CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL PAULINA LAURIANO DE CARVALHO “A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA” FORTALEZA 2014 PAULINA LAURIANO DE CARVALHO “A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA” Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. FORTALEZA 2014 C331p Carvalho, Paulina Lauriano de A percepção do usuário do hospital municipal Dr. João Elísio de Holanda sobre os serviços da Ouvidoria / Paulina Lauriano de Carvalho. Fortaleza – 2014. 76f. Orientador: Prof.ª Ms. Priscila Nottingham de Lima. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2014. 1. Ouvidoria. 2. Participação e controle social. 3. Democracia e cidadania. I. Lima, Priscila Nottingham de. II. Título CDU 364 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 PAULINA LAURIANO DE CARVALHO “A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA SOBRE OS SERVIÇOS DA OUVIDORIA” Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação: ____/___/___ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ Professora Ms. Priscila Nottingham de Lima (Orientadora) Faculdade Cearense __________________________________________________________ Professora Esp. Verbena Paula Sandy (Examinadora) Faculdade Cearense __________________________________________________________ Esp. Edna Maria Martiniano (Examinadora) Dedico este trabalho a minha mãe Elisa Lauriano e ao meu filho João Pedro. Os melhores presentes que Deus poderia me dar. AGRADECIMENTOS A Deus, pai de infinita bondade, força que me mantém firme e confiante diante das dificuldades da vida e que me presenteou com a realização desse sonho. A minha mãe Elisa Lauriano de Carvalho, minha maior incentivadora e maior motivação para continuar lutando por este objetivo. Ser que me ensinou a amar e me tornar a pessoa que sou hoje. Ao meu filho João Pedro, que veio tornar essa conquista linda e muito mais agradável. As amigas de todas as horas que me apoiaram em todos os momentos e com quem desfrutei momentos inesquecíveis. (Soraia Maria Andrade, Raquel Malhas, Taini Lima, Sarah Samla e Fernanda Lilian) A Natasha Santos, que esteve ao meu lado no momento mais importante da minha vida, que foi gestação e o nascimento do meu filho. Aos queridos amigos, Félix, Cláudia, Mariano e Monte Alverne, pela extrema generosidade e pelos laços de amizade mantidos ao longo dos anos. Aos demais amigos e colegas com quem convivi no decorrer desses anos, principalmente durante o período da minha gravidez (Priscila Freitas, Ana Paula Chayn dentre outros). As minhas irmãs, Maria Elisabete, que sempre esteve ao meu lado quando mais precisei e Maria Elisian, que foi uma babá extremamente carinhosa com meu filho nos momentos em que tive que me ausentar para a conclusão deste curso e uma agradável companheira de debates intelectuais. Ao meu irmão, João Alcides, pela solidariedade nos momentos de dificuldade. Aos meus sobrinhos Marcelo e Melca Ravena, os filhos do meu coração e sempre dois bons motivos pra me fazer sorrir. Agradeço a Nadja Teixeira, uma das pessoas mais solidárias que conheço. Excelente amiga que me alertou para o tema desta pesquisa, me incentivou e sempre esteve disponível quando precisei. Ao amigo Don Carlos, pela disponibilidade em ajudar sempre que preciei. A banca examinadora pela disponibilidade e valiosa contribuição, composta pela professora Verbena Paula Sandy, e por Edna Maria Martiniano. A minha orientadora Professora Priscila Nottingham pelo comprometimento, disponibilidade, atenção e carinho com que sempre me tratou, e por transmitir confiança na minha capacidade para realização deste trabalho. A todos os professores do curso de Serviço Social pela alegria com que nos transmitiram seus conhecimentos. “A Ouvidoria auxilia no fortalecimento do indivíduo perante as grandes e mais complexas estruturas prestadoras de serviços e produtos, conferindo maior transparência às ações das instituições, buscando a superação da passividade com o incentivo à participação e, por consequência, aprimorando o grau de conscientização da cidadania e a valorização da democracia”. Edson Luiz Vismona RESUMO O presente estudo aborda a temática Ouvidoria sob a ótica do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é compreender a percepção do usuário sobre os serviços oferecidos por uma ouvidoria pública direcionados a área da saúde analisando as falas dos atores entrevistados para esta pesquisa. Considera-se importante os questionamentos sobre como tomaram conhecimento da ouvidoria e o que