UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU ASTREINTE E SUA INCIDÊNCIA: NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO RICARDO AZEVEDO SILVA Biguaçu (SC), maio de 2008 i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU ASTREINTE E SUA INCIDÊNCIA: NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO RICARDO AZEVEDO SILVA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Nilton João de Macedo Machado Biguaçu (SC), maio de 2008 ii AGRADECIMENTO À minha mãe Neide, meu irmão Marcelo, meus amigos Samuel e Sandra sem os quais não teria cumprido esta jornada, presto-lhes minha gratidão e o justo reconhecimento. Aos meus professores Sérgio Roberto Baash Luz e Nilton João de Macedo Machado, pessoas da mais alta envergadura humana, e exemplos de que o saber se constrói com humildade. iii DEDICATÓRIA A Gerson, meu pai querido, cuja prematura falta embora tenha marcado para sempre minha vida, não me diminuiu o desejo de superar o tempo para alcançá-lo. Para onde quer que o destino me leve, guardarei sua lembrança e com orgulho direi o seu nome, sob a promessa que firmo em exercer o mesmo ofício, permita-me a sorte, com a mesma sabedoria e simplicidade que lhe foram tão características. Assim o farei, para que tenha orgulho de mim, e pela minha fé, se Deus conceder-me, possa finalmente reencontrá-lo em algum lugar da eternidade. iv TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu (SC), maio de 2008 Ricardo de Azevedo Silva Graduando v PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Ricardo Azevedo Silva, sob o título Astreinte e sua incidência: necessidade de obrigação pessoal, foi submetida em 16 de junho de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Nilton João de Macedo Machado (Presidente), Giancarlo Carlo Castelan (Avaliador), Rita de Cássia Pacheco (Avaliador) e atribuída nota 10 (dez). Biguaçu (SC), 16 de junho de 2008 Professor MSc. Nilton João de Macedo Machado Orientador e Presidente da Banca Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica SUMÁRIO RESUMO RESUMÈ INTRODUÇÃO.................................................................................... 1 1 A ASTREINTE ................................................................................ 2 1.1 DEFINIÇÃO ......................................................................................................2 1.2 ESCORÇO HISTÓRICO DAS PENAS NO DIREITO ROMANO ......................5 1.3 HISTÓRICO DAS ASTREINTES ......................................................................6 1.4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA ....................................................10 1.5 OUTRAS SANÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO .........................................16 1.5.1 Tipo penal desobediência ........................................................................16 1.5.2 A multa prevista no parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil ....................................................................................................17 1.5.3 Prisão civil ..................................................................................................18 1.6 APLICABILIDADE DAS ASTREINTES NAS OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E DAR .............................................................................................19 1.6.1 Breve escorço histórico das obrigações de fazer, não fazer e dar no direito brasileiro ..................................................................................................19 1.6.2 Definição das obrigações de fazer, não fazer e dar ...............................19 1.6.3 A executividade ..........................................................................................21 1.6.3.1 As obrigações de dar..............................................................................21 1.6.3.2 As obrigações de fazer e não fazer ......................................................23 vii 2 ASTREINTES FIXADAS POR DECISÕES JUDICIAIS - ASPECTOS GERAIS ............................................................................................ 25 2.1 O DEVEDOR...................................................................................................25 2.2 O CREDOR.....................................................................................................27 2.3 O VALOR E PERIODICIDADE .......................................................................30 2.4 O MARCO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA ASTREINTE..................................35 2.5 O MARCO FINAL DE INCIDÊNCIA DA ASTREINTE ....................................37 2.6 O MOMENTO DE EXIGIBILIDADE DA ASTREINTE .....................................38 2.6.1 A necessidade do trânsito em julgado.....................................................38 2.6.2 A execução provisória da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão de mérito................................................................................................40 2.6.3 A execução definitiva da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão de mérito................................................................................................43 2.7 A EFICÁCIA DA ASTREINTE COMO MEIO DE COERÇÃO.........................45 3 A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO PARA A INCIDÊNCIA DA ASTREINTE FIXADA EM DECISÃO JUDICIAL ......................................................................................... 48 3.1. DAS COMUNICAÇÕES DOS ATOS PROCESSUAIS ..................................48 3.1.1 Citação ........................................................................................................48 3.1.2 Notificação..................................................................................................49 3.1.3 Intimação ....................................................................................................50 3.2 DA NECESSÁRIA INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO ........................53 CONCLUSÃO................................................................................... 66 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 68 ix RESUMO SILVA, Ricardo Azevedo. Astreinte e sua incidência: necessidade de intimação pessoal do obrigado. 2008. 86 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI), Florianópolis, 2008. A astreinte, multa imposta pelo descumprimento de ordem judicial que determina obrigação de fazer, de não fazer ou de dar, surgida no início do Século XIX por obra da jurisprudência francesa, foi, desde sua gênese, acolhida por diversos países como ferramenta a serviço da efetividade da prestação jurisdicional, e acabou chegando a outros países, entre eles o Brasil. Com a modificação legal advinda da introdução dos artigos 461 e 461-A, do Código de Processo Civil, em 2002, houve maior facilidade na aplicação do instituto em análise, munindo-se o juiz e as partes credoras de obrigação, com meios a obter do devedor a entrega da tutela, seja exatamente como requerida, ou o mais próximo dela. O presente trabalho acadêmico pretendeu contemplar a interpretação doutrinária e jurisprudencial referida acerca do tema, demonstrando a existência de correntes divergentes sobre diversos aspectos, entre os quais, a necessidade de intimação pessoal da parte obrigada para a incidência, e conseqüente exigibilidade das astreintes. Palavras chave: Astreintes. Multa. Pena. Obrigação de dar. Obrigação de fazer e não fazer. Intimação. Devedor. Credor. x RESUMÈ SILVA, Ricardo Azevedo. Astreinte et de son impact: la nécessité d'une citation de remerciements personnels. 2008. 86 F. Achèvement des travaux de cours (Études de droit à l'Université de Vale do Itajaí - UNIVALI), Florianopolis, 2008. L'astreinte, l'amende infligée pour violation de l'ordonnance du tribunal qui détermine l'obligation de faire ou ne pas faire, qui est apparu au début du siècle XIX œuvres de la jurisprudence française a été, depuis sa genèse, accepté par de nombreux pays comme un outil de l'efficacité de la prestation des services judiciaires, et finalement parvenir à d'autres pays, dont le Brésil. Avec le changement juridique découlant de l'introduction des articles 461 et 461-A du Code de procédure civile en 2002, il n'y avait plus de facilité dans la mise en œuvre l'institut à l'examen, munindo au juge et les parties les créanciers d'obligations, avec des moyens pour obtenir le débiteur de remettre l'autorité, est exactement le cas échéant, ou le plus près. Cette étude visait à répondre aux universitaires et de l'interprétation judiciaire doctrinaire sur l'institut dit, démontrant l'existence de courants divergents sur différents aspects, parmi eux, pas moins controversée, la nécessité d'une assignation du personnel de la partie tenue de réaliser, et, par conséquent, le caractère exécutoire de astreintes. Mots-clés: Astreintes. Beau. Pena. Obligation de donner. Obligation de faire et pas faire. Notification. Débiteur. Prêteur. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo da forma de cientificação das decisões proferidas em ações que visam o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e dar que, quando não observadas, dão ensejo à incidência e exigibilidade das astreintes. O seu objetivo é demonstrar as duas correntes que tratam da forma de intimação utilizando-se do método dedutivo, ou seja, parte-se da generalidade para chegar ao ponto específico. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, denominado “A astreinte”, tratando do conceito de astreinte, seus antecedentes e seu histórico, da evolução legislativa pela qual passou até a forma atual, bem como da sua aplicabilidade nas obrigações de fazer, não fazer e dar. Após, de forma dinâmica, o Capítulo 2, que possui como título “Astreintes fixadas por decisões judiciais – aspectos gerais”, aborda questões como: quem são as partes legitimados, o termo a quo e ad quem de incidência, os limites de fixação, a eficácia, bem como a discussão doutrinária sobre o momento de sua exigibilidade, expondo as diversas correntes que tratam sobre o tema. No Capítulo 3, abordou-se a “Necessidade de intimação pessoal do obrigado para a incidência da astreinte fixada em decisão judicial”, diferenciando as diversas formas de comunicação dos atos processuais, bem como trazendo de uma lado, os defensores da obrigatoriedade da intimação pessoal e, do outro, os que afirmam bastar a intimação via publicação legal. Foram expostos ao longo do trabalho, a doutrina e o entendimento dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina e do Rio Grande Sul, bem como do Superior Tribunal de Justiça. 1 A ASTREINTE 1.1 DEFINIÇÃO A palavra astreinte, assim normalmente empregada no direito brasileiro, deriva do latim adstringere1 ou astringere, de ad e stringere, e tem por significado apertar, compelir, ou ainda pressionar, resultando daí os termos franceses astreinte e estringente2, traduzidos para o vernáculo como constrangimento, astreinte. A astreinte, impregnada, como visto, por uma essência de intimidação, é a rigor uma multa lançada contra o inadimplente obrigacional, compelindo-o a cumprir determinado comando proveniente das decisões judiciais, não substituindo, contudo, o dever de cumprimento. Acerca do tema leciona Mesquita3: Por ter caráter eminentemente psicológico, a multa não se confunde com a obrigação a ser prestada, nem com a indenização eventualmente devida em razão das perdas e danos decorrentes do descumprimento da obrigação. Isso significa que as astreintes não se destinam a substituir a obrigação nem a reparar os prejuízos advindos do inadimplemento ou do adimplemento tardio. Revelando a noção de constrangimento, Arenhart4 aduz que a idéia principal é ameaçar o devedor ao pagamento de quantia muito superior à própria obrigação, de modo que atender a ordem judicial se torna economicamente mais interessante. O autor valeu-se das palavras de Jeab Carbonier, que arrematou: “se agride a carteira para forçar a vontade”. ____________ 1 CARVALHO, Luís Camargo Pinto de. Saisine e astreinte. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 802, p. 73-76, agosto de 2002. 2 ACQUAVIVA apud GEBRIM, Marilza Neves. Astreintes. Revista da Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, p. 69-71, dezembro de 1996. 3 MESQUITA, José Ignácio Botelho de, et. al. Breves considerações sobre a exigibilidade e a execução das astreintes. Revista Jurídica. São Paulo, p. 23-37, dezembro de 2005. 3 Constituindo-se as astreintes em uma multa, Silva5 a entende como derivada do latim mulcta ou multa, no sentido de pena pecuniária, bem como expõe a autora “é assim, em sentido amplo, a sanção imposta à pessoa, por infringência à regra ou ao princípio de lei ou ao contrato, em virtude do que fica na obrigação de pagar certa importância em dinheiro.” Em sua origem, na jurisprudência francesa, a astreinte é definida como uma soma em dinheiro imputada em face do devedor, obrigando-o a cumprir a ordem no prazo determinado: Somme d'argent qu'un débiteur ou une partie condamnée au terme d'un procès devra payer si elle n'exécute pas, dans le premier cas, une ou plusieurs de ses obligations (astreinte conventionnelle) et, dans le second cas, la condamnation prononcée à son encontre (astreinte judiciaire) à une date déterminée. Cette somme est généralement d'un montant fixe par jour (ou autre laps de temps) de retard ou par violation constatée de la décision de justice. L'astreinte a une fonction comminatoire, c'est à dire qu'elle se veut une menace suffisamment dissuasive pour forcer le débiteur à exécuter ses obligations ou la partie succombante à exécuter la condamnation prononcée à son encontre dans les délais qui leur sont impartis. En ce sens, l'astreinte conventionnelle (prévue au contrat pour forcer le débiteur d'une obligation à l'exécuter dans les délais convenus) est comparable à la clause pénale. Elle s'en différencie cependant nettement en ce que l'astreinte n'a aucune fonction indemnitaire et ne saurait donc être tenue pour une évaluation forfaitaire de dommages et intérêts. L'astreinte conventionnelle n'étant pas une clause pénale, son montant ne saurait être modifié par le juge. Elle peut en outre se cumuler avec des dommages et intérêts.6 4 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 193. 5 6 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3. p. 218. DARMOM, Albert-Jean. Encyclopédie juridique des affaires et de la vie courante. Disponível em: <http://www.lawperationnel.com/EncyclopedieJur/Astreinte.html>. Acesso em 18 abr 2008. Tradução livre do autor: Soma em dinheiro que um devedor ou uma parte condenada no fim de um processo deverá pagar se não executa, no primeiro caso, uma ou várias das suas obrigações (obrigação convencional) e, no segundo caso, a condenação pronunciada à sua oposição (obrigação judicial) à uma data determinada. Esta soma é geralmente um montante fixo por dia (ou outro lapso de tempos) em decorrência do atraso ou por violação constatada da decisão judicial. A obrigação tem uma função cominatória, ou seja, uma ameaça suficientemente dissuasiva para 4 Conforme se extrai do conceito anterior, esta soma é geralmente um montante fixado por período, “não necessariamente diário, já que pode ser fixado em períodos menores que o dia (como horas), ou maiores (semana, mês)”7 ou por violação constatada da decisão judicial, vultoso o bastante para se tornar dissuasivo, forçando o devedor a cumprir as suas obrigações dentro do prazo que lhe é fixado. Nesse sentido, contribuiu Assis8: [...] ela consiste na condenação do obrigado ao pagamento de uma quantia, de regra, por cada dia de atraso, mas que pode ser “por tempo de atraso” (art. 461, § 5º), no cumprimento da obrigação, livremente fixada pelo juiz e sem relação objetiva alguma com a importância econômica do vínculo. Até então, podemos definir a astreinte como uma ferramenta de persuasão a serviço do juiz com o fito de coagir o devedor a cumprir a determinação judicial contra ele estabelecida, evitando-se, assim, o perecimento do direito e conseqüente conversão em perdas e danos, fazendo com que a ordem emitida obtenha a eficácia esperada.9 Sua natureza jurídica, tomando por base sua principal aplicabilidade, nada mais é que medida coercitiva processual, objetivando o cumprimento10, não havendo falar-se em conversão do direito perseguido em meras perdas e danos: forçar o devedor a executar as suas obrigações ou a parte sucumbente a executar a condenação pronunciada à sua oposição nos prazos que lhes são fixados. 7 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Hungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 725. 8 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 560. 9 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Hungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial. 2007. p. 725. 