A relação entre estresse infantil e desempenho escolar

Propaganda
121
A relação entre estresse infantil e desempenho
escolar
Nathalia Karoline PRONI1
Elisabete Scaglia TRENTO2
Resumo: O estresse é caracterizado por situações, boas ou ruins, que resultam
em reações físicas ou psicológicas no indivíduo. Situações estas que acometem
indivíduos de qualquer idade, inclusive crianças. A realização desta pesquisa
provém da inquietação em compreender a relação entre o estresse e o desempenho escolar dos alunos, analisando as causas e sintomas provenientes do estresse
infantil. Saber identificar e compreender as fontes estressoras na infância e as
consequências atreladas a elas é fundamental no auxílio da superação desse quadro, principalmente por parte dos docentes. A discussão desses temas auxiliam
professores a tomarem conhecimento da importância da intervenção docente,
que oferece bases e auxílio para que os alunos se desenvolvam e lidem com as
situações estressoras às quais estão submetidos. O que se observa é que há relação direta entre estresse e desempenho escolar, com uma criança que apresenta
sintomas de estresse não possuindo pleno desenvolvimento cognitivo, e que o
professor tem papel fundamental na mediação da aprendizagem, e essa intervenção é capaz de amenizar os sintomas e as consequências desse quadro no
processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Estresse. Estresse Infantil. Desempenho Escolar. Aprendizagem.
1
Nathalia Karoline Proni. Graduada em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário.
E-mail: <[email protected]>.
2
Elisabete Scaglia Trento. Graduada em Formação de Psicólogos pela Universidade Metodista de
Piracicaba (1981) e mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC
(1993). E-mail: <[email protected]>.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
122
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
123
1.  INTRODUÇÃO
Em um mundo consideravelmente agitado e globalizado,
torna-se inevitável que os indivíduos, em meio a tantas atividades
e responsabilidades diárias, desenvolvam um quadro de cansaço
excessivo e irritabilidade que acaba por atrapalhar seu desempenho
em suas ações, características que recebem o nome de estresse ou
stress.
O presente trabalho tem por objetivo geral verificar a relação
entre o estresse e o desempenho escolar, verificando se as dificuldades de aprendizagem podem estar relacionadas ao estresse infantil.
Lipp et al. (2002, p. 51-52) definem:
O estresse é uma reação do organismo composta por componentes físicos e/ou psicológicos, causados pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se
confronta com uma situação que, de um modo ou de outro,
a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a
faça imensamente feliz.
Apesar de se tratar de um termo que precipitadamente remete
a situações de indivíduos adultos, atinge crianças com a mesma
intensidade. Pacanaro e Di Nucci (2005) afirmam que o estresse
em adultos produz muitas consequências em suas vidas, o que não
se distingue do estresse infantil, que também traz sérios reflexos no
cotidiano da criança; a diferença entre ambos está nos sintomas e
em suas causas.
A partir da definição do estresse e suas consequências, a pesquisa busca analisar as principais causas e os sintomas do estresse
infantil, além de verificar se a intervenção por parte do professor
pode auxiliar na superação das dificuldades escolares dos alunos
com estresse.
Uma criança estressada pode possuir problemas em diversas
áreas; na escola o aluno com estresse pode desenvolver sérias dificuldades em relacionar-se com os colegas e obter sucesso em sua
aprendizagem, resultando em um desempenho escolar baixo.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
124
A hipótese a ser levantada neste contexto é a de que, se ocorrer a intervenção e mediação de professores no ambiente escolar,
então pode-se aliviar as consequências do estresse, mesmo que este
não seja resultado de fontes estressoras do ambiente escolar. O professor pode oferecer um ambiente agradável e auxiliar seu aluno
em suas dificuldades, evitando assim que seu desempenho cognitivo seja afetado severamente.
Lemes et al. (2003) nos alertam para o fato de que em nosso
país não há uma política de prevenção à saúde geral que inclua o
estresse em crianças e, por esse motivo, na maioria das vezes, pode
passar desapercebido, o que resulta em vários males aos pequeninos. Esse fato nos faz refletir sobre a importância de conscientização de pais e professores sobre esse novo vilão.