motiva os usuários a procurarem a instituição, bem como as suas impressões sobre a serventia e o resultado ofertado pela ouvidoria sobre as manifestações realizadas. Foi ponderado também a importância da participação do usuário para melhorar os serviços de saúde e sua compreensão do que significa cidadania. As categorias a serem analisadas serão Ouvidoria, com uma exposição sobre seu contexto histórico, seu funcionamento e atuação; participação e do controle social, que são elementos fundamentais para o desenvolvimento do trabalho do órgão, visto que não existe ouvidoria sem a participação do cidadão, e, democracia e cidadania, fazendo uma relação do que pode haver em comum com a Ouvidoria. Palavras Chave: Ouvidoria. Participação e Controle social. Democracia e Cidadania. ABSTRACT This study addresses the issue from the perspective Ombudsman user's Unified Health System (SUS). The goal is to understand the perception of the user about the services offered by a public ombudsman directed the healthcare analyzing the speeches of the actors interviewed for this research. It is considered important the questions about how they learned of the ombudsman and what motivates users to seek the institution as well as their views on the usefulness and outcome offered by the ombudsman about the demonstrations. Was also weighted the importance of user participation to improve health services and their understanding of what citizenship means. The categories to be analyzed Ombudsman, with a presentation on its historical context, its operation and performance; participation and social control, which are key elements for the development of the work of the body, since there is no ombudsman without citizen participation, and democracy and citizenship, making a list of what may be in common with the Ombudsman . Keywords: Citizenship. Ombudsman. Participation and Social Control. Democracy and LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Demonstrativo das manifestações quanto a classificação.............................55 GRAFICO 2 – Demonstrativo quanto ao meio de acesso......................................................56 GRÁFICO 3 – Demonstrativo quanto ao gênero....................................................................57 GRÁFICO 4 – Demonstrativo quanto a faixa etária...............................................................57 GRAFICO 5 – Demonstrativo dos atendimentos por idade no núcleo do HMC...................58 LISTA DE SIGLAS CGE – Secretaria da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado BM – Banco Mundial HMC – Hospital da Mulher e da Criança HMJEH – Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ONGs – Organizações Não Governamentais PARTICIPASUS – Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS SESA – Secretaria da Saúde do Estado do Ceará SPA – Serviço de Pronto Atendimento Adulto SPI – Serviço de Pronto Atendimento Infantil SUS – Sistema Único de Saúde SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................12 1. O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO.......................................................17 1.1. Aproximações com o tema da pesquisa..............................................................17 1.2. Metodologia da pesquisa.....................................................................................24 1.3. Lócus da pesquisa: A Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João elísio de Holanda......................................................................................................................30 2. OUVIDORIA, INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL, EXERCÍCIO DE DEMOCRACIA E CIDADANIA.......................................................35 2.1. Histórico: Do Instituto Ombusdsman à Ouvidoria no Brasil.................................35 2.2. Participação e Controle Social............................................................................39 2.3. Democracia, Cidadania e Ouvidoria: algo em comum?......................................47 3. OS USUÁRIOS DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA E SUAS PERCEPÇÕES...................................................................54 3.1. Sujeitos da pesquisa: o perfil socioeconômico dos usuários da Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda...........................................................54 3.2. Análise dos dados coletados...............................................................................58 