10 GEBRIM, Marilza Neves. Astreintes. Revista da Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, Brasília, p. 69-71, dezembro de 1996. 5 A medida coercitiva representada pela multa, concebida para induzir o devedor a cumprir espontaneamente as obrigações que lhe incumbem, principalmente as de natureza infungível, não é de natureza reparatória. Vale dizer, sua imposição não prejudica o direito do credor à realização específica da obrigação ou ao recebimento do equivalente monetário, ou ainda a postulação das perdas e danos. A multa em suma, tem natureza puramente coercitiva.11 1.2 ESCORÇO HISTÓRICO DAS PENAS NO DIREITO ROMANO No direito romano, afirma Talamini12, o devedor respondia com seu corpo, era a chamada manus iniectio, este era mantido como escravo do credor caso sua dívida não fosse quitada no prazo de sessenta dias. Caso o credor não tivesse interesse em mantê-lo como escravo, poderia vendê-lo ou até mesmo matá-lo e esquartejar seu corpo em tantas partes quantos forem os seus devedores. Coexistindo com a manus iniectio13, a pignoris capio14 possibilitava ao credor apoderar-se de algum bem do devedor forçando-o a adimplir sua dívida, caso contrário o bem seria destruído.15 Com a evolução legislativa (lex Iulia) a ductio iussu praetoris16 substituiu a manus iniectio, recaindo ainda a pena sobre o corpo do devedor, mas de forma mais branda e com autorização judicial, o que foi se ____________ 11 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GEBRIM, Marilza Neves. Astreintes. Revista da Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, p. 69-71, dezembro de 1996. 12 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 42. 13 Ação executiva (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. Saraiva, 1953. p. 243). 4 ed. São Paulo: 14 Tipo de execução que recai sobre os bens do devedor (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 313). 15 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 43. 16 Forma de execução da pena sobre o corpo do devedor com autorização do pretor (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 328). 6 abrandando com a evolução social romana, passando progressivamente para a sanção exclusivamente patrimonial.17 Com a sanção patrimonial surgiu o bonorum venditio18 que era uma forma de imissão na posse da integralidade dos bens do devedor (missio in possessionem)19 que após evoluiu par a distractio bonorum20 na qual os bens do devedor eram vendidos até atingir o valor do débito, evoluindo após para uma tutela jurisdicional, na qual os auxiliares dos juízes passaram a ser os depositários dos bens penhorados, dando início ao processo de execução na forma primitiva do que hoje existe, restando às obrigações de fazer e não fazer ser convertidas em perdas e danos21. O direito português, berço do direito brasileiro, fundado nas raízes romanas, baseou-se no modelo lá existente, trazendo para o Brasil as penalidades que seguem. 1.3 HISTÓRICO DAS ASTREINTES Anteriormente ao aparecimento da execução específica no direito francês, as obrigações que pendiam de cumprimento eram convertidas em perdas e danos, a teor do artigo 1.142 do Código Civil Francês22 a saber: “Toute obligation de faire ou de ne pas faire se résout en dommages et intérêts en cas d'inexécution de la part du débiteur”.23 ____________ 17 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 43. 18 Venda dos bens na totalidade (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 449). 19 Imissão de posse (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 250). 20 Separação dos bens (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Brocardos Jurídicos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 100). 21 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 44-45. 22 PIAZ, Lívia Cipriano Dal. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. Revista Jurídica, Porto Alegre, Notadez Informação, v. 328, p. 63-82, fev. 2005. 23 FRANÇA. Code Civil. Versão em vigor em 1º de jan. de 2008. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/>. Acesso em: 19 abr. 2008. Tradução livre do autor: Qualquer obrigação de fazer ou de não fazer resolve-se em perdas e danos em casos de descumprimento por parte do devedor. 7 Em se verificando que tal previsão jurídica não satisfazia as necessidades dos jurisdicionados, o julgador francês encontrou na multa diária a possibilidade de impor o cumprimento da obrigação sem que, com isso, fosse necessário tomar medidas de caráter segregatório. Tais medidas já não eram aceitas pelos doutrinadores franceses do início do Século XIX24 nem, tão pouco, que as obrigações sempre fossem convertidas em pecúnia, não sendo este o espírito doutrinário da obrigação: Lorsque le débiteur refuse d´exécuter son obligation, et lorsque cette obligation consiste en une prestation que cella d´une somme d´argent (...), les tribunaux emploient couramment, pour vaincre la résistence, le procédé suivant. Ils lui ordonnent d´executer das um délai fixe, et lê condamment, pour le cas où il n´obéirait pas, à payer au créancier une certaine somme par jour de retard.25 Em sendo uma criação pretoriana, foi a multa repudiada pelos doutrinadores do início do Século XIX, por entenderem ser contra legem. Mas, mesmo com a pressão exercida pelos doutrinadores, a multa tal qual prevista venceu as investidas daqueles que a viam como distorção legal, sendo assim descrito por Talamini26 o seu surgimento: A primeira notícia de aplicação da medida remonta ao julgado do Tribunal Civil de Cray, em 1811, e sua consagração definitiva deuse em decisão da corte de Cassação, em 1825 – ocasião em que já se reconhecia o seu caráter cominatório. Sua expressa previsão em lei, como providência geral, veio a ocorrer apenas em 1972 ____________ 24 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. ''Astreintes'': essa grande desconhecida. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12. Região, Florianópolis, v.19, p. 57-63, jan. 2004. 25 DALLOZ. Cours elementaire de droit civil français. 4 ed., 1924, p. 33. In: CARVALHO, Luis Camargo Pinto de. Saisine e Astreinte. Revista dos Tribunais, n. 91, ago. 2002, p. 73/78. Tradução livre do autor: Quando o devedor recusa a execução de sua obrigação, e quando esta obrigação consiste numa prestação, os tribunais empregam correntemente, para vencer a resistência, o método seguinte. Ordenam-lhe executá-las em prazo fixo, e imputam-lhe, para o caso onde não obedeça, a pagar ao credor certa soma por dia de atraso. 26 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 49-50. 8 (Lei de 05.07.1972). Antes disso, não foram poucas as idas e vindas jurisprudenciais e as dúvidas doutrinárias a respeito do tema. Atualmente, a matéria é disciplinada pela Lei 91-650, de 09.06.1991 (artigos. 33 a 37) e o decreto 92-755, de 31.07.1992 (artigos. 51 a 53). Conseqüência natural da intensa aplicabilidade do instituto, foi o mesmo alçado à condição de lei, nascendo com a Lei 72-226, datada de 5 de julho de 1972, complementada após pela Lei 91-650, de 9 de junho de 1991. Esta criação jurisprudencial, legalizada após anos de análise da aplicação prática do instituto, se mostrou eficaz de tal modo que outros países do continente Europeu incorporaram a solução ao seu ordenamento jurídico, em especial os países do Benelux. O Benelux, união aduaneira entre a Bélgica, Holanda e Luxemburgo “firmada em Londres, em 05 de setembro de 1944, completada pelo Protocolo de Haia, de 14 de março de 1947”27 em sua convenção uniforme sobre as astreintes, datada de 26 de novembro de 197328, informa a adoção de tal instituto pelos países componentes, dando prazo para a edição das normas. Reza o artigo 3º da convenção supra que: “L'astreinte, une fois encourue, reste intégralement acquise à la partie qui a obtenu la condamnation. Cette partie peut en poursuivre le recouvrement en vertu du titre même qui la prévoit”.29 ____________ 27 GRUPPELLI, Jaqueline Lisboa. O direito de ir e vir no mercosul. Disponível em: <http://www.ucpel.tche.br/direito/revista/vol5/07.doc>. Acesso em: 28 de abril de 2008. 28 BENELUX. Convention Benelux portant loi uniforme relative a l´astreinte, de 26 de novembro de 1973. Disponível em <http://www.benelux.be/fr/pdf/rgm/rgm_dwangsom1973_fr.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2008. 29 BENELUX. Convention Benelux portant loi uniforme relative a l´astreinte, de 26 de novembro de 1973. Disponível em <http://www.benelux.be/fr/pdf/rgm/rgm_dwangsom1973_fr.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008. Tradução livre do autor: A obrigação, uma vez incorrida, continua a ser integralmente adquirida à parte que obteve a condenação. Esta parte pode prosseguir a cobrança em virtude do título mesmo que prevê-lo. 9 Os demais países da Europa, ao verificarem a efetividade da inovação processual trazida pelos franceses, passaram a se utilizar do instituto, s como a exemplo da Suécia, Suíça, Itália e Alemanha.30 O direito italiano adotou as astreintes como meio coercitivo na tentativa de viabilizar a tutela inibitória: No que concerne à multa coercitiva, a atipicidade do direito de ação impõe, me parece, uma introdução também no nosso ordenamento de um sistema atípico de multa coercitiva (possivelmente em concurso e não em alternativa ao recurso em forma de execução forçada na forma específica, assim como, por exemplo, já hoje expressamente previsto, mas em via atípica, nos arts. 66 e 86 da Lei de Marcas e Patentes) sobre o modelo francês da astreinte (...) a reforçar o desejo de tutela específica na situação com referência àquela que historicamente se manifesta de modo mais intenso a exigência da satisfação in natura31. Vieira32, citando João Calvão, afirma que no direito comunitário europeu existe também a previsão das astreintes, com grande campo de aplicação, tais como “os artigos. 3º e 16º, § 1, do Regulamento nº 17 – que dão poderes à Comissão de infligir às empresas astreintes para constrangê-las a por fim às infrações, de conformidade com os artigos. 86º e 87º do Tratado de Roma”. Mostrando-se de extraordinária eficácia, o conceito das astreintes ultrapassou as fronteiras da Europa, chegando ao direito anglo-saxão, conforme descrito por Piaz33, segundo o qual houve uma adaptação da multa ____________ 30 VIEIRA, Leandro. Multa processual do CPC, 461, § 4º, sua origem, seu escopo e seu beneficário. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action= doutrina&iddoutrina=1725> Acesso em: 28 de abril de 2008. 31 PIAZ, Lívia Cipriano Dal. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. Revista Jurídica, Porto Alegre, Notadez Informação, v. 328, p. 63-82, fevereiro de 2005. 32 CALVÃO, João apud VIEIRA, Leandro. Multa processual do CPC, 461, § 4º, sua origem, seu escopo e seu beneficário. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default. asp?action=doutrina&iddoutrina=1725> Acesso em: 28 de abril de 2008. 33 PIAZ, Lívia Cipriano Dal. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. Revista Jurídica, Porto Alegre, Notadez Informação, v. 328, p. 63-82, fevereiro de 2005. 10 periódica, sendo criada a uma multa denominada contempt of Court, aplicada quando existir desrespeito à corte. Assevera o autor: Na verdade, tal punição se assemelha às nossas multas periódicas, pois também aqui se objetiva o cumprimento da ordem judicial, e o seu inadimplemento é considerado uma ofensa à ordem estatal. Diferem-se tais multas, especialmente porque a do direito americano é revertida em favor do Estado, enquanto as astreintes em favor do credor da obrigação e por naquele país ser possível a pena de prisão do devedor. 1.4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA No direito brasileiro, desde o tempo das Ordenações do Reino34, o preceito cominatório, forma ainda rudimentar do instituto, incidia sobre os bens do obrigado, possibilitando a prisão apenas em casos de insolvência. Com a extinção dos códigos processuais estaduais e a promulgação do Código de Processo Civil de 1939, registre-se, o primeiro do Brasil, houve a criação da ação cominatória que possuía um rito próximo ao da monitória hoje prevista no art. 1.102 do Código de Processo Civil: Art. 302. A ação cominatória compete: [...] XII - em geral, a quem, por lei, ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo. Art. 303. O autor, na petição inicial, pedirá a citação do réu para prestar o fato ou abster-se do ato, sob a pena contratual, ou a pedida pelo autor, si nenhuma tiver sido convencionada. § 1º - Dentro de dez (10) dias poderá o réu contestar; si o não fizer ou não cumprir a obrigação, os autos serão conclusos para sentença. § 2º - Si o réu contestar, a ação prosseguirá com o rito ordinário.35 ____________ 34 PIAZ, Lívia Cipriano Dal. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. Revista Jurídica, Porto Alegre, Notadez Informacao, v. 328, p. 63-82, fevereiro de 2005. 11 Para Guerra36, a cominação pecuniária referida nos artigos anteriores só poderia ser aplicada às ações de cunho cominatório, rito especial introduzido pelo Código de Processo Civil de 1939, tutelando as obrigações de fazer e não fazer , e arremata: Tratava-se de ação sumária, perfeitamente enquadrável naquela categoria que Chiovenda denominou “ações com função executiva predominante” (accertamenti com prevalente funzione esecutiva), pois a função preponderante da chamada ação cominatória era a de acelerar a obtenção de um título executivo (judicial). Na tentativa de satisfazer as necessidades do jurisdicionado e para comedir suas disputas, o legislador foi buscar no direito francês a inspiração para a instituição da multa processual, prevista no artigo 644 do Código de 1973, “consistente numa multa periódica, que poderá ser diária, ou levar em conta outra periodicidade, introduzida em nosso direito pelo Código de 1973, tem origem no direito francês e denomina-se astreinte”.37 Com a extinção da ação cominatória em decorrência do advento do Código do Processo Civil de 1973 e, na falta de presunção legal que coibisse o devedor a executar a tutela pretendida, sem que houvesse a necessidade de conversão da mesma em perdas e danos, os magistrados passaram a utilizar o artigo 287 para obrigar o cumprimento da obrigação de fazer e não fazer: Artigo 287. Se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição 35 BRASIL. Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12170>. Acesso em: 28 de abril de 2008. Texto de 1939. 36 GUERRA, Marcelo Lima. Antecipação de tutela no processo executivo. Revista de Processo, São Paulo. v. 87, p. 22-31, julho de 1997. 37 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 323. 12 inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença (artigos 644 e 645).38 Ressalta-se que tal multa somente era aplicada quando houvesse pedido na inicial, e fixada somente na sentença, sendo Inegável, no entanto, o avanço implementado pelo Código de Processo Civil de 1973, no sentido da instrumentalização das astreintes. Permita-se a transcrição: Artigo 644. Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento, contado o prazo da data estabelecida pelo juiz. Artigo 645. A condenação na pena pecuniária deverá constar da sentença, que julgou a lide.39 Assim, prevalecendo “a opção feita por consagrar apenas a coerção patrimonial do devedor, sem revivescência da coerção pessoal, em completa harmonia com os anseios da nação”40, a multa processual foi prevista na Lei 7.347/8541 (Lei da Ação Civil Pública) que possibilitava sua aplicação independentemente de requerimento da parte, mas como alternativa à execução forçada: Artigo 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de ____________ 38 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 28 de abril de 2008. 39 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 28 de abril de 2008. 40 VIEIRA, Leandro. Multa processual do CPC, 461, § 4º, sua origem, seu escopo e seu beneficário. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action= doutrina&iddoutrina=1725> Acesso em: 28 de abril de 2008. 41 SOUZA FILHO, Luciano Marino de Barros e. Multas astreintes: um instituto controvertido. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco, n. 7, p. 489/512, julho/2002-junho/2003. 13 multa diária, se esta for suficiente ou independentemente de requerimento do autor.42 compatível, Cinco anos depois, quando da promulgação da Lei 8.078/90, conhecida por Código de Defesa do Consumidor, o instituto da tutela específica, o qual possuía estreita ligação com as astreintes, manteve-se quase inalterado, podendo também ser aplicada a multa de ofício, mas com a ressalva de estarem dispostos dois requisitos, quais sejam, o justificado receio de ineficácia do provimento final e a relevância da demanda: Artigo 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil). § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. 