a percepção do - Faculdade Cearense

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
PAULINA LAURIANO DE CARVALHO
“A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE
HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA”
FORTALEZA
2014
PAULINA LAURIANO DE CARVALHO
“A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE
HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA”
Monografia
submetida
à
aprovação
da
Coordenação do Curso de Serviço Social do
Centro de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Graduação.
FORTALEZA
2014
C331p Carvalho, Paulina Lauriano de
A percepção do usuário do hospital municipal Dr. João Elísio
de Holanda sobre os serviços da Ouvidoria / Paulina Lauriano de
Carvalho. Fortaleza – 2014.
76f.
Orientador: Prof.ª Ms. Priscila Nottingham de Lima.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.
1. Ouvidoria. 2. Participação e controle social. 3.
Democracia e cidadania. I. Lima, Priscila Nottingham de. II.
Título
CDU 364
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
PAULINA LAURIANO DE CARVALHO
“A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE
HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA”
Monografia como pré-requisito para obtenção do
título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado
pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido
aprovada pela banca examinadora composta pelos
professores.
Data da aprovação: ____/___/___
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Professora Ms. Priscila Nottingham de Lima (Orientadora)
Faculdade Cearense
__________________________________________________________
Professora Esp. Verbena Paula Sandy (Examinadora)
Faculdade Cearense
__________________________________________________________
Esp. Edna Maria Martiniano (Examinadora)
Dedico este trabalho a minha mãe Elisa
Lauriano e ao meu filho João Pedro. Os
melhores presentes que Deus poderia me dar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pai de infinita bondade, força que me mantém firme e confiante diante das
dificuldades da vida e que me presenteou com a realização desse sonho.
A minha mãe Elisa Lauriano de Carvalho, minha maior incentivadora e maior
motivação para continuar lutando por este objetivo. Ser que me ensinou a amar e
me tornar a pessoa que sou hoje.
Ao meu filho João Pedro, que veio tornar essa conquista linda e muito mais
agradável.
As amigas de todas as horas que me apoiaram em todos os momentos e com quem
desfrutei momentos inesquecíveis. (Soraia Maria Andrade, Raquel Malhas, Taini
Lima, Sarah Samla e Fernanda Lilian)
A Natasha Santos, que esteve ao meu lado no momento mais importante da minha
vida, que foi gestação e o nascimento do meu filho.
Aos queridos amigos, Félix, Cláudia, Mariano e Monte Alverne, pela extrema
generosidade e pelos laços de amizade mantidos ao longo dos anos.
Aos demais amigos e colegas com quem convivi no decorrer desses anos,
principalmente durante o período da minha gravidez (Priscila Freitas, Ana Paula
Chayn dentre outros).
As minhas irmãs, Maria Elisabete, que sempre esteve ao meu lado quando mais
precisei e Maria Elisian, que foi uma babá extremamente carinhosa com meu filho
nos momentos em que tive que me ausentar para a conclusão deste curso e uma
agradável companheira de debates intelectuais.
Ao meu irmão, João Alcides, pela solidariedade nos momentos de dificuldade.
Aos meus sobrinhos Marcelo e Melca Ravena, os filhos do meu coração e sempre
dois bons motivos pra me fazer sorrir.
Agradeço a Nadja Teixeira, uma das pessoas mais solidárias que conheço.
Excelente amiga que me alertou para o tema desta pesquisa, me incentivou e
sempre esteve disponível quando precisei.
Ao amigo Don Carlos, pela disponibilidade em ajudar sempre que preciei.
A banca examinadora pela disponibilidade e valiosa contribuição, composta pela
professora Verbena Paula Sandy, e por Edna Maria Martiniano.
A minha orientadora Professora Priscila Nottingham pelo comprometimento,
disponibilidade, atenção e carinho com que sempre me tratou, e por transmitir
confiança na minha capacidade para realização deste trabalho.
A todos os professores do curso de Serviço Social pela alegria com que nos
transmitiram seus conhecimentos.
“A Ouvidoria auxilia no fortalecimento do indivíduo perante as
grandes e mais complexas estruturas prestadoras de serviços
e produtos, conferindo maior transparência às ações das
instituições, buscando a superação da passividade com o
incentivo à participação e, por consequência, aprimorando o
grau de conscientização da cidadania e a valorização da
democracia”.
Edson Luiz Vismona
RESUMO
O presente estudo aborda a temática Ouvidoria sob a ótica do usuário do Sistema
Único de Saúde (SUS). O objetivo é compreender a percepção do usuário sobre os
serviços oferecidos por uma ouvidoria pública direcionados a área da saúde
analisando as falas dos atores entrevistados para esta pesquisa. Considera-se
importante os questionamentos sobre como tomaram conhecimento da ouvidoria e o
que motiva os usuários a procurarem a instituição, bem como as suas impressões
sobre a serventia e o resultado ofertado pela ouvidoria sobre as manifestações
realizadas. Foi ponderado também a importância da participação do usuário para
melhorar os serviços de saúde e sua compreensão do que significa cidadania. As
categorias a serem analisadas serão Ouvidoria, com uma exposição sobre seu
contexto histórico, seu funcionamento e atuação; participação e do controle social,
que são elementos fundamentais para o desenvolvimento do trabalho do órgão, visto
que não existe ouvidoria sem a participação do cidadão, e, democracia e cidadania,
fazendo uma relação do que pode haver em comum com a Ouvidoria.
Palavras Chave: Ouvidoria. Participação e Controle social. Democracia e
Cidadania.
ABSTRACT
This study addresses the issue from the perspective Ombudsman user's Unified
Health System (SUS). The goal is to understand the perception of the user about the
services offered by a public ombudsman directed the healthcare analyzing the
speeches of the actors interviewed for this research. It is considered important the
questions about how they learned of the ombudsman and what motivates users to
seek the institution as well as their views on the usefulness and outcome offered by
the ombudsman about the demonstrations. Was also weighted the importance of
user participation to improve health services and their understanding of what
citizenship means. The categories to be analyzed Ombudsman, with a presentation
on its historical context, its operation and performance; participation and social
control, which are key elements for the development of the work of the body, since
there is no ombudsman without citizen participation, and democracy and citizenship,
making a list of what may be in common with the Ombudsman .
Keywords:
Citizenship.
Ombudsman.
Participation and
Social Control.
Democracy and
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Demonstrativo das manifestações quanto a classificação.............................55
GRAFICO 2 – Demonstrativo quanto ao meio de acesso......................................................56
GRÁFICO 3 – Demonstrativo quanto ao gênero....................................................................57
GRÁFICO 4 – Demonstrativo quanto a faixa etária...............................................................57
GRAFICO 5 – Demonstrativo dos atendimentos por idade no núcleo do HMC...................58
LISTA DE SIGLAS
CGE – Secretaria da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado
BM – Banco Mundial
HMC – Hospital da Mulher e da Criança
HMJEH – Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ONGs – Organizações Não Governamentais
PARTICIPASUS – Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS
SESA – Secretaria da Saúde do Estado do Ceará
SPA – Serviço de Pronto Atendimento Adulto
SPI – Serviço de Pronto Atendimento Infantil
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
1. O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO.......................................................17
1.1. Aproximações com o tema da pesquisa..............................................................17
1.2. Metodologia da pesquisa.....................................................................................24
1.3. Lócus da pesquisa: A Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João elísio de
Holanda......................................................................................................................30
2. OUVIDORIA, INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL,
EXERCÍCIO DE DEMOCRACIA E CIDADANIA.......................................................35
2.1. Histórico: Do Instituto Ombusdsman à Ouvidoria no Brasil.................................35
2.2. Participação e Controle Social............................................................................39
2.3. Democracia, Cidadania e Ouvidoria: algo em comum?......................................47
3. OS USUÁRIOS DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO
DE HOLANDA E SUAS PERCEPÇÕES...................................................................54
3.1. Sujeitos da pesquisa: o perfil socioeconômico dos usuários da Ouvidoria do
Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda...........................................................54
3.2. Análise dos dados coletados...............................................................................58
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
APÊNDICE 1 – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS USUÁRIOS DO HOSPITAL
MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA
APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
12
INTRODUÇÃO
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se apresenta como uma das
mais importantes reformas sociais ocorridas no Brasil para a área da saúde. Este
processo
tem
início
na
década
de
1970
com
o
Movimento
de
Reforma Sanitária, destacando-se as lutas dos Movimentos Sociais por melhor
qualidade de vida para toda a sociedade. De acordo com Brasil (2014), os
movimentos sociais organizados tiveram papel preponderante para reivindicar
melhores condições de vida.
As constantes transformações ocorridas na sociedade ao longo dos
últimos anos ampliou a consciência dos cidadãos, revelando a sua importância
enquanto agente de mudança, criando um novo perfil de cidadão, mais esclarecido e
conhecedor de seus direitos e estimulado a ocupar seu lugar através da participação
ativa nas políticas sociais.
Com a consolidação da democracia, após a Constituição de 1988, novos
instrumentos para modernizar o Estado diante da necessidade do cidadão participar
da administração da coisa pública junto com o Estado foram criados. A Ouvidoria
pública se encontra nesse contexto como eficiente canal de comunicação que
valoriza o processo democrático, viabilizando a participação do cidadão e atuando
como instrumento de controle social.
Mediante a criação da Lei 8.142/1990 que inseriu a participação popular
no controle, na fiscalização e na gestão dos serviços de saúde, as ouvidorias do
SUS foram criadas para assegurar ao cidadão o direito à participação na gestão
pública em saúde. (BRASIL, 2010, p. 08). Esse mecanismo surge para fortalecer a
defesa do direito do usuário à saúde, incentivando a participação popular e a
inclusão do cidadão no controle social.
Segundo Vismona (2001), a iniciativa de se implantar uma ouvidoria
pública vem da necessidade em administrar os conflitos existentes entre a
insatisfação popular com os serviços prestados pelo Estado e a desconfiança da
população sobre a forma como são administrados os recursos pagos direta ou
indiretamente pelos cidadãos.
13
De acordo com a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa
no SUS (ParticipaSUS) (2009), a ouvidoria busca integrar e estimular práticas que
ampliem o acesso dos usuários às ações dos serviços de saúde, atuando como um
canal direto entre o usuário e a gestão, contribuindo com o controle social.
Quando se fala em Ouvidoria, o primeiro pensamento é de um local no
qual o cidadão busca manifestar sua reclamação sobre algum serviço que não foi
prestado de acordo com o que se espera, mau atendimento, equipamentos
quebrados, falta de materiais para realização de trabalhos etc., no entanto, não é
um lugar somente para reclamações, é um local onde o sujeito pode manifestar
aquilo que ele considera que deve ser melhorado em um órgão que presta serviços
a população, seja na estrutura física ou humana, que preza pelo respeito e
dignidade da pessoa humana.
Segundo a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS
(ParticipaSUS) instituída em 2009, as ouvidorias são canais de comunicação
destinados
a
receber
democraticamente
as
manifestações
dos
cidadãos
classificadas em reclamação, sugestão, solicitação, informação, denúncia e elogio.
Cabe à ouvidoria, após o recebimento da manifestação do usuário, orientar, fazer o
encaminhamento da demanda, bem como acompanhar o processo resolutivo e dar
retorno ao usuário.
O presente trabalho aborda os serviços da Ouvidoria do Hospital
Municipal Dr. João Elísio de Holanda (HMJEH) na perspectiva dos usuários do
hospital, enfatizando a participação e controle social, e, “a cidadania e a democracia
participativa como indutoras do processo”. (MARTINIANO, 2010, p. 13).
O
fenômeno
central
que
impulsionou
esta
pesquisa
foram
os
atendimentos realizados pelo núcleo da ouvidoria localizado no setor de
urgência/emergência do hospital. O interesse pelo tema ocorreu a partir da
experiência como estagiária da pesquisadora durante o período de um ano, maio de
2011 a maio de 2012, na Ouvidoria da Secretaria de Saúde do Município de
Maracanaú.
Foi um período de grande aprendizado e descobertas, pois não tinha
noção do que era uma ouvidoria, para que servia e nem como funcionava. Aos
14
poucos fui aprendendo, e me encantava o fato de ter um contato direto com o
cidadão e ouvi-lo de maneira aprofundada. Ouvir as queixas dos sujeitos me fez
perceber que havia um canal entre eles e a instituição, percebi também que olhava
com olhos treinados teoricamente no curso de Serviço Social, que a teoria em
aprendizado nos bancos da faculdade, ali, era uma realidade.
Durante esse período em que fui estagiária na Ouvidoria, pude observar
ainda a dinâmica dos serviços de uma ouvidoria, voltando minha atenção para a
aproximação do órgão com o cidadão usuário do sistema e a seriedade com que
cada processo era tratado. Tratava-se de um órgão que ouvia as queixas dos
usuários e buscava ações resolutivas com extrema atenção.
O recorte para a ouvidoria hospitalar deu-se em virtude de haver uma
assistente social como técnica da ouvidoria do hospital municipal. Foi o trabalho
dessa assistente social que me fez voltar o olhar para o trabalho de uma Ouvidoria
em termos científicos, por ser um campo novo para o Serviço Social atuar devido a
grande demanda e principalmente o contato direto com a população usuária. O
motivo pelo qual não optei pela ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde foi
porque ela abrange um leque muito maior de usuários, visto que engloba todas as
instituições que atendem pelo SUS no município, sejam ela públicas ou privadas,
incluindo o HMJEH.
A Ouvidoria do HMJEH foi criada em 2006 pela Lei Municipal 1.108/06. É
composta de dois núcleos, um na entrada do setor de Serviço de Pronto
Atendimento adulto e Infantil (SPA/SPI) e o outro na entrada do Hospital da Mulher e
da Criança (HMC). Os dois núcleos possuem salas próprias, visto que, se faz
necessário, por uma questão de privacidade e até de sigilo, quando necessário, que
a Ouvidoria possua um local reservado para que o usuário possa ficar à vontade no
momento de realizar a sua manifestação.
Cabe à ouvidoria elaborar um relatório estatístico para análise do
desenvolvimento do trabalho e identificação de carências, bem como, de soluções
propositivas. De acordo com o Relatório de Gestão 2013, dessa análise se identifica
as dificuldades que já existem e a serem enfrentadas, identificam-se os principais
problemas e suas resoluções, elabora-se projetos para melhorar o trabalho da
Ouvidoria e estipulam-se as metas e ações a serem atingidas.
15
No tocante ao referencial teórico utilizado para esta pesquisa, predomina
participação popular, diante do fato que será analisada a percepção do usuário; o
controle social como instrumento de fiscalização e controle dos serviços de saúde, a
cidadania e a democracia participativa. Chamo a atenção para a pouca literatura
sobre o tema ouvidoria o que traz um pouco de dificuldade para a fundamentação
científica da pesquisa.
O objetivo desta pesquisa é observar e analisar a percepção do usuário
sobre o atendimento da ouvidoria de um hospital público. Os objetivos específicos
buscam
investigar
a
importância
da
participação
popular
para
o
bom
desenvolvimento de uma ouvidoria; analisar os fatos históricos que levaram a
criação e implantação da ouvidoria no Brasil; compreender o que há em comum
entre a ouvidoria, a democracia participativa e a cidadania.
A relevância desta pesquisa consiste no fato de que Ouvidoria é um
campo relativamente novo que conta com a participação social para funcionar e
exerce uma função mediadora entre a instituição e seus usuários. É também um
espaço democrático, para todos, sem distinção nem preconceito.
Este trabalho foi desenvolvido em três capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado “O percurso teórico-metodológico”, aborda-se as aproximações com o
tema da pesquisa, são expostos de maneira mais detalhada os motivos que me
levaram a optar por este tema; a metodologia utilizada para realização desta
pesquisa e uma descrição minuciosa sobre o campo onde a pesquisa foi realizada.
O Segundo capítulo fala sobre a ouvidoria de maneira geral, através de
um breve histórico do instituto englobando desde o seu início na Europa até a
criação da ouvidoria do HMJEH. Discorre também sobre as categorias participação e
controle social e democracia e cidadania. Todas elas apresentando-se como
fundamentais para o bom desempenho de uma ouvidoria.
O terceiro capítulo destina-se aos sujeitos da pesquisa. Foi traçado um
perfil utilizando-se números e gráficos e focaliza primordialmente na fala do usuário
para expor uma análise aprofundada sobre a pesquisa e a temática apresentada. Ao
final, seguem as considerações finais, as referências bibliográficas e os apêndices.
16
CAPÍTULO 1 – O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO
1.1.