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES APÊNDICE 1 – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS USUÁRIOS DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 12 INTRODUÇÃO A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se apresenta como uma das mais importantes reformas sociais ocorridas no Brasil para a área da saúde. Este processo tem início na década de 1970 com o Movimento de Reforma Sanitária, destacando-se as lutas dos Movimentos Sociais por melhor qualidade de vida para toda a sociedade. De acordo com Brasil (2014), os movimentos sociais organizados tiveram papel preponderante para reivindicar melhores condições de vida. As constantes transformações ocorridas na sociedade ao longo dos últimos anos ampliou a consciência dos cidadãos, revelando a sua importância enquanto agente de mudança, criando um novo perfil de cidadão, mais esclarecido e conhecedor de seus direitos e estimulado a ocupar seu lugar através da participação ativa nas políticas sociais. Com a consolidação da democracia, após a Constituição de 1988, novos instrumentos para modernizar o Estado diante da necessidade do cidadão participar da administração da coisa pública junto com o Estado foram criados. A Ouvidoria pública se encontra nesse contexto como eficiente canal de comunicação que valoriza o processo democrático, viabilizando a participação do cidadão e atuando como instrumento de controle social. Mediante a criação da Lei 8.142/1990 que inseriu a participação popular no controle, na fiscalização e na gestão dos serviços de saúde, as ouvidorias do SUS foram criadas para assegurar ao cidadão o direito à participação na gestão pública em saúde. (BRASIL, 2010, p. 08). Esse mecanismo surge para fortalecer a defesa do direito do usuário à saúde, incentivando a participação popular e a inclusão do cidadão no controle social. Segundo Vismona (2001), a iniciativa de se implantar uma ouvidoria pública vem da necessidade em administrar os conflitos existentes entre a insatisfação popular com os serviços prestados pelo Estado e a desconfiança da população sobre a forma como são administrados os recursos pagos direta ou indiretamente pelos cidadãos. 13 De acordo com a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS) (2009), a ouvidoria busca integrar e estimular práticas que ampliem o acesso dos usuários às ações dos serviços de saúde, atuando como um canal direto entre o usuário e a gestão, contribuindo com o controle social. Quando se fala em Ouvidoria, o primeiro pensamento é de um local no qual o cidadão busca manifestar sua reclamação sobre algum serviço que não foi prestado de acordo com o que se espera, mau atendimento, equipamentos quebrados, falta de materiais para realização de trabalhos etc., no entanto, não é um lugar somente para reclamações, é um local onde o sujeito pode manifestar aquilo que ele considera que deve ser melhorado em um órgão que presta serviços a população, seja na estrutura física ou humana, que preza pelo respeito e dignidade da pessoa humana. Segundo a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS) instituída em 2009, as ouvidorias são canais de comunicação destinados a receber democraticamente as manifestações dos cidadãos classificadas em reclamação, sugestão, solicitação, informação, denúncia e elogio. Cabe à ouvidoria, após o recebimento da manifestação do usuário, orientar, fazer o encaminhamento da demanda, bem como acompanhar o processo resolutivo e dar retorno ao usuário. O presente trabalho aborda os serviços da Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda (HMJEH) na perspectiva dos usuários do hospital, enfatizando a participação e controle social, e, “a cidadania e a democracia participativa como indutoras do processo”. (MARTINIANO, 2010, p. 13). O fenômeno central que impulsionou esta pesquisa foram os atendimentos realizados pelo núcleo da ouvidoria localizado no setor de urgência/emergência do hospital. O interesse pelo tema ocorreu a partir da experiência como estagiária da pesquisadora durante o período de um ano, maio de 2011 a maio de 2012, na Ouvidoria da Secretaria de Saúde do Município de Maracanaú. Foi um período de grande aprendizado e descobertas, pois não tinha noção do que era uma ouvidoria, para que servia e nem como funcionava. Aos 14 poucos fui aprendendo, e me encantava o fato de ter um contato direto com o cidadão e ouvi-lo de maneira aprofundada. Ouvir as queixas dos sujeitos me fez perceber que havia um canal entre eles e a instituição, percebi também que