43 ____________ 42 BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 43 BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 14 Posteriormente e, servindo de inspiração o artigo 84 supra, a idéia da aplicação da multa processual foi absorvida pelo Código de Processo Civil, quando da edição da Lei 8.952/94 que modificou a redação do artigo 46144, que previa: “a sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional”45, passando a ter cinco parágrafos: Artigo 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial ____________ 44 SOUZA FILHO, Luciano Marino de Barros e. Multas astreintes: um instituto controvertido. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco, n. 7. p. 489/512, julho/2002-junho/2003. 45 BRASIL. Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do código de processo civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 15 Pela leitura dos artigos até agora transcritos tem-se que antes da criação do novo instituto o inadimplemento do devedor era resolvido em perdas e danos, o que passou a ser exceção, admitido apenas nos casos de pedido expresso da parte ou impossibilidade de execução da obrigação, tornando-se regra a execução específica. E, com a execução específica foi possibilitado ao julgador, com o fito de obrigar o devedor a cumprir a obrigação imposta, fixar multa diária no valor que entender correto, dando-lhe prazo para o início da imposição desta. Pertine observar ainda que, antes das astreintes tomarem a atual forma no direito brasileiro, houve sua inclusão nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, mediante a Lei n. 9.099/95, que dispôs: Artigo 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: [...] V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado; VI - na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária.46 Por fim, com a edição da Lei 10.444 de 2002 houve a modificação do art. 461 do CPC, com nova redação do texto do § 5º e a inclusão do § 6º, passando a prever a redução ou ampliação da multa de ofício pelo juiz quando, no primeiro caso, este conclui que passa a ser mais vantajoso para a parte o não cumprimento da obrigação e, no segundo caso, quando constatado o ____________ 46 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm >. Acesso em: 30 de abril de 2008. 16 não cumprimento espontâneo do comando exarado, bem como findou-se uma desconformidade com o artigo 644 do mesmo Diploma, fazendo este apenas remissão ao artigo 461: Artigo 461 [...] § 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. § 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Artigo 644. A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o artigo 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo. De acordo com Silva47, os artigos supra eleminaram a necessidade de abertura de um processo de execução autônomo para a satisfação das obrigações de fazer, não fazer e dar. 1.5 OUTRAS SANÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO 1.5.1 Tipo penal desobediência O descumprimento injustificado à ordem judicial, mormente a de natureza mandamental, tipo penal previsto no artigo 330 do Código Penal é, nos dias atuais, um dos empecilhos à celeridade judicial. Reza o artigo 330 do Código Penal que “desobedecer a ordem legal de funcionário público” gera uma pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa48. ____________ 47 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Hungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial. 2007. p. 725 17 A diminuta sansão contribui para a infração constante de tal tipo penal, pois o mesmo se enquadra no artigo 69 da Lei 9.099/95, não se falando em prisão em flagrante nem, tampouco, fiança, bastando o comprometimento em comparecer em Juízo49. Assim, Linard50, entenderia que, para desestimular o constante desrespeito, o juiz, como condutor do feito, poderia impor multa diária, o que não impediria a possibilidade de decretar a prisão da parte desobediente, após noticiar o fato o Representante do Ministério Público, para que este tome as providências cabíveis ao caso. 1.5.2 A multa prevista no parágrafo único do artigo 14 do código de processo civil O artigo 14 do Código de Processo Civil trata dos deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, expondo, em seu parágrafo único, que: Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. Tal multa possui o condão de desestimular condutas processuais que tragam prejuízos ao célere e regular andamento processual. 48 BRASIL. Decreto Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Disponível em: 30 de abril de 2008. 49 LINARD, Ana Raquel Colares dos Santos. Desobediência à ordem judicial: crime de maior potencial ofensivo. Disponível em: <http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?f=22&t=592> Acesso em: 30 de abril de 2008. 50 LINARD, Ana Raquel Colares dos Santos. Desobediência à ordem judicial: crime de maior potencial ofensivo. Disponível em: <http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?f=22&t=592> Acesso em: 30 de abril de 2008. 18 Afirma Jelinek51, que a multa prevista no artigo 14 do Código de Processo Civil possui caráter punitivo e não indenizatório ou cominatório, não se confundindo, assim, com as astreintes, podendo ser cumulada com o crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal devendo ser imposta por decisão interlocutória ou sentença. 1.5.3 Prisão civil De acordo com a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, somente é permitida a prisão civil do devedor de alimentos, bem como do depositário infiel, ao dispor, em seu artigo 5º, incido LXVII que “não haverá prisão civil por dívida, salvo se o responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel”.52 Há que se ressaltar, contudo, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática datada de 29 de agosto de 2007, a Relatora Ministra Carmem Lúcia, concedeu liminar em Habeas Corpus garantindo liberdade ao paciente José Renato Bedo Elias. Ao que tudo indica, enquanto não houver julgamento de mérito pelo Tribunal Pleno daquela Corte, a prisão civil estará restrita às hipóteses de inadimplemento de pensão alimentícia, e depositário infiel apenas de contratos de depósito (custodiar e devolver), não se aplicando à hipótese do Decreto n. 911/ 69, que disciplina a alienação fiduciária. Autuado como HC 73.198/SP, veja-se a ementa do julgado: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. EQUIPARAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. TESE EM DISCUSSÃO NO PLENÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ____________ JELINEK, Rochelle. Sanção pecuniária aos administradores públicos por descumprimento de ordem judicial que determina prestação estatal positiva. Disponível em: <http://www.mp.rs. gov.br/infancia/doutrina/id516.htm>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 51 52 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 19 FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 466.343. 53 PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. PRECEDENTES. LIMINAR DEFERIDA. 1.6 APLICABILIDADE DAS ASTREINTES NAS OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E DAR. 1.6.1 Breve escorço histórico das obrigações de fazer, não fazer e dar no direito brasileiro Com o advento da Lei 8952/94, o legislador abreviou o caminho para a satisfação da lide obrigacional, tornando desnecessária a execução autônoma da sentença, no propósito de dar efetividade ao provimento. E, ainda, nos casos, de deferimento da tutela específica, pode o julgador valer-se do mesmo dispositivo legal na tentativa de tornar efetiva a decisão proferida. Dito isto, conclui-se que se a lide tiver por objeto obrigação de fazer ou não fazer, ou ainda de dar, não há a necessidade de cumprimento de sentença, sendo necessário apenas o impulso processual para que seja cumprida, ou ainda, da tutela específica fixando prazo e multa acaso desobedecido o preceito. 1.6.2 Definição das obrigações de fazer, não fazer e dar A obrigação de fazer e não fazer, nos dizeres de Monteiro54 é uma relação jurídica “de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantido-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”. ____________ 53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 73.198/SP, relatora Ministra Carmem Lúcia. Data da decisão: 29/08/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 3 maio de 2008. 54 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito civil: direito das obrigações.. rev.e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf, de acordo com o Novo Código Civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 8. 20 Ou seja, é um vínculo jurídico estabelecido entre o credor e o devedor, objetivando o cumprimento de uma prestação pessoal não se confundindo com a obrigação de dar que para o mesmo doutrinador está assim descrita a diferença: O substractum da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer.55 Pothier define obrigação como o vínculo de direito que nos obriga para com outrem a dar-lhe, fazer-lhe ou não fazer-lhe alguma coisa56. Podemos então, dizer que a obrigação de fazer vincula o devedor a uma prestação positiva em favor do credor, sendo esta personalíssima quando existir certa exigência quanto à qualidade do devedor ou impessoal acaso esta seja inexistente. Já a obrigação de não fazer resulta na abstenção da prática de determinado ato ou, ainda, seja tolerada a prática deste por outrem, sendo mais complexa a aplicação da execução específica nestes casos, pois caso seja a obrigação de trato instantâneo, não mais poderá ser desfeita, ao contrário das com efeitos permanentes. ____________ 55 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito civil: direito das obrigações. Rev.e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf, de acordo com o Novo Código Civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 8. 56 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2. São Paulo, Saraiva, 1993. p. 29 in SILVA, Rosana Ribeiro da. Tutela específica da obrigação (art. 461, CPC). Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=886>. Acesso em: 30 de abril de 2008. 21 1.6.3 A executividade Leciona Dinamarco57 que "a execução busca um resultado prático idêntico, ou o mais equivalente possível, ao que lhe adviria do cumprimento espontâneo dessa mesma obrigação, pelo respectivo devedor." Nos dizeres de Gomes58: [...] a faculdade de executar está compreendida no direito de exigir o cumprimento da obrigação, ínsito ao crédito. A relação obrigacional decompõe-se, como visto, em debitum e obligatio. Com esta última expressão significa-se a responsabilidade patrimonial do devedor, que se traduz sem sujeição ao poder coativo do credor. Se o dever de prestação não é espontaneamente satisfeito o credor exerce seu direito coagindo o devedor a satisfazê-lo. Esse direito a exigir mo pagamento e a faculdade de executar são, na feliz expressão de Von Tuhr, seqüelas naturais do crédito.” 1.6.3.1 As obrigações de dar A obrigação de dar, excluída a de restituir já que neste caso o bem pertence ao credor, é tema de discussões doutrinárias, sobre este cenária explicita Nader59: O tema relativo à obrigação de dar coisa certa tem suscitado dissídio doutrinário, pois boa parte dos autores não admite a execução forçada – aquela que retira a coisa do poder do devedor, trasladando-a ao domínio do credor. O argumento básico é que o creditor não é portador de direito reais, mas pessoa, e em se tratando de obrigação de dar propriamente dita a execução só poderia ter por objeto o sucedâneo de perdas e danos. A transmissão de domínio exige a tradição, daí por que o credor não teria título para ajuizar ação de reivindicação, que é própria de ____________ 57 DINAMARCO, Cândido. Execução civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 61. 58 GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. ver. atual. ampl. por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 209. 59 NADER, Paulo. Curso de direito civil: obrigações. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 87/88. 22 quem é proprietário e não tem a posse e ingressa em juízo contra quem tem a posse e não é proprietário. Na obrigação de dar, a aplicação das astreintes com o fito de vê-la cumprida, sem que necessária a conversão em perdas e danos, vem assim disposta na doutrina60: Uma via processual teórica, que poderia atuar como instrumento de eficácia das obrigações de dar são as chamadas astreintes, criações do Direito francês, que são penalidades pecuniárias aplicáveis como estímulo ao cumprimento de obrigações. Tais penas, fixadas em dias-multa ou ligadas a qualquer outro padrão de tempo, aumentam de valor progressivamente, forçando o réus debendi a cumprir a sua obrigação.61 Vale registrar que, segundo a opinião de alguns autores, o verbete n. 500 do Supremo Tribunal Federal vedaria a aplicação de astreintes nas obrigações de dar. Nesse sentido, considere-se: Relativamente às obrigações de dar, as astreintes foram vedadas, em nosso país, pela súmula nº 500 do Supremo Tribunal Federal, que enuncia: Não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir obrigação de dar”. Em suas anotações Theotônio Negrão conclui: “por outras palavras, na obrigação de dar não cabe cominação de multa”62. Entretanto, não se pode ignorar que o respectivo verbete foi editado em 1969, ou seja, sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, quando ainda possível a propositura da Ação de Preceito Cominatório, para a qual, conforme se observa, sumulou-se o entendimento daquela Corte. Veja-se o ____________ 60 Pode ser compreendida “em sentido lato como o conjunto de princípios expostos nos livros de Direito, em que se firmam teorias ou se fazem interpretações sobre a ciência jurídica. Mas em acepção mais estreita, quer significar a opinião particular, admitida por um ou vários jurisconsultos, a respeito de um ponto de direito controvertido.” (SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 501). 61 NADER, Paulo. Curso de direito civil: obrigações. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 8889. 62 NADER, Paulo. Curso de direito civil: obrigações. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 90. 23 teor do enunciado: “não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir obrigação de dar.” 1.6.3.2 As obrigações de fazer e não fazer A execução das obrigações de fazer e não fazer, quando não se é possível cumprir a execução, causa uma lesão de grande monta ao credor, tendo este que se apegar a regra genérica da equivalência pecuniária, as propaladas perdas e danos, o que, em diversos casos, não interessa ao credor, surgindo nestes casos a execução indireta. A execução indireta ocorre nos casos em que o devedor possui condições de arcar com a prestação devida, mas não a cumpre simplesmente porque não quer, tornando ineficaz a execução direta, abrindo espaço para a tutela executiva. A tutela executiva fica ao alvedrio do togado, pois partem dele as medidas coercitivas de imposição à parte, bem como a modificação ou revogação destas medidas, fazendo com que a coação seja adequada, proporcionado a satisfação do direito perseguido pelo credor. No tocante à diferenciação entre as obrigações fungíveis e infungíveis e sua relação com as astreintes, Silva63 afirma que as fungíveis são aquelas possíveis de cumprimento por terceira pessoa, que não exclusivamente o devedor, como acontece no caso das obrigações infungíveis e arremata: Na hipótese de execução de obrigação de fazer fungível, não há de se falar em astreintes, posto que pode ser ela satisfeita por ato de terceira pessoa às custas do devedor, não se justificando, assim, a medida coativa. Já no caso das obrigações de fazer infungíveis aí sim tem cabimento o pedido de fixação de astreintes, posto que apenas e tão-somente o devedor poderá praticar o ato objeto da obrigação inadimplida. Aqui, a prática do ato por terceira pessoa não tem o condão de dar por satisfeita a obrigação. ____________ 63 SILVA, Rosana Ribeiro da. Tutela específica da obrigação (art. 461, CPC). Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=886>. Acesso em: 3 de maio de 2008. 24 As obrigações de fazer infungíveis são aquelas que somente se cumprem caso o ato a ser praticado seja levado a efeito pelo próprio obrigado. Desta forma, é quase sempre impossível se obter o cumprimento específico da obrigação sem que se possa contar com a colaboração da vontade do devedor. [...] A outra opção possível dada ao credor de obrigação infungível é pedir a sua conversão em perdas e danos, quando o processo de execução prosseguirá na modalidade execução por quantia certa. Divergindo do entendimento supra, Moreira64 afirma que as astreintes são aplicáveis nas obrigações de fazer, tanto nas de prestação fungível quanto infungível, bem como na obrigação de não fazer, sob o argumento de que a Lei não faz qualquer distinção entre as espécies de obrigação passíveis de incidência da multa, o que, segundo ele, seria o suficiente para afastar a opinião dos que entendem de forma diversa. Conclui-se, portanto que a astreinte, instituto surgido na França do início do século XIX sofreu diversas modificacões até aportar no Brasil, país no qual é utilizada como meio coercitivo de cumprimento das obrigações de fazer, tanto fungíveis quanto infungíveis. ____________ 64 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 228 25 2 ASTREINTES FIXADAS POR DECISÕES JUDICIAIS ASPECTOS GERAIS Este capítulo compreende a abordagem do conteúdo técnico relacionado à aplicação da ferramenta processual conhecida por astreinte. Contemplando o quanto possível a doutrina e jurisprudência65, propõe-se trazer os seguintes esclarecimentos: qual a parte legitimada a requerer o pagamento da astreinte; quem deve pagá-la; os limites de valor em que pode ser fixada, e em que periodicidade; o momento em que incide; quando deixa de incidir; e o momento em que pode o credor vir a exigi-la do devedor. 