APROXIMAÇÕES COM O TEMA DA PESQUISA
De acordo com o Guia de orientações básicas para implantação de
ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS), as ouvidorias em saúde são
ferramentas estratégicas de promoção da cidadania em saúde, visto que, coloca-se
como um canal de comunicação entre o cidadão e a administração pública, pelo qual
o sujeito contribui para fortalecer o processo democrático, a melhoria da qualidade
dos serviços prestados pelo SUS e consequentemente a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos que utilizam o serviço público de saúde.
A Ouvidoria Geral do SUS apresenta-se como um espaço democrático
que visa fortalecer a participação social para qualificar a gestão participativa do
referido Sistema. Está vinculada ao Ministério da Saúde, é parte integrante da
Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa (ParticipaSUS), foi criada
pelo Decreto nº 4.726 de 9 de junho de 2003 e tem sua forma prevista no artigo 37,
parágrafo 3º, inciso I da Constituição Federal de 1988:
§ 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na
administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
(CONSTITUIÇÃO FEDERALl, 1988, p. 42).
A Ouvidoria é um espaço que possibilita a participação democrática. O
processo democrático é inerente à participação popular. A palavra democracia
remete ao sinônimo de igualdade. Igualdade de direitos para os cidadãos que fazem
parte de um Estado Democrático de Direitos e visam, segundo Falcão (2010), uma
sociedade livre justa e solidária, em que o poder emana do povo e deve ser exercido
em proveito do povo. (FALCÃO, 2010, p.54)
Nessa perspectiva, Lyra (2012) assim se expressa,
O vínculo da ouvidoria pública com a democracia é algo ontológico. Ela se
constitui como espaço e forma de exercício de controle da sociedade, ou, se
preferir, da cidadania [...] por isso lhe é inerente [...] a defesa dos direitos
humanos, a busca da promoção da justiça e da inclusão social. (LYRA,
2012, p. 21)
A Ouvidoria pública é um espaço democrático, um espaço para todos,
não se restringe somente ao cidadão pertencente à classe mais vulnerável. Lyra
17
(2012) diz que à ouvidoria interessa que sejam assegurados direitos ao maior
número, com prioridade para os mais desvalidos. Na linguagem da ouvidoria, os
usuários são chamados de internos e externos. Internos são os funcionários da
instituição à qual a Ouvidoria está integrada e externos são todos os demais que
procuram os seus serviços que não tem vínculo empregatício com a mesma. Como,
por exemplo, a Ouvidoria de um hospital público; qualquer profissional que trabalha
no hospital pode fazer sua manifestação, não somente o usuário que necessita de
serviços médico-hospitalares. Lyra (2012) afirma que:
[...] a legitimidade para demandar a ouvidoria pública não se restringe
apenas ao usuário da instituição em que ela atua, ou aos que a ela presta
serviços. Ela se estende a qualquer cidadão que nela queira preservar o
interesse público [...]. (LYRA, 2012, p.21)
Atuar como estagiária de Serviço Social em uma ouvidoria da saúde me
aproximou da questão da participação social. A participação do usuário,
manifestando sua opinião, seja em busca de uma informação, reclamando,
solicitando, elogiando, denunciando ou sugerindo algo sobre os serviços prestados
pelos órgãos públicos de saúde, foi uma surpresa à realidade de que a saúde,
mesmo sendo um direito constitucional, ainda chegue até a população por meios
clientelistas e patriarcalistas.
A minha opção pelo tema Ouvidoria em saúde se deu pelo que já foi
descrito acima e por ter visualizado o órgão como um possível campo de trabalho
para o assistente social. Trata-se também de um local onde se pratica o exercício da
cidadania, onde o cidadão busca a concretização de direitos assegurados por lei,
participando ativamente exercendo a democracia, elementos esses que muito me
despertam o interesse.
Ouvidoria é algo relativamente novo na área da saúde, tornando-se
assim, um novo espaço de atuação para o assistente social em que ele deve estar
atento as mudanças e transformações que ocorrem na sociedade diante do fato de
que a Ouvidoria trabalha com todos os sujeitos indistintamente. Conforme Iamamoto
(2011), “Possibilidades novas de trabalho se apresentam e necessitam ser
apropriadas, decifradas e desenvolvidas; se os assistentes sociais não fizerem,
outros farão”. (IAMAMOTO, 2011, p. 48)
18
Vislumbrar a Ouvidoria como campo de atuação para o Serviço Social
também despertou meu interesse por se tratar de um local de exercício e garantias
de direitos humanos e sociais. A atual ouvidora do campo onde fiz minha pesquisa é
assistente social e como tal, ela toma providências cabíveis à profissão ao identificar
na manifestação de algum usuário a necessidade da intervenção profissional.
Como profissional do Serviço Social, a técnica da Ouvidoria vê o órgão
como um novo espaço para a atuação do Serviço Social, pois, como ela mesma
relata, “a Ouvidoria hoje é ativa”, não é apenas um local onde se fica esperando que
o cidadão chegue para fazer sua manifestação; como assistente social, ela vai em
busca de identificar os problemas no Hospital pertinentes à Ouvidoria e esclarece
sobre o que é o órgão e sobre a importância, a necessidade e o direito que o
cidadão tem em fazer a sua manifestação numa atitude propositiva.
No período em que fui estagiária na Ouvidoria da Secretaria Municipal de
Saúde de Maracanaú, alguns casos me chamavam a atenção sobre o
posicionamento do papel da Ouvidoria com relação à garantia de direitos, como por
exemplo, um caso em que uma garota de 16 anos estava grávida e não estava
conseguindo o devido atendimento médico na Unidade de Saúde mais próxima de
sua casa.
A sua manifestação foi solucionada de imediato por ser um caso
prioritário de acordo com os princípios e diretrizes do SUS corroborado pela Lei n.
8.069/1990 – Estatuto da Criança e do adolescente – em seu Artigo 8º1. Lembro que
a responsável pelo Programa de Assistência à Gestante da Secretaria de Saúde
falou que não importava a justificativa dada pelos profissionais da unidade de
Saúde, gestante era prioridade e gestante adolescente mais ainda por ser um caso
delicado devido à idade. Após a manifestação, a adolescente passou a ser atendida
regularmente sem maiores problemas.
Na Ouvidoria o usuário tem voz e tem vez, segundo Vismona, a
conscientização da cidadania na defesa dos seus direitos é a verdadeira mola
propulsora da Ouvidoria (Vismona, 2001). Uma Ouvidoria não funciona sem a
participação dos sujeitos, ela é uma espaço democrático de participação social, um
1
Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.
19
local onde o cidadão pode manifestar aquilo que ele considera que deve ser
melhorado no que se refere à atendimento prestado por órgãos da Administração
Pública. Segundo Saldanha (2013), a Ouvidoria tem a finalidade de empreender
ações na defesa dos direitos individuais e coletivos da comunidade geral.
(SALDANHA, 2013, p. 08)
O recorte da temática para a participação dos sujeitos se deve ao fato de
que uma Ouvidoria não existe sem a participação efetiva dos cidadãos, é preciso
que o cidadão procure o órgão e faça sua manifestação para que haja a relação
cidadão e administração; aqui no caso, usuário e administração pública em saúde.
A redução do recorte para a área da saúde se deu pela pesquisa de
campo ter sido feita em um hospital público e porque a saúde é uma área crítica com
relação ao atendimento dos usuários, pois quando uma pessoa procura um serviço
de saúde, de alguma forma se sente vulnerável e o mínimo que se espera, de
acordo com a Política Nacional de Humanização (2006), é um acolhimento que
garanta uma atenção mais resolutiva.
A Ouvidoria do Hospital Municipal João Elísio de Holanda (HMJEH),
funciona nas dependências do HMJEH e do Hospital da Mulher e da Criança (HMC).
Segundo o Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH relativo ao ano de 2013,
seu principal objetivo é detectar, acolher e encaminhar as observações dos usuários,
propondo soluções na busca de satisfação de suas necessidades e expectativas
como forma de participação na gestão do Hospital. Ainda de acordo com o Relatório
citado acima, a Ouvidoria do HMJEH atendendo as exigências da CF/88 e das leis
nº 8.080/90 e 8.142/90 também tem como objetivo aproximar os cidadãos da gestão
do Hospital e consequentemente da gestão do SUS.
Tendo em vista o exposto, o objetivo principal dessa pesquisa é tentar
captar a percepção do usuário do HMJEH sobre os serviços da ouvidoria. Se atende
às suas expectativas, se considera resolutivos, enfim, se atende as necessidades de
quem a procura de maneira satisfatória. Ressaltando Lyra (2012), as ouvidorias
públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da inclusão. (LYRA, 2012, p.
89)
20
O usuário é um cidadão de direitos, e a saúde, como já citado
anteriormente, é direito assegurado em nossa Carta Magna em seu artigo 196,
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação. (CONSTITUIÇÃO FEDERALl,
1988, p. 131)
A saúde, sendo um direito constitucional, garante ao indivíduo o exercício
da cidadania, e, uma das maneiras de avaliar a qualidade dos serviços de saúde é
através de seus usuários. Por meio de suas manifestações é que se poderá
perceber as falhas e acertos em busca da qualidade. Para Véras (2005), “os
serviços de Ouvidoria em Saúde buscam estabelecer uma comunicação do usuário
com os serviços de saúde” (VÉRAS, 2005, p. 18). Assim sendo, a participação do
usuário traz benefícios não somente para o sujeito, mas também beneficia os
serviços de saúde. Conforme Véras,
[...] a opinião dos usuários acerca da qualidade dos serviços contribuirá
para o planejamento das ações dos profissionais de saúde, gestores e
administradores. Desse modo, poderá ser avaliado também o impacto da
Ouvidoria no resgate da cidadania, na implementação de políticas públicas
de saúde inclusivas e na promoção dos seus direitos. (VERAS, 2005, p.19)
A implantação de ouvidorias é fundamental para o fortalecimento do
SUS, pois, é um espaço que poderá proporcionar a integração do cidadão ao
sistema de saúde, onde ele possa registrar a sua manifestação sobre o problema
que identificar e também onde possa buscar informações sobre os serviços, tendo
em vista o inciso V, Artigo 7º da Lei n. 8.080/19902. Importante por parte da
ouvidoria é proporcionar respostas ágeis e resolutivas para que o cidadão se sinta
acreditado de que sua participação é essencial para o bom desenvolvimento das
ações de saúde.
O SUS é um sistema de saúde amplo, no entanto, fragilizado. A demanda
da população é grande e ele segue se estruturando à medida que as demandas vão
surgindo. A insatisfação do usuário com relação às dificuldades de acesso aos
serviços prestados e a qualidade do atendimento torna-se um dos principais motivos
de procura dos serviços da Ouvidoria. Ouvir os usuários do SUS é estar atento às
2
No inciso V da Lei n. 8.080/1990 consta a seguinte definição: Direito à informação, às pessoas
assistidas, sobre sua saúde.
21
necessidades dos paciente e consequentemente obter meios para avaliar a
qualidade dos serviços de assistência à saúde.
O cidadão como usuário contribuinte, pois, conforme Véras (2005) “[...] o
usuário deve ser visto como cidadão e contribuinte, visto que ele é o financiador do
sistema de saúde” (VÉRAS, 2005, p. 30). Deve ele mesmo ter consciência que é sua
responsabilidade e de toda a sociedade fiscalizar e avaliar os serviços públicos de
saúde. Assim, é preciso voltar um novo olhar para a Ouvidoria, por se tratar de um
canal entre o usuário e a administração pública.
Falcão (2010) menciona que Ouvidoria:
[...] constitui-se um espaço imprescindível ao cidadão, que sedento por
necessidades imperiosas de reparação à saúde física, necessita de um
canal que lhe garanta a oportunidade de expressão das suas
reinvindicações [...] (FALCÃO, 2010, p. 63).
Dessa aproximação através da escuta e do diálogo com os usuários do
sistema de saúde pública, existe coletivamente uma construção do saber para um
fazer democrático relacionado à saúde pública. Almeja-se um atendimento mais
humanizado, acolhedor, onde o cidadão se sinta como parte do sistema e não
alguém, de acordo com Falcão (2010), sujeito à subserviência e benevolência frente
aos serviços recebidos por via da ação profissional. (FALCÃO, 2010, p. 63)
Um quesito essencial para o bom desempenho de uma ouvidoria e que
não pode ser esquecido diz respeito ao sigilo que deve ser assegurado aos usuários
à respeito de suas manifestações. A escuta do usuário é feita individualmente e lhe
é informado sobre o sigilo, oferecendo-lhe a opção de se identificar e sua
manifestação ser identificada como sigilosa (o nome será conhecimento somente da
ouvidoria) e anônima, quando a pessoa realmente não quer se identificar de forma
alguma. O usuário deverá ficar bem à vontade para falar sem o temor de sofrer
possíveis represálias.
As manifestações são classificadas de acordo com as categorias
expressas no Guia de orientações básicas para implantação de ouvidorias do SUS
(2010) e são as seguintes: Denúncia, Elogio, Informação, Reclamação, Solicitação e
Sugestão. No HMJEH, os meios de acesso disponibilizados aos usuários para
realizarem suas manifestações são: presencial, telefone, email, carta, caixa de
22
sugestões e OuvidorSUS (Sistema informatizado da Ouvidoria Geral do SUS,
disponível em www.saude.gov.br/ouvidoria).
O tema Ouvidoria ainda possui uma bibliografia escassa, encontrando-se
a maior parte em artigos e monografias. No entanto, desperta o interesse de alguns
estudiosos por se tratar de um canal para o exercício da democracia corroborado
pela participação do cidadão. Conforme Vismona (2001),
O principal objetivo de uma ouvidoria é buscar a aproximação do
administrador público com o cidadão de forma que ambos percebam a
importância do registro de uma reivindicação. (VISMONA, 2001, p. 24)
Para que ocorra o diálogo entre a administração e o cidadão se faz
necessária a figura do ouvidor. O ouvidor coloca-se como um representante do
cidadão perante a instituição em que atua, viabilizando o canal de comunicação
entre a instituição e o cidadão. Geralmente é nomeado pelo dirigente da instituição à
qual a ouvidoria está localizada. Conforme Silva (2006),
[...] o ouvidor, geralmente exerce suas funções através de nomeação pelo
dirigente máximo do órgão, devendo contribuir para o fortalecimento dos
direitos do cidadão, aproximando-o da instituição, agindo em contato direto
com o poder decisório e prevenindo a repetição de erros e abusos,
estimulando, assim, o processo de melhoria contínua da qualidade dos
serviços públicos. (SILVA, 2006, p. 19)
É de extrema importância a autonomia do ouvidor para falar pelo cidadão
que fez sua manifestação não com o papel de criticar a instituição ou o sistema no
sentido de estar em permanente conflito com a administração, mas de dialogar para
buscar a melhor solução diante dos problemas manifestados. Vismona (2001) diz
que o ouvidor não é um crítico de plantão, mas sim um agente permanente de
defesa da cidadania. (VISMONA, 2001, p.17).
Outras atribuições do ouvidor:

Facilitar o acesso à Ouvidoria, simplificando seus procedimentos.

Encaminhar a manifestação apresentada à área que deve solucionála, acompanhando a sua tramitação;

Ter livre acesso a todos os setores órgão em que exerce suas
funções, para que possa apurar e propor as soluções requeridas em cada
situação;

Estimular a participação do cidadão e a informação dos serviços
prestados;

Apresentar relatórios regulares ao dirigente do órgão em que atua.
(VISMONA, 2001, p. 19)
23
O ouvidor também deve possuir capacidade de escuta, por experiência
própria, sei que é imprescindível a escuta em uma ouvidoria, uma palavra mal
interpretada e transtornos poderão ser gerados para todos os envolvidos no
processo. Se faz necessário haver a característica da empatia para poder se colocar
no lugar do outro e tentar compreender melhor a sua fala, além da capacidade de
mediar conflitos de maneira serena e imparcial. (Lyra, 2012, p. 93)
Diante do exposto, o trabalho se desenvolverá por meio de pesquisa
qualitativa, pois o que se busca é a percepção subjetiva dos entrevistados. Para
realização da pesquisa foram utilizadas as técnicas da pesquisa bibliográfica,
pesquisa documental, entrevista semiestruturada, observação participante e história
oral. A explanação sobre a metodologia utilizada será abordada no tópico a seguir.
1.2.
METODOLOGIA DA PESQUISA
Diante do contexto em que vivemos, o que possivelmente dificulta a
administração do Estado em relação aos problemas que surgem cotidianamente e
onde a questão social se apresenta de forma latente, a metodologia mais adequada
para esta pesquisa é a qualitativa.
A
metodologia
qualitativa
é
a
mais
propícia
para
se
estudar
cientificamente a questão social que se apresenta em nossa sociedade, pois
possibilita um conhecimento aprofundado do objeto de estudo visando compreender
o fenômeno em suas nuances e subjetividades e possivelmente encontrar o melhor
meio para solucioná-lo, bem como, utopicamente, pensar em erradicá-lo.