Ao se compreender a gravidade das consequências do estresse no desenvolvimento das crianças, principalmente em seu desempenho escolar, torna-se imensamente necessário que pais e professores estejam sempre atentos aos sintomas apresentados, visando
ao diagnóstico e à amenização dos mesmos.
Nesse contexto, a presente pesquisa se torna relevante na área
educacional e até mesmo psicológica, à medida que oferece informações essenciais na percepção do estresse, definindo os principais
sintomas e causas, e alertando sobre a importância da ação de professores nessa situação.
A pesquisa está dividida em três subtítulos. O primeiro, denominado “O estresse e suas definições” visa definir o que é o estresse
e suas vertentes, voltando-se principalmente para as definições do
estresse infantil.
No segundo, “As diversas causas e sintomas de estresse em
crianças”, há a reflexão sobre as principais fontes estressoras que
cercam as crianças, os sintomas apresentados por elas, além de
apontar algumas das consequências do estresse no cotidiano dos
pequenos, principalmente no desempenho escolar.
Já no terceiro, denominado “O estresse e o desempenho escolar”, há o detalhamento da relação entre o estresse e as dificuldades de aprendizagem, verificando que as alterações resultantes do
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
125
estresse podem interferir diretamente no desempenho escolar das
crianças, e alertando sobre a importância do professor desenvolver
uma boa relação com seus alunos, amenizando o quadro de estresse
dos mesmos.
2.  DESENVOLVIMENTO
O estresse e suas definições
Tão importante quanto verificar as relações entre estresse e
desempenho escolar é esclarecer o que realmente é estresse, por
meio de teorias que resultaram de diversos estudos e pesquisas na
área. Vale ressaltar que não se tratam de conceitos definidos e imutáveis, mas sim conceitos que buscam o esclarecer o real significado do estresse, principalmente em crianças, para aqueles que se
interessam pelo assunto.
Em um mundo a cada dia mais globalizado, os indivíduos
possuem cada vez mais responsabilidades, exigências e tarefas a
cumprir. A correria contra o tempo para concluir todas as atividades
necessárias e a relação com diversas pessoas e suas peculiaridades
podem resultar em um estado físico e psicológico desconfortável
para o indivíduo; tal estado pode ser denominado de estresse.
Pereira (2002) aponta que a palavra “estresse” deriva do latim e foi empregada primeiramente no século XVII referindo-se à
fadiga ou cansaço. O termo alcançou uma difusão tão grande que
quase acabou se transformando em um sinônimo para qualquer tipo
de alteração negativa do indivíduo.
Alguns o utilizam erroneamente para se referir às mais variadas alterações de comportamento sem nenhum estudo aperfeiçoado
de definição ou para simplesmente justificar alguns comportamentos. Neste contexto, é necessário esclarecer o significado correto do
termo “estresse”.
Consultando o Mini Aurélio século XXI: o minidicionário da
língua portuguesa (FERREIRA, 2000, p. 298), temos por definição
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
126
da palavra estresse: “conjunto de reações do organismo a agressões
de origens diversas, capazes de perturbar-lhe o equilíbrio interno.”
Já para Lipp (1991, p. 12):
Chama-se de stress a um estado de tensão que causa uma
ruptura no equilíbrio interno do organismo. É por isso que
às vezes, em momento de desafios, nosso coração bate rápido demais, o estômago não consegue digerir a refeição e
a insônia ocorre. Em geral, o corpo todo funciona em sintonia, como uma grande orquestra. Desse modo, o coração
bate no ritmo adequado às suas funções; pulmões, fígado,
pâncreas e estômago têm seu próprio ritmo da vida que
se entrosa com o de outros órgãos. A orquestra do corpo
toca o ritmo da vida com equilíbrio preciso. Mas quando o
stress ocorre, esse equilíbrio, chamado de homeostase pelos especialistas, é quebrado e não há entrosamento entre
os vários órgãos do corpo.