2.1 O DEVEDOR Segundo Bueno66, a disciplina do Código de Processo Civil sujeita a figura do réu ao pagamento de multa diária67 pelo descumprimento da obrigação imposta pelo magistrado. Nesse sentido, assevera que: “O § 4° do art. 461, com efeito, autoriza a imposição de ‘multa diária’ ao réu para compeli-lo a praticar o ato a que é obrigado ou abster-se de sua prática”. Compreenda-se, desde já, que não poderia ser diferente: as conseqüências por descumprir o preceito determinado pelo juízo só poderiam recair sobre aquele que o infringe. Veja-se, nesse sentido, a lição de Cunha, segundo o qual “[...] imposta a multa para forçar o cumprimento da obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, o não-atendimento da determinação judicial expõe o réu ao pagamento da referida multa”68. ____________ 65 “Extensivamente assim se diz para designar o conjunto de decisões acerca de um mesmo assunto ou a coleção de decisões de um tribunal.” (SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 807). 66 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 414-415 67 Conforme tratado no tópico 2.3, a multa não possui necessariamente periodicidade diária, podendo ser estabelecida em qualquer lapso temporal que se mostre adequada às peculiaridades do caso concreto. 68 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Algumas questões sobre as astreintes (multa cominatória). Revista dialética de direito processual, São Paulo, n. 15, p. 95-104, junho de 2004. 26 Importante assinalar que a multa, leia-se astreinte, não pode ser aplicada às pessoas estranhas à relação processual, ainda que estas sejam responsáveis pelo cumprimento direto da ordem judicial, como a exemplo de prepostos, aos quais por delegação, se incumbe tal dever. Observe-se da casuística acerca desse aspecto, julgado do Superior Tribunal de Justiça que bem ilustra a hipótese: FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 29-B, DA LEI N. 8.036/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 282 DO STF. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 461, § 4º, DO CPC. CABIMENTO. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. MULTA IMPOSTA NA PESSOA DO GERENTE DA CEF. AFASTAMENTO [...] Considerando que o gerente da CEF não figura como parte da relação processual que culminou na imposição de astreinte, deve ser afastada a multa que lhe foi imposta.69 Contudo, vai o alerta de que o conceito de réu deve ser corretamente interpretado como o devedor da obrigação imposta, uma vez que os comandos judiciais podem afetar qualquer das partes litigantes no processo, até o próprio demandante. Basta, para tanto, imaginar como deslinde do feito a improcedência do pedido pórtico e o acolhimento, caso haja, do pedido contraposto, faculdade que assiste o demandado, como por exemplo, em lides possessórias regidas pelo procedimento especial de jurisdição contenciosa, previsto no Código de Processo Civil. Nessa situação, tendo a exemplo uma demanda na qual se postula do réu a abstenção de atos de turbação, julgado improcedente o pedido, não seria desarrazoado propor que o juiz impusesse a providência contra o vencido, conforme disciplina do art. 922, do Código de Processo Civil70. Sobreleva trazer à lume, nesse aspecto, pontual observação de ____________ 69 BRASIL. Superior Tribuna de Justiça. Recurso especial n. 689.038/RJ, Segunda Turma, relator Ministro João Otávio de Noronha. Data da decisão: 21/06/2007. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 maio de 2008. 70 Dispõe o citado normativo: “É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.” 27 Assis71, segundo o qual “[...] a pena poderá ser imposta na sentença ou na decisão antecipatória de ação condenatória, ou, como reza o art. 475-N, I, [dispositivo do Código de Processo Civil] que reconheça a prestação de fazer a cargo do vencido.” (Grifo nosso). 2.2 O CREDOR Por seu turno, assentada a questão envolvendo o devedor da astreinte, e feita a devida ressalva quanto a este não se confundir necessariamente com a figura do réu da demanda, passa-se a tratar do legitimado a exercer o poder de cobrança. Embora não haja disposição legal que indique o credor da astreinte, inclina-se a doutrina e jurisprudência para o entendimento de que o crédito decorrente de sua incidência deve ser postulado pelo próprio credor da obrigação principal. Porém, embora essa conclusão possa ser admitida pela maioria dos operadores do direito pátrio, não recebe a simpatia de todos, sendo ilustrada por Marinoni e Arenhart72, contundentes críticas. Colhe-se dos ensinamentos desses autores, in verbis: Em termos lógicos e jurídicos, parece não haver dúvida de que a multa deva reverter para o Estado, uma vez que não há racionalidade em o lesado receber valor que não diz respeito ao dano sofrido. O dano deve ser ressarcido, e para tanto serve o ressarcimento, o lesado receba o valor da multa devida em razão da não observância da decisão judicial. [...] Aliás, a tese de que o valor da multa deve ser dirigido ao Estado é adotada pelo direito alemão, diante de sua visão nitidamente publicista, ou seja, de que a multa é voltada à defesa da autoridade do Estado-Juiz. [...] Não obstante, o direito francês, no que é seguido por parte do direito europeu e pelos direitos brasileiro e argentino, conservou a ____________ 71 ASSIS, Araken. Manual da execução. 11. ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 565. 72 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3: execução. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 74-75. 28 idéia, própria ao ressarcimento, de que o valor da multa, em caso de inadimplemento, deve ser carreada à parte e não ao Estado. [...] De qualquer forma, é preciso admitir que o direito brasileiro, diante do teor do art. 461 do CPC, que afirma que ‘a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa’, entende que, assim como a indenização, a multa é devida ao autor. Por seu turno, em obra distinta, Marinoni73 anota que o direito lusitano encontrou uma saída intermediária, qual seja, a de que astreinte seja revertida tanto em favor do Estado quanto da parte credora da obrigação. Concluiu, contudo, que não há razão para existência do adaptado sistema misto português, sendo a melhor dicção aquela aplicada pelo direito germânico. Vejase: O direito português, a partir dessa mesma preocupação, chegou a uma solução intermediária, determinando que a soma relativa à ‘sanção pecuniária compulsória’ reverta, em partes iguais, para o autor e para o Estado. Com efeito, segundo o art. 829-A, n. 3, do Código Civil português, ‘o montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado’. A melhor solução, a nosso ver, é a do direito alemão, onde a soma reverte apenas ao Estado, pois não há qualquer razão para se pensar em um sistema híbrido, como é o direito português. [...] Entretanto, em que pesem as críticas anteriores apontando para a necessidade em adequar-se o destino da astreinte ao Estado, pois que em último exame seria este o verdadeiro lesado pela inobservância da ordem judicial, é assente o entendimento adotado pelos demais doutrinadores de que não que se discutir a respeito – é mesmo do autor o produto da astreinte. É o que revela Bueno74, não dando margem a entendimento diverso ao taxativamente afirmar que: ____________ 73 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.223. 74 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 416. 29 O beneficiário do valor da multa é o autor (exeqüente), não o Estado ou a União Federal, consoante o processo tenha curso perante a Justiça Estadual ou a Justiça Federal, respectivamente, ao contrário do que se verifica com a multa arbitrada com base no parágrafo único do art. 14 [dispositivo correspondente ao Código de Processo Civil brasileiro], de natureza sancionatória. Não pago o seu valor correspondente espontaneamente, poderá o exeqüente cobrá-la judicialmente, valendo-se do procedimento regulado pelo art. 475-J, a ser desenvolvido nos mesmos autos, independentemente do exercício de uma ‘nova’ ou ‘diverso’ processo. [...] O seguinte julgado se mostra de acordo com esse entendimento, conforme se extrai do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em o qual resta evidente que o demandante é a parte legítima para promover a cobrança do crédito relativo à astreinte: A astreinte tem o objetivo de induzir ao cumprimento, e não de punir ou de indenizar. É justamente por esse motivo que o § 2º, do artigo 461 do CPC, prevê que a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa. Assim, é o Autor da demanda e não o Estado, a parte legítima para promover a execução do crédito relativo à multa. 75 Sem ignorar os argumentos de Marinoni, observa-se julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina assentando a legitimidade do credor da obrigação ser também legitimado a beneficiar-se da astreinte, sob o argumento de que na hipótese do Estado ser beneficiário, não teria, logicamente, interesse em havê-la quando condenado ao seu pagamento. Veja-se: A parte beneficiária do provimento mandamental, em cujo favor impõe-se multa diária para o caso de descumprimento da tutela inibitória liminarmente deferida, tem legitimidade para propor procedimento de execução provisória de astreinte, por interpretação extensiva dos arts. 600, inc. III e 601 do Código de ____________ 75 Brasil. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 71001514397, relator Desembargador Clovis Moacyr Mattana Ramos. Data da decisão: 30/01/08. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 3 maio de 2008. 30 Processo Civil, em sintonia com o disposto no art. 461, § 4o, do mesmo estatuto. [...] Um outro argumento a reforçar a tese de que o valor da multa reverte em proveito da parte beneficiária da medida é o de que se o montante da astreinte fosse destinado ao Estado, este, quando condenado a multa, não teria interesse de cobrá-la de si próprio, frustrando-se uma das mais importantes finalidades do instituto que é a de assegurar a efetividade das decisões judiciárias e evitar a insubordinação à autoridade ou o "contempt of court".76 2.3 O VALOR E PERIODICIDADE Por brevidade, registre-se que é pacífico o entendimento quanto ao valor da astreinte em nada estar vinculada ao valor do dano ou da prestação inadimplida, sendo pacificamente aceito que o montante possa ultrapassar o importe relativo à prestação, conforme anotam Marinoni e Arenhart77: Como é intuitivo, a multa, para poder convencer, deve ser fixada em montante que seja suficiente para fazer o réu acreditar que é mais conveniente cumprir a obrigação a desconsiderar a ordem do juiz. No caso em que há prestação (dotada de valor patrimonial) a ser cumprida, a multa, para ter efetividade, obviamente tem que ser fixada em valor superior ao valor equivalente à prestação, isto é, ao que teria que ser pago pelo réu em compensação ao não adimplemento. Nesse passo, ao acolher o pedido de tutela específica, impondo a obrigação de fazer, de não fazer, ou entrega de coisa, o juiz, valendose das disposições do artigo 461 do Código de Processo Civil78, pode impor ao demandado multa em caso de descumprimento da ordem, cujo valor e ____________ 76 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível 2003.008055-4, relator Desembargador Nelson Juliano Schaefer Martins. Data da Decisão: 13/11/03. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 3 maio de 2008. 77 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: execução. v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 78. 78 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 3 maio de 2008. 31 periodicidade podem ser elastecidos conforme a hipótese o requeira. Veja-se o que dispõe, acerca desse particular, o artigo 461 e parágrafos, do Código de Processo Civil: Artigo 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. § 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Inexiste na legislação, reconheça-se, qualquer direcionamento no que concerne ao valor máximo da multa que, como já visto, pode superar os limites da prestação devida, ou do dano decorrente da não observância da determinação judicial. Segundo Carvalho79, é característico da astreinte não haver limitação ao quantum relativo à obrigação inadimplida: Exatamente uma das tipicidades das astreintes é poder ser ilimitada em confronto com o valor da obrigação insolvida, tanto que, com toda propriedade, Amílcar de Castro, cotejando os nossos dois sistemas, assevera: Pelo art. 1.005 do Código anterior, a cominação pecuniária não podia exceder o valor da ____________ 79 CARVALHO, Luís Camargo Pinto de. Saisine e astreinte. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 802, p. 73-76, agosto de 2002. 32 prestação, mas o novo código, acompanhando o direito francês e o direito alemão, não marca o limite ao valor da astreinte: a soma cobrada é suscetível de aumento indefinido. Na visão de Cunha80, tal situação é assim descrita: Questiona-se [...] se haveria algum limite ou teto ao valor da multa imposta pelo juiz, para a hipótese de descumprimento do preceito imposto ao réu. O Código de Processo civil de 1939 continha dispositivo expresso, qual seja, o art. 1.005, que assim: estabelecia: ‘Art. 1.005. Se o ato só puder ser executado pelo devedor, o juiz ordenará, a requerimento do exeqüente, que o devedor o execute, dentro do prazo que fixar, sob cominação pecuniária, que não exceda o valor da prestação.’ [...] Contrariamente ao antigo CPC, o vigente diploma processual não contempla qualquer regra limitativa do valor da aludida multa. Bem ao revés, silencia a respeito do assunto. À evidência, as astreintes contêm induvidoso caráter coercitivo, daí resultando sua independência de qualquer finalidade ressarcitória, a permitir seja cumulada com a indenização por perdas e danos causados pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. Desse modo , a multa poderá ser imposta mesmo na hipótese de não haver qualquer prejuízo. [...] Sem embargos de as astreintes não terem seu valor limitado ao da obrigação nem se sujeitar à regra contida no art. 412 do Código Civil, sua fixação deve atender ao princípio da razoabilidade, de forma que não se tornem muito excessivas, impossibilitando seu pagamento ou, por outro lado, sejam muito irrisórias, deixando de causar receio ou temor ao réu.81 E finaliza, “as astreintes têm seu valor limitado à razoabilidade e à proporcionalidade82, devendo ser estimado de acordo com os ____________ 80 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Algumas questões sobre as astreintes (multa cominatória). Revista dialética de direito processual, São Paulo, n. 15, p. 95-104, junho de 2004. 81 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Algumas questões sobre as astreintes (multa cominatória). Revista dialética de direito processual, São Paulo, n. 15, p. 95-104, junho de 2004. 82 Segundo Luis Virgílio Afonso da Silva, não se deve confundir os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade, sendo despropositado seu emprego como sinônimos. Destaca que a proporcionalidade possui estrutura racionalmente definida, através da análise de três sub-regras, 33 elementos do caso concreto"83, havendo possibilidade, inclusive, de redução das mesmas quando estas se tornam excessivamente altas em relação a obrigação . Na esteira do entendimento aludido, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: [...] 3. MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM – POSSIBLIDADE DE FIXAÇÃO MESMO SEM A POSTULAÇÃO DA PARTE, PORQUANTO SE TRATA DE ASTREINTE QUE DECORRE DE NORMA EXPRESSA DE LEI – EXEGESE DO ART. 461, § 4º, DO CPC – PLEITO PELA SUSPENSÃO DA COBRANÇA – DESCABIMENTO – EXIGIBILIDADE A PARTIR DO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM LIMINAR – VALOR EXACERBADO – NECESSIDADE DE REDUÇÃO – OBEDIÊNCIA AO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – EXEGESE DO ART. 461, § 6º, DO CPC. Na hipótese de ocorrer o descumprimento de ordem judicial, mostra-se viável a cominação de multa para forçar o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, em virtude de expressa previsão contida no artigo 461, § 4º, do CPC, cujo valor deve ser arbitrado de forma razoável de modo a compelir a parte obrigada sendo estas a adequação, a necessidade, e a proporcionalidade em sentido estrito. Por sua vez, a razoabilidade consiste na análise de compatibilidade entre meios e fins, esta baseada no devido processo legal substancial, sendo a tradução da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins almejados. Poder-se-ía dizer, portanto que, a razoabilidade exige somente uma das sub-regras da proporcionalidade, qual seja, a adequação. Destaca ainda o autor que a aplicação da proporcionalidade na jurisprudência do STF, bem como em muitas doutrinas, nada mais é que um apelo à razoabilidade. (SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, p. 32-45, abr. 2002). Na mesma esteira, De Plácido e Silva define com propriedade o princípio da proporcionalidade como “o critério de interpretação axiológica, quando se põe em confronto valores diversos, devendo o intérprete optar pelo valor que se mostra com maior densidade e importância”. Ao tratar das três sub-regras citadas por Luis Virgílio Afonso da Silva, dispõe como segue: “a) a exigência de conformidade ou adequação dos meios, o que pressupõe a investigação e prova de que o ato é conforme os fins que justificam sua adoção (relação de adequação medida-fim), ou seja, se a medida é suscetível de atingir o objetivo escolhido; b) o princípio da necessidade ou da menos ingerênia possível, consistente na idéia de que os meios eleitos para alcançar determinado fim devem ser os menos onerosos, daí decorrendo a perquirição da: 1. necessidade material; 2. exigibilidade espacial; 3. exigibilidade temporal; e 4. exigibilidade pessoal ou individuação das limitações. O princípio pode ser denominado, também, de ‘escolha do meio mais suave’; c) o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, em que os meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não proporcionado em relação ao fim.” (SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 1.114/1.115). 83 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Algumas questões sobre as astreintes (multa cominatória). Revista dialética de direito processual, São Paulo, n. 15, p. 95-104, junho de 2004. 34 a cumprir a obrigação imposta e não a ensejar o enriquecimento sem causa da outra parte. Os Juízes e os Tribunais já têm, notadamente, tratado de reduzir o valor da astreinte, quando pelo desenrolar do procedimento, esta alcance um valor abusivo, distanciado da compatibilidade, suficiência e adequação que deve guardar com relação à prestação inadimplida. A multa por descumprimento de obrigação (astreinte), prevista no Código de Processo Civil (CPC, art. 461, §§ 3º e 4º), visa garantir a efetividade da medida, ou seja, o cumprimento da ordem judicial. Entretanto, deve ser fixada com base em um critério de razoabilidade, não em quantia elevada a ponto de ensejar o enriquecimento sem causa da parte adversa, mas em valor capaz de compelir a parte obrigada a cumprir a determinação legal.84 A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. EXCESSO. REDUÇÃO. A multa pelo descumprimento de decisão judicial não pode ensejar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, como no caso, devendo ser reduzida a patamares razoáveis.85 Em que peso a disciplina legal carrear somente a periodicidade diária como lapso temporal da multa, essa pode ser fixada de forma semanal ou mensal, sendo também possível cogitar-se a hipótese de arbitramento em valor progressivo. Marinoni e Arenhart86 elucidam nesse aspecto que: [...] embora a multa por tempo de atraso possa ser fixada na forma diária, não há motivo para eliminar a possibilidade da sua fixação ____________ 84 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível 2007.004327-6, relatora Desembargadora Salete Silva Sommariva. Data da decisão: 17/4/07. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 10 de maio 2008. 85 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 793491/RN, relator Ministro Cesar Asfor Rocha. Data da decisão: 26/09/2006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10 de maio 2008. 86 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. v. 3. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 79. 35 semanal ou mensal. Não há razão para descartar, ainda, a imposição da multa em valor progressivo, capaz de aumentar na proporção do tempo de atraso no cumprimento, e, assim, diante da capacidade de resistência do demandado. Por fim, o valor da multa não tem limites impostos pela lei, ficando a critério do juiz sua fixação, sempre levando em conta o lapso temporal necessário com foco na efetividade da tutela. 2.4 O MARCO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA ASTREINTE Torna-se imprescindível, a fim de proporcionar o melhor entendimento deste e dos tópicos seguintes, que a incidência da astreinte não se confunde com sua exigibilidade. Enquanto uma diz respeito ao momento em que a medida passa a ter eficácia, a outra determina a oportunidade em que pode ser finalmente cobrada do devedor a cifra gerada pelo descumprimento da ordem judicial. Em amparo, veja-se no que pertine ao tópico, pontual precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que assenta a diferenciação: A execução da multa somente é possível após o trânsito em julgado da sentença, embora se possa exigir sua incidência a partir da data de descumprimento da ordem. As duas coisas não se confundem. Uma é a execução e a outra é o dies a quo de exigibilidade.87 Feitas essas 88 reconhecer, conforme anotou Assis necessárias considerações, deve se acerca dessa questão, que o marco inicial da astreinte passa a fluir a partir do dia seguinte ao término do prazo fixado para o cumprimento da ordem. Permita-se a transcrição do que a respeito lecionou esse autor: ____________ 87 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70012173563, relator Desembargador Arno Werlang. Data da decisão: 12/4/06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10 de maio 2008. 88 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11 ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 566-567. 36 Conforme estimou a 3.ª Turma do STJ, o dies a quo da pena é aquele imediatamente posterior ao vencimento o prazo de cumprimento. Ela apenas tenta compelir o obrigado ao cumprimento e não possui, no regime vigente, caráter retroativo. Por isso revela-se inadmissível fixá-la a partir da citação, seja aquela ocorrida no processo de conhecimento, se baseada a execução e título judicial, seja a do processo executivo. Por seu turno, mostra-se esclarecedor o ensinamento de Carvalho89, segundo o qual, sendo fixada a astreinte por sentença, o marco a contar do qual incidirá a astreinte, coincide com o trânsito em julgado; e sendo determinada por decisão interlocutória, dá-se a fluência a partir do termo a quo imposto para satisfazer a obrigação. Veja-se: A multa incide a partir do momento de descumprimento da ordem judicial. Se a obrigação foi determinada pela sentença, o dies a quo se inicia a partir do trânsito em julgado. Sendo a obrigação fixada em decisão interlocutória, a multa incide após o decurso do prazo estabelecido para o cumprimento da ordem judicial. Importante atentar para a ressalva feita por Talamini90, que apontou para a suspensão da exigibilidade da astreinte caso, da decisão que a determinou, sobrevir recurso recebido com efeito suspensivo: Note-se que quando a multa acompanha apenas ordem contida em sentença sujeita a apelação com efeito suspensivo ex lege (art. 520, caput) não haverá desde logo a imposição da ordem judicial ao réu. Conseqüentemente, a multa ainda não irá incidir (ressalvada a hipótese de a sentença de procedência ser antecedida ou acompanhada de antecipação de tutela; ou de tal antecipação vir a ser concedida pelo tribunal). Assim, tem-se que o marco inicial de incidência da astreinte coincide, quando fixada em sentença, com o seu trânsito em julgado, e quando ____________ 89 CARVALHO, Fabiano. Execução da multa (astreintes) prevista no art. 461 do CPC. Revista de Processo, São Paulo, n. 114, p. 208-221, março de 2004. 90 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 253. 37 sua gênese estiver em decisão interlocutória, será no prazo estabelecido, ressalvada a interposição de recurso recebido com efeito suspensivo. 2.5 O MARCO FINAL DE INCIDÊNCIA DA ASTREINTE Embora o Juiz deva fixar o termo inicial e ao mesmo tempo o termo final de incidência da astreinte, prepondera observar que este último marco deve ser elastecido, de forma a coincidir com o momento em que a parte obrigada determine-se pelo ânimo de cumprir o que lhe foi imposto. Hertel91 contribui para o assunto, assinalando que: O termo final de incidência da multa é o cumprimento da obrigação. Cumprida a obrigação determinada na decisão judicial, as astreintes deixarão de incidir. Note-se que a multa incide sine die até que o devedor cumpra a obrigação [...] Contudo, vale considerar que o termo final para a incidência da astreinte não ocorre apenas com o cumprimento da ordem pelo obrigado, mas também quando, tendo concorrido ou não para isso, não lhe for mais possível cumprir a obrigação específica, ou o credor requerer sua conversão em perdas e danos. Nesse sentido, dispõe Wambier92: “tornando-se impossível a obtenção do resultado específico, a multa deixará de incidir daí para frente.” [...] O mesmo vale para a hipótese do autor optar pela conversão por perdas e danos.” Superada a questão acerca dos marcos inicial e final de incidência da astreinte, deve-se esclarecer o momento em que pode o credor vir a cobrar, do obrigado que deixou de atender a determinação judicial, o montante fruto dessa incidência. 2.6 O MOMENTO DE EXIGIBILIDADE DA ASTREINTE ____________ 91 HERTEL, Daniel Roberto. Sistematização das astreintes à luz do Processo civil brasileiro. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 51, p. 43-51, junho de 2007. 92 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de processo civil: processo e execução. v. 29. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 324. 38 Questão não menos controversa consiste em determinar o momento em que, descumprida a obrigação imposta ao devedor, e fluindo a incidência da astreinte, pode o credor vir a exigi-la, em outras palavras, cobrá-la. Como bem questionam Marinoni e Arenhart93: [...] indaga-se se ela pode ser cobrada antes do trânsito em julgado, quando fixada para dar efetividade à tutela antecipatória ou à sentença que foi executada provisoriamente, isto é, na pendência de recurso. Correntes distintas dividem opiniões. Uma defende a necessidade do trânsito em julgado da decisão final para ser possível, ao credor, exigir a astreinte; outra admite sua exigibilidade provisória a contar da incidência, ressalvada a repetição da quantia paga na hipótese de posterior reforma; e ainda uma terceira defende que, uma vez descumprida a ordem do juiz, o montante seria devido em definitivo, independentemente da decisão que põe termo à questão principal, não havendo cogitar-se em restituição na hipótese de superveniente reforma. 2.6.1 A necessidade do trânsito em julgado Conforme assinalado, parte da doutrina e jurisprudência tem adotado a tese de que a cobrança, ou seja, a exigibilidade da astreinte, somente seria possível após o trânsito em julgado da decisão que define o direito relativo à obrigação principal, restando obstada, por essa razão, a possibilidade do credor promover a execução provisória. Nesse rumo, segundo argumenta Dinamarco94: [...] enquanto houver incerteza a respeito da decisão final do Poder Judiciário acerca da obrigação principal, a decisão que deferiu antecipação de tutela poderá ser revogada e, com ela, a multa fixada. Assim, ainda que a decisão interlocutória que fixou a multa tenha sido atingida pela preclusão, não seria admissível ____________ 93 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: execução. v. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 81. 94 DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 240. 39 exigir o valor das astreintes antes do trânsito em julgado da sentença mandamental. Do ponto de vista observado pelo autor, não seria ponderado admitir-se a cobrança enquanto a decisão de mérito ainda for passível de reforma. Nesse ínterim, assistiria o vencido a oportunidade de eximir-se da obrigação principal por meio de recurso, hipótese em que, obtido êxito, soaria despropositado exigir-lhe a astreinte. Ainda nas palavras de Dinamarco95 A exigibilidade dessas multas, havendo elas sido cominadas em sentença mandamental ou em decisão antecipatória da tutela específica [...], ocorrerá sempre a partir do trânsito em julgado daquela – porque, antes, o próprio preceito pode ser reformado e, eliminada a condenação a fazer, não-fazer ou entregar, cessa também a cominação [...]. Não seria legítimo impor ao vencido o efetivo desembolso do valor das multas enquanto ele, havendo recorribilidade, ainda pode ser eximido de cumprir a obrigação principal e, conseqüentemente, também de pagar pelo atraso. Isso significa que, entre o começo da desobediência (não-cumprimento no prazo estabelecido) e o trânsito em julgado da sentença mandamental, acumular-se-ão valores devidos a título de multa, para que só afinal a soma de todos eles possa ser cobrada. Importante reconhecer que decisões recentes dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, vêm adotando o entendimento em questão. Nesse sentido, veja-se julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Embora a multa coercitiva (astreinte) fixada em sede de antecipação dos efeitos da tutela tenha incidência desde o momento em que se verifica o descumprimento da obrigação imposta, a sua exigibilidade fica condicionada ao trânsito em julgado da sentença que acolhe o pedido formulado, sendo nula a ____________ 95 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 474. 40 ação de execução deflagrada em momento anterior, nos termos do art. 618, I, do Código de Processo Civil.96 Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul colhe-se: As astreintes fixadas para cumprimento de tutela antecipada somente são exigíveis depois do trânsito em julgado da sentença de mérito que confirme o provimento liminar que as arbitrou. Não tendo as astreintes finalidade ressarcitória, descabido falar na sua exigibilidade antes do trânsito em julgado da sentença, notadamente porque eventual revogação da tutela antecipada gerará, em princípio, a inexigibilidade da multa arbitrada pela decisão interlocutória. Doutrina e jurisprudência.97 Diante do apreço, notório o entendimento dessa corrente pela necessidade do trânsito em julgado da decisão de mérito, afim de tornar possível, ao credor, a exigência dos valores relativos à astreinte fixada no desiderato de coibir a inobservância do comando judicial. 2.6.2 A execução provisória da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão de mérito Outra corrente, amplamente prestigiada no campo doutrinário e jurisprudencial, se ordena no sentido de se considerar possível a exigibilidade da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão que assentou o direito relativo à obrigação principal. Nessa linha, considere-se o seguinte precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: A jurisprudência tem firmado posição pela viabilidade da execução provisória da multa fixada por descumprimento de ordem judicial independentemente do trânsito em julgado da ação que a arbitrou, ____________ 96 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2006.024493-0, relator Desembargador Joel Figueira Júnior. Data da decisão 20/08/07. Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 10 de maio 2008. 97 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70018777243, relator Desembargador Pedro Celso Dal Pra. Data da decisão: 05/04/07. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 10 maio 2008. 41 a fim de que se prevaleça a efetividade da obrigação de fazer ou de não fazer em detrimento da recalcitrância do obrigado.98 Ocorre que, embora se admita ao credor a possibilidade de promover a execução em caráter provisório, deve-se considerar a hipótese do julgamento de mérito dar-se em favor do executado, o que lhe eximiria, via reflexa, também da exigibilidade da astreinte. Sob esse prisma, Assis99 tece as seguintes considerações: [...] é preciso explicitar que, fluindo a multa a partir do descumprimento de provimento antecipatório, mas logrando êxito o réu no julgamento do mérito, a resistência mostrava-se legítima e, então, a multa desaparecerá retroativamente. Desperto à problemática que envolve a questão, veja-se o alerta feito por Marinoni100: A questão complica-se quando se pensa na possibilidade da cobrança da multa antes do trânsito em julgado, tomando-se em consideração a tutela antecipatória ou a execução provisória da sentença. Considerando-se, então, um contexto no qual a astreinte foi cobrada antes do trânsito em julgado através de execução provisória, mas ao cabo do processo, reverteu-se o julgamento de mérito em favor do executado, o seguinte questionamento merece reflexão: o montante deverá ser ressarcido ao executado? A opinião de Talamini, citado por Silva101, revela que sim. Segundo aquele autor: ____________ 98 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível n. 2007.013519-1, relator Desembargador Fernando Carioni. Data da decisão: 17/07/07. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 10 maio de 2008. 99 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 566/567. 100 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 225. 101 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e 42 [...] caso recurso posteriormente julgado declare inexistente o direito à tutela, ficará sem efeito o crédito relativo à multa que tenha incidido. Nesse caso, se o autor já tiver recebido, terá que devolver tais valores ao réu. Nessa mesma vertente segue Marinoni102 que, em defesa do entendimento retro, teceu os seguintes comentários: Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, é completamente irracional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar (provisoriamente) a sentença ou a tutela antecipatória. Se o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar o autor que não tem qualquer razão, apenas porque o réu deixou de adimplir uma ordem do Estado-juiz. Oportuno considerar, sobretudo após o alerta de Marinoni com relação ao iminente prejuízo a que possa estar exposto o executado, cujo provimento, ao final, se reverteu em seu favor, a contribuição Alvim103, que abordou a necessidade de calção pelo exeqüente a fim de possibilitar-lhe haver a astreinte por meio de execução provisória. Nesse sentido, teceu a seguintes linhas: [...] Concedida a tutela específica liminarmente, pode haver a execução ab initio. Evidentemente não se terá execução definitiva, nessas hipóteses, mas analogamente ao § 3° do art. 273 poderão ser tomadas medidas de definitividade com vistas a que se exaura a execução, oferecendo o exeqüente caução, que transforma a execução em reversível. Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 730. 102 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 182-183. 103 ALVIM,Thereza Celina Diniz de Arruda. A tutela específica do art. 461, do Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 8, p. 100-110, 1995. 43 2.6.3 A execução definitiva da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão de mérito A terceira corrente, por sua vez igualmente vigorosa, defende a completa desvinculação entre a execução da astreinte e o resultado obtido ao final do processo. Firma posicionamento a esse favor Spadoni104, segundo o qual: A constatação de que o réu não possuía qualquer obrigação perante o autor é irrelevante para a exigibilidade da multa pecuniária, justamente porque esta não leva em consideração eventual violação do direito material, mas uma obrigação processual, de todo independente daquela. Em outras palavras, ainda que a obrigação principal ao cabo fosse julgada inexigível, subsistiria a obrigação quanto ao pagamento da astreinte havida pelo descumprimento da ordem judicial. Sob o mesmo raciocínio, segue a doutrina Garcia105 ao afirmar que “[...] a multa não pode estar atrelada à vitória ou derrota na causa, mas sim, ao cumprimento de uma determinada ordem judicial, que, no momento processual em que foi assinalada era legítima.” Nesse mesmo sentido, também contribuiu Amaral106 para afirmar a independência entre a exigibilidade da astreinte e o resultado definitivo da lide. Asseverou o autor: Independentemente da solução dada à decisão definitiva, a decisão interlocutória constitui outra norma jurídica individualizada com evidente natureza condenatória. Dessa forma, a improcedência do pedido final em sede de cognição exauriente não afeta a exigibilidade da quantia decorrente da imposição coercitiva. ____________ 104 SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva no art. 461 do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 182. 105 GARCIA, Marco Túlio Murano. Da execução da astreinte prevista no CPC: brevíssimas considerações. Revista de Processo, São Paulo, n. 126, p. 246-248, ago. 2005. 106 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro – Multa do artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 210. 44 Também adotando este entendimento, Arenhart107 veio em sua defesa argumentando que a simples expectativa da parte obrigada em ver-se desonerada ao cabo do processo, em nada a levaria a cumprir espontaneamente o comando judicial que lhe foi atribuído. Do autor, colhe-se a seguinte ponderação: [...] a parte, a quem incumbe o cumprimento da ordem, sabendo ser ela passível de mudança com a sentença, não tem estímulo para o cumprimento voluntário da ordem, já que: em cumprindo, não terá nenhum benefício; em não cumprindo, sujeita-se à sorte de suas alegações nos processos e à eventualidade de sucesso em sua defesa. Põe-se por terra todo o esforço do jurista no intuito da efetividade do processo. Por seu turno, Silva108 mostra-se de acordo com esse entendimento, e com ênfase apregoa que, em homenagem à função do processo e à autoridade do Estado, a astreinte deve ser desvinculada do direito material objeto da lide, permanecendo hígida sua exigibilidade mesmo após derruída a obrigação que deu azo à sua fixação. Das considerações da autora extrai-se, ad litteram: O entendimento correto parece ser aquele que concebe a multa com foco em sua finalidade e natureza. A finalidade da multa é forçar o adimplemento da ordem judicial e, portanto, ela está completamente desvinculada do direito material. Tratar-se-ía entre o Poder Judiciário e o réu que não cumpriu a ordem. Nesse sentido, se a ordem do juiz é ato de império, deve ser obedecida de pronto, sob pena de se colocar em risco a função do processo e a autoridade do Estado na pacificação dos conflitos. Entendendo dessa maneira, conclui-se que a multa arbitrada em antecipação de tutela é devida, ainda que a sentença não confirme a antecipação. ____________ 107 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 203. 108 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 730-731. 45 Com relação ao caráter definitivo que deveria estar revestida a exigibilidade da astreinte, ainda que pendente a solução de mérito, justifica-se Arenhart109 na busca pela efetividade da prestação jurisdicional, e pela necessidade em manter-se a autoridade do juiz. Leciona o autor nesse sentido: [...] Se a busca é por um processo efetivo e pela preservação da autoridade do juiz – que pode, então, dar ordens com imperium –, é necessário desvincular-se totalmente a exigência da astreinte do resultado final do processo. E concluindo Silva110, com amparo nas palavras de Arenhart, resta bem demonstrada a inclinação dessa corrente pelo cabimento da execução da astreinte em caráter definitivo. Veja-se: Sendo a multa devida mesmo que a sentença venha a ser contrária a decisão que a fixou, não há qualquer motivo para que a mesma só possa ser executada após o trânsito em julgado da sentença. E mais, deve ser executada definitivamente, não provisoriamente. [...] 2.7 A eficácia da astreinte como meio de coerção Tomando por base que a astreinte possui natureza coercitiva, e que se destina a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, significativa torna-se, também, levar-se em consideração o momento de sua potencialidade ao fim para o qual foi concebida. É certo admitir que a eficácia do instituto será atingida ao passo que o valor estabelecido, bem como sua periodicidade, tenham o condão de persuadir o devedor a atender o comando judicial. Perder-se-ía a eficácia no momento em que a multa não mais atingisse a desobediência do devedor, para tornar-se motivo de enriquecimento da parte ____________ 109 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 203. 110 SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 731. 46 adversa, cuja preferência repousaria mais na inércia do obrigado que na própria tutela outrora postulada. Essa visão é descrita por Marinoni e Arenhart111: Ademais, a única razão de ser da multa é a de pressionar ao cumprimento da decisão. Quando o seu valor atingiu o limite que se tornou insuportável e, ainda assim, não venceu a resistência do réu, é de se admitir que o seu incremento, ou mesmo a continuação da sua imposição, não permitirá o alcance dos fins inicialmente almejados. Tenha-se em mente que a eficácia da astreinte não só tem como limite o momento em que deixa de servir como coerção, e passa a ser mais proveitosa ao credor, mas também perde sua função ao passo que o cumprimento da obrigação deixa de ser possível, ou ainda esbarra na insolvência do devedor. Theodoro112 bem ponderou sobre esse aspecto: [...] A revogação da multa, por outro lado, por outro lado, torna-se cabível tanto por impossibilidade objetiva da prestação (o fato devido tornou-se materialmente inexeqüível), como por impossibilidade subjetiva do devedor (este caiu na insolvência). Acerca desse aspecto, contribuiu Marinoni113, sem poupar críticas à Alvim, este cujo entendimento limitava a eficácia da astreinte ao plano de direitos patrimoniais: Torna-se difícil compreender, portanto, a afirmação de Carreira Alvim, contida no livro Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, no sentido de que “a pena pecuniária só cumpre realmente a sua função se se tratar de direitos patrimoniais”. Ora, a tutela inibitória, justamente porque se vale da multa, tem plena eficácia nos casos de direitos não patrimoniais, pois pode influir sobre a vontade do réu, convencendo-o a fazer ou a não fazer. O ____________ 111 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 83. 112 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 2. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 159. 113 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 217-218. 47 que se pode admitir, na realidade, e que a multa não tem eficácia quando o réu não detém patrimônio, o que é absolutamente diferente. Depois de todo o exposto neste capítulo, constatou-se que a astreinte é devida pelo devedor da obrigação ao seu respectivo credor. O valor e periodicidade são as indicadas pelo Juízo que as fixou, podendo ocorrer modificação desses elementos se o caso concreto mostrar necessário a fim de atingir-se o cumprimento da obrigação. Sua incidência, salvo recurso interposto contra a decisão que a determinou ao qual foi atribuído efeito suspensivo, ocorre desde o dia do descumprimento da obrigação, até o cumprimento desta, ou até quando não mais for possível cumpri-la, ainda que para essa circunstância tenha concorrido o obrigado. As hipóteses de exigibilidade apontam para três hipóteses distintas: a necessidade do trânsito em julgado da decisão de mérito; a execução provisória com a restituição do valor adiantado caso seja reformada a decisão de mérito; e a execução definitiva, mantido o crédito da astreinte, mesmo que reformada a decisão de mérito. Sua eficácia termina quando ocorre a insolvência do devedor, quando se torna impossível o cumprimento da determinação; no momento em que não mais tenha capacidade de coagir o devedor ao cumprimento da obrigação, ou acabe a inércia do obrigado sendo vantajosa ao credor. Vencidas essas ponderações especificamente relativas ao instituo em epígrafe, imprescindível consignar, neste ponto do trabalho, a existência de mais uma questão polêmica envolvendo a incidência da astreinte, qual seja, a necessidade de intimação pessoal do obrigado, questão que será focada no capítulo seguinte. 48 3 A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO PARA A INCIDÊNCIA DA ASTREINTE FIXADA EM DECISÃO JUDICIAL Conforme assentado no capítulo anterior, a incidência da astreinte não se confunde com sua exigibilidade. Passa a incidir desde o momento do descumprimento da determinação, até o cumprimento desta, ou até quando não mais for possível cumpri-la. Contudo, debatem ainda a doutrina e ajurisprudência, ser necessária a intimação pessoal do obrigado para ter início a fluência da multa. Antes de abordarmos o tema específico do presente trabalho, necessário conceituar as formas de comunicação utilizadas durante o processo, entre as quais figura a intimação. 3.1 DAS COMUNICAÇÕES DOS ATOS PROCESSUAIS Conforme Santos114, “[...] dá-se ciência dos atos às partes e interessados pela citação (art. 213) e pela intimação (art. 234)” [dispositivos do Código de Processo Civil]. 3.1.1 Citação Conforme a definição legal dada pelo artigo 213, do Código de Processo Civil, “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender”115. Fornecendo a gênese e o emprego do termo, Silva116 revela: ____________ 114 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de direito processual civil: processo de conhecimento. v. 1. 12.ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 334. 115 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 17 maio de 2008. 116 SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 290. 49 Derivado do latim citum, freqüentativo do verbo ciere (produzir movimento, chamar, iniciar, excitar), exprime o ato processual pelo qual se chama ou se convoca para vir a juízo a fim de participar de todos os atos e termos da demanda intentada, a pessoa contra quem ela é promovida. É no entender de Pereira117, a forma mais relevante de concretização do devido processo legal, marcando a vinda do requerido aos autos, sua integração à relação processual. Para Theodoro118, a citação válida instaura o contraditório, sem o qual o processo se torna nulo, bem como a sentença nele prolatada, não se operando a coisa julgada. Os efeitos da citação encontram-se descritos no artigo 219 do Código de Processo Civil, e são cinco, a saber: torna prevento o juízo; induz litispendência; faz litigiosa a coisa; constitui em mora; e interrompe a prescrição.119 3.1.2 Notificação Nas palavras de Silva120, a notificação compreende, em sentido restrito, “[...] o ato instrumentado, autorizado pelo juiz, em virtude do qual se dá conhecimento a uma pessoa do que lhe cabe ou deve fazer, sob qualquer sanção, quando não cumpre o que lhe é determinado. [...]” No entender de doutrinadores como Pereira e Theodoro, o Código de Processo Civil reconhece a existência de apenas duas formas de ____________ 117 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula, processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 373. 118 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 237. 119 BRASIL, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 17 maio de 2008. 120 SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 960. 50 comunicação processual, a citação e a intimação121, omitindo-se totalmente sobre a notificação. BARROSO122 entende que a “notificação é a comunicação da prática de um ato a ser realizado, convocando alguém para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. Na prática, houve uma inversão de valores, fazendo com que a espécie de comunicação “intimação” passasse a ser tratada como gênero123, fazendo praticamente desaparecer a utilização da notificação. 3.1.3 Intimação Com assento no artigo 234, do Código de Processo Civil, a intimação consiste no “ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.”124 Revelando sua etiologia, Silva125 consignou que a palavra intimação deriva do latim intimatio, de intimare, e na terminologia jurídica é empregada para “designar todo ato processual que tem por fim levar ao conhecimento de certa pessoa, seja parte ou interessada no feito, ato judicial ali praticado, a pedido da outra parte ou por ofício do juiz.” Theodoro Júnior126 afirma que a distinção entre notificação e intimação não mais subsiste, porquanto o código processual de 1973 a aboliu, dando duplo objetivo a intimação: dar ciência de ato ou termo processual, bem como convocar a parte para cumprir ato emanado do juiz. ____________ 121 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula, processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 397-400. 122 BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 11. 3 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137. 123 BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 11. 3 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137. 124 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102373>. Acesso em: 17 maio de 2008. 125 SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 768. 