A sociedade, conforme Haguette (2005), é constituída de microprocessos,
que levam a macroestrutura e comprovam que é constantemente reconstruída por
meio de um movimento dinâmico de renovação mediante a força da ação social
individual e grupal. (HAGUETTE, 2005, p. 20). Corroborado por Minayo (2010) que
diz: “[...] a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com
toda a riqueza de significados que transborda dela”. (MINAYO, 2010, p. 42)
Através do método qualitativo, o olhar do pesquisador se volta para o
indivíduo enquanto ser social fazedor de sua história e, consequentemente, da
história da humanidade. De acordo com a definição de Minayo (2010), a pesquisa
alimenta a atividade de ensino por se tratar de uma construção da realidade e uma
24
atividade de aproximação sucessiva da realidade. Do passado se constrói o futuro,
ou seja, o homem constrói a história da humanidade dos fatos que vão ocorrendo no
cotidiano, bem como, do que ocorreu no passado. Assim sendo, pode-se afirmar que
não pode haver pesquisa social sem o registro histórico do objeto de estudo.
[...] o objeto das ciências sociais é histórico. As sociedades humanas
existem num determinado espaço cuja formação social e configurações
culturais são específicas. Elas vivem o presente marcado pelo passado e
projetado para o futuro que em si traz, dialeticamente, as marcas
pregressas, numa re-construção constante do que está dado e do novo que
surge. Toda investigação social precisa registrar a historicidade humana
[...]. (MINAYO, 2010, p. 39)
Minayo (2010) compreende como Pesquisa Social os vários tipos de
investigação que tratam do ser humano em sociedade, de suas relações e
instituições, de sua história e de sua produção simbólica. Conceituando a pesquisa
social em saúde a autora diz que, todas as investigações que tratam do fenômeno
saúde/doença, de sua representação pelos vários atores que atuam no campo as
instituições políticas e de serviços e os profissionais e usuários. (MINAYO, 2010, p.
47)
A pesquisa qualitativa permite uma compreensão mais ampla do objeto
de estudo levando em consideração a subjetividade. A pesquisa qualitativa
proporciona maior liberdade ao pesquisador, permite que ele possa expressar o que
está além da informação repassada por palavras, ela está ligada aos atos do sujeito.
Conforme Minayo (2007), a pesquisa qualitativa, “trabalha com o universo dos
significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”.
(MINAYO, 2007, p.21).
A abordagem qualitativa apreende prioritariamente o ponto de vista do
indivíduo, da ação humana, da interação das pessoas agindo diferente, interagindo
de maneiras diferentes, construindo assim as relações sociais subjetivamente.
Haguette (2005) comenta sobre a importância da subjetividade, de perceber o que é
dito através dos gestos, do olhar e etc.,. Conforme a autora a pesquisa qualitativa
“[...] é usada para captar dados psicológicos que são reprimidos ou não facilmente
articulados como atitudes, motivos, pressupostos, quadros de referência etc.”.
(HAGUETTE, 2005, p.64)
25
Haguette (2005) também define que a pesquisa qualitativa é a mais
adequada, para pesquisas em instituição hospitalares,
[...] são usadas como indicadores do funcionamento complexo de estruturas
e organizações complexas que são difíceis de submeter a observação direta
[...] tais como: organizações (empresa, hospital, prisão) e comunidades [...].
(HAGUETTE, 2005, p.64)
A minha opção por esta metodologia deu-se pela pesquisa ter sido
realizada com os usuários da Ouvidoria de um hospital público com o intuito de,
conforme Fraser (2004), dirigir os esforços para:
a)
Garantir a representatividade dos significados, passível de ser obtida
ao entrevistar aqueles que conhecem e compreendem profundamente a
realidade a ser estudada.
b)
Permitir que o entrevistado sinta-se mais livre para construir seu
discurso e apresentar seu ponto de vista [...] (FRASER, 2004, p.143).
Para realização desta pesquisa, primeiramente foi realizado um
levantamento de material bibliográfico para aprofundar o conhecimento nas
categorias de análise e o caminho a ser realizado. Como técnica de coleta de dados,
utilizei a pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação participante,
história oral e entrevista semiestruturada.
Lima (2007) afirma que a pesquisa bibliográfica é exposta como
procedimento metodológico importante na produção do conhecimento científico, por
meio dela obtêm-se material sobre a história e outras experiências vivenciadas em
Ouvidorias. De acordo com Gil (2002) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos. (Gil, 2002, p.44). Ela possibilita o acesso ao conhecimento de vários
outros autores sobre o tema e permite ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.
(Gil, 2002, p.45).
A pesquisa bibliográfica conforme Lima (2007), implica em um conjunto
ordenado de procedimentos de busca de soluções, atento ao objeto de estudo e que
por isso não pode ser aleatório. (Lima, 2007, p. 38). Ela é importante para
fundamentar teoricamente o objeto de estudo e exige disciplina e atenção no
momento da coleta de dados de acordo com o percurso metodológico definido. De
26
acordo com Boni (2005) ela abrange: publicações avulsas, livros, jornais, revistas,
vídeos, internet, etc. (Boni, 2005, p. 71).
O acesso a documentos da instituição para conhecimento de sua história,
bem como dados sobre o desenvolvimento do trabalho da ouvidoria será
compreendido por meio da pesquisa documental que, segundo Gil (2002), os
documentos constituem uma fonte rica e estável de dados. O autor ressalta que a
pesquisa documental vale-se de material que não recebeu ainda um tratamento
analítico. (Gil, 2002, p.45).
Outra etapa importante utilizada nessa investigação foi a entrevista. A
entrevista é definida por Haguette (2005) como um processo de interação social
entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador tem por objetivo a obtenção
de informações por parte do outro, o entrevistado. Apresenta-se como uma conversa
a dois, uma conversa onde o pesquisador vai extrair as informações pertinentes a
sua pesquisa. É através da entrevista que o pesquisador vai em busca do real de
maneira objetiva e direta, conforme Minayo (2010) é a estratégia mais usada no
processo de trabalho de campo.
A entrevista faz o entrevistado refletir sobre algo que ele poderia
considerar comum e insignificante, agindo sobre ele psicologicamente podendo
causar receio e desconfiança, alterando assim o modo de se comportar. Boni (2005)
diz que a entrevista deve proporcionar ao pesquisado bem-estar para que ele possa
falar sem constrangimento de sua vida e de seus problemas e quando isso ocorre
surgem discursos extraordinários.
Durante o processo da entrevista, cabe ao pesquisador deixar o
entrevistado bem à vontade para que este possa fornecer informações sinceras,
visto que com medo a pessoa poderá ocultar algum detalhe ou informação. O
pesquisador deverá também estar atento às informações transmitidas através de
gestos, olhares, trejeitos, enfim, ele deve como afirma Boni (2005), reconhecer as
estruturas invisíveis que organizam o discurso do entrevistado.
Para esta pesquisa, optei pela entrevista semiestruturada, ou seja, aquela
composta por perguntas fechadas e abertas para traçar um perfil socioeconômico do
27
entrevistado e deixá-lo à vontade para colocar suas palavras, suas impressões
sobre o que lhe foi questionado. Boni (2005) diz que a entrevista semiestruturada,
[...] são possibilitadoras de uma abertura e proximidade maior entre o
entrevistador e o entrevistado, o que permite ao entrevistador tocar em
assuntos mais complexos e delicados, ou seja, quanto menos estruturada a
entrevista maior será o favorecimento de uma troca mais afetiva entre as
duas partes. (Boni, 2005, p. 75)
Para Minayo (2010), a entrevista semi-estruturada facilita a abordagem e
assegura, sobretudo aos investigadores menos experientes, que suas hipóteses e
seus pressupostos serão cobertos na conversa. Evidentemente isso também
depende do pesquisador, pois ele também precisa estar à vontade, sentir-se seguro
para realizar as entrevistas, ainda mais com a utilização de recursos como
gravadores e filmadoras que podem inibir o entrevistado.
Outra técnica utilizada também foi a pesquisa de campo. Para introduzir o
assunto sobre a mesma iniciarei fazendo uma breve explanação sobre o campo
científico sob a ótica de Bourdieu.
Em um mundo capitalista nem a ciência está isenta do desejo pelo
consumo, consumo pelo melhor conhecimento e pelo reconhecimento. Para
Bourdieu (1983) o campo científico é um lugar, um espaço de jogo de uma luta
concorrencial. É uma concorrência devido ser restrito aos pesquisadores e cada um
querer o reconhecimento para sua pesquisa.
A pesquisa científica atende a interesses de classe. Por mais que se volte
para o estudo das desigualdades sociais, a pesquisa interessa a classe dominante
por esta ser sempre a detentora do poder numa sociedade capitalista. Bourdieu
(1983) diz que os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição da
ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo
que eles têm, são e fazem. (BOURDIEU, 1983, p.7)
De acordo com Bourdieu (1983) a autoridade científica é, pois, uma
espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em
certas condições, reconvertido em outras espécies. O capital científico é uma
espécie de capital social por haver a troca de relações no grupo, pode ser convertido
em capital cultural pela troca de conhecimento, saberes, cultura etc.
28
Na concepção de Minayo (2012), o campo de pesquisa é compreendido
como “o recorte espacial que diz respeito a abrangência, em termos empíricos do
recorte teórico correspondente ao objeto da investigação”. Por exemplo, esta
pesquisa, expõe sobre um campo empírico determinado que é a participação do
usuário em um órgão específico da área da saúde, que é a ouvidoria em saúde.
A autora também comenta que “na pesquisa qualitativa a interação entre
pesquisador e sujeitos da pesquisa é essencial” (p.63). A pesquisa social precisa
dos atores sociais para existir. “Ela trabalha com gente e suas realizações”. (p.62).
Visando a compreensão dos atores sociais em suas relações com os demais
sujeitos.
Ainda conforme a autora, o trabalho de campo permite a aproximação do
pesquisador com a realidade observada, sobre a qual formulou sua pergunta.
Cabendo ao pesquisador interagir socialmente com os sujeitos da pesquisa numa
relação de intersubjetividade.
Em relação à Observação Participante, Minayo (2010) comenta que pode
ser considerada parte essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa. Por
meio desta técnica, o pesquisador poderá interagir com o objeto da pesquisa, entrar
no mundo do seu objeto de estudo e ao mesmo tempo vê-lo com curiosidade.
Procurar perceber o porquê, o diferente que despertou seu interesse pela pesquisa é
comum para quem vivencia a experiência.
Conforme Minayo (2010), para uso desta técnica é necessário cautela. O
pesquisador por se aproximar da realidade observada deverá ter o cuidado para não
se integrar a ela de forma que ela se torne natural a ele. O pesquisador não pode
perder o seu olhar “estranho” para o outro, isso possibilitará maior riqueza de
informações e percepções científicas.
Por se tratar de um campo onde se preconiza a saúde como direito o
pesquisador deve romper com o senso comum do grupo pesquisado e reconstruir
uma tipificação da realidade a ser compreendida. De acordo com Minayo (2010)
citando a teoria marxista, ele deve dar ênfase aos conflitos contradições e diferenças
observando o modo de vida dos sujeitos atores desse campo de desigualdades
sociais.
29
Em relação à abordagem adotada nas entrevistas, utilizarei a História
Oral. A História Oral, conforme define Amado (2006), é uma alternativa livre e
emancipadora para romper com a história acadêmica institucional. Ela é inovadora,
pois sua atenção se volta para os sujeitos que fazem a história, mas não tem voz
altiva que faça prevalecer suas ideias, que são os dominados; trabalhadores,
mulheres, homossexuais etc.
Esta pesquisa foi autorizada pela Técnica da Ouvidoria do HMJEH com
consentimento da Ouvidora Geral do SUS no Município de Maracanaú. As
entrevistas foram realizadas com consentimento das pessoas entrevistadas
mediante assinatura do termo Livre e Esclarecido como consta modelo do mesmo
nos apêndices deste trabalho.
A História Oral está atenta às percepções subjetivas dos sujeitos na sua
individualidade. No entanto, conforme Haguette (2005), é preciso considerar que a
História Oral está preocupada com o que é relevante e significante para a
compreensão da sociedade. Conforme Amado (2006),
Abordar o fenômeno da oralidade é ver-se defronte e aproximar-se bastante
de um aspecto central da vida dos seres humanos: o processo da
comunicação, o desenvolvimento da linguagem, a criação de uma parte
muito importante da cultura e da esfera simbólica humanas. (AMADO, 2006,
p. 15)
A História Oral não é uma técnica para fazer relato da vida e das
experiências dos sujeitos, o que interessa é produzir conhecimento científico.
Haguette (2005) diz que por basear-se no depoimento pessoal e na memória está
sujeita a críticas, pois o depoente transmite a sua impressão do fato e não a
reconstituição dos acontecimentos.
Haguette (2005) diz que:
A História Oral é uma técnica de coleta de dados baseada no depoimento
oral, gravado, obtido através da interação entre o especialista e o
entrevistado, ator social ou testemunha de acontecimentos relevantes para
a compreensão da sociedade. (HAGUETTE, 2005, p. 95)
Ainda conforme a autora, tem por finalidade o preenchimento de lacunas
existentes nos documentos escritos. É uma técnica utilizada para qualificar a
produção científica, o pesquisador complementa os dados colhidos com outras
30
fontes como documentos e a bibliografia como se fosse a montagem de um quebra
cabeças onde cada técnica seria uma peça.
A História Oral permite ao pesquisador colher as percepções subjetivas
dos entrevistados, concedendo-lhes liberdade para expôs seu pensamento sobre a
vida cotidiana, o pesquisador deve ficar atento aos sentimentos que as pessoas
passam em seu depoimento, pois é nele que se encontra a essência da sua história.
E como não existe história sem personagens, a seguir, segue um breve
relato sobre o campo de pesquisa onde foram encontrados os atores principais para
embasar este estudo, que são os usuários da Ouvidoria do Hospital Municipal Dr.
João Elísio de Holanda (HMJEH).
1.3 LÓCUS DA PESQUISA: A OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO
ELÍSIO DE HOLANDA
Na página eletrônica do HMJEH consta o histórico da instituição que teve
seu início da seguinte maneira: foi fundado no dia 4 de junho de 1952, funcionando a
princípio como Sanatório de Tuberculose. Somente em 1982 passou a condição de
Hospital Geral, na década de 90 recebeu o nome de Hospital Municipal de
Maracanaú, sendo que sua municipalização ocorreu apenas no ano 2000. Recebeu
a atual denominação em 2008, numa homenagem a um de seus diretores.
O HMJEH é unidade integrante do Sistema Único de Saúde (SUS),
classificado como unidade de saúde pública de médio porte e nível de complexidade
secundária3,
atuando
como
referência
para
oito
municípios:
Maracanaú,
Maranguape, Pacatuba, Guaiuba, Acarape, Redenção, Barreira e Palmácia.
3
Os níveis de Atenção à Saúde são classificados em primário, secundário e terciário. O nível primário
é também conhecido como Atenção Básica à Saúde e compreende preferencialmente ao primeiro
contato do usuário com os serviços de especialidade básica da saúde, que são: clinica médica,
pediatria, ginecologia e obstetrícia. (Ex. Postos de Saúde). O nível secundário corresponde à média
complexidade e é composto por ações e serviços que visam a atender aos principais problemas de
saúde e agravos da população, cuja prática clínica demande disponibilidade de profissionais
especializados e o uso de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Neste nível, os
equipamentos essenciais são os hospitais e os centros de especialidade médicas ou odontológicas. A
alta complexidade é o conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e
alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos
demais níveis de atenção à Saúde (atenção básica e de média complexidade). Como exemplo
podemos citar as transplantes, neurocirurgias, traumato-ortopedia, assistência em cirurgia reparadora
dentre outros. ( BRASIL, 2005, p. 27-35-140)
31
No período compreendido entre os anos de 2000 a 2010, os serviços do
HMJEH foram ampliados para ambulatoriais igualmente de nível secundário de
assistência. Decorrente disso foram criadas as seguintes unidades: Centro Integrado
de Reabilitação - CIR, Policlínica de Maracanaú e Centro de Testagem e
Aconselhamento Sorológico em DST/AIDS - CETAS.
A Ouvidoria do HMJEH foi criada em 2006 por meio da Lei Municipal
1.108/06 com o objetivo principal de “detectar, acolher e encaminhar as observações
dos usuários, propondo soluções na busca da satisfação de suas necessidades e
expectativas como forma de participação na gestão do Hospital”. (Relatório de
Gestão 2013, p. 4).