Após analisar as definições anteriores, fica claro que o estresse é resultado de situações que envolvem o indivíduo e fazem com
que ele sofra alterações no funcionamento de seu corpo, sejam elas
emocionais, comportamentais e até mesmo físicas. Alterações estas
que podem afetar o desempenho do indivíduo a ponto de prejudicar
seu desempenho em diversas atividades.
Para Meleiro (2008) o estresse é uma reação normal do organismo e é necessária no preparo do indivíduo para enfrentar as
diversas situações de perigo e de emoções extremas.
As pessoas podem apresentar estresse nas mais variadas etapas de sua vida. Alguns indivíduos se estressam desde muito cedo,
e isso pode se tornar parte de seu cotidiano sem ao menos perceber,
as exigências externas, e principalmente internas, somadas à falta
de tempo, podem causar cansaço excessivo e desânimo.
Lipp (2008, p.118) nos confirma essa afirmação ao dizer:
Há pessoas que aprenderam desde criança a pensar de
modo estressante. Essas pessoas carregam dentro de si
uma verdadeira fábrica de stress. O stress que vem de dentro é relevante porque acompanha a pessoa a cada minuto
do dia e em tudo o que ela faz. Essa fábrica interna de
stress é formada por valores, às vezes muito rígidos, que
temos, um modo típico de reagir com ansiedade diante do
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
127
mundo, o desejo de ser perfeito ou de ser aceito e amado
por todos. Além disso, alguns sofrem do que chamo de
“síndrome da pressa”, isto é, são cronicamente movidos
a fazer muitas coisas em um dia só e tudo rapidamente.
São pessoas que vivem em uma constante corrida contra o
relógio, que estressa e desgasta. O pensamento negativo ou
muito exigente talvez seja a maior fonte de stress conhecida na humanidade.
Vale ressaltar que há diversas situações que podem gerar desconforto, porém algumas situações estressantes para alguns indivíduos podem não ter o mesmo efeito sobre outros. Nesse contexto,
assim como as características diferem os indivíduos, as situações
estressoras também são distintas para cada pessoa.
É importante lembrar, também, que não somente coisas ruins
são causadoras de estresse, acontecimentos bons, como datas comemorativas ou eventos, podem causar tensão, pois exigem esforço maior do que o exigido no cotidiano. Isso ocorre independentemente da idade do indivíduo (LIPP et al., 1991).
Cada etapa de nosso desenvolvimento possui características
e exigências próprias. As exigências cotidianas atingem os mais diferentes indivíduos e as mais diversas idades.
Nesse contexto, não só adultos sofrem com o estresse, crianças também podem apresentar alterações no funcionamento de seu
organismo e de suas emoções, que são resultado da influência de
agentes estressores.
Para Lucarelli e Lipp (1999, p. 2):
Quando a criança é exposta a um evento estressante, seja
ele bom ou ruim, ela entra em estado de alerta, havendo, assim, uma ativação do sistema nervoso simpático e
da glândula pituitária, através do hipotálamo. Ao mesmo
tempo, ocorre a ativação das glândulas supra-renais que
liberam adrenalina, preparando a criança para a reação de
“luta e fuga” e provocam a inibição das atividades vegetativas [...]
O estresse na infância apresenta semelhança com o estresse
em adultos, pois, quando uma criança está diante de agentes estressores, reage com sensações físicas e psicológicas, e as conseEnsaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
128
quências do estresse excessivo ou prolongado podem resultar em
problemas sérios de saúde, mental ou física (LIPP et al., 1991 apud
LEMES et al., 2003).
Apesar da incidência de estresse em crianças não ser tão conhecida, Lipp (2002) relata que sabemos que serão inevitáveis as
situações de estresse, mais ou menos sério, que os pequenos irão
enfrentar; alguns exemplos são: internações, acidentes, doenças,
nascimento de irmão, mudança de casa, de escola, entre outros.