51 Para Pereira127, a intimação tem uma abrangência muito maior que a citação, porquanto corresponde a qualquer forma de informação feita às partes ou a terceiros. Corroborando a lição anterior, Theodoro Júnior128 assegura ainda que a intimação é o ato de comunicação mais importante, pois é a partir dela que os prazos começam a fluir para as partes que desejam exercer seus direitos e faculdades processuais. Evoluindo em direção ao escopo do estudo, pertine observar que em determinadas situações, a intimação dos atos processuais deve ocorrer pessoalmente, como no caso expresso do art. 234, § 2., do Código de Processo Civil, segundo o qual “A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.” Mas não só na hipótese anterior torna-se imprescindível a intimação pessoal. Conforme apregoa Nery Júnior129, há situações em que igualmente exige-se a distinta forma. Veja-se: O defensor público, ou quem lhe faça as vezes, ainda que não seja servidor público ou funcionário público, deve ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo (LAJ 5. § 5.) [Lei de Assistência Judiciária, n. 1.060/50] . Os representantes judiciais da administração direta, autarquias e fundações públicas (não só das empresas públicas e sociedades de economia mista), nos níveis federal, estadual e municipal, devem ser intimados pessoalmente nas ações de mandado de segurança em que figuram como coatoras as autoridades que representam, intimação pessoal essa que fica restrita apenas aos atos judiciais de concessão da liminar ou da segurança (L 4348/64 3., com 126 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 248. 127 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula, processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 396. 128 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 248 e 252. 129 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 1. de outubro de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 483. 52 redação dada pela L 109 10/04 19), a fim de que possam exercer o direto de pedir a suspensão do ato (L 4348/64 4.). Pereira130 colabora com o tema ao esclarecer que as intimações pessoais podem ser realizadas por oficial de justiça, mas também ocorrem por meio de escrivão - em cartório -, pelo juiz - em audiência - e, finalmente, pelo correio. Já as direcionadas aos procuradores das partes são efetuadas através do diário da justiça. Imprescindível nesse momento considerar que a não observância da forma de intimação prescrita, no que interessa in casu, a pessoal, importe em sua nulidade, conforme exegese do artigo 247, do Código de Processo Civil, que dispõe ad litteram: “As citações e intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais.” Ao tempo em que se admite, dessa sorte, a nulidade da intimação pela inobservância da forma legal estabelecida, justo trazer à baila o comentário de Nery Júnior131 sobre o artigo 248, do Código de Processo Civil, que reputa sem efeito os atos processuais subseqüentes aqueles privados da escorreita forma: “Anulado o ato processual viciado, todos os que lhe forem subseqüentes estarão, ipso facto, também anulados.” Em louvor à brevidade, admita-se que a sistemática instrumental estabelece diferença entre as hipóteses do aludido vício formal, classificando-os como de nulidade ou anulabilidade, sendo aquelas identificadas pela expressa cominação legal de nulidade, e estas identificadas por exclusão. Nesse norte, ainda vale o escólio de Nery Júnior132, do qual se extrai: “A norma não comina pena, de sorte que trata de anulabilidades.” ____________ 130 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula, processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 398 131 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 1. de outubro de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 490-492. 132 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 1. de outubro de 2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 491. 53 Contudo, ao que importa para a possibilidade de considerar sanáveis os casos de nulidade ou anulabilidade, pontualmente esclarece Santos133 servindo-se do princípio francês pás de nullité sans grief134 : Embora a falta do ato ou sua inobservância formal conduzam à nulidade de que o juiz deva pronunciar até de ofício, ocorre sanação quando as finalidades previstas são alcançadas no processo, o que também acontece com as simples anulabilidades. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu (art. 214) [dispositivo do Código de Processo Civil], mas, à falta desta ou com sua nulidade, seu comparecimento a supre (art. 214, § 1.)” [dispositivo do Código de Processo Civil]. Também esclarece Nery Júnior135 que, por corolário do princípio da instrumentalidade das formas, pouco importa ao processo civil a distinção entre nulidades e anulabilidades, sendo todas suscetíveis de sanação. Nesse aspecto, teceu o autor as seguintes considerações: A distinção entre nulidade e anulabilidade é irrelevante no processo civil, para determinar-se sua sanação, já que não se afigura correto afirmar-se que a nulidade absoluta é insanável. Tanto as nulidades absolutas quanto as anulabilidades são passíveis de sanação, pela incidência do princípio da instrumentalidade das formas. 3.2 A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO As decisões judiciais que impõe obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, prescindem de execução autônoma, sendo executáveis desde logo sem necessidade da propositura de nova actio, bastando que a parte credora peticione nos próprios autos da ação principal. Vale ainda registrar que ____________ 133 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de direito processual civil: processo de conhecimento. v. 1. 12.ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 369. 134 A expressão pode ser traduzida como: não há proclamar a nulidade se não há prejuízo. (SILVA, De Plácido e. Dicionário Jurídico. 23. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 71). 135 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 1. de outubro de 2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 490. 54 com o advento da Lei 11.232, de 2005, restou superada, salvo poucas exceções, a necessidade de execução autônoma também para a execução por quantia certa de títulos judiciais.136 Nesse norte, colhe-se da casuística, julgado do Superior Tribunal de Justiça que por tudo exprime a desnecessidade de execução autônoma para a obrigação de fazer: Tendo em vista que o creditamento dos valores nas contas vinculadas do FGTS pela CEF encerra uma obrigação de fazer, e não de pagar quantia certa, o cumprimento da sentença se opera na própria relação processual original, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC. Afasta-se, nesses casos, o cabimento de ação autônoma de execução, bem como, conseqüentemente, de embargos à execução.137 Deferido o pedido formulado na peça vestibular, seja na antecipação dos efeitos da tutela, seja na sentença, possui o juiz o poder/dever de fixar multa, no valor e periodicidade que entender mais adequado à prestação da tutela almejada, a chamada astreinte. ____________ 136 Os artigos 461 e 461-A do CPC eliminaram a necessidade de utilização de processo de execução autônomo para títulos executivos judiciais que prevejam obrigações de fazer, não fazer, e entregar coisa. Dessa feita, a utilização dos dispositivos previstos no Livro II do CPC, em sede de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, a princípio, ficaria restrito aos títulos extrajudiciais. Mas como alerta Spadoni, nas situações em que os títulos judiciais não sejam a procedência, seria ainda necessária a execução autônoma do Livro II do CPC. Portanto, nos casos de obrigação de fazer, e entrega de coisa, previstos em sentença homologatória de conciliação ou de transação; sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; sentença arbitral (incisos III, IV e VI do artigo 584 do CPC), seria ainda utilizada a execução autônoma, apesar de configurarem entre os títulos judiciais. Em verdade, há que se ter em mente que, após o advento da Lei 11.232, de 2005, que eliminou a execução autônoma também para a execução por quantia certa de títulos judiciais, salvo as exceções acima mencionadas, apenas a execução dos títulos extrajudiciais segue o procedimento previsto no Livro II do CPC. (SILVA, Neuzely Simone da. A exigibilidade da multa fixada em ações de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. In: ABREU, Pedro Manoel, e OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Direito e Processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 727-728). 137 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 859.893/CE, relator Ministro Teori Albino Zavascki. Data da decisão 28/11/2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br >. Acesso em: 17 maio de 2008. 55 Resulta ainda controverso, registre-se, a questão acerca do marco inicial para a fluência da multa: se passa a contar da intimação da parte através seu procurador, ou se após a intimação pessoal do próprio obrigado. Assis138 é omisso neste ponto, pois, ao tratar da execução das obrigações fungíveis e infungíveis, dá a mesma solução a ambas, qual seja, ignora totalmente a intimação pessoal. Veja-se: Completada a citação, através de um dos modos admissíveis (retro, 123.8), ou realizada a intimação do advogado do executado – o prazo, seja qual for, como adiante explicado, inicia com a juntada do mandado, ex vi do art. 738, § 1º, do CPC, ou flui da publicação do ato -, concebem-se três atitudes fundamentais do executado: a) cumpre voluntariamente a obrigação; b) permanece inerte; c) opõe-se à demanda executória. Por seu turno, Talamini139 escreve a respeito da necessária cientificação sem, contudo, importar-se com a forma pela qual se deve noticiar, à parte obrigada, o mandamento expedido pelo juiz. Leciona o autor: Por outro lado, se houver aumento do montante originariamente estabelecido, esse incidirá a partir da sua comunicação ao demandado (que se fará acompanhar de reiteração da ordem para que cumpra) – e não a partir dos fatos acarretadores do aumento. Afinal, o objetivo da elevação do valor da multa – a exemplo do da própria multa – é pressionar psicologicamente o réu. Não faria sentido sua incidência antes mesmo de estar desempenhando essa função – o que só ocorrerá quando o demandado tiver ciência da majoração. Bueno140 já mostrava solar consciência do debate doutrinário e jurisprudencial que envolvia a necessidade de intimação pessoal do obrigado. ____________ 138 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11. ed. amp. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 526. 139 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 254. 140 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva,. 2008. p. 422-423. 56 Em apertada síntese, sua ótica revela que, havendo advogado constituído nos autos, bastaria sua intimação, excetuando-se a comunicação pessoal aos casos especiais previstos em lei, e na hipótese de antecipação dos efeitos da tutela quando ainda não angularizada a relação processual. Permita-se a transcrição do que elaborou o autor: A melhor resposta para o impasse reside em distinguir se a parte em face de quem a ordem expedida com fundamento no art. 461 tem, ou não, advogado, constituído nos autos. Na medida em que a parte esteja devidamente representada por advogado é suficiente que ele, o advogado, seja intimado para o ‘fazer’ ou o ‘não-fazer’ tal qual determinado, observando-se as regras codificadas sobre esta forma de comunicação de atos processuais [...] e se for o caso, as regras extravagantes, assim, por exemplo, quando se tratar de advogados da União ou Procuradores da Fazenda Nacional [...]. Na hipótese inversa, em que o destinatário da ordem não tem advogado constituído (assim, por exemplo, nos casos em que a determinação é concedida liminarmente com base no art. 461, § 3., ou em que, por qualquer razão, não há ainda ou mais advogado constituído nos autos), é irrecusável que a intimação seja feita diretamente na pessoa do executado, situação em que deverão ser observadas no precitados dispositivos do Código de Processo Civil, o que significa dizer que a intimação será preferencialmente feita pelo correio. Importante não se desprezar o que alertou Nery Júnior141 a respeito da questão, valendo-se do VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, no qual se firmou entendimento de que “A intimação é ao advogado e não à parte, salvo quando a lei determinar o contrário”. Por outro norte, há doutrinadores que se manifestam no sentido de que as obrigações de fazer, de não fazer, e de entregar coisa, reclamam pela intimação a ser efetuada diretamente, ou seja, à pessoa do obrigado, pois a este incumbe o cumprimento da obrigação, não ao seu ____________ 141 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 1. de outubro de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 483. 57 procurador, este cuja intimação seria limitada à execução dos atos processuais privativos do patrocínio. Posiciona-se textualmente a esse favor Dinamarco142, segundo o qual a primeira atitude do juiz seria a intimação pessoal do obrigado, a fim de que cumpra, no prazo estabelecido, o que lhe fora determinado. Sob o os seguintes argumentos, assevera o autor: [...] o primeiro ato do juiz na execução imediata consistirá em mandar intimar pessoalmente o obrigado [...]. Também a respeito dessa intimação inicial a lei silencia, mas é óbvia a necessidade de estimular o devedor a cumprir, seja porque esse estímulo é a primeira tentativa de fazê-lo sair do estado de inadimplemento, seja porque as medidas enérgicas inerentes à execução específica têm como pressuposto elementar a renitência de quem manifesta não querer adimplir. Intimado o devedor e permanecendo naquele estado, a partir daí se legitimam as medidas de coerção ou de sub-rogação oferecidas pelos §§ 4. e 5. do art. 461 do Código de Processo Civil. Idêntico posicionamento é demonstrado por Popp143, para quem a obrigação de fazer é de cunho exclusivamente pessoal, alcançando somente a figura do obrigado, único legitimado a praticar o ato. Jorge144 o acompanha, e expõe as seguintes razões: Nem mesmo os exemplos contidos no CPC, onde o advogado recebe a intimação para início de uma demanda, como na reconvenção e na ação declaratória incidental, são a nosso ver suficientes para afastar a necessidade da intimação pessoal da parte. A intimação do advogado nessas situações referidas não compromete o contraditório, porque existe um nexo direto entre a demanda ajuizada e a outra incidental, de modo que os fatos descritos nesta nova demanda já são de conhecimento do ____________ 142 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 457. 143 144 POPP, Carlyle. Execução de obrigação de fazer.Curitiba: Juruá, 1995. p. 144. JORGE, Flávio Cheim. Relação processual e contraditório nas diversas espécies de execução em execução civil: in DIDIER JUNIOR, Fredier. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Paulo Furtado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 106/107. 58 advogado. Quando o advogado é intimado nessas situações, o ato processual deverá ser por ele próprio praticado, ao passo que na execução a decisão atua sobre o comportamento da parte, exclusivamente dela, exigindo o adimplemento ou a cooperação. Deve-se entender esta relação, na forma vista por Spadoni145, como algo de causa e efeito, sendo o seu fato gerador a relação jurídico processual existente entre os jurisdicionados e o juiz, sendo dever destes cumprir as ordens emanadas, e não o seu procurador. Dinamarco146 converge para idêntico arrazoado, assegurando que os atos postulatórios privativos do advogado não se confundem com os de competência da parte, que se situam no plano material. Colhe-se de sua doutrina: Diante de tal silêncio da lei, é imperioso que a intimação seja feita pessoalmente ao obrigado, não ao seu patrono. Não se trata de intimar a praticar atos de postulação, que são privativos do advogado, mas atos que dependem da atuação pessoal da parte a são estranhos às atividades daquele (entregar, fazer, abster-se – supra, nn. 375 3 537). Os atos postulatórios, em seu conjunto, constituem o patrocínio em juízo, que o advogado faz mediante procuração outorgada pelo cliente (constituinte). Patrocinar significa elaborar petições iniciais, defesas, recursos ou resposta a eles e peças escritas em geral, bem como participar de audiências etc. Não se incluem entre os atos postulatórios e são realizados pela própria parte o depoimento pessoal (arts. 342 ss.), a participação em tentativas consiliatórias (art. 125, inc. IV, art. 331 etc.) e outros atos relacionados diretamente com o direito material, como o cumprimento de obrigações. ____________ 145 SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. In: SHIMURA, Sérgio & WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo de execução. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 500. 146 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 457-458. 