olhava com olhos treinados teoricamente no curso de Serviço Social, que a teoria em aprendizado nos bancos da faculdade, ali, era uma realidade. Durante esse período em que fui estagiária na Ouvidoria, pude observar ainda a dinâmica dos serviços de uma ouvidoria, voltando minha atenção para a aproximação do órgão com o cidadão usuário do sistema e a seriedade com que cada processo era tratado. Tratava-se de um órgão que ouvia as queixas dos usuários e buscava ações resolutivas com extrema atenção. O recorte para a ouvidoria hospitalar deu-se em virtude de haver uma assistente social como técnica da ouvidoria do hospital municipal. Foi o trabalho dessa assistente social que me fez voltar o olhar para o trabalho de uma Ouvidoria em termos científicos, por ser um campo novo para o Serviço Social atuar devido a grande demanda e principalmente o contato direto com a população usuária. O motivo pelo qual não optei pela ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde foi porque ela abrange um leque muito maior de usuários, visto que engloba todas as instituições que atendem pelo SUS no município, sejam ela públicas ou privadas, incluindo o HMJEH. A Ouvidoria do HMJEH foi criada em 2006 pela Lei Municipal 1.108/06. É composta de dois núcleos, um na entrada do setor de Serviço de Pronto Atendimento adulto e Infantil (SPA/SPI) e o outro na entrada do Hospital da Mulher e da Criança (HMC). Os dois núcleos possuem salas próprias, visto que, se faz necessário, por uma questão de privacidade e até de sigilo, quando necessário, que a Ouvidoria possua um local reservado para que o usuário possa ficar à vontade no momento de realizar a sua manifestação. Cabe à ouvidoria elaborar um relatório estatístico para análise do desenvolvimento do trabalho e identificação de carências, bem como, de soluções propositivas. De acordo com o Relatório de Gestão 2013, dessa análise se identifica as dificuldades que já existem e a serem enfrentadas, identificam-se os principais problemas e suas resoluções, elabora-se projetos para melhorar o trabalho da Ouvidoria e estipulam-se as metas e ações a serem atingidas. 15 No tocante ao referencial teórico utilizado para esta pesquisa, predomina participação popular, diante do fato que será analisada a percepção do usuário; o controle social como instrumento de fiscalização e controle dos serviços de saúde, a cidadania e a democracia participativa. Chamo a atenção para a pouca literatura sobre o tema ouvidoria o que traz um pouco de dificuldade para a fundamentação científica da pesquisa. O objetivo desta pesquisa é observar e analisar a percepção do usuário sobre o atendimento da ouvidoria de um hospital público. Os objetivos específicos buscam investigar a importância da participação popular para o bom desenvolvimento de uma ouvidoria; analisar os fatos históricos que levaram a criação e implantação da ouvidoria no Brasil; compreender o que há em comum entre a ouvidoria, a democracia participativa e a cidadania. A relevância desta pesquisa consiste no fato de que Ouvidoria é um campo relativamente novo que conta com a participação social para funcionar e exerce uma função mediadora entre a instituição e seus usuários. É também um espaço democrático, para todos, sem distinção nem preconceito. Este trabalho foi desenvolvido em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “O percurso teórico-metodológico”, aborda-se as aproximações com o tema da pesquisa, são expostos de maneira mais detalhada os motivos que me levaram a optar por este tema; a metodologia utilizada para realização desta pesquisa e uma descrição minuciosa sobre o campo onde a pesquisa foi realizada. O Segundo capítulo fala sobre a ouvidoria de maneira geral, através de um breve histórico do instituto englobando desde o seu início na Europa até a criação da ouvidoria do HMJEH. Discorre também sobre as categorias participação e controle social e democracia e cidadania. Todas elas apresentando-se como fundamentais para o bom desempenho de uma ouvidoria. O terceiro capítulo destina-se aos sujeitos da pesquisa. Foi traçado um perfil utilizando-se números e gráficos e focaliza primordialmente na fala do usuário para expor uma análise aprofundada sobre a pesquisa e a temática apresentada. Ao final, seguem as considerações finais, as referências bibliográficas e os apêndices. 