As reações diante de agentes estressores podem se distinguir
de acordo com a situação emocional e a idade da criança, dependendo da maturação de seu desenvolvimento (LIPP, 2002). Cada
estágio do desenvolvimento apresenta problemas, situações e conflitos próprios a serem solucionados e fontes próprias causadoras
de ansiedade e estresse (ERICKSON, 1963, apud LIPP, 2002).
Como já foi dito, há vários agentes estressores que acometem
o cotidiano de uma criança; a escola pode ser um desses agentes, na
medida em que a criança passa boa parte do seu tempo diário dentro
dela e, para algumas crianças, é o primeiro ambiente socializante
fora da família (TRICOLI, 2003 apud PACANARO; DI NUCCI,
2005).
Dentro do ambiente educacional, a criança, para se sentir
adaptada e confortável, deverá contar com o auxílio dos educadores, principalmente do professor, já que este tem relação direta e
diária com os alunos. O estado psicológico do professor e suas atitudes podem desencadear comportamento inesperados dos alunos e
se tornar um agente estressor.
Com diversas conceituações e definições sobre o estresse,
que pode atingir ou acometer o indivíduo seja lá qual for a sua
idade, é importante sabermos que há também diversas causas e sintomas que caracterizam este quadro.
As diversas causas e sintomas do estresse em crianças
Como já foi dito, as causas de estresse podem variar de indivíduo para indivíduo, dependendo de suas habilidades psicológicas
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
129
de enfrentar situações de desafios ou que exijam muito emocionalmente. Dessa forma fica evidente que se trata de um assunto
bastante complexo e que merece atenção constante para que não
resulte em graves consequências, que, por vezes, atrapalham o desempenho do indivíduo nas mais diversas áreas, e crianças são menos preparadas para lidar com tais situações sozinhas.
As situações resultantes em algum tipo de sintoma de estresse são conhecidas como agentes estressores ou fontes de estresse.
Tais fontes de estresse podem ser caracterizadas como externas ou
internas.
Fontes externas são as situações do ambiente a que a criança está submetida, ou seja, situações exteriores, que podem exigir
demais de seu emocional ou que a atinjam de maneira que possam
resultar em um desconforto e até mesmo o próprio estresse. Dentre
elas, podemos destacar as mais comuns, que são: atividades em excesso, responsabilidade em excesso, brigas ou separação dos pais,
escola, morte na família, exigência e/ou rejeição de colegas, disciplina confusa por parte dos pais, exigências ambíguas da sociedade,
hospitalização e nascimento de irmão (LIPP et al., 1991).
Já as fontes internas são aquelas criadas pela própria criança,
dependendo da maneira como ela enfrenta as situações que ocorrem no dia a dia, seus pensamentos, o tipo de personalidade e suas
atitudes. As principais fontes internas de estresse são: timidez, ansiedade, medo de castigos divinos, baixa autoestima e crenças irracionais (LIPP et al., 1991).
Assim como as causas variam, os sintomas também podem
ser distintos entre várias crianças e serão mais ou menos intensos de
acordo com o nível de estresse em que a criança se encontra.
Alguns sintomas aparecem na maioria das crianças que se
encontram em um quadro de estresse. Lipp (2002) ressalta que a
criança pode apresentar sintomas imediatos, como birras, enurese,
medos excessivos e hiperatividade. Os pais, na maioria das vezes,
buscam rapidamente diminuir a tensão à qual a criança está submetida; isso ocorre de maneira intuitiva, e os pais sequer têm conhecimento de que estão lidando com o estresse. Entretanto, quando os
adultos não percebem os sintomas, a situação pode se tornar preoEnsaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
130
cupante, e os danos emocionais podem perdurar por longos períodos.
Para Lipp (2002) o estresse pode manifestar-se por meio de
sintomas físicos ou psicológicos. Os sintomas físicos mais comuns
são: dor de barriga, diarreia, tique nervoso, dor de cabeça, náusea,
hiperatividade, enurese noturna, gagueira, tensão muscular, ranger
de dentes, falta de apetite, mãos frias e suadas. Já os sintomas psicológicos são: terror noturno, introversão súbita, medo ou choro
excessivo, agressividade, impaciência, pesadelos, ansiedade, dificuldades interpessoais, desobediência, insegurança e hipersensibilidade.