A Ouvidoria do HMJEH possui dois núcleos para atendimento no
complexo hospitalar (pois se trata do Hospital Municipal e do Hospital da Mulher e
da Criança – HMC, serviço anexo do Hospital), que aqui denominarei de sala nº 1 e
sala nº 2. A sala nº 1 está situada à esquerda da entrada principal do Hospital onde
funciona o Serviço de Pronto Atendimento Adulto e Infantil (SPA/SPI), é uma sala
bem pequena (2m x 3m, aproximadamente), importante ressaltar que esta sala foi
designada à Ouvidoria de maneira improvisada após a necessidade da implantação
do órgão na instituição. As paredes são revestidas em cerâmica do chão ao forro do
teto, possui uma pequena janela de vidro para entrar claridade e a porta é bem larga
para passagem de cadeirantes. Possui um flanelógrafo afixado na parede e um
banner da ouvidoria, os móveis são apenas 1 mesa de escritório, 1 cadeira para a
funcionária que for realizar o atendimento, 2 cadeiras para os usuários, 1 estante em
aço para arquivo dos documentos, 1 aparelho de telefone e um móvel com gaveta
onde fica o ventilador em cima.
A sala nº 2 fica localizada na entrada do HMC, o espaço é menor que da
sala nº 1 e se torna menor por conter mais móveis. É composta por 1 mesa de
escritório, dois móveis, 1 ventilador, 1 estante de aço igualmente para arquivo de
documentos, 1 aparelho de telefone, 1 rádio-televisor portátil, 1 vaso com flores
artificiais, 1 mesa de escritório, 1 cadeira para a funcionária e 1 para o usuário.
Possui 3 janelas de vidro e duas portas de acesso, uma para a área interna do
32
Hospital e a outra para a área externa. O que chama a atenção é que apesar de
conter mais móveis e documentos, ela visualmente é mais organizada e decorada
que a outra, tornando um ambiente mais agradável e receptivo.
As salas são pequenas, no entanto atendem bem aos serviços da
ouvidoria no sentido de ser um ambiente acolhedor, reservado que deixa o usuário à
vontade para realizar sua manifestação. Os dois núcleos não possuem
computadores, os registros das manifestações são feitos a mão, a princípio em um
papel rascunho e depois transcrita para o formulário padronizado que será anexado
a uma capa padronizada também, onde constarão as informações para
identificação, como por exemplo, o número de registro do atendimento. Por se tratar
de um setor que deve guardar sigilo das informações, a porta é trancada com chave
e somente quem trabalha no órgão tem acesso.
Ressalto que podem ser dois núcleos separados, porém o usuário pode
se dirigir a qualquer um deles para realizar sua manifestação. Apenas quando se
tratar de assuntos relacionados ao setor de urgência e emergência é que as
providências serão tomadas pelo núcleo do SPA/SPI.
A equipe da ouvidoria é composta pela ouvidora geral da saúde no
Município, graduada em Sociologia e pós graduada em Gestão em Ouvidoria; pela
técnica responsável pela ouvidoria do HMJEH, com formação em Serviço Social e
por duas assistentes. Especificamente no HMJEH, a ouvidoria desenvolve um
trabalho de sair nos espaços do Hospital esclarecendo sobre os serviços do órgão e
incentivando as pessoas a procurarem o mesmo deixando claro que a ouvidoria é
feita da participação de todos.
Conforme a técnica da ouvidoria os funcionários não procuram muito o
órgão para se manifestar porque entendem de maneira errônea que ouvidoria é para
o usuário e não para eles. O que ela lamenta, pois a reivindicação deles poderia
propiciar melhores condições de trabalho.
De acordo com o Relatório de Gestão da Ouvidoria, por atender ao setor
de emergência, a demanda da ouvidoria é bem significativa. No ano de 2013 foram
realizados 477 atendimentos, que após análise e classificação feita de acordo com
33
as normas da ouvidoria verificou-se que o maior número foi de reclamações. O meio
de acesso mais utilizados pelos usuários é o presencial e a maioria das
manifestações são feitas por pessoas do sexo feminino com faixa etária
compreendida entre 21 a 40 anos de idade.
O horário de atendimento é das 7 às 16 horas, de segunda a sexta feira e
o atendimento é realizado da seguinte maneira: o usuário é ouvido, é feito o
rascunho da manifestação e depois a transcrição para o formulário formal. Se for
caso em que se identifique a possibilidade de uma resolução imediata, as
providências são tomadas ainda com a presença do usuário, se for caso de
encaminhamento, é esclarecido para ele que sua manifestação será encaminhada
para o setor responsável e que a ouvidoria entrará em contato para lhe dar a
resposta.
No ato da transcrição é feita a classificação da manifestação de acordo
com a fala do usuário, se é reclamação, solicitação, informação, denúncia, elogio ou
sugestão4. Uma observação importante é que uma mesma manifestação poderá ser
desmembrada em várias de acordo com o encaminhamento. Por exemplo,
reclamação sobre a vigilância, será encaminhada ao setor responsável, se for sobre
a enfermaria, será encaminhada ao setor de enfermagem e assim por diante.
Conforme informação da técnica responsável pela ouvidoria, atualmente,
são realizados uma média de 35 atendimentos mensais, permanecendo com maior
demanda as reclamações por mau atendimento e a maioria provém do setor de
emergência chegando a ser três vezes maior que a demanda de todo o complexo
hospitalar. Diante dessa informação cheguei à conclusão que entrevistar 10 usuários
seria suficiente para colher dados para esta pesquisa
4
Reclamação: corresponde à Comunicação verbal ou escrita que relata a insatisfação em relação às
ações e serviços de saúde. Solicitação: comunicação verbal ou escrita que, embora também possa
indicar insatisfação, necessariamente contém um requerimento de atendimento ou acesso às ações e
serviços de saúde. Sugestão: comunicação verbal ou escrita que propõe ação considerada útil à
melhoria do SUS. Informação: comunicação, orientação ou ensinamento relacionado à saúde.
Elogio: comunicação verbal ou escrita que demonstra satisfação ou agradecimento por serviço
prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Denúncia: comunicação verbal ou escrita que indica
irregularidade na administração ou no atendimento por entidade pública ou privada de saúde.
(BRASIL, 2010, p. 26).
34
Por orientação do Ministério da Saúde, a ouvidoria faz parte do núcleo
que está implementando a política de humanização no Hospital e, segundo a técnica
da ouvidoria, a política existe há dez anos, no entanto, nem 10% das unidades de
saúde no país tem a política consolidada.
A Ouvidoria encontra algumas dificuldades para desempenhar o seu
trabalho com 100% de aproveitamento, dentre elas: o retorno das áreas técnicas
com relação às manifestações encaminhadas para análise e resoluções, a
rotatividade de funcionários e a falta de equipamento permanente, como
computadores, impressoras etc.
Para o próximo capítulo, será feito um relato sobre a história da ouvidoria
desde o início na Suécia, quando foi criada sob a representação do ombusdmam,
bem como, a abordagem dos elementos essenciais para o bom funcionamento de
uma ouvidoria, que são a participação e o controle social, a democracia e cidadania.
35
CAPÍTULO 2 – OUVIDORIA, INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE
SOCIAL, EXERCÍCIO DE DEMOCRACIA E CIDADANIA.
2.1. HISTÓRICO: DO INSTITUTO OMBUSDSMAN À OUVIDORIA NO BRASIL.
Conforme Fortes (2008), a história da ouvidoria não é recente. Registros
históricos da ouvidoria pública têm sua origem no final do século XVIII e início do
século XIX. Com data de 26 de outubro de 1713, na Suécia, quando por ausência do
rei Carlos XII, que passou doze anos ausente do país, criou a figura do supremo
representante do rei, o ombusdmam; de acordo com Vismona (2001) esta palavra é
de origem nórdica e resulta da junção da palavra ombud que significa
“representante, procurador” e man “homem” sem variação de número ou gênero, ou
seja, é mesma denominação para ouvidores homens e mulheres.
De acordo com Lyra (2012) o ombudsman tinha a função de fiscalizar a
execução das leis emanadas pelo rei, por parte dos funcionários públicos. Com o
fortalecimento do parlamento, o papel do ombudsman sofre alteração, de agente do
rei foi transmutado para mandatário do parlamento com a função de controlar, em
nome próprio, a administração e a justiça.
Em 1807, a Suécia sofre derrota em guerra contra a Rússia e perde parte
de seu território, promulgando assim, em 1809 uma nova Constituição. Essa nova
Constituição limitou o poder real definindo novas prerrogativas para o parlamento,
alterando a função do ombudsman, designando, conforme Falcão (2010) com a
missão de agir como interlocutor entre a população e o Governo, fortalecendo o
direito dos cidadãos frente ao poder do Estado. (FALCÃO, 2010, p. 32)
Segundo Fortes (2008) no decorrer do século XX diversos países
instituíram a figura do ombudsman com funções similares, a Finlândia em 1919,
atualmente atuam como defensores públicos para cada área. A Constituição
Dinamarquesa de 1953 cria a função para assuntos militares e outro para civis, Em
1922 o parlamento da Noruega aprovou o Comitê dos ombudsman para atuar nas
forças armadas e, também, assuntos civis.
Ainda conforme o autor, em 1957 foi a vez da Alemanha adotar o sistema
de ombudsman com a competência de defender o usuário mediante a prestação de
serviços públicos. A Inglaterra, em 1962, cria figura do Parliamentary Commissioner
36
Act com competência para atender as queixas dos cidadãos por meio dos deputados
do parlamento. Segundo Vismona (2001), este apresenta um caráter diferencial visto
que é nomeado diretamente pela rainha exercendo um mandato indeterminado.
A França inaugura seu instituto no início dos anos 70 como alternativa
jurídica aos abusos do poder administrativo, instituindo, somente em 1973, o
Médiauter, ao qual o acesso só é possível através de um membro do parlamento.
Em Portugal, a instituição do ombudsman ocorreu com a Constituição de 1974 sob a
denominação de Provedor da Justiça. Segundo Fortes (2008) o Provedor possui
uma característica peculiar que o difere dos demais. Além das atribuições típicas do
instituto, tem uma atribuição pedagógica, que é a de divulgar aos cidadãos
portugueses o sentido e alcance dos direitos e liberdades fundamentais. (FORTES,
2008, p. 35 e 36)
Na Itália, foi criado em 1974, com o nome de Defensore Cívico, e, na
Espanha, no ano de 1978 com a denominação de Defensor del Pueblo com maior
compromisso em garantir a defesa dos direitos humanos. Conforme Vismona (2001)
a atuação do Ombudsman nos países europeus tem um forte caráter institucional,
voltado para as demandas mais complexas que envolvem toda a cidadania.
(VISMONA, 2001, p. 12)
De acordo com Lyra (2012), na América Latina o instituto surgiu
tardiamente a partir das ultimas décadas do século XX. Registrando-se a
implantação em Porto Rico no ano de 1977, Guatemala em 1985, México em 1990,
El Salvador e na Colômbia em 1991, na Costa Rica, Paraguai e Honduras em 1992,
Peru e Argentina em 1993, Bolívia em 1994, Nicarágua em 1995, Venezuela em
1997 e Equador 1998. (LYRA, 2012, p. 84)
A história da Ouvidoria no Brasil remonta aos tempos do Brasil Colônia. O
Ouvidor Geral não representava o cidadão, de acordo com Vismona (2001) ele tinha
por função aplicar a lei da metrópole e atender ao titular do poder, ou seja, o rei,
reportando o que ocorria na Colônia, exercendo assim uma função inversa da
atualidade.
Após o período colonial, a ouvidoria somente surgiu no Brasil na década
de 1990 do século XX, conforme Vismona (2001), já nas configurações atuais,
37
baseadas nos direitos e garantias dos cidadãos. Teve seu início na empresa privada
Rhodia em 1985, e, com o processo de redemocratização do país, surgem alguns
movimentos reivindicando a participação social no poder público.
O Brasil, saindo de uma crise política e em meio a um cenário
socioeconômico conturbado, cria o primeiro cargo de ouvidor geral público do país.
O referido ato ocorre através do Decreto nº 92.700, de maio de 1986, que instituiu o
cargo de ouvidor geral da Previdência Social, já com a atual ideia de ouvir queixas e
denúncias dos cidadãos, zelando pelos serviços prestados pela administração
pública.
O processo de redemocratização chega ao seu ápice com a promulgação
da Constituição Federal de 1988, que instituiu um novo modelo democrático, tendo
entre seus fundamentos, conforme Artigo 1º, incisos II, III e V, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Bem como, de acordo com o
Artigo 3º, incisos I e IV, possui os objetivos de construir uma sociedade livre justa e
solidária, e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor
idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, Constituição Federal de
1988, 2011, p. 13).
Mediante isso, foi instituída a primeira ouvidoria pública no Estado do
Paraná, na cidade de Curitiba, no ano de 1991, que conforme Véras (2005), tinha os
objetivos de inserir as demandas dos usuários no seio da administração pública,
sanear a administração pública através da fiscalização popular e oferecer aos
cidadãos um meio institucional complementar de proteção de seus direitos. (VERAS,
2005, p. 41)
No Estado do Ceará foi criada em 1991 a Ouvidoria em Saúde Pública,
através do Decreto nº 21.661, com o objetivo de assegurar a participação do cidadão
na gestão dos serviços de saúde e melhorar a qualidade dos serviços prestados,
bem como fortalecer o canal de comunicação do usuário com a administração.
Atualmente a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA) coordena
uma rede de Ouvidorias que fazem parte da rede de Ouvidorias do Poder Executivo
Estadual vinculada, à Secretaria da controladoria e Ouvidoria Geral do Estado
(CGE). De acordo com o Relatório da Ouvidoria Geral da SESA do ano de 2012:
38
A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará - Sesa tem investido no
processo de ampliação dos espaços de escuta dos seus usuários,
fortalecendo as ouvidorias que são mecanismos de comunicação e
mediação entre a instituição e os cidadãos. Por meio de sua Ouvidoria
Geral, tem trabalhado no sentido consolidar as ouvidorias da Sesa como
ferramentas estratégicas de promoção da cidadania, incentivando a
participação popular e a inclusão dos cearenses no controle social do
5
sistema público de saúde. (RELATÓRIO DE GESTÃO – SESA, 2012, p. 4).
Devido o recorte de espaço de desenvolvimento dessa pesquisa,
focalizarei na descrição do Município de Maracanaú, tendo em vista a Ouvidoria do
SUS atuar ativamente no município, seja na Secretaria Municipal de Saúde, que
abrange todas as instituições prestadoras de serviços de saúde públicas e/ou
terceirizadas que prestam serviços à Prefeitura, bem como, no Hospital Municipal,
que é onde encontra-se o núcleo de ouvidoria que é o meu objeto de pesquisa.
O município de Maracanaú faz parte da região metropolitana de
Fortaleza, localizado ao sul da capital cearense. Foi emancipado do município de
Maranguape em 04 de julho de 1983. Atualmente, possui 209.748 habitantes 6. É o
maior pólo industrial do Ceará, e, conforme Martiniano (2010) o município teve um
crescimento acelerado, pois cresceu 10 vezes em 20 anos – 1970 a 1990. Ainda
conforme a autora, esse crescimento sem planejamento adequado, ocasionou e
ocasiona numerosos e complexos problemas, destacando-se o aumento do déficit
de serviços públicos, o agravamento dos problemas sociais, dentre outros.
De acordo com o Relatório de Gestão da Ouvidoria da Secretaria
Municipal de Saúde de Maracanaú referente ao mês de agosto de 2011, a Ouvidoria
do SUS no Município foi criada em 2003, através da Lei nº 761 de 19 de janeiro de
2001, que criou o cargo de Ouvidor Geral na Secretaria de Saúde do Município. De
acordo com a referida Lei, o serviço da ouvidoria deveria atuar em nível de
departamento, no entanto, houve uma demora para a implantação do órgão, vindo a
funcionar somente dois anos depois, sendo desativada no ano seguinte, voltando a
funcionar novamente no ano de 2006.
Compõe a estrutura da Secretaria Municipal da Saúde e tem como
missão, segundo o Relatório de Gestão Agosto/2011, assegurar um permanente
5
O Relatório de Gestão é um documento elaborado pela Ouvidoria com dados estatísticos e as
conclusões sobre os atendimentos realizados pelo órgão. Pode ser mensal e anual.
6
Informação retirada do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
39
diálogo com a população usuária do SUS, visando a constante melhoria das ações e
o exercício pleno da cidadania através de suas manifestações. (RELATÓRIO DE
GESTÃO, 2011, p. 3).
A Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda (HMJEH) foi
criada no ano de 2006, pela Lei Municipal nº 1.108/06, funciona nas dependências
do Hospital e tem como atribuições, encaminhar as manifestações apresentadas
pelos usuários aos setores correspondentes, bem como, acompanhar o andamento
para soluções e cobrar providência quanto à resolução das mesmas, dando retorno
aos usuários sobre as providências tomadas quanto às demandas apresentadas e
fornecer informações gerais aos cidadãos sobre a estrutura, atendimento e
funcionamento do Hospital.
Aqui encerra-se o discurso sobre o histórico da ouvidoria e damos início
aos elementos fundamentais para o bom funcionamento das ouvidorias em saúde.
Começando pelo principio da participação social, elemento sem o qual, uma
ouvidoria fica impossibilitada de funcionar, seguido de uma breve explanação sobre
o controle social. O capítulo é encerrado falando sobre democracia e cidadania,
elementos que guiam o cidadão para o ato de participar da coisa pública.
2.2. PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
A participação da comunidade está prevista no artigo 198, inciso III da
Constituição Federal de 1988, e entre os princípios e diretrizes da Lei nº 8.142/90,
que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de
Saúde (SUS), atendendo as exigências da Lei nº 8.080/90 conforme prevê o Artigo
7º, inciso VIII desta lei. Conforme Véras (2005),
A constituição e a implantação do SUS asseguram ao cidadão, usuário do
sistema, participar da gestão dos serviços de saúde. O indivíduo passa a
ser um sujeito ativo, com responsabilidade na transformação da sociedade
em que vive. O sujeito dentro do seu contexto social passa a perceber-se
como ator de um movimento social atuando num palco real. (VÉRAS, 2005,
p. 29)
Em um país democrático, a participação social se torna algo fundamental
porque de acordo com o artigo 196 da Constituição Federal de 1988, “[...] a saúde é
um direito de todos e dever do Estado”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2011 p. 131)
Tornando-se assim, obrigação de cada cidadão, enquanto usuário, consumidor e
40
financiador dos serviços de saúde – diante da realidade que o SUS é mantido por
meios dos impostos pagos por todos os cidadãos brasileiros – fiscalizar as ações do
Estado em relação aos serviços de saúde.
A participação popular está relacionada à democratização da saúde e ao
acesso igualitário aos serviços de saúde, objetivando melhorias sociais e qualidade
de vida através de lutas e conquistas populares. O Movimento pela Reforma
Sanitária abriu caminho para a implantação do atual Sistema de Saúde do país,
trazendo em seu gene a ideia da participação popular e do controle social.
Conforme Bravo (2012), a necessidade da participação social foi apresentada pelo
Movimento da Reforma Sanitária, no conjunto das lutas contra a privatização da
medicina previdenciária e à regulação da saúde pelo mercado. (BRAVO, 2012, p.
128)
No processo de redemocratização pós-ditadura, mediante a necessidade
da população por uma sociedade mais ativa e organizada, novos espaços públicos
foram sendo criados. Emergindo nesse contexto a participação social como um
referencial de ruptura com a dominação de um Estado autoritário. Causando
transformações na dinâmica da sociedade, propiciando uma consciência popular
mais ampla sobre os serviços públicos e os direitos civis e sociais.
O processo de redemocratização fez emergir os movimentos sociais e
como consequência a conquista da prática participava do cidadão nas ações do
governo. As Leis 8.080/90 e 8.142/90 concederam aos atores envolvidos nos
seguimentos básicos da área da saúde participarem da proposição, definição e
avaliação de saúde para a consolidação do SUS. Conforme Sousa (2001),
Do ponto de vista formal a operacionalização de tal conquista dá-se,
especialmente, através das conferências e conselhos de saúde,
caracterizados como instância colegiada de gestão e vinculados aos níveis
municipal, estadual e nacional. (SOUSA, 2001, p. 69)
De acordo com Vásquez et al (2005) a participação comunitária aparece
como questão central nas políticas de saúde desde os anos 1970 e no Brasil essa
participação é um dos eixos principais na estruturação do SUS. A Ouvidoria em
Saúde apresenta-se com um dos mecanismos de participação social, visto que, têm
como finalidade receber reclamações, denúncias sobre violação de direitos
41
relacionados à saúde, bem como atos de improbidade cometidos pela administração
apurando a veracidade dos fatos e tomando as medidas cabíveis.
Cavalcanti et al (2012) define a participação como capacidade dos
indivíduos influenciarem ou intervirem nas decisões políticas referentes à sociedade
em que vivem. Que é algo positivo, pois, trata-se de um processo de inclusão do
sujeito com aptidão para agregar excluídos e propagar uma visão integral da saúde
irradiando seu reconhecimento como um direito universal. Como não se pode
restringir a participação popular a uma única definição, Valla (1998) a percebe da
seguinte maneira:
[...] múltiplas ações que diferentes forças sindicais desenvolvem para
influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas
públicas e/ou serviços básicos na área social (saúde, educação, habitação,
transporte, saneamento básico etc.). (VALLA, 1998, p. 9)
Vieira (2013) destaca que a discussão sobre saúde ultrapassa as
instituições legitimamente associadas à área como o Conselho de Saúde. É um
assunto que abrange toda a sociedade, pois as instituições públicas de saúde são
destinadas a todos os cidadãos brasileiros. No entanto, em um sistema capitalista, a
privatização da saúde é facilitada e favorecida para que o capital seja reproduzido
constantemente, causando as desigualdades e a exclusão dos sujeitos.
Segundo Vieira (2013) no atual contexto em que vivemos, de uma
sociedade capitalista mediante a expansão da pobreza e das desigualdades sociais,
percebe-se
a
desconstrução
de
direitos
historicamente
conquistados
e
estabelecidos. Este fato favorece a mobilização da sociedade em participar de
maneira mais efetiva na execução das políticas públicas diante do fato de
vivenciarmos uma realidade onde o direito dos cidadãos encontra-se violados.
Para chegarmos à concretização de uma realidade de igualdade de
direitos e de justiça social, faz-se necessário surgirem mudanças nas condições de
vida, educação e saúde da população, e, atualmente, a melhor forma para se
alcançar este objetivo é por meio da participação popular e do controle social dos
cidadãos sobre as politicas sociais. De acordo com Viera (2013), a construção de
mudanças no paradigma e nas condições de saúde da população só é possível
contando com a sua participação na orientação das políticas públicas. (VIEIRA et al,
2013, p. 592).
42
Jacobi (2002) diz que a participação social se enquadra no processo de
redefinição entre o público e o privado, dentro da perspectiva de redistribuir o poder
em favor dos sujeitos sociais que geralmente não tem acesso. A participação social
pode transmitir ao cidadão que ele também participa da construção e execução das
políticas públicas, causando uma impressão de proximidade com a administração
pública.
Um dos grandes desafios é conscientizar o cidadão de seus direitos e
fazê-lo romper com a troca de favores e o clientelismo, fazê-lo perceber que as
políticas de saúde, assim como outras políticas, são construídas por ele e para ele.
Neste contexto, podemos demonstrar a importância da Ouvidoria enquanto
instrumento democrático de controle social que propicia a participação social na
administração pública.
A temática do controle social se destaca nos anos 1980, quando ainda no
processo de redemocratização, os movimentos populares ganham visibilidade
política reconhecida pelo Estado. A área da saúde foi pioneira nesse processo
devido ao movimento pela Reforma Sanitária que teve seu início nos anos 1970 e
culminou com a realização da VIII Conferência Nacional da Saúde em 1986.
A VIII Conferência Nacional da Saúde tornou-se um fato histórico, pois,
conforme Assis (2006), seu relatório final constituiu-se no Projeto de Reforma
Sanitária, tendo como um dos eixos a participação dos setores organizados da
sociedade civil, na perspectiva do controle social. (ASSIS, 2006, p. 13).
A participação popular como forma de controle social, atua por meio de
seus representantes – neste caso os membros do conselho de saúde – com o poder
de definir, fiscalizar e acompanhar a execução das políticas de saúde. Conforme
Bravo (2012),
A participação social no SUS foi concebida na perspectiva do controle
social, visando aos setores da sociedade participarem das políticas de
saúde, desde as suas formulações – planos, programas e projetos –,
acompanhamentos de suas execuções, até a definição da alocação de
recursos para que estas atendam aos interesses da coletividade BRAVO,
CORREIA, 2012, p. 131)
Coutinho (2006) diz que foi no contexto das lutas sociais contra a ditadura
e pela redemocratização do país que a expressão controle social foi designada
43
como controle da sociedade civil sobre o Estado. (COUTINHO apud BRAVO, 2012,
p. 129-130). Silva et al (2006) reitera,
[...] a expressão controle social é utilizada na sociologia para designar os
mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade,
submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios
morais. (SILVA, 2006, p. 9-10).
Ao sistema capitalista interessa a reprodução da força de trabalho de
forma exploradora, desse ponto de vista, a ideia do controle do Estado sobre a
sociedade ocorre se for pensado que o Estado se preocupa em atender aos
interesses da classe dominante, implementando as políticas sociais com o intuito de
amenizar os conflitos entre as classes. De acordo com Silva (2006), a economia
capitalista necessita de formas de Controle Social que garantam a aceitação da
ordem do capital pelos membros da sociedade. (SILVA, 2006, p. 11).
Atualmente, mediante a participação efetiva dos usuários por meio dos
conselhos e conferências de saúde, a ideia que ressalta é a de que a sociedade
exerce um controle sobre as ações do Estado por estabelecer práticas de vigilância
sobre o mesmo acompanhando e participando ativamente das ações do governo.
Como ocorre nas conferências, onde os membros dos conselhos colocam
propostas, visando melhorar a qualidade de vida de maneira coletiva. Bravo (2006)
assim se expressa,
Os conselhos foram concebidos como um dos mecanismos de
democratização do poder na perspectiva de estabelecer novas bases de
relação Estado-sociedade por meio da introdução de novos sujeitos
políticos. Nesse contexto, podem ser visualizados como inovações na
gestão das políticas sociais, procurando assegurar que o Estado atue em
função da sociedade, no fortalecimento da esfera pública. (BRAVO, 2006, p.
84)
Segundo Bravo (2012) na proposta de contrarreforma do Estado
brasileiro, o Banco Mundial (BM) prevê o fim do modelo paternalista e centralizado
para colocar a sociedade civil como protagonista, convocando-a a ser parceira do
Estado, objetivando contribuir financeiramente com os custos dos serviços
prestados, ou seja, a proposta é desresponsabilizar o Estado de suas
responsabilidades com a proteção social.
Descentralizando a responsabilidade para a sociedade, esta passa a ser,
segundo Bravo (2006), corresponsável pelos serviços e pela gestão pública por meio
da „participação da comunidade‟. O Estado em parceria com a sociedade civil divide
44
os custos financeiros repassando a responsabilidade de alguns serviços para
Organizações Não Governamentais (ONGs), instituições filantrópicas, dentre outros
reduzindo assim seu papel de prestador de serviços sociais.
De acordo com Mota et al (2009), na perspectiva de Gramsci, o controle
social é contraditório, pois, ocorre em um espaço de disputa pelo poder, não é do
estado ou da sociedade civil. Diante dessa contraditoriedade, o controle social pode
acontecer por meio das políticas públicas, tornando-se um importante desafio à
realidade brasileira para a criação de lutas de resistência que combatam a
subserviência do povo brasileiro fortalecendo as ações dos movimentos sociais
organizados no intuito de interferir na gestão pública com o objetivo de direcionar as
ações e gastos do Estado para atender aos interesses da maioria da população.
Ainda segundo a autora, os Conselhos e Conferências de Saúde são os
mecanismos de participação institucionalizados na área da saúde e podem
apresentar-se como mecanismos de cooptação dos movimentos sociais, bem como,
espaços de “ampliação da democracia e de construção de uma nova hegemonia”.
(MOTA et al, 2009, p.125)
Assis (2003) comenta que o controle social, através dos Conselhos, é
entendido como um espaço de representação da sociedade, nesse sentido, consiste
em canais institucionais de participação popular na gestão governamental. Essa
participação é entendida como um processo continuo de democratização e um novo
espaço de cidadania, onde o indivíduo deve ser o centro do processo de avaliação.
No SUS o controle social é representado pelos conselhos e conferências
de saúde conforme prevê a Lei nº 8.142/90 em seu artigo 1º, incisos I e II, por serem
instâncias em que a participação da comunidade é protagonista. Tomando por base
o protagonismo da participação popular, destaca-se a informação como elemento
fundamental para gestão e o controle social do SUS.
Segundo Assis (2003), o usuário deve ter interesse em acompanhar e
exigir uma boa qualidade dos serviços prestados pelo SUS visando a informação
para apontar falhas, buscando aprimorar cada vez mais suas ações. Nesses termos,
o controle social possui uma similaridade com a ouvidoria, visto que, esta atua como
o canal de comunicação, fazendo parte da rede de informações que abrange todos
45
os níveis do sistema e promove a articulação entre o usuário e a gestão
administrativa reforçando o processo da democracia.
De acordo com a Lei nº 8.142/90, em seus parágrafos 1º e 2º, define a
atuação dos conselhos e conferências de saúde que deverá ser da seguinte
maneira:
§ 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a
representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de
saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos
níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou,
extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.
§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo,
órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de
serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído
em cada esfera do governo.
Os Conselhos de Saúde devem representar os cidadãos e defender os
interesses coletivos, sendo de sua competência definir o que deve ser feito, fiscalizar
e avaliar o que foi executado visto que, tem a participação da comunidade definida
por lei, seu papel não pode ser confundido com o do gestor executivo municipal.
Segundo Assis (2003) os Conselhos devem ter como eixos orientadores a
representatividade de seus membros, a visibilidade de suas proposições, a
transparência nas relações e articulação com a sociedade civil almejando garantir o
processo democrático.
Tendo em vista o papel da representatividade dos Conselhos, e, a
ouvidoria como espaço de participação social onde se almeja o exercício da
democracia e da cidadania, busca-se compreender a relação entre o Conselho de
Saúde e a Ouvidoria. Segundo Bravo (2006) os conselhos de saúde são espaços
onde os interesses sociais convergem para o interesse de todos. Dessa forma tornase permanente a luta pela defesa da democracia e pela participação da sociedade
nas políticas públicas e na socialização das informações sobre a política de saúde
em particular.
Na perspectiva da atuação da sociedade civil organizada, objetivando o
controle das políticas públicas para que atendam os interesses e as demandas da
coletividade, o controle social visa à luta pelo fortalecimento do setor público com
46
destaque para o âmbito municipal por ser um espaço no qual os usuários se sentem
mais próximos da administração, e, por ser um espaço de micropolítica, facilita a
identificação das necessidades e a construção de alternativas, bem como, a solução
a ser encontrada na busca de melhorar a qualidade do atendimento para os
trabalhadores em saúde, gestores e usuários do SUS. Para Assis (2003), o controle
social no SUS,
[...] consiste num campo de relações sociais, no qual os sujeitos participam
por meio de distintas articulações, que são processadas no âmbito interno e
externo dos espaços institucionais, na busca da identificação de
necessidades dos trabalhadores de saúde e grupos de comunidade em coresponsabilidade com as instâncias governamentais – Ministério da Saúde,
Secretarias Estaduais e municipais de Saúde. (ASSIS, 2003, p. 377).
A saúde, constitucionalmente, sendo um direito de todos, faz com que o
controle social acabe tornando-se uma questão ética, visto que, o cidadão, na busca
de melhor qualidade nos serviços de saúde tem a responsabilidade de participar da
gestão pública para que as decisões relacionadas à área sejam devidamente
compartilhadas.
Apesar de o controle social apresentar-se como o controle da sociedade
sobre o que é público, atualmente, no contexto de um mundo globalizado, existe
grandes desafios para o exercício do controle social, dentre eles o desmonte das
Políticas Públicas. Cabe ao cidadão utilizar seu poder de participação para influir
sobre as políticas públicas e permanecer na luta por melhor qualidade de vida para
todos, exercendo a democracia e sua cidadania. Conforme Chaui (2011),
[...] na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em
associações, movimentos sociais e populares, classes se organizam em
sindicatos e partidos, criando um contrapoder social, que, direta ou
indiretamente, limita o poder do Estado. (CHAUI, 2011, p. 356).
A Ouvidoria como espaço que promove o exercício da democracia e da
cidadania aproveita as informações visualizadas em seus relatórios utilizando-as na
luta pela construção das políticas sociais. Lyra (2005) diz que as ouvidorias públicas
vêm se transformando em instrumento inovador de gestão e, principalmente, em
ferramenta de controle social e de atendimento aos usuários dos serviços públicos.
(LYRA, 2005, p. 89).