16 CAPÍTULO 1 – O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO 1.1. APROXIMAÇÕES COM O TEMA DA PESQUISA De acordo com o Guia de orientações básicas para implantação de ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS), as ouvidorias em saúde são ferramentas estratégicas de promoção da cidadania em saúde, visto que, coloca-se como um canal de comunicação entre o cidadão e a administração pública, pelo qual o sujeito contribui para fortalecer o processo democrático, a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo SUS e consequentemente a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que utilizam o serviço público de saúde. A Ouvidoria Geral do SUS apresenta-se como um espaço democrático que visa fortalecer a participação social para qualificar a gestão participativa do referido Sistema. Está vinculada ao Ministério da Saúde, é parte integrante da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa (ParticipaSUS), foi criada pelo Decreto nº 4.726 de 9 de junho de 2003 e tem sua forma prevista no artigo 37, parágrafo 3º, inciso I da Constituição Federal de 1988: § 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (CONSTITUIÇÃO FEDERALl, 1988, p. 42). A Ouvidoria é um espaço que possibilita a participação democrática. O processo democrático é inerente à participação popular. A palavra democracia remete ao sinônimo de igualdade. Igualdade de direitos para os cidadãos que fazem parte de um Estado Democrático de Direitos e visam, segundo Falcão (2010), uma sociedade livre justa e solidária, em que o poder emana do povo e deve ser exercido em proveito do povo. (FALCÃO, 2010, p.54) Nessa perspectiva, Lyra (2012) assim se expressa, O vínculo da ouvidoria pública com a democracia é algo ontológico. Ela se constitui como espaço e forma de exercício de controle da sociedade, ou, se preferir, da cidadania [...] por isso lhe é inerente [...] a defesa dos direitos humanos, a busca da promoção da justiça e da inclusão social. (LYRA, 2012, p. 21) A Ouvidoria pública é um espaço democrático, um espaço para todos, não se restringe somente ao cidadão pertencente à classe mais vulnerável. Lyra 17 (2012) diz que à ouvidoria interessa que sejam assegurados direitos ao maior número, com prioridade para os mais desvalidos. Na linguagem da ouvidoria, os usuários são chamados de internos e externos. Internos são os funcionários da instituição à qual a Ouvidoria está integrada e externos são todos os demais que procuram os seus serviços que não tem vínculo empregatício com a mesma. Como, por exemplo, a Ouvidoria de um hospital público; qualquer profissional que trabalha no hospital pode fazer sua manifestação, não somente o usuário que necessita de serviços médico-hospitalares. Lyra (2012) afirma que: [...] a legitimidade para demandar a ouvidoria pública não se restringe apenas ao usuário da instituição em que ela atua, ou aos que a ela presta serviços. Ela se estende a qualquer cidadão que nela queira preservar o interesse público [...]. (LYRA, 2012, p.21) Atuar como estagiária de Serviço Social em uma ouvidoria da saúde me aproximou da questão da participação social. A participação do usuário, manifestando sua opinião, seja em busca de uma informação, reclamando, solicitando, elogiando, denunciando ou sugerindo algo sobre os serviços prestados pelos órgãos públicos de saúde, foi uma surpresa à realidade de que a saúde, mesmo sendo um direito constitucional, ainda chegue até a população por meios clientelistas e patriarcalistas. A minha opção pelo tema Ouvidoria em saúde se deu pelo que já foi descrito acima e por ter visualizado o órgão como um possível campo de trabalho para o assistente social. Trata-se também de um local onde se pratica o exercício da cidadania, onde o cidadão busca a concretização de direitos assegurados por lei, participando ativamente exercendo a democracia, elementos esses que muito me despertam o interesse. Ouvidoria é algo relativamente novo na área da saúde, tornando-se assim, um novo espaço de atuação para o assistente social em que ele deve estar atento as mudanças e transformações que ocorrem na sociedade diante do fato de que a Ouvidoria trabalha com todos os sujeitos indistintamente. Conforme Iamamoto (2011), “Possibilidades novas de trabalho se apresentam e necessitam ser apropriadas, decifradas e desenvolvidas; se os assistentes sociais não fizerem, outros farão”. (IAMAMOTO, 2011, p. 48) 18 Vislumbrar a Ouvidoria como campo de atuação para o Serviço Social também despertou meu interesse por se tratar de um local de exercício e garantias de direitos humanos e sociais. A atual ouvidora do campo onde fiz minha pesquisa é assistente social e como tal, ela toma providências cabíveis