Os adultos que convivem diariamente com crianças podem
notar com maior facilidade as alterações comportamentais, emocionais e de saúde que estas podem apresentar, dentre estes adultos
os que se relacionam mais diretamente com elas podem ser a base
para a superação do estresse; são eles pais e professores.
Ao citar os professores, ressaltamos que o estresse pode afetar também o desempenho escolar das crianças, assim é importante
que os docentes observem e percebam sintomas de estresse em seus
alunos, buscando auxiliar na superação desse quadro.
O estresse e o desempenho escolar
A criança, em alguma etapa do seu desenvolvimento, deverá
frequentar o ambiente escolar com o objetivo de adquirir conhecimentos básicos de escrita e leitura, além de aprofundar conhecimentos de diversas disciplinas. Frequentar a escola é um direito
do indivíduo, e é dever da sociedade garantir que a criança esteja
na escola e conclua, no mínimo, a educação básica, composta por
Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio.
O objetivo da educação brasileira e o dever da sociedade de
garantir a educação a todos os indivíduos estão presentes na Lei de
Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996, s/p), que em seu Artigo 2º diz:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
131
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
A escola é local de socialização, de criação de vínculos com
colegas e educadores, de aprendizagem, de troca de experiências,
ou seja, local de desenvolvimento pleno do indivíduo, abrangendo
todas as habilidades da criança, sejam elas físicas, emocionais, sociais ou cognitivas.
A Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996, s/p) também
afirma em seu Artigo 29 que:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Vale ressaltar que, apesar do trecho da lei citado se referir
mais especificamente à Educação Infantil, tais objetivos devem ser
estendidos a todas as demais etapas da educação básica. O aluno
deve ter a oportunidade de explorar, aprimorar e desenvolver todas
e quaisquer habilidades que possua.
A escola nesse contexto tem a responsabilidade de zelar pelo
bem-estar de seus alunos, buscando suprir as necessidades dos mesmos, sejam elas físicas ou cognitivas. Sendo o primeiro ambiente
socializante para uma criança, ela pode acumular várias fontes de
estresse; a primeira é a separação da família, cabe ao professor acolher os pequenos e tentar amenizar as consequências emocionais
dessa separação durante o processo de aprendizagem.
É denominado processo de aprendizagem a ação de ensinar
e aprender, que na escola é um ato que envolve vários dos agentes
educacionais, professores, gestores, alunos, familiares e até mesmo
a comunidade. É claro que uns participam mais diretamente,
enquanto outros complementam esse processo.
Dos agentes educacionais mais intimamente ligados ao processo de aprendizagem, os principais são os professores e os alunos, que durante os dias letivos se encontram diariamente em sala
de aula e juntos, por meio da troca de experiências e transmissão de
conhecimento, aprendem e ensinam.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
132
Nesse contexto, a relação entre professor e aluno é um dos
mais importantes pontos do processo de aprendizagem, na medida
em que a boa relação entre ambos pode resultar no sucesso escolar
do discente, porém, quando a relação não vem a ser tão prazerosa,
as dificuldades escolares se tornam inevitáveis.
A relação entre professor e aluno é baseada em um trinômio:
proximidade – dependência – conflito. A proximidade refere-se ao
grau de afetividade e comunicação entre a criança e seu professor,
que é associado de maneira positiva ao desempenho acadêmico; já
a dependência está ligada a comportamentos possessivos ou pela
busca excessiva do auxílio do professor, o que está ligado ao surgimento de dificuldades e desempenho escolar mais pobre. O conflito
está ligado ao fato de adquirir novos conhecimentos, sendo necessário adaptar e acomodar os novos saberes aos antigos (BIRCH;
LADD, 1997 apud GARDINAL; MARTURANO, 2009).
