos acompanhantes (60%) estão preocupados e atentos ao seu papel na promoção da saúde das crianças / adolescentes, demonstrando seu interesse através do diálogo e aconselhamentos, cuja importância foi destacada em diversos pontos desse trabalho, e sem dúvida a abertura dos pais para o diálogo contribui em muito para a resolução dos conflitos vividos pelas mesmas. Observa-se também que 30% dos acompanhantes afirmaram que contribuem para a melhora da criança / adolescente possibilitando o atendimento psicológic o, no entanto, é preciso ter em vista, segundo RESENDE (1996), que o psicólogo é um dos elementos que auxilia pais e educadores a criarem condições para o desenvolvimento de uma relação profunda e autêntica com a criança, dessa forma, são os pais que exercem o papel de estimular o processo de desenvolvimento de suas crianças / adolescentes. De acordo com FERRARI (1996), um comportamento parental impróprio pode afetar uma criança em diversos níveis, dessa forma, é fundamental que os familiares cumpram suas funções para o desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes, pois estarão certamente contribuindo para a saúde mental das mesmas. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando-se que o principal objetivo deste trabalho foi identificar e avaliar as contribuições do grupo familiar para a promoção da saúde mental de crianças e adolescentes atendidos no Serviço de Psicologia do HUBFS, pode -se afirmar que o mesmo foi atingido, visto que os resultados mostraram a importância da participação da família no tratamento dessas crianças e adolescentes. Segundo MOURA & GABASSI (1998), a importância da participação dos pais no tratamento, está na orientação de como suas práticas educativas podem ser modificadas, tornado-os mais efetivos na implementação de mudanças no comportamento da criança. Dessa forma, a orientação aos familiares de como interagir com as crianças e adolescentes contribui para a superação das dificuldades. Os resultados deste trabalho demonstraram que a dificuldade mais freqüente apresentada pelas crianças e adolescentes foi a agressividade. Para BENDER, citado por AJURIAGUERRA [s.d.], a criança sente qualquer frustração como sendo um ataque hostil do ambiente, dessa forma, a agressividade seria apenas o resultado de privações ou carências relacionadas com as desarmonias da evolução. Há que se levar em consideração, porém, que a maioria dos pacientes em atendimento psicológico eram adolescentes. Esta fase do desenvolvimento, segundo KNOBEL (1988), é caracterizada por desequilíbrios e instabilidade extrema s, o que configura uma entidade semipatológica, denominada “síndrome normal da adolescência”, que é perturbada e perturbadora para o mundo adulto, sendo que é absolutamente necessária para o adolescente, visto que, durante este processo vai estabelecer a sua identidade. Outro dado relevante neste estudo, é que a maioria das crianças e adolescentes atendidas no Serviço de Psicologia foram levadas ao hospital espontaneamente por seus pais, sem terem sido encaminhadas. De acordo com MOURA (1999), o não encaminhamento deve ocorrer devido a falta de conhecimentos sobre os tipos de problemas que merecem acompanhamento psicológico. Segundo essa autora, o encaminhamento por parte do médico é muito importante, senão para o tratamento, no mínimo para uma avaliação psicológica, podendo aumentar em muito as chances de que os pais recorram a esse tipo de ajuda para seus filhos. Referente às atitudes dos familiares / acompanhantes em relação às crianças / adolescentes, foi possível identificar que os primeiros apresenta ram disponibilidade para acompanhar as últimas, incentivando a realização do tratamento, contribuindo, dessa forma, ao atendimento das mesmas. Esse é um fator muito importante, pois demonstra que a família está disponível a contribuir e incentivar com o tr atamento. Acerca das opiniões desses familiares / acompanhantes em relação às dificuldades apresentadas pelas crianças / adolescentes, registrou -se inúmeras concepções que visavam explicar as dificuldades dessas últimas, as quais eram direcionadas à fatores externos ou intrínsecos a criança, e não advindos da própria dinâmica familiar. Segundo BAPTISTA (1996): “...o desenvolvimento dos membros da família é regulado não apenas por estímulos biológicos e pela interação psicológica, mas também por processos interativos que ocorrem no interior do sistema familiar.”(p. 128) No que diz respeito aos sentimentos desses familiares / acompanhantes em relação às crianças e adolescentes, notou-se a procura por recursos para ajudar essas crianças e adolescentes a superarem suas dificuldades, utilizando para tal, a expressão de sentimentos e diálogo. Sugere -se portanto uma preocupação por parte desses familiares com o desenvolvimento sadio de seus membros. Finaliza-se com a proposição da necessidade de medidas preventiva s para a manutenção e promoção da saúde mental de crianças e adolescentes, considerando se que as mesmas devem resultar em trabalhos multiprofissionais e interdisciplinares, envolvendo todos aqueles que lidam com a criança / adolescente, quer seja na família, na escola ou na sociedade. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACKERMAN, N. W. Diagnóstico e Tratamento das Relações Familiares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiquiatria Infantil. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Masson, [s.d.] AJURIAGUERRA, J. & MARCELLI, D. Manual de Psicopatologia Infantil. 12ª Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. BAPTISTA, M. N. Abordagem Familiar de Crianças e Adolescentes com Transtornos Afetivos. In: Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência ( Org. Francisco Assumpção ). São Paulo: Ed. Lemos, 1996. CHIZZOTTI, A . Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Cortez, 1995. FÉRES-CARNEIRO, T. 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