à profissão ao identificar na manifestação de algum usuário a necessidade da intervenção profissional. Como profissional do Serviço Social, a técnica da Ouvidoria vê o órgão como um novo espaço para a atuação do Serviço Social, pois, como ela mesma relata, “a Ouvidoria hoje é ativa”, não é apenas um local onde se fica esperando que o cidadão chegue para fazer sua manifestação; como assistente social, ela vai em busca de identificar os problemas no Hospital pertinentes à Ouvidoria e esclarece sobre o que é o órgão e sobre a importância, a necessidade e o direito que o cidadão tem em fazer a sua manifestação numa atitude propositiva. No período em que fui estagiária na Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde de Maracanaú, alguns casos me chamavam a atenção sobre o posicionamento do papel da Ouvidoria com relação à garantia de direitos, como por exemplo, um caso em que uma garota de 16 anos estava grávida e não estava conseguindo o devido atendimento médico na Unidade de Saúde mais próxima de sua casa. A sua manifestação foi solucionada de imediato por ser um caso prioritário de acordo com os princípios e diretrizes do SUS corroborado pela Lei n. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do adolescente – em seu Artigo 8º1. Lembro que a responsável pelo Programa de Assistência à Gestante da Secretaria de Saúde falou que não importava a justificativa dada pelos profissionais da unidade de Saúde, gestante era prioridade e gestante adolescente mais ainda por ser um caso delicado devido à idade. Após a manifestação, a adolescente passou a ser atendida regularmente sem maiores problemas. Na Ouvidoria o usuário tem voz e tem vez, segundo Vismona, a conscientização da cidadania na defesa dos seus direitos é a verdadeira mola propulsora da Ouvidoria (Vismona, 2001). Uma Ouvidoria não funciona sem a participação dos sujeitos, ela é uma espaço democrático de participação social, um 1 Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. 19 local onde o cidadão pode manifestar aquilo que ele considera que deve ser melhorado no que se refere à atendimento prestado por órgãos da Administração Pública. Segundo Saldanha (2013), a Ouvidoria tem a finalidade de empreender ações na defesa dos direitos individuais e coletivos da comunidade geral. (SALDANHA, 2013, p. 08) O recorte da temática para a participação dos sujeitos se deve ao fato de que uma Ouvidoria não existe sem a participação efetiva dos cidadãos, é preciso que o cidadão procure o órgão e faça sua manifestação para que haja a relação cidadão e administração; aqui no caso, usuário e administração pública em saúde. A redução do recorte para a área da saúde se deu pela pesquisa de campo ter sido feita em um hospital público e porque a saúde é uma área crítica com relação ao atendimento dos usuários, pois quando uma pessoa procura um serviço de saúde, de alguma forma se sente vulnerável e o mínimo que se espera, de acordo com a Política Nacional de Humanização (2006), é um acolhimento que garanta uma atenção mais resolutiva. A Ouvidoria do Hospital Municipal João Elísio de Holanda (HMJEH), funciona nas dependências do HMJEH e do Hospital da Mulher e da Criança (HMC). Segundo o Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH relativo ao ano de 2013, seu principal objetivo é detectar, acolher e encaminhar as observações dos usuários, propondo soluções na busca de satisfação de suas necessidades e expectativas como forma de participação na gestão do Hospital. Ainda de acordo com o Relatório citado acima, a Ouvidoria do HMJEH atendendo as exigências da CF/88 e das leis nº 8.080/90 e 8.142/90 também tem como objetivo aproximar os cidadãos da gestão do Hospital e consequentemente da gestão do SUS. Tendo em vista o exposto, o objetivo principal dessa pesquisa é tentar captar a percepção do usuário do HMJEH sobre os serviços da ouvidoria. Se atende às suas expectativas, se considera resolutivos, enfim, se atende as necessidades de quem a procura de maneira satisfatória. Ressaltando Lyra (2012), as ouvidorias públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da inclusão. (LYRA, 2012, p. 89) 20 O usuário é um cidadão de direitos, e a saúde, como já citado anteriormente, é direito assegurado em nossa Carta Magna em seu artigo 196, Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (CONSTITUIÇÃO FEDERALl, 1988, p. 131) A saúde, sendo um direito constitucional, garante ao indivíduo o exercício da cidadania, e, uma das maneiras de avaliar a qualidade dos serviços de saúde