Ao analisarmos o trinômio proposto anteriormente, podemos
relacioná-lo ao estresse da criança na medida em que a boa relação
entre docente e discente poderá amenizar o quadro de estresse vindo do exterior da escola, e a criança vê no professor uma fonte de
apoio que a ajudará a superar seus medos e dificuldades. Porém,
quando a relação entre ambos não é composta por vínculos afetivos
e efetivos, a criança pode estar diante de uma nova fonte de estresse, desencadeando dificuldades de aprendizagem.
Lipp (2008, p. 96) confirma as consequências da relação entre professor e aluno ao dizer:
O professor na escola tem uma função muito importante
em relação aos alunos, pois seu contato é direto. Por exemplo, o professor auxilia na solução de problemas, é amigo,
confidente, substituto da mãe ou do pai e, por fim, é um
transmissor de informações. Atualmente os professores
acumulam inúmeras funções e, desse modo, precisam conhecer individualmente cada aluno, para realmente poder
preparar esse futuro adulto para o mundo. É necessário
saber tratar cada um de acordo com suas características
pessoais. O professor é a peça-chave da equipe escolar,
servindo como modelo para o manejo ou como mais uma
fonte de stress.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
133
O estado emocional e a personalidade do professor podem
afetar o andamento de sua sala, ou seja, um professor descontente
com o que faz transmitirá a seus alunos sua negatividade, contudo
um professor alegre e motivado com toda certeza conquistará alunos com as mesmas características.
Seguindo essa linha de pensamento, um professor agressivo,
autoritário, que grita todo o tempo, tentando buscar a disciplina de
sua sala, algum tempo depois de iniciar a convivência com seus
alunos, terá crianças semelhantes a ele, falando alto e agredindo os
demais, inclusive o docente, ou terá alunos retraídos, calados, com
o receio de receberem broncas e gritos. Porém, um docente calmo
e seguro do que faz conquistará o mesmo comportamento de sua
turma (LIPP, 2008).
Sabemos que cada criança é um ser único com características e peculiaridades próprias; há aquelas com maior facilidade de
aprendizagem e outras que possuem maiores dificuldades. Porém,
tais dificuldades podem surgir até mesmo em crianças com altas
habilidades cognitivas se elas estiverem expostas a situações que
lhe causem desconforto, ou seja, estresse.
A criança, por mais dedicada e inteligente que seja, não conseguirá bons resultados de aprendizagem diante de uma crise de
estresse. Várias dificuldades de atenção, memória, concentração,
interesse, apatia ou agitação poderão ocorrer decorrentes do estresse. E é por isso que o docente deve ter conhecimento das características individuais de seus alunos, pois dessa maneira poderá mediar a situação, visando minimizar os sintomas e consequências do
estresse e até mesmo auxiliar na recuperação de seu aluno (LIPP,
2008).
Outra fonte estressora na escola vem a ser os métodos de
avaliação; provas escritas ou orais são exemplos de estressores. O
sistema educacional brasileiro supervaloriza os momentos formais
de avaliação, que na maioria das vezes medem muito pouco dos
conhecimentos adquiridos pelos alunos, e o mais agravante é que
esses momentos são caracterizados pela tensão e pressão sobre o
aluno (LIPP, 2008).
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
134
Patto (apud BASTOS, 2012) afirma que há quatro fatores que
podem resultar no fracasso escolar, são eles: pedagógico, social,
biológico e psicológico. O fator pedagógico refere-se à importância
do processo de aprendizagem eficaz no sucesso escolar. Já o social
visa refletir a carência cultural que as crianças enfrentam, ou seja,
a falta de relações sociais efetivas. O fator biológico verifica as intercorrências clínicas que a criança enfrenta ao longo do ano letivo.
E, por último, talvez o mais importante, o psicológico, que se refere
à estrutura emocional e mental à qual está submetida, relaciona-se
principalmente à estrutura familiar, que pode ser adequada ou não.