A ouvidoria como órgão onde predomina a participação popular,
possibilita ao usuário da saúde a oportunidade de participar das políticas públicas
47
por se constituir um canal de comunicação democrático. Martiniano (2010) assim se
expressa,
Ouvidoria não é apenas um canal de escuta, é também um instrumento de
gestão e de controle social, na medida em que dá voz ao cidadão comum,
que muitas vezes desconhece seus direitos de cidadania. Um instrumento
de acessibilidade e controle social na gestão pública, pois, incentiva a
participação popular, inclui o cidadão no controle social, promove a
cidadania em saúde, produz informação, fornece subsídio à gestão nas
tomadas de decisão, aponta e identifica a necessidade de ajustes, a partir
das manifestações dos cidadãos usuários. (MARTINIANO, 2010, p.66)
Apesar de não estar prevista expressamente na Constituição Federal de
1988, a ouvidoria corresponde de maneira mais adequada ao princípio da
participação do usuário na administração pública de acordo com o Artigo 37,
parágrafo 3º, incisos I, II e III, conforme expresso a seguir.
§ 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na
administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre
atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo
de cargo, emprego ou função na administração pública. (Constituição
Federal, 1988, p. 42, 43)
Conforme
Lyra
(2012),
juntamente
com
outros
instrumentos
de
participação social, a ouvidoria atua na construção de um país mais inclusivo
quando viabiliza o acesso dos cidadãos à gestão pública procurando equalizar as
relações sociais, ampliando o controle da sociedade sobre as políticas de saúde e a
fiscalização direta da mesma sobre o poder público.
Durante o processo de pesquisa tive muitas conversas com a Técnica da
Ouvidoria do HMJEH, e utilizarei alguns momentos desses diálogos na realização
deste trabalho. Em um dos momentos de conversa ela expressou a seguinte frase:
“a ouvidoria dá voz ao usuário”, ou seja, permite a aproximação do usuário com a
administração num processo de gestão participativa, promovendo assim a inclusão
do sujeito na medida em que busca influir na qualidade da prestação dos serviços
públicos de saúde.
Como espaço de inclusão por meio da participação dos sujeitos, a
ouvidoria também proporciona ao cidadão o exercício da democracia e da cidadania
48
para a construção de uma sociedade participativa. Estes são os elementos a serem
comentados a seguir.
2.3. DEMOCRACIA, CIDADANIA E OUVIDORIA: ALGO EM COMUM?
A política surge com o nascimento das cidades. Segundo Chaui (2011),
na Grécia e na Roma antiga a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao
rei, mas às família independentes. As guerras faziam ampliar o número de escravos
nas duas cidades formando-se uma camada de camponeses pobres que migraram
pra
as
aldeias
onde
se
estabeleceram
como
artesãos
e
comerciantes,
transformando as aldeias em centros urbanos, passando a disputar o poder numa
verdadeira luta de classes com as grandes famílias agrárias.
Ainda conforme a autora, essa luta de classes pedia uma solução e essa
solução foi a política, que transformou as comunidades em verdadeiras cidades. Os
legisladores foram os primeiros chefes políticos e dividiram essas cidades em
territórios, com o intuito de diminuir o poder dos ricos e proporcionar um equilíbrio
social.
Disso decorre que em Atenas, a pólis foi subdividida em unidades
sociopolíticas denominada demos onde todos os cidadãos tinham o direitos de
participar do poder, derivando desta organização o regime democrático. A
participação no poder significava que todos os cidadãos têm o direito de participar
das discussões e deliberações públicas da pólis, votando ou revogando as decisões.
(CHAUI, 2011, p. 356).
Segundo Bobbio (1994), da concepção de democracia antiga aos tempos
modernos, o titular do poder é sempre o povo, que é entendido como o conjunto dos
cidadãos a que cabe em última instância o direito de tomar decisões coletivas, ou
seja, democracia é o governo da maioria, ou, como é mais fortemente conhecida
atualmente, é o governo do povo. “Em outras palavras, a democracia é a sociedade
dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos
alguns direitos fundamentais”. (BOBBIO, 2004, p. 01).
Ainda conforme Bobbio (1994),
[...] por „democracia‟ entende-se uma das várias formas de governo, em
particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de
49
poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo
às formas autocráticas, [...]. (BOBBIO, 1994, p. 7).
De acordo com Moraes (2010), em Atenas o poder era exercido pelo povo
em praça pública e o pressuposto da democracia era a liberdade. Também não
havia eleições, havia uma assembleia composta por membros não eleitos pelo voto,
mas por sorteio; esses membros eram responsáveis pela tomada de decisões
pertinentes aos interesses do povo.
No entanto, apesar do modelo democrático ateniense ser para todos, era
contraditório, visto que, mulheres, menores de dezoito anos, escravos e estrangeiros
não tinham direito de participar dessa democracia por não serem considerados
cidadãos. Neto (1997) explica que a condição de cidadania em Atenas era adquirida
apenas por pessoas do sexo masculino, com mais de dezoito anos e filhas de pai e
mãe ateniense. (NETO, 1997, p. 288).
O
modelo
contemporâneo
da
democracia
se
caracteriza
pela
representatividade, que, segundo Neto (1997) se contrapõe a democracia direta dos
antigos, como sendo esta a única forma de governo popular viável nos Estados
modernos, mediante o fato que no modelo representativo o povo elege seus
representantes para tomar as decisões por ele.
Ainda conforme Neto (1997), a marca da democracia representativa é a
representação política, na qual o representante deve se voltar para atender aos
interesses da nação e não interesses particulares dos representados. Segundo
Bobbio (1994), os representantes eleitos pelos cidadãos estariam em condições de
avaliar quais seriam os interesses gerais melhor do que os próprios cidadãos que se
voltavam para a contemplação de seus próprios interesses.
No Dicionário Aurélio, consta a seguinte definição para democracia: [...]
Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da
distribuição equitativa do poder [...]. (NOVO AURÉLIO SÉCULO XXI, 1999, p. 620).
A democracia moderna está voltada para o ideário da soberania popular, e, segundo
Bobbio (1994), o único modo de tornar possível seu exercício, é atribuir ao maior
número de cidadãos o direito de participar de forma direta ou indireta da tomada de
decisões políticas coletivas.
50
Chaui (2011) diz que a democracia moderna foi instituída na luta contra o
Antigo Regime (Regime Feudal) e, em relação ao atual regime democrático,
favoreceu a ampliação da participação do cidadão, ainda que de forma
representativa. As lutas populares possibilitaram a ampliação de alguns direitos,
dentre eles, os direitos civis e o direito de fiscalizar as ações do Estado.
A democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao
tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação
de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade
democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja,
não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se
pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis.
(CHAUI, 2011, p. 357).
Contemporizando a democracia, a compreensão do debate sobre a
mesma no Brasil deve levar em conta a sua historicidade e o tipo de sistema
econômico vigente no país. No período da ditadura militar (1964-1978), houve total
negação de direitos e privação de liberdade, causando um retrocesso no
desenvolvimento do país. Somente com a promulgação da Constituição Federal de
1988 é que o Brasil tornou-se definitivamente um país democrático tendo a
participação popular como um de seus princípios.
Fonseca (2007) assim se expressa,
[...] o avanço da democracia deu-se em várias frentes, num movimento que
procurou suplantar o passado escravista, elitista e autoritário de formação
social brasileira. Novos direitos civis, políticos e sociais foram sendo
incorporados à Constituição. Especificamente quanto ao sistema político,
em que a participação política é central [...]. (FONSECA, 2007, p. 247,248).
Contudo, Chauí (2011), nos remete a ideia de que até os dias atuais, o
Brasil enfrenta dificuldades. Por tratar-se de um sistema capitalista, há grandes
obstáculos à democracia devido a exploração de uma classe pela outra, o que gera
um conflito de interesse entre os cidadãos, mesmo que nossa Carta Magna pregue
que todos devem ser livres e iguais. Em um sistema de classes sociais antagônicas
sempre haverá lutas, principalmente por parte da classe menos favorecida.
Chaui (2011) apresenta como dificuldades para o exercício da democracia
no Brasil o autoritarismo social. Segundo ela, nossa sociedade é autoritária porque é
hierárquica, pois divide os cidadãos em superiores e inferiores; e também porque é
violenta, porque nela vigoram o racismo, o machismo, a discriminação religiosa, de
51
classe social e vários outros tipos de exclusões culturais e política contradizendo
assim o direito da liberdade que é primordial em uma democracia.
Ainda conforme a autora, há também o clientelismo e o paternalismo, que
estão historicamente enraizados na cultura do povo brasileiro dificultando a
participação política por meio de representantes, pois os mesmo submetem os
representados a questão de favores, descaracterizando a condição de cidadãos livre
e participativo das ações do Estado.
Corrêa (2002) diz que quanto à sua origem histórica, a noção moderna de
cidadania nasce vinculada a questão do direito. Por esta razão a atuação do sujeito
sobre as ações do Estado, fiscalizando, propondo, avaliando os serviços prestados
dentre outros, apresenta-se como um exercício prático da cidadania, pois, ainda de
acordo com o referido autor, cidadania tem a ver fundamentalmente com a
participação na comunidade política, na qual o cidadão é inserido pelo vínculo
jurídico.
Conforme Vieira (2005), a acepção moderna da origem da cidadania está
diretamente
vinculada
a
noção
de
direitos
humanos,
desmembrados
sequencialmente em direitos civis e políticos, que foram conquistados no XVIII e
correspondem aos direitos de liberdade, igualdade, direito de propriedade, de ir e
vir, direito a vida, a segurança e etc., direitos sociais, fruto de conquista do século
XX que são os direitos relacionados ao trabalho, saúde, educação, seguridade social
e todos os demais que garantam acesso ao bem-estar social e a conquista mais
recente são os direitos de terceira geração que tem como titular a coletividade e não
um único indivíduo; dentre eles consta, o direito à autodeterminação dos povos, ao
desenvolvimento, a paz, ao meio ambiente etc.
Para Corrêa (2002), a cidadania significa a realização democrática de
uma sociedade compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o
acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna. Ou seja, a cidadania
implica a participação do sujeito nas deliberações sobre o que está posto no espaço
público e é de interesse de todos.
Conforme Vieira (2005), a construção de uma cidadania plena exige um
sábio equilíbrio entre o espaço público e o privado, mas para isso é preciso o
52
elemento do sentimento de comunidade, de uma identidade coletiva que estimule o
sujeito a exercer a cidadania como um instrumento para equilibrar as desigualdades
sociais.
Tonet (2005) diz que os indivíduos são essencialmente regidos pelo
interesse pessoal, o que faz com que as desigualdades sociais sejam uma
consequência inevitável do processo social. Reitera que ao Estado cabe o papel de
mediar essas desigualdades para que elas não se ampliem ao ponto de afetar o
direito de todos impedindo o acesso a um mínimo razoável de riqueza social.
Vieira (2005) diz que ser cidadão é ser membro pleno de direitos e
também ter acesso à decisões políticas, ou seja, ele deve ter o poder de participar
como um homem político. Tem o direito de não apenas eleger seus representantes,
mas participar ativamente das ações do Estado inerentes ao direito de todos.
Para Tonet (2005) ser cidadão é, pois, ser membro de uma comunidade
jurídica e politicamente organizada, que tem como fiador o Estado, no interior da
qual o indivíduo passa a ter determinados direitos e deveres. Assim, a participação,
prevista em lei, apresenta-se como elemento essencial para o exercício da
cidadania.
Ainda conforme o autor, embora a cidadania moderna tenha suas origens
no interior da sociedade capitalista, ela não é uma categoria que se esgote nesta
forma de sociabilidade, ela é fruto de muitas lutas da classe trabalhadora contra a
exploração burguesa. Conforme Vieira (2005),
A cidadania, definida pelos princípios da democracia, constitui-se na criação
de espaços sociais de luta (movimentos sociais) e na definição de
instituições permanentes para a expressão política (partidos, órgãos
públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e
política. (VIEIRA, 2005, p. 40).
Na área da saúde o exercício da cidadania se dá através da participação
do usuário nas decisões do governo, na gestão pública e no controle da
Administração Pública. A ouvidoria atua como um órgão para fortalecer essa prática
cidadã atuando como mediadora entre o usuário e administração, possibilitando ao
cidadão um contato mais próximo com as ações do governo relacionadas à saúde.
53
A Ouvidoria preza pela dignidade da pessoa humana buscando defender
os direitos fundamentais do cidadão, valorizando os direitos humanos e a inclusão
social. Conforme Lyra (2012)
[...] as ouvidorias públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da
inclusão, tendo em vista que a sua atuação busca a um só tempo influir na
qualidade da prestação dos serviços públicos e equalizar as relações entre
cidadãos e administração pública. (LYRA, 2012, p. 89).
O que há em comum entre Democracia, Cidadania e Ouvidoria é a
participação social. Lyra (2012) remete a ideia de que a ouvidoria é um espaço
democrático para garantir que direitos assegurados sejam exercidos e se apresenta
como um autêntico instrumento da democracia participativa na medida em que
conduz o cidadão para o espaço da administração pública.
Conforme Corrêa (2002), cidadania tem a ver fundamentalmente com a
participação do cidadão na comunidade política, na qual o mesmo é inserido pelo
vínculo jurídico. No que se refere a ouvidoria, o sujeito, mesmo sem ter
conhecimento de seus direitos, exerce sua cidadania ao procurar uma ouvidoria e se
pronunciar. Através dela ganha voz ativa quando suas queixas (reclamações,
solicitações, denúncias etc.) são ouvidas, contribuindo para o aprimoramento dos
serviços prestados pelas instituições.
Para concluir, utilizarei as palavras que constam no Relatório de Gestão
da Ouvidoria da Secretária Municipal de Saúde do Município de Maracanaú relativo
ao mês de agosto de 2011,
De acordo com a concepção da Ouvidoria Geral do SUS, as Ouvidorias são
espaços de cidadania, pois consolidam a saúde como direito, fortalecem o
controle social e se transformam em instrumento de gestão e de visibilidade
do Estado, potencializando o exercício pleno da democracia participativa.
(RELATÓRIO DE GESTÃO..., 2011, p. 15).
O texto acima abrange os quatro itens comentados anteriormente numa
brevíssima definição, das muitas que se pode ter, do que é uma ouvidoria. Diante do
exposto, pode-se afirmar que a Ouvidoria atua como instrumento para fortalecer o
regime democrático do país e possibilita ao usuário do sistema de saúde exercer
sua cidadania como sujeito de direitos.
O usuário do sistema de saúde pública é o tema central a ser debatido no
capítulo seguinte. Os usuários enquanto cidadão de direitos são os atores centrais
54
para o desenvolvimento do trabalho de uma Ouvidoria e, a mola propulsora desta
pesquisa científica. A seguir, analisaremos atenciosamente suas falas e percepções.
55
CAPÍTULO 3 – OS USUÁRIOS DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR.
JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA E SUAS PERCEPÇÕES.
3.1. SUJEITOS DA PESQUISA: O PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS USUÁRIOS
DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA.
Para traçar o perfil socioeconômico desta pesquisa tomaremos por base a
análise documental do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
Levaremos em conta os dados referentes à classificação das manifestações: quanto
ao meio de acesso, ao gênero e a faixa etária.
Quanto à classificação, as manifestações podem ser identificadas como:
DENÚNCIA: Comunicação verbal ou escrita que indica irregularidade na
administração ou no atendimento por entidade pública ou privada de saúde.
ELOGIO: Comunicação verbal ou escrita que demonstra satisfação ou
agradecimento por serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
INFORMAÇÃO: Comunicação, orientação ou ensinamento relacionado à
saúde.
RECLAMAÇÃO: Comunicação verbal ou escrita que relata a insatisfação
em relação às ações e serviços de saúde, sem conteúdo de requerimento.
SOLICITAÇÃO: Comunicação verbal ou escrita que, embora também possa
indicar insatisfação, necessariamente contém um requerimento de
atendimento ou acesso às ações e serviços de saúde.
SUGESTÃO: Comunicação verbal ou escrita que propõe ação considerada
útil à melhoria do SUS. (BRASIL, 2010, p. 26).
Como estagiária da Ouvidoria da Secretaria de Saúde do Município de
Maracanaú, aprendi que a identificação da classificação da manifestação (Don
melhorar esta frase) está na fala do usuário. É através da escuta apurada que se
percebe o que o usuário realmente está querendo, pois, geralmente, este chega à
ouvidoria nervoso e certo de que está reclamando, denunciando, e, através da
escuta percebe-se, por exemplo, que ele está solicitando atendimento ou melhorias
para o serviço de saúde.