é através de seus usuários. Por meio de suas manifestações é que se poderá perceber as falhas e acertos em busca da qualidade. Para Véras (2005), “os serviços de Ouvidoria em Saúde buscam estabelecer uma comunicação do usuário com os serviços de saúde” (VÉRAS, 2005, p. 18). Assim sendo, a participação do usuário traz benefícios não somente para o sujeito, mas também beneficia os serviços de saúde. Conforme Véras, [...] a opinião dos usuários acerca da qualidade dos serviços contribuirá para o planejamento das ações dos profissionais de saúde, gestores e administradores. Desse modo, poderá ser avaliado também o impacto da Ouvidoria no resgate da cidadania, na implementação de políticas públicas de saúde inclusivas e na promoção dos seus direitos. (VERAS, 2005, p.19) A implantação de ouvidorias é fundamental para o fortalecimento do SUS, pois, é um espaço que poderá proporcionar a integração do cidadão ao sistema de saúde, onde ele possa registrar a sua manifestação sobre o problema que identificar e também onde possa buscar informações sobre os serviços, tendo em vista o inciso V, Artigo 7º da Lei n. 8.080/19902. Importante por parte da ouvidoria é proporcionar respostas ágeis e resolutivas para que o cidadão se sinta acreditado de que sua participação é essencial para o bom desenvolvimento das ações de saúde. O SUS é um sistema de saúde amplo, no entanto, fragilizado. A demanda da população é grande e ele segue se estruturando à medida que as demandas vão surgindo. A insatisfação do usuário com relação às dificuldades de acesso aos serviços prestados e a qualidade do atendimento torna-se um dos principais motivos de procura dos serviços da Ouvidoria. Ouvir os usuários do SUS é estar atento às 2 No inciso V da Lei n. 8.080/1990 consta a seguinte definição: Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde. 21 necessidades dos paciente e consequentemente obter meios para avaliar a qualidade dos serviços de assistência à saúde. O cidadão como usuário contribuinte, pois, conforme Véras (2005) “[...] o usuário deve ser visto como cidadão e contribuinte, visto que ele é o financiador do sistema de saúde” (VÉRAS, 2005, p. 30). Deve ele mesmo ter consciência que é sua responsabilidade e de toda a sociedade fiscalizar e avaliar os serviços públicos de saúde. Assim, é preciso voltar um novo olhar para a Ouvidoria, por se tratar de um canal entre o usuário e a administração pública. Falcão (2010) menciona que Ouvidoria: [...] constitui-se um espaço imprescindível ao cidadão, que sedento por necessidades imperiosas de reparação à saúde física, necessita de um canal que lhe garanta a oportunidade de expressão das suas reinvindicações [...] (FALCÃO, 2010, p. 63). Dessa aproximação através da escuta e do diálogo com os usuários do sistema de saúde pública, existe coletivamente uma construção do saber para um fazer democrático relacionado à saúde pública. Almeja-se um atendimento mais humanizado, acolhedor, onde o cidadão se sinta como parte do sistema e não alguém, de acordo com Falcão (2010), sujeito à subserviência e benevolência frente aos serviços recebidos por via da ação profissional. (FALCÃO, 2010, p. 63) Um quesito essencial para o bom desempenho de uma ouvidoria e que não pode ser esquecido diz respeito ao sigilo que deve ser assegurado aos usuários à respeito de suas manifestações. A escuta do usuário é feita individualmente e lhe é informado sobre o sigilo, oferecendo-lhe a opção de se identificar e sua manifestação ser identificada como sigilosa (o nome será conhecimento somente da ouvidoria) e anônima, quando a pessoa realmente não quer se identificar de forma alguma. O usuário deverá ficar bem à vontade para falar sem o temor de sofrer possíveis represálias. As manifestações são classificadas de acordo com as categorias expressas no Guia de orientações básicas para implantação de ouvidorias do SUS (2010) e são as seguintes: Denúncia, Elogio, Informação, Reclamação, Solicitação e Sugestão. No HMJEH, os meios de acesso disponibilizados aos usuários para realizarem suas manifestações são: presencial, telefone, email, carta, caixa de 22 sugestões e OuvidorSUS (Sistema informatizado da Ouvidoria Geral do SUS, disponível em www.saude.gov.br/ouvidoria). O tema Ouvidoria ainda possui uma bibliografia escassa, encontrando-se a maior parte em artigos e monografias. No entanto, desperta o interesse de alguns estudiosos por se tratar de um canal para o exercício da democracia corroborado pela participação do cidadão. Conforme Vismona (2001), O