As principais causas relacionadas ao mau desempenho escolar, melhor dizendo, às dificuldades de aprendizagem estão ligadas às condições de vida, que por vezes impedem ou dificultam a
frequência escolar; bem como à inadequação da escola para lidar
com os alunos, havendo, muitas vezes, falta de professores adequados, de materiais e de recursos; e também à falta de sensibilidade
por parte de professores e gestores, que na maioria das vezes estão
alheios à realidade dos alunos, desconhecendo a cultura a qual estão inseridos e assim desenvolvem aulas sem real significado para
os discentes (COLLARES, 1989).
Essas principais causas, se analisadas, são também fontes
estressoras, e impedem os alunos de se desenvolverem plenamente;
mais uma vez nota-se que o estresse está ligado ao insucesso escolar, já que as principais causas do mau desempenho também são
causas de estresse.
O mau desempenho escolar geralmente é melhor observado
quando a criança ingressa no ensino fundamental, pois é nessa etapa do ensino em que ela está mais submetida a processos avaliativos e as pressões são muito maiores, na medida em que conhecimentos teóricos e técnicos são muito mais exigidos, principalmente
no início da alfabetização.
Nesse contexto, a transição do 1º ano trata-se de um período
marcado por incertezas, já que as crianças sofrem com a adaptação, que exige delas a superação de várias metas de aprendizagem
e também de socialização, metas estas que na maioria das vezes
exigem maior autonomia que na Educação Infantil. A junção das
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
135
novas exigências com a expectativa de autonomia, que ocorre em
ambiente físico e social até então estranho para o aluno, caracteriza
um período em que as crianças serão submetidas a diferentes emoções, como excitação, ansiedade e medo (GRAZIANO et al., 2007
apud MARTURANO; TRIVELLATO-FERREIRA; GARDINAL,
2009).
A passagem para o 1º ano é considerada uma transição que
submete a criança a quatro tarefas adaptativas, são elas: ajustar-se
às transformações nas definições de papéis e comportamentos desejados; situar-se na rede social ampliada; adequar-se às regras do
novo contexto; lidar com o estresse associado às incertezas presentes à situação como um todo (ELIAS, 1989 apud MARTURANO;
TRIVELLATO-FERREIRA; GARDINAL, 2009)
Esse momento de transição caracterizado pelas incertezas faz
com que a criança sinta-se vulnerável, resultando no desconforto
emocional que pode afetar seu desempenho nas mais diversas atividades escolares. E é nesse contexto que o professor deve observar e mediar tais situações causadoras de estresse, relacionando-se
afetivamente com seus alunos, transmitindo, assim, segurança, e
consequentemente amenizando as pressões da nova etapa de ensino
e mostrando que, apesar da maior exigência cognitiva, os pequenos
terão o suporte e o cuidado necessário para superação de suas dificuldades.
3.  CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por finalidade a análise da relação entre
estresse infantil e desempenho escolar, verificando as causas e sintomas que caracterizam o quadro de estresse e as alterações e dificuldades de aprendizagem resultantes de tais sintomas.
Durante o desenvolvimento desta pesquisa ficou evidente a
importância de se perceber os sintomas de estresse apresentados
pelas crianças precocemente, para que haja a intervenção de adultos para auxiliar a superação dessas dificuldades e evitar que as
consequências cognitivas, emocionais e até mesmo físicas sejam
severas.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
136
Para entender os efeitos do estresse é necessário compreender
suas definições, ou seja, compreender o que é estresse, e que este
não acomete somente pessoas adultas, mas também crianças.
Assim, centrando a pesquisa no estresse na infância, tão importante quanto defini-lo é identificar suas principais causas e sintomas, visando perceber fontes estressoras e amenizar essas situações para que as consequências sejam as menores possíveis.
O desempenho escolar baixo é uma das consequências de estresse em crianças; por meio de estudos e teorias é possível verificar a relação entre as dificuldades de aprendizagem e os sintomas
apresentados pelos alunos, alertando para a importância da boa relação entre professor e aluno, para que tal relação não se torne mais
uma fonte estressora.