59 Recobra-se, neste ponto, o comentário de Bueno147, para quem o fato da obrigação acomodar-se no plano material, em nada altera a dispensa de intimação pessoal do obrigado, uma vez que as regras elencadas no citado anterior são excepcionais, não tendo estas o condão de elidir a sistemática processual que se satisfaz com a comunicação dirigida ao advogado. Admita-se trazer o remate feito pelo autor com relação aos doutrinadores que censuram a intimação dirigida patrono: A crítica, contudo, não procede porque as regras destacadas são excepcionais, expressamente previstas,e, como tais, não podem afastar a inteireza do sistema codificado, que se conforma, nos casos de advogado constituído nos autos, com a intimação dirigida a ele. O advogado é, salvo regra expressa em sentido contrário, um verdadeiro ‘porta-voz’ do que ocorre no plano do processo para o plano material (e vice-versa), e, por essa razão, é suficiente que ele seja devidamente intimado das ordens proferidas pelo juiz. Em que pese, como visto, a divergência doutrinária, reconheça-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento acerca da necessidade de intimação pessoal do obrigado, a fim de estabelecer o marco inicial de incidência da astreinte, e possibilitar sua conseqüente exigibilidade. Nesse sentido, veja-se julgado da lavra do relator Ministro Ari Pargendler: PROCESSO CIVIL. ASTREINTES. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. A intimação da parte obrigada por sentença judicial a fazer ou a não fazer deve ser pessoal, só sendo exigíveis as astreintes após o descumprimento da ordem.148 ____________ 147 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 423. 148 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 629.346/DF, Terceira Turma, relator Ministro Ari Pargendler, Data da decisão: 28/11/2006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 60 Por sua vez, encontram-se as razões da indispensável intimação pessoal em julgado do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do relator Ministro Luiz Fux. Veja-se: É que na forma dos artigos 234 e 238 do CPC, as intimações são pessoais quanto ao destinatário, podendo à semelhança do art. 11 da lei do writ, operar-se pelo correio; tanto mais pela própria citação que consubstancia o contraditório, admite esta modalidade que a receptiva de vontade. 5. Deveras, as conseqüências cíveis e penais do descumprimento das decisões mandamentais exigem segurança na comunicação da mesma, tornando imperiosa a necessidade de intimação pessoal.149 Observa-se, conforme os motivos lançados pelo relator, que dadas conseqüências pelo descumprimento da obrigação, não se pode admitir insegurança na comunicação da ordem expedida, não restando outra alternativa que a intimação pessoal do obrigado. No mesmo sentido, acenam os julgados do Tribunal do Estado de Santa Catarina, conforme ilustra precedente da lavra do relator Desembargador Trindade dos Santos, do qual se extrai que a simples intimação, via Diário da Justiça, não se presta ao desiderato de cientificar efetivamente a parte sobre a obrigação que lhe foi imposta. Veja-se: A sentença que, proferida em medida exibitória de documentos, estabelece prazo para essa exibição, condicionando o atendimento da determinação à incidência de multa diária, tem natureza de execução de fazer. A intimação da parte obrigada, em hipótese tal, há que ser pessoal e específica, para que surja o direito da autora à exigibilidade das 'astreintes', pois só a partir de então é que se poderá cogitar da ocorrência de mora. Essa intimação pessoal não é suprida por aquela feita editaliciamente, ____________ 149 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 692.386/PB, Primeira Turma, relator Ministro Luiz Fux. Data da decisão: 11/10/2005. Disponível em <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 61 que é endereçada, não às partes em si, mas a seus procuradores.150 Seguindo idêntica orientação, julgado da lavra do relator Desembargador Gastaldi Buzzi, ao expor que a jurisprudência e doutrina dominantes orientam-se no sentido de que as astreintes são uma forma de superar a obstinação do obrigado ao cumprimento da obrigação, por certo incidindo a multa, tão-somente, após o inequívoco conhecimento da parte obrigada. Veja-se: Segundo se depreende da doutrina e jurisprudência dominantes, a função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação, e incide a partir de sua inequívoca ciência e recalcitrância no incumprimento do comando judicial, não sendo viável o cômputo do prazo estabelecido em sentença, senão após a inequívoca ciência da própria parte quanto à sua obrigação, não suprindo esse requisito a simples intimação do procurador do litigante vencido (arts. 238 e 461,§4º, CPC) Não menos esclarecedor mostra-se o julgado da lavra do relator Desembargador Newton Janke que, em caso similar, afirmou não caracterizar-se descumprimento da ordem judicial quando efetivada apenas a intimação do advogado. De seu voto colhe-se: Tutela antecipatória mandamental que impõe a entrega mensal de dinheiro deve ser objeto de intimação pessoal à parte destinatária, segundo a melhor exegese do art. 238, do CPC. Assim sendo, não há que se falar em descumprimento da ordem judicial se ____________ 150 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2004.020459-0, Segunda Câmara de Direito Comercial, relator Desembargador Trindade dos Santos. Data da decisão: 07/04/2005. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 151 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível n. 1999.014008-3, Terceira Câmara de Direito Comercial, relator Desembargador Marco Aurélio Gastaldi Buzzi. Data da decisão: 01/09/2005. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 62 somente o advogado foi intimado do provimento judicial acautelatório.152 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem esboçando percepção idêntica à necessidade de garantir-se a inequívoca ciência do obrigado por meio de intimação pessoal. Considere-se, nesse sentido, julgado da lavra do relator Desembargador Umberto Gaspari SudBrack, que utilizou como argumento a distinção entre a obrigação material da parte, e a processual daquele que a patrocina em juízo. Veja-se: Quanto ao mérito do recurso, razão assiste à apelante. Faz-se mister a ciência inequívoca da ordem a ser cumprida e da cominação de multa para o caso de descumprimento e a intimação pessoal da parte é o único meio hábil para essa finalidade. A intimação do advogado é para os atos processuais e não para os que dependam do agir exclusivo da parte.153 Na mesma vertente, recente julgado da lavra do relator Desembargador Pedro Celso Dal Pra, igualmente observando a peculiaridade de que a obrigação se destina à parte, não ao patrono, motivo pelo qual deveria ser aquele o intimado, e de forma pessoal, a fim de assegurar-lhe a ciência inequívoca. A incidência da multa cominada para o caso de descumprimento de obrigação de fazer, somente pode ser computada a partir da intimação pessoal do obrigado. Não se presta ao desiderato a intimação de seus procuradores mediante a imprensa oficial, visto que o cumprimento da obrigação é ato pessoal da parte. Esta, com efeito, é que arcará, em última instância, com os pesados ônus decorrentes de seu inadimplemento, tornando impositiva a ____________ 152 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2005.008946-5, Terceira Câmara de Direito Comercial, relator Desembargador Newton Janke. Data da decisão: 31/08/2006. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 153 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70011538550, relator Desembargador Umberto Gaspari SudBrack. Data da decisão: 30/06/2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 17 maio de 2008. 63 certeza inequívoca da ciência dos termos da ordem judicial. Precedentes nesta Corte e no Egrégio STJ.154 Alfim, ponderado extrair-se ainda, do mesmo julgado, as razões de que se valeu o relator para conduzir o voto, que foram trazidos de matéria doutrinária publicada em meio eletrônico, a citar: Segundo pensamos, é necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. No sistema jurídico processual, há intimações que devem ser dirigidas às partes, e intimações que devem ser dirigidas aos advogados. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (CPC, art. 36), a intimação deve ser dirigida ao advogado; (b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente. Assim, por exemplo, a citação inicial, em regra, é pessoal, permitindo-se excepcionalmente a citação de ‘procurador legalmente autorizado’ (cf. art. 215 do CPC). Para a prestação de depoimento pessoal também deve ser a parte “intimada pessoalmente” (CPC, art. 343, § 1.º), e assim por diante. Em outros casos, o sistema impõe a intimação do advogado, e não necessariamente a intimação da parte, porque o ato a ser realizado é eminentemente processual e exige capacidade postulatória (cf., dentre outros, CPC, art. 242, § 2.º). O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa, respeito, o que inexiste, no art. 475-J, caput, do CPC. É interessante observar, a propósito, que nesse sentido vem se manifestando a jurisprudência, em relação ao cumprimento da sentença proferida em ações fundadas no art. 461 do CPC. Também naquele caso, a exemplo do que ocorre com o art. 475-J, caput, inexiste disposição expressa no sentido de que basta, para que se tenha por exigível o cumprimento da sentença, a mera intimação do advogado. Ademais, também na ação fundada no art. 461 do CPC, o cumprimento da obrigação é ato que deve ser realizado pela parte, e não por seu advogado. ____________ 154 Brasil. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo interno (art. 557 do CPC) n. 70023094121, relator Desembargador Pedro Celso Dal Pra. Data da decisão: 08/05/2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 25 maio 2008. 64 Contra este nosso ponto de vista, poder-se-ia opor o argumento de que a necessidade de intimação pessoal do devedor seria obstáculo ao cumprimento mais célere da sentença. Não nos parece, contudo, que seja assim. É certo que a possível incidência da multa é algo que deve desempenhar o papel de ‘estímulo’ consistente em medida coercitiva, tendendo a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, mas a eficácia intimidatória de tal medida pode frustrar-se, caso não dirigida diretamente ao devedor. Afinal, não pode ser desprezada a hipótese de o advogado, motivadamente ou não, deixar de informar ao réu que o descumprimento da sentença acarreta a incidência da multa, circunstância esta que pode esvaziar o objetivo de tal medida. Ademais, caso não haja pagamento, a multa será somada ao valor da condenação, sendo, portanto, devida pelo réu, e não por seu advogado, parece mais consentânea com o princípio do contraditório a orientação de que o réu deve ser previamente advertido quanto à conseqüência negativa do descumprimento da obrigação. Por fim, é necessário ressaltar que o respeito irrestrito à Constituição Federal não pode ceder passo, qualquer que seja o argumento, sob pena de desmanche da difícil, longa e trabalhosa construção do Estado de Direito brasileiro. A regulamentação infraconstitucional da Emenda Constitucional n. 45 e a conseqüente reforma do CPC têm sido palco de diversas iniciativas, algumas já transformadas em lei, evidentemente desprovidas de maior cuidado com o respeito à Constituição Federal. Veja-se, por exemplo, a infeliz regra do art. 285-A do CPC, que, a pretexto de permitir julgamento mais célere de processos ditos “repetitivos”, afasta irremediavelmente o princípio do contraditório. No caso ora analisado, a mera intimação do advogado, pelo Diário da Justiça, não pode ser considerada como instrumento hábil e adequado à imprescindível comunicação da parte, sob pena de se perpetrar nova ruptura do sistema constitucional de garantias processuais. Isto porque a ‘intimação’ se dá para que seja cumprido ato pela própria parte, independentemente da participação do advogado, sob pena de sanção pecuniária que será suportada pela parte. Nada justifica, à luz dos mais rudimentares e básicos princípios constitucionais do processo, que se corra o risco de a própria parte não ser cientificada. Na hipótese, devem ser respeitados tanto o princípio do contraditório (em resumo, direito de informação a respeito dos atos processuais), quanto o princípio do devido processo legal (que abarca todas as demais regras processuais, inclusive aquelas relativas às figuras do Juiz, do Ministério Público e do Advogado). 65 A propósito do atual movimento de reformas do CPC, muitas delas oriundas de iniciativas de corporações, convém registrar aquilo que deveria ser, sempre, o verdadeiro norte dos movimentos reformistas da lei infraconstitucional. Tratase de pensamento do ex-Presidente do Tribunal Constitucional Alemão, Konrad Hesse, para quem: ‘os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a observância revela-se incômoda’.155 Assim, conforme o exposto, embora haja doutrinadores como Talamini e Assis que ignoram a discussão acerca do legitimado a receber a intimação da decisão que determina o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou dar, ou, ainda, como Bueno e Nery Júnior que entendem que a intimação somente deve ser pessoal quando a lei assim o exigir, devendo todos os atos ser comunicados ao procurador da parte, a orientação seguida pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido inverso, qual seja, que a intimação deve se dar direta e pessoalmente ao obrigado, pois é deste a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação, posicionamento que vem sendo seguido pelos Tribunais de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, em convergência com as razões expostas por doutrinadores como Dinamarco, Popp e Jorge. ____________ 155 Brasil. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo interno (art. 557 do CPC) n. 70023094121, relator Desembargador Pedro Celso Dal Pra. Data da decisão: 08/05/2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 25 maio 2008. 66 CONCLUSÃO O presente trabalho procurou demonstrar a origem da astreinte, instituto nascido na França em meio à turbulência do início do Século XIX, e que foi concebida como meio de coerção a serviço do Estado para incutir no devedor o dever de cumprimento da determinação judicial, proveniente de obrigação de fazer, não fazer e dar, na tentativa de evitar que tais procedimentos fossem obrigatoriamente convertidos em perdas e danos. A integração deste novo instituto acabou acontecendo ao ordenamento jurídico de diversos países, o mesmo ocorrendo com o Brasil, sendo aplicado pelos Tribunais pátrios com o fito de efetivar o cumprimento das obrigações, pois acaso não cumprida a ordem determinada pelo juiz, rende-se ensejo a cobrança da multa, que muitas vezes pode simbolizar um desgaste muito maior que o cumprimento espontâneo da própria obrigação. A periodicidade e cumulatividade da multa devem ser fixadas pelo juiz, e pode ter como lapso temporal em qualquer medida de tempo, de acordo com cada caso concreto, e embora seu valor não tenha qualquer limitação, sua fixação deve ser pautada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Tais valores não são imutáveis, podendo ocorrer majoração ou redução se as peculiaridades do caso concreto assim exigirem para que se obtenha o cumprimento da obrigação. O cerne do presente trabalho concentrou-se no último capítulo, o qual, após traçar paralelos entre as formas de comunicação constantes no Código de Processo Civil, trouxe duas correntes apresentadas pela doutrina, no tocante a intimação do devedor obrigacional. Para Bueno e Nery Júnior, somente a lei poderia exigir expressamente a intimação pessoal do devedor, o que não se amolda ao caso 67 das comunicações que cientificam a parte das obrigações de fazer, não fazer, e de dar, que lhe foram impostas. Já os defensores da tese da necessidade de intimação pessoal do obrigado, como Dinamarco e Popp, calcam-na na segurança jurídica e no fato das obrigações repousarem no plano material, e não processual, pois é ao devedor e ninguém mais, imposto o dever de cumprimento da obrigação. Este entendimento doutrinário foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, que em diversos julgados determina que a intimação para cumprimento das obrigações de dar, fazer e não fazer, deve se dar pessoalmente ao obrigado, vez que seu patrono não possui poderes para cumprir a determinação em seu lugar. O mesmo posicionamento foi absorvido pelos Tribunais de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por derradeiro, registre-se que o presente trabalho teve por escopo trazer a lume as duas correntes que tratam da forma de intimação do obrigado, a pessoal e a através procurador, sem que, com isso, seja esgotado o assunto. 68 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALVIM, Thereza Celina Diniz de Arruda. A tutela específica do art. 461, do Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 8, 1995. AMARAL, Guilherme Rizzo. As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro – Multa do artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. 237 p. ARENHART, Sérgio Cruz. 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