Conforme Brasil (2014),
a Ouvidoria transforma as manifestações que recolhe dos usuários em
informações e elabora relatórios que sugerem melhoria e subsidiam os
gestores na tomada de decisões, além de auxiliar o controle social,
possibilitando uma articulação entre os cidadãos e demais atores envolvidos
com a saúde pública, podendo ainda contribuir com a gestão do sistema e
56
na formulação e no aprimoramento das políticas públicas de saúde.
(BRASIL, 2014, p. 55).
Reportando-nos aos dados quantitativos referentes ao ano de 2013, a
ouvidoria realizou 477 atendimentos, identificando a maior demanda como
reclamações e, segundo a Técnica da ouvidoria, as maiorias das reclamações foram
por mau atendimento. Como a ouvidoria contém dois núcleos, a exposições dos
dados será feita de maneira desmembrada para que se perceba a diferença da
quantidade de atendimentos realizados pelo núcleo localizado no setor de
urgência/emergência (SPA/SPI) do HMJEH e, pelo Hospital da Mulher e da Criança
(HMC).
GRÁFICO 1 – DEMONSTRATIVO DAS MANIFESTAÇÕES QUANTO À
CLASSIFICAÇÃO
DENÚNCIA
SUGESTÃO
INFORMAÇÃO
TOTAL
HMC
ELOGIO
HMJEH
RECLAMAÇÃO
SOLICITAÇÃO
0
50
100
150
200
250
300
FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
Conforme o gráfico acima, os números estão expressos da seguinte
forma: inicialmente falando sobre o HMJEH foram, 199 reclamações, 66 elogios, 47
solicitações, 09 denúncias, 08 sugestões e 07 informações. Já no HMC foram 77
reclamações, 41 elogios, apenas 04 solicitações, 18 sugestões, 01 informação e
nenhuma
denúncia.
Pode-se
observar
que
há
uma
predominância
das
manifestações por Reclamação.
Conforme Falcão (2010) isso pode indicar à administração do hospital a
necessidade de verificar onde se encontram os pontos fracos da gestão a partir da
57
percepção do usuário. Observa-se como destaque o elevado índice de elogios, que
desmistifica o senso comum que a ouvidoria é um local para reclamações e supõe a
ideia de que o usuário também sabe reconhecer quando o trabalho ou serviço é
realizado de maneira adequada.
Quanto à forma de acesso utilizado para fazer a manifestação a ouvidoria
disponibiliza o meio presencial, telefone e outros, que engloba as caixas de
sugestão, email etc. Foram realizados um total de 424 atendimentos pelo meio
presencial, 08 pelo telefone e 45 através dos outros meios. A maior demanda de
atendimento
presencial
ocorreu
no
núcleo
que
está
no
setor
de
urgência/emergência, por este encontrar-se estrategicamente localizado no setor,
somando um total de 291 atendimentos, conforme demonstrado no gráfico abaixo:
GRÁFICO 2 – DEMONSTRATIVO QUANTO AO MEIO DE ACESSO
424
450
400
350
300
291
250
200
150
133
100
45
37
50
4
0
8
8
0
PRESENCIAL
TELEFONE
HMJEH
HMC
OUTROS
TOTAL
FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
Um demonstrativo que chama a atenção é com relação ao gênero das
pessoas que fazem a manifestação. Para a classificação utiliza-se as opções
feminino, masculino e não informado. A tipificação, não informado, ocorre
majoritariamente quando a manifestação é feita por outros meios de acesso que não
o presencial ou telefone, pois, por estes meios a funcionária da ouvidoria tem como
identificar se trata-se de homem ou mulher. Um exemplo da impossibilidade de
identificação são as Caixas de Sugestão, se o usuário não marcar o sexo, não há
possibilidade de identificação.
58
GRÁFICO 3 – DEMONSTATIVO QUANTO AO GÊNERO
HMJEH
Feminino
Masculino
HMC
Não informado
Feminino
3%
Masculino
Não informado
6% 2%
31%
66%
92%
FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
De acordo com o gráfico acima, fica explícito a predominância de
mulheres que procuram a ouvidoria. Foram realizados no HMJEH, 222 atendimentos
femininos, 105 masculinos e 09 não informados. No HMC foram 130 femininos, 08
masculinos e 03 não informados. Acredita-se que a grande diferença para os
atendimentos masculinos no HMC se deve ao fato de ser um hospital específico
para mulheres e crianças.
Outro dado extremamente relevante para a estatística de atendimento da
ouvidoria é a faixa etária dos usuários que procuram o órgão. A classificação é feita
da seguinte forma: menores de 18 anos, 19 a 20 anos, 21 a 30 anos, 31 a 40 anos,
41 a 50 anos, 51 a 60 anos, maiores de 60 anos e Não Informado. Abaixo segue
gráfico com o demonstrativo desses atendimentos.
GRÁFICO 4 – DEMONSTRATIVO QUANTO A FAIXA ETÁRIA
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
< 18 anos
19 a 20
anos
21 a 30
anos
31 a 40
anos
41 a 50
anos
51 a 60
anos
> 60 anos
Não
informado
HMJEH
2
6
64
82
66
42
9
68
HMC
6
27
60
23
8
3
1
10
59
FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
De acordo com o gráfico acima, torna-se visível que a maioria dos
usuários procura o núcleo situado no setor de urgência/emergência, no entanto,
destaca-se a demanda no núcleo do HMC compreendida entre as faixas etária de
menores de 18 anos à faixa de 31 a 40 anos, sendo de maior relevância o intervalo
entre 21 a 30 anos, conforme demonstrado na figura abaixo.
GRÁFICO 5 – DEMONSTRATIVO DOS ATENDIMENTOS POR IDADE NO
NÚCLEO DO HMC.
> 60 anos
1%
Não informado
7%
51 a 60
anos 41 a 50 anos
2%
6%
31 a 40 anos
17%
HMC
< 18 anos
4%
19 a 20 anos
20%
21 a 30 anos
43%
FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013).
Estes números me chamaram a atenção para o questionamento do que
decorre a maioria dos atendimentos nesta faixa etária? A princípio, fui pela lógica do
senso comum que poderia ser o período mais propício da fertilidade feminina para a
procriação. No entanto, conforme conversa com a Técnica da Ouvidoria, ela
ressaltou que quem mais se manifesta são as acompanhantes das pacientes
resultando neste índice.
Ainda segundo a Técnica, o acompanhamento das parturientes não se
restringe ao sexo feminino, ela ressaltou que o Programa Rede Cegonha do
Governo Federal7 permite ao pai acompanhar sua esposa ou companheira, no
entanto, eles não se utilizam deste benefício, acredita ela que por uma questão
cultural e machista.
Após essa breve exposição em números e gráficos, analisaremos a seguir
as falas das usuárias entrevistadas e as percepções compreendidas além delas, por
meios dos gestos e expressões transmitidos pelas mesmas no momento da
entrevista.
7
A Rede Cegonha foi instituída através da Portaria n. 1.459 de 24 de junho de 2011.
60
3.2. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
As entrevistas para elaboração desta pesquisa foram coletadas no
complexo hospitalar João Elísio de Holanda. Foram realizadas nove entrevistas com
usuários
do
hospital,
no
núcleo
do
HMC
e
no
núcleo
do
setor
de
urgência/emergência. Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada que permite traçar um perfil com idade, sexo, renda, e o meio de acesso
utilizado para se manifestar. A entrevista semi-estruturada admite a percepção
subjetiva das respostas fornecidas pelo entrevistado, de acordo com o que já foi
exposto no primeiro capítulo desta pesquisa. (HAGUETTE, 2005, p. 64).
As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e maio de 2014
e foram gravadas em áudio mediante prévia autorização das interlocutoras. Para
resguardar o nome dos entrevistados serão utilizados nomes fictícios. Infelizmente
não foi possível entrevistar um usuário do sexo masculino, assim sendo, descrevo
agora o perfil das entrevistadas. Girassol, 19 anos, desempregada; Lírio, 30 anos,
autônoma; Gérbera, 26 anos, assalariada; Copo de Leite, 30 anos autônoma;
Açucena, 32 anos, desempregada; Flor do Campo, 29 anos, assalariada; Rosa, 22
anos, desempregada; Amor Perfeito, 29 anos, assalariada; Orquídea, 52 anos, dona
de casa.
A opção por nome de flores foi por terem sido entrevistadas apenas
mulheres, não havendo nenhuma relação com a personalidade de cada uma delas.
Destaco que poucas entrevistadas se expressaram com mais veemência, assim, as
falas expostas serão concentradas principalmente naquelas que falaram mais.
Ressalto ainda que, considerando a escassez de literatura sobre o tema, encontrei
dificuldade para fundamentar cientificamente a opinião das entrevistadas.
De acordo com o tema desta pesquisa, o objeto de estudo é a percepção
do usuário sobre os serviços da ouvidoria, assim, inicialmente foi perguntado como
elas tomaram conhecimento da Ouvidoria. Cinco responderam que foi através da
visita da funcionária da ouvidoria aos leitos, informando sobre os serviços do órgão:
“Foi a moça que veio ai e falou, disse que a gente pode fazer reclamação,
sugestão,... é isso. Foi isso que entendi né, não sei se é mais foi isso que entendi”.
(Girassol). Outra entrevistada tomou conhecimento da estrutura por meio de uma
61
palestra8 no saguão realizada pela técnica da ouvidoria, duas tomaram
conhecimento de maneira diferente, através de funcionários do hospital e uma por
outros pacientes, conforme demonstrado nas falas a seguir:
Eu tava (sic) aqui aguardando ai a mulher chegou e começou a falar,
explicar o que era a ouvidoria, aí ela falou de um jeito que eu criei coragem
e fui lá, fui reclamar, pedir pra pôr ordem nisso aqui porque se a gente não
reclama não muda nada, né? (Amor perfeito).
Foi o vigilante lá... da portaria do médico que me mandou ir lá na ouvidoria.
Falou até com deboche, como se eu fosse lá e a ouvidoria não fizesse
nada. Eu fui achando que não ia dar em nada mesmo, mas fui pra reclamar
dele, porque isso não é jeito de tratar a gente. Minha filha é especial e ele
não deixou eu entrar com ela! Como é que uma pessoa especial vai se
consultar sozinha minha filha? Eu fiquei com raiva e ele disse: vá lá na
ouvidoria, vá lá reclamar, é bem ali ó, pode ir. (Orquídea).
Como eu tomei conhecimento da ouvidoria? Fiquei sabendo pelas pessoas
que estavam do meu lado, que me falaram. (Gérbera)
Através dessas manifestações fica explícito que a princípio as pessoas
veem a ouvidoria como um local para reclamações. De acordo com Falcão (2010),
isso pode denotar a cultura da população usuária de que o serviço da Ouvidoria é
primordialmente para receber reclamações, colocando os outros tipos de
manifestações em segundo plano como é caso da solicitação, sugestões, elogios
etc.
Além dos meios citados anteriormente sobre as maneiras para que se
tome conhecimento da Ouvidoria, há também cartazes fixados na entrada das salas
que são estrategicamente situadas em locais muito visíveis ao público. No entanto,
pela minha experiência como estagiária, a percepção que tive, foi que as pessoas
podem até ler o cartaz, mas é como se estivessem lendo qualquer informativo
desinteressante, elas sempre chegavam encaminhadas por alguém, mesmo que
fosse outro usuário.
No caso do Hospital, a meu ver, a palestra realizada pela técnica no
saguão da entrada da emergência e as visitas aos leitos realizadas pela funcionária
do núcleo situado no HMC são esclarecedora, pois estimula àqueles usuários que a
ouviram a procurarem o órgão para se manifestar, me permitindo cegar a conclusão
que o usuário precisa ser estimulado frequentemente com uma abordagem que o
8
A Técnica da Ouvidoria é Assistente Social. Ela relata que faz pequenas palestras no saguão do
Setor SPA/SPI explicando o que é a Ouvidoria e incentivando os usuários a procurarem o órgão caso
se sintam insatisfeitos com algum serviço do hospital.
62
esclareça sobre o que é a ouvidoria deixando-o à vontade. Causando até um
sentimento de segurança, para que este possa ter credibilidade no órgão para
procura-lo e realizar a sua manifestação.
O que se percebe subjetivamente, é que os usuários desconhecem a
importância da participação social e não fazem ideia de que ao realizarem sua
manifestação na Ouvidoria, estão participando socialmente para a melhoria dos
serviços do SUS. O que é lamentável, pelo fato de que o usuário enquanto cidadão
desconhece seu poder de transformar a sociedade em que vive. Conforme
Martiniano (2010), a participação do usuário na gestão do sistema é condição
essencial para melhoria do mesmo. (MARTINIANO, 2010, p. 66).
Peixoto et al (2013) afirma que “[...] o conhecimento da opinião dos
usuários em relação aos serviços públicos é importante instrumento auxiliar para
planejamento e tomada de decisões”. (p. 787). Assim, a ouvidoria torna-se um
importante instrumento para auxiliar o processo de construção da cidadania, na
medida em que o cidadão participa intervindo na relação entre o usuário e a
administração pública.
Ao perguntar sobre o motivo que as levaram a procurar a ouvidoria,
predomina o mau atendimento. Pelas expressões e gestos das entrevistadas que
citaram este motivo, a impressão que se tem, é que por estarem em um hospital,
fragilizadas por problemas de saúde, acompanhando paciente ou internada, esperase que sejam melhor tratadas. Para Peixoto et al (2013), a insatisfação gerada pelo
mau atendimento pode causar mágoa e agressividade, uma vez que o usuário ou
paciente, ao procurar os serviços de saúde necessita de apoio e acolhimento9.
Como já mencionei no primeiro capítulo, as pessoas ficam vulneráveis
quando se trata da questão saúde. Pelo modo como se expressaram, as
entrevistadas se incomodam com o jeito dos funcionários se reportarem aos
usuários. Amor Perfeito disse: “porque achei errado o modo como estamos sendo
tratados”.
Para as entrevistadas do HMC, apresentaram-se outros motivos,
conforme a fala da Gérbera, paciente internada no hospital que procurou a ouvidoria:
9
“É direito dos cidadãos atendimento acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada,
livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função da idade, raça, cor, etnia, orientação
sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas ou sociais, estado de
saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com deficiência”. (BRASIL, 2007, p. 04).
63
Já fiz foi um barraco quando fui internada da outra vez. Eu mesma fui bater
boca, fui não, mandei chamar... foi em janeiro, né, quando eu tava (sic)
internada. Agora tô (sic) internada de novo, já mandei chamar de novo. Ela
já veio, né, já reclamei de novo... porque a gente que amamenta...
principalmente eu, que o almoço é bem bonzinho, mais a janta é péssima
que é como se fosse requentada, parece que foi sobra...aí, eu não janto.
Tomo um copo de suco. Eu pedi outro mais ela disse que não pode porque
é três jarra (sic) de suco à noite, é contado... aí vou reclamar. (GÉRBERA)
Percebe-se por sua fala que estava exaltada e considera como
reclamação. Para Martiniano (2010) a reclamação traz benefícios não somente para
o cidadão, mas também para a administração do serviço público que tem nas
reclamações a possibilidade de conhecer e reconhecer suas falhas, analisar e
alterar seus procedimentos (MARTINIANO, 2010, p. 21).
A meu ver, o alto índice de reclamações por mau atendimento demonstra
a falta de qualificação profissional para quem trabalha na área da saúde, pois
percebi que profissionais mais instruídos e esclarecidos sobre as maneiras atuais
sobre como trabalhar no sistema de saúde são mais educados ao tratar com a
população. Mesmo quando o usuário se reporta com grosseira ou agressividade.
Não podemos deixar de comentar, é claro, a condição emocional do
funcionário. Este enquanto pessoa humana, nem sempre controla suas emoções de
maneira contida, está sujeito a explosões e aborrecimentos dependendo da forma
como for tratado pelo usuário.
Ao perguntar a opinião das entrevistadas sobre para que serve a
Ouvidoria, a maioria das respostas foi que serve para reclamar, dar sugestão, fazer
elogio, conforme a fala da Lírio: “Eu acho que é pra gente dar sugestão. Que nem
hoje, hoje eu dei uma sugestão a ela né? Pra essas coisas, assim queira, né?”.
Corroborada pela Copo de Leite, que disse: “Pra gente dar sugestão, fazer
reclamação, saber o que a gente pensa”; e, Girassol, que disse: “Pra fazer
reclamação, denúncia, sugestão... como se o hospital tá funcionando bem.”
De acordo com Martiniano (2010), “[...] cabe à Ouvidoria não só ouvir o
usuário, mas também fazer com que sua voz seja ouvida na instituição”. (p. 49).
Conforme o pensamento da autora, a ouvidoria não se resume apenas à escuta e
classificação das manifestações. De acordo com o que já foi estudado, a
classificação é importante para compreendermos o que o usuário está expressando,
64
no entanto, o essencial é fazer com que sua voz seja ouvida pela administração
pública.