A relação entre professor e aluno é extremamente importante,
a intervenção do professor é capaz de amenizar as consequências
do estresse de crianças, mesmo que este não tenha suas causas presentes no ambiente escolar. O professor, ao oportunizar um ambiente harmonioso, que permita a seus alunos aprenderem de forma
tranquila e significativa, faz com que as fontes estressoras diminuam e que as consequências desse estresse não sejam tão severas.
Para comprovar a importância da intervenção do professor,
Lipp (2008, p. 136) afirma que:
[...] compete ao professor ensinar seus alunos a lidarem
com o estresse do cotidiano de modo saudável. Crianças
que possuem professores que promovem o ensino de técnicas de manejo do estresse serão adultos melhor preparados
em relação às adversidades da vida.
O professor é peça-chave no desenvolvimento da criança e
deve zelar pelo seu bem-estar e sempre buscar a melhor forma de
se relacionar com seus alunos e desenvolver suas aulas, para que
estes não se tornem mais uma forma de estresse a que os pequenos
estejam submetidos.
É importante ressaltar que este trabalho não visa atribuir
unicamente ao professor a responsabilidade de mediar situações de
estresse; sabe-se que este deve ser o objetivo de todos os adultos
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
137
que convivem com crianças submetidas a fontes estressoras. Porém, no ambiente escolar, o docente deve sim buscar identificar e
trabalhar crianças com sintomas de estresse, para que estas tenham
suporte e consigam superar suas dificuldades.
Pesquisas na área do estresse infantil ainda não são tão frequentes, principalmente em relação ao desempenho escolar; dessa
forma, torna-se necessário que pesquisas sejam realizadas como
forma de identificar meios de se mediar essas situações, mediação
esta não só por parte de docentes, mas de educadores como um
todo, incluindo até mesmo gestores.
REFERÊNCIAS
BASTOS, F. D. F. Estresse infantil e dificuldades escolares: mito ou realidade?
Monografia (Especialização em Orientação Educacional e Pedagógica) –
Instituto A Vez do Mestre, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro,
2012. Disponível em: <http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/
posdistancia/51235.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2016.
BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 23 dez. 1996.
COLLARES, C. A. L. Ajudando a desmistificar o fracasso escolar. In: ______.
Toda criança é capaz de aprender? São Paulo: FDE, 1989, p. 24-28.
FERREIRA, A. B. H. Mini Aurélio século XXI: o minidicionário da língua
portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
LEMES, S. O. et al. Stress Infantil e desempenho escolar – avaliação de crianças
de 1ª a 4ª série de uma escola pública do município de São Paulo. Estudo de
Psicologia, Campinas, v. 20, p. 5-14, 2003.
LIPP, M. E. N. et al. Como enfrentar o stress infantil. São Paulo: Ícone, 1991.
LIPP, M. E. N. et al. O estresse em escolares. Psicologia escolar e educacional,
Campinas, v. 6, n. 1, p. 51-56, 2002.
LIPP, M. E. N. (Org.). O stress do professor. 6. ed. Campinas: Papirus, 2008.
LUCARELLI, M. D. M.; LIPP, M. E. N. Validação do inventário de sintomas
de stress infantil–ISS-1. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 12, n.
1, 1999.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
138
MARTURANO, E. M.; TRIVELLATO-FERREIRA, M. C.; GARDINAL, E. C.
Estresse Cotidiano na transição da 1ª série: percepção dos alunos e associação
com desempenho e ajustamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.
22, n. 1, p. 93-101, 2009.
MELEIRO, A. M. A. S. O stress do professor. In: LIPP, M. E. N. (Org.). O stress
do professor. 6. ed. Campinas: Papirus, 2008. p. 11-27.
PACANARO, S. V.; DI NUCCI, E. P. Estresse infantil: uma comparação entre
meninos e meninas do ensino fundamental. Argumento, Curitiba, v. 13, n. 1, p.
65-76, 2005.
PEREIRA, A. M. T. B. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do
trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 1, n. 9, p. 121-138, jul./dez. 2016
Download