O usuário desconhece; mas a ouvidoria não se resume as classificações
das manifestações. É um órgão participativo não só no sentido da participação do
usuário, mais também de participar nas atividades politico sociais no âmbito
Municipal, Estadual e Federal. Assim, dever-se-ia pensar um meio para esclarecer
ao usuário essa atuação do órgão com as demais instituições e a importância que a
sua manifestação tem para buscar melhorar a qualidade dos serviços de saúde.
Curiosa foram as definições dadas pela Gérbera e pela Orquídea.
Gérbera assim se expressou: “pra reclamar, dar opinião, só isso, só serve pra isso
mesmo.” Quanto a fala da Orquídea, considerei curiosa por ela ter visto a ouvidoria
como um instrumento de punição, conforme o trecho a seguir:
Pra mim a ouvidoria serve pra punir o mal atendimento da pessoa, é, é isso.
Punir o funcionário porque ele foi mal educado comigo, não precisava disso
minha filha. Eu sou a mãe da menina e se tô (sic) dizendo que ela é
especial é porque é. Agora a menina entrou sozinha, ele não me deixou
entrar de jeito nenhum e ainda falou com deboche mandando eu ir procurar
a ouvidoria. Gostei! Pensei que não fosse dar em nada, mas ela foi lá falar
com ele, porque tem que punir, não pode deixar falar com a gente daquele
jeito. (Orquídea).
Estas falas podem demonstrar a falta de conhecimento das pessoas
sobre o papel da ouvidoria e principalmente sobre a participação social. Pela análise
subjetiva permitida pela Pesquisa Qualitativa, a Gérbera mostrava descrédito com
relação ao papel da Ouvidoria e a Orquídea uma visão, que para mim, por ter
estagiado e conhecer os serviços da ouvidoria, foi considerado uma surpresa. Neste
caso, de acordo com Pereira (2002), nota-se a importância da ouvidoria, disciplinar
seus reclamantes, orientando quanto aos procedimentos a serem adotados em
relação aos processos institucionais. (PEREIRA, 2002, p. 102).
Martiniano (2010) discorre de maneira clara sobre como funciona o
procedimento do processo institucional após a manifestação do usuário como
exposto a seguir,
A ouvidoria recebe, analisa, encaminha a manifestação ao setor
correspondente, acompanha o andamento, cobra providências e responde a
cidadão sobre as providências tomadas, promovendo o diálogo e o
envolvimento de todos na resolução das demandas. Após o registro,
demanda percorre os setores responsáveis pela execução e correção. O
cidadão é informado da previsão de resposta, das previdências adotadas e
65
resultados obtidos e até mesmo a informação fundamentada da
impossibilidade de atendimento. (MARTINIANO, 2010, p. 49).
O questionamento seguinte foi se as entrevistadas achavam que a
ouvidoria
apresentava
retorno
para
os
problemas
apresentados.
Algumas
responderam apenas sim, outras demonstraram surpresa como relata Amor Perfeito,
Apresenta sim. Eu não esperava que fosse resolver logo, achei que ia lá e
depois fossem fazer alguma coisa, nunca imaginei que ela levantaria da
cadeira dela e sairia pra resolver isso logo. Eu até me admirei, mas pelo
menos agora sei que ouvidoria funciona e pelo paciente, né? Eu acha
achava que não ia dar em nada, mas tava (sic) tão revoltada que fui falar
mesmo que não desse em nada. Mas deu, né? Eu achei bom. (Amor
Perfeito)
Orquídea demonstrou que desacreditava no trabalho da ouvidoria,
conforme podemos constatar no trecho a seguir,
Achei que faria descaso, do jeito que o vigilante, lá, falou, eu achei que não
ia dar em nada. Porque se ele falou com deboche me mandando ir la
ouvidoria reclamar é porque não ia dar em nada, né?... Pra mim foi uma
surpresa ela ir resolver logo, e acho que ele também não esperava, senão
não ia me mandar lá falando com deboche. Acho que até ele se
surpreendeu (rindo) (Orquídea)
Acima foram citados dois casos em que a ouvidoria deu retorno imediato
ao usuário, porém, há processos que são encaminhados aos setores competentes
para resolução do problema. De acordo com o Relatório de Gestão do ano de 2013,
o prazo para resolução, incluindo a resposta ao usuário é de quinze dias. Prazo este
que pode variar, dependendo da complexidade do assunto tratado. Ainda de acordo
com o Relatório, a resposta deve ser rápida para dar ao cidadão a confiança na
interlocução, transmitindo respeito e atenção, fazendo-o perceber que é um sujeito
de direitos.
Segundo
Moraes
(2010),
a
confiança
da
população
vem
se
desenvolvendo através do tempo pelo trabalho ético realizado pela ouvidoria em
relação ao usuário enquanto sujeito de direitos, que geram um sentido positivo da
relação do trabalho do órgão com a sociedade civil.
A entrevista transcorreu com o questionamento de como avaliavam a sua
participação para melhorar o atendimento. Utilizar-se-ão as fala da Lírio, Gérbera e
Amor Perfeito para demonstrar suas opiniões porque foram as que mais se
expressaram.
66
Eu acho bom mais (sic) é muito pouco. As pessoas tem medo de falar.
Porque se todo mundo falasse... Ficaria muito mais fácil, seria muito mais
fácil resolver os problemas. (Lírio)
É importante reclamar, porque a gente só reclama pra si (sic), não reclama
pra eles (sic), aí nunca muda. A gente tem que chegar, reclamar e fazer a
manifestação, porque se não fizer, vai ser sempre assim. (Gérbera)
Eu acho importante. Se eu não tivesse vindo falar, estaria tudo do mesmo
jeito. (Amor Perfeito)
O que se percebe é que as pessoas falam pela noção do senso comum,
sem conhecimento que a participação social é algo previsto em lei. De acordo com
Moraes (2010), a participação popular nas instituições públicas possui papel
importante para coibir abusos administrativos, destacando-se neste cenário a
ouvidoria, com ação autônoma e representativa da sociedade civil.
Conforme Vázquez et al (2005), a população deve conhecer seus direitos
em saúde, os problemas, as causas, as possíveis intervenções os serviços
oferecidos e a qualidade dos mesmos, bem como, os mecanismo através dos quais
pode interagir com o sistema. Este conhecimento proporcionará respaldo ao cidadão
usuário do SUS para reivindicar melhorias no atendimento e qualificação dos
serviços de saúde.
Longhi (2010) relaciona participação à capacidade dos cidadãos em
tomar parte voluntariamente nas decisões políticas que dizem respeito à vida
privada dos indivíduos, às necessidades colocadas pelos cidadãos em todos os
aspectos da vida cotidiana, como por exemplo, a preservação da saúde.
Com relação à saúde, Cavalcanti et al (2012) refere-se a participação
como um „capital em saúde‟, como uma “ [...] capacidade de alavancar processos
decisórios mais democráticos na área de saúde e assim garantir a „preservação do
direito universal à saúde” (CAVALCANTI, 2012, p. 1819)
Ao serem questionadas sobre o que significava cidadania, elas
demonstraram reação de susto, surpresa, acanhamento e até vergonha, visto que, a
maioria não soube dizer. Apenas Copo de Leite expressou de imediato a seguinte
frase: “Exercer seus direitos e deveres”. As outras fizeram os seguintes comentários:
“Não sei... Me deu um branco”. (Girassol e Lírio); “Agora me pegou (rindo). Pra mim,
Cidadania é um bocado de cidadão”. (Gérbera) “Agora me pegou. Eu sei mas não
sei como dizer”. (Amor Perfeito). Flor do Campo e Rosa tiveram uma reação de
67
vergonha e acanhamento por não saber responder, as duas demoraram alguns
segundos pensando e disseram que não lembravam.
Na definição de Corrêa (2002), cidadão são portadores de direitos e
cidadania,
Significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por
todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público
e condições de vida digna, tendo como valor fonte a plenitude da vida. Isso
exige organização e articulação política da população voltada para a
superação da exclusão existente. (CORRÊA, 2002, p. 217).
De acordo com Martiniano (2010), cidadania é “concebida enquanto
direito a ter direitos”. (p.18). Na composição da cidadania encontram-se os direitos
sociais e nestes, o direito à saúde. Reportando-se ao fato de que o direito à saúde
faz parte de um processo histórico de lutas, que se transforma de acordo com a
dinâmica da sociedade, “[...] podemos afirmar que a cidadania pode ser exercida
como mecanismo transformador da sociedade”. (MARTINIANO, 2010, p 19)
Vieira (2013), expressa que a ideia de cidadania enfatiza a questão do
direito a todos os setores da vida social, incluindo o direito à saúde. Na perspectiva
da concepção contemporânea de cidadania, almejando a emancipação do homem,
remete a condição deste fazer-se sujeito histórico e assumir a condução de seu
destino.
Ainda conforme a autora, cidadania não se resume a definição do direito,
ela revela concomitantemente à participação do sujeito como intrínseca ao processo
de democracia, sugerindo que o cidadão envolva-se no processo, lutando por seus
direitos em busca de melhor qualidade nos serviços públicos e consequentemente,
melhor qualidade de vida.
Conforme Véras (2005), a participação do usuário é importante na
coprodução dos serviços de saúde, visto que, a partir da opinião do mesmo se torna
possível conhecer os acertos e falhas, conceitos e atitudes da atenção recebida.
Devendo essas informações serem utilizadas para melhoria dos serviços de saúde.
68
CONSIDERAÇOES FINAIS
A presente pesquisa teve como objetivo contribuir para uma reflexão
acerca do trabalho de uma ouvidoria em saúde, especificamente, a ouvidoria do
Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda em Maracanaú, e sua relação com o
cidadão usuário.
De acordo com o levantamento realizado, constata-se que a Ouvidoria é
uma importante ferramenta na promoção da cidadania e tem na participação popular
um pilar de sustentação para a construção e promoção de políticas de saúde. Atua
como um espaço democrático mediando os conflitos entre a gestão e o usuário e
contribui para o fortalecimento do controle social.
A ouvidoria em saúde não é apenas um canal de escuta do cidadão, ela é
um espaço democrático que dá voz ao sujeito na medida em que media a relação
entre a gestão e o usuário, fazendo prevalecer o direito a cidadania que muitas
vezes, conforme exposto no terceiro capítulo desta pesquisa, é desconhecido para
ele.
Através de relatórios, a Ouvidoria transforma as manifestações recebidas
em dados informativos para que possam subsidiar a gestão na busca para melhorar
os serviços de saúde. Além de proporcionar uma melhor articulação entre os
mecanismos de controle social e a administração pública em saúde.
A Ouvidoria consolida a saúde como um direito e visa fortalecer os
mecanismos de participação social para qualificar a gestão participativa do SUS,
tornando-se um instrumento de acessibilidade, pois, por meio das informações
produzidas pelo órgão mediante as manifestações dos usuários, indica a
necessidade de ajustes, incentiva a participação popular, inclui o cidadão no controle
social, promovendo a cidadania em saúde.
Esta pesquisa avaliou também a participação social na perspectiva de
construção da cidadania em um espaço de acesso popular direcionado à saúde. Os
resultados foram apresentados partindo da subjetividade dos cidadãos usuários
proporcionando uma aproximação dos conceitos e atitudes com a realidade
concreta.
69
Este estudo indica que a Ouvidoria fortalece o exercício da democracia e
da cidadania ao assegurar que os direitos dos usuários sejam exercidos e
potencializa o reconhecimento de que os espaços de participação social funcionam
como mecanismos que possibilitam a construção de políticas de saúde.
Outro fato relevante é que a Ouvidoria atua tomando por base as
demandas colocadas pela sociedade o que aponta a ampla abrangência do público
atendido pelo órgão, evidenciando a importância do mesmo para a construção de
políticas que visem a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
A Ouvidoria apresenta a possibilidade dos cidadãos, ao exercerem sua
cidadania, assumirem um papel relevante no processo de dinamização da
sociedade, bem como, reforçar o exercício de um controle mais permanente e
consistente dos usuários na gestão da coisa pública, demonstrando a capacidade do
mesmo em participar nos espaços públicos de decisões que dizem respeito ao bem
estar de toda a sociedade.
A Participação social é o elo que liga a Ouvidoria e democracia e a
questão da cidadania. Portanto, a Ouvidoria é um instrumento de democracia
participativa que trabalha com o intuito de contribuir com veemência para a
ampliação da participação dos cidadãos usuários do SUS, valorizando suas opiniões
como forma de melhorar as estratégias da gestão no atendimento aos usuários e
consequentemente na qualificação dos serviços.
Com relação ao objetivo central desta pesquisa que é a participação do
usuário, percebe-se que este desconhece a importância da Ouvidoria enquanto
órgão que o aproxima da administração pública proporcionando um diálogo entre
ambos. Desconhece também que sua participação é um agente que promove a
melhoria do atendimento em saúde, bem como, a criação de políticas públicas.
Demonstra a falta de interesse dos usuários em procurar saber sobre
instituições que o auxiliem na garantia do acesso a direitos, buscando tomar
conhecimento sobre essas instâncias somente quando o problema o deixa
insatisfeito, gerando assim um alto índice de manifestações por mal atendimento.
O mal atendimento é o principal motivo que leva os usuários do hospital a
procurarem a Ouvidoria para fazer uma manifestação seguido das solicitações,
70
porém, há destaque para a quantidade de elogios demonstrando assim também que
há satisfação nos serviços.
Portanto, a analise permite a compreensão que grande parte dos usuários
ainda desconhecem a importância da Ouvidoria enquanto ferramenta de promoção
da cidadania e que o aproxima da administração pública. Que a participação popular
é fundamental para que a Ouvidoria desempenhe seu trabalho e que a ouvidoria é
um espaço onde a democracia participativa é exercida, a cidadania concretizada por
meio do acesso aos serviços de saúde, partindo do princípio que este é um direito.
71
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75
APÊNDICES
Roteiro da entrevista
PERFIL DO(A) ENTREVISTADO(A)
1. Qual a sua idade? ________
2. Qual a sua renda?
M Desempregado
3. Sexo? F M
0 a 1 sal. mín.
M
M 1 a 2 sal. mín.
M + de 2 sal. mín.
M
4. Qual o meio que você utiliza para se comunicar com a Ouvidoria do HMJEH?
M
Presencial
M
Fone
M
Cx. de sugestão
M
Outros _________
5. Como você tomou conhecimento da Ouvidoria? (amigos, funcionários do
hospital, informativos etc.).
6. Por qual motivo resolveu procura a Ouvidoria do Hospital?
7. Em sua opinião, para que serve a Ouvidoria?(qual a ideia?)
8. Você acha que a Ouvidoria apresenta solução para os problemas
manifestados?
9. A ouvidoria é um espaço que só funciona com a participação do usuário.
Como você avalia a sua participação para melhorar o atendimento nos
serviços de saúde?
10. Para você o que significa cidadania?
11. Você sabe o que são os conselhos e conferências de saúde e para que
servem?
76
FACULDADE CEARENSE – FAC
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Sr(a) foi selecionado(a) e está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: A
PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL JOÃO ELISIO DE HOLANDA
SOBRE O SERVIÇO DA OUVIDORIA, que tem como objetivos: compreender a percepção
do usuário da Ouvidoria sobre os serviços prestados pelo órgão. Este é um estudo baseado em
uma abordagem qualitativa.
A pesquisa terá duração de 06 (seis) meses, com o término previsto para 30 de junho de 2014.
Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento
será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar
determinada situação, sua privacidade será assegurada uma vez que seu nome será substituído
de forma aleatória. Os dados coletados serão utilizados apenas NESTA pesquisa e os
resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas.
Sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder
qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará
nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que forneceu os seus
dados, como também na que trabalha.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob
a forma de questionário. A entrevista será gravada em áudio para posterior transcrição – que
será guardado por cinco (05) anos e incinerada após esse período.
Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Não haverá riscos de
qualquer natureza relacionada a sua participação. O benefício relacionado à sua participação
será de aumentar o conhecimento científico para a área de Serviço Social.
Sr(a) receberá uma cópia deste termo onde consta o e-mail do pesquisador responsável, e
demais membros da equipe, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento. Desde já agradecemos!
__________________________
Priscila Nottingham de Lima
Orientadora
RG:
e-mail: [email protected]
____________________________
Paulina Lauriano de Carvalho
Graduanda
RG: 3471125
e-mail: [email protected]
Fortaleza, ____ de _______________ de 20_____.
Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo
em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem
sofrer qualquer punição ou constrangimento.
Sujeito da Pesquisa: ______________________________________________
(assinatura)
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