principal objetivo de uma ouvidoria é buscar a aproximação do administrador público com o cidadão de forma que ambos percebam a importância do registro de uma reivindicação. (VISMONA, 2001, p. 24) Para que ocorra o diálogo entre a administração e o cidadão se faz necessária a figura do ouvidor. O ouvidor coloca-se como um representante do cidadão perante a instituição em que atua, viabilizando o canal de comunicação entre a instituição e o cidadão. Geralmente é nomeado pelo dirigente da instituição à qual a ouvidoria está localizada. Conforme Silva (2006), [...] o ouvidor, geralmente exerce suas funções através de nomeação pelo dirigente máximo do órgão, devendo contribuir para o fortalecimento dos direitos do cidadão, aproximando-o da instituição, agindo em contato direto com o poder decisório e prevenindo a repetição de erros e abusos, estimulando, assim, o processo de melhoria contínua da qualidade dos serviços públicos. (SILVA, 2006, p. 19) É de extrema importância a autonomia do ouvidor para falar pelo cidadão que fez sua manifestação não com o papel de criticar a instituição ou o sistema no sentido de estar em permanente conflito com a administração, mas de dialogar para buscar a melhor solução diante dos problemas manifestados. Vismona (2001) diz que o ouvidor não é um crítico de plantão, mas sim um agente permanente de defesa da cidadania. (VISMONA, 2001, p.17). Outras atribuições do ouvidor: Facilitar o acesso à Ouvidoria, simplificando seus procedimentos. Encaminhar a manifestação apresentada à área que deve solucionála, acompanhando a sua tramitação; Ter livre acesso a todos os setores órgão em que exerce suas funções, para que possa apurar e propor as soluções requeridas em cada situação; Estimular a participação do cidadão e a informação dos serviços prestados; Apresentar relatórios regulares ao dirigente do órgão em que atua. (VISMONA, 2001, p. 19) 23 O ouvidor também deve possuir capacidade de escuta, por experiência própria, sei que é imprescindível a escuta em uma ouvidoria, uma palavra mal interpretada e transtornos poderão ser gerados para todos os envolvidos no processo. Se faz necessário haver a característica da empatia para poder se colocar no lugar do outro e tentar compreender melhor a sua fala, além da capacidade de mediar conflitos de maneira serena e imparcial. (Lyra, 2012, p. 93) Diante do exposto, o trabalho se desenvolverá por meio de pesquisa qualitativa, pois o que se busca é a percepção subjetiva dos entrevistados. Para realização da pesquisa foram utilizadas as técnicas da pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, entrevista semiestruturada, observação participante e história oral. A explanação sobre a metodologia utilizada será abordada no tópico a seguir. 1.2. METODOLOGIA DA PESQUISA Diante do contexto em que vivemos, o que possivelmente dificulta a administração do Estado em relação aos problemas que surgem cotidianamente e onde a questão social se apresenta de forma latente, a metodologia mais adequada para esta pesquisa é a qualitativa. A metodologia qualitativa é a mais propícia para se estudar cientificamente a questão social que se apresenta em nossa sociedade, pois possibilita um conhecimento aprofundado do objeto de estudo visando compreender o fenômeno em suas nuances e subjetividades e possivelmente encontrar o melhor meio para solucioná-lo, bem como, utopicamente, pensar em erradicá-lo. A sociedade, conforme Haguette (2005), é constituída de microprocessos, que levam a macroestrutura e comprovam que é constantemente reconstruída por meio de um movimento dinâmico de renovação mediante a força da ação social individual e grupal. (HAGUETTE, 2005, p. 20). Corroborado por Minayo (2010) que diz: “[...] a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados que transborda dela”. (MINAYO, 2010, p. 42) Através do método qualitativo, o olhar do pesquisador se volta para o indivíduo enquanto ser social fazedor de sua história e, consequentemente, da história da humanidade. De acordo com a definição de Minayo (2010), a pesquisa alimenta a atividade de ensino por se tratar de uma construção da realidade e uma 24 atividade de aproximação sucessiva da realidade. Do passado se constrói o futuro, ou seja, o homem constrói a história da humanidade dos fatos que vão ocorrendo no cotidiano, bem como, do que ocorreu no passado. Assim sendo, pode-se afirmar que não pode haver pesquisa social sem o registro histórico do objeto de estudo. [...] o objeto das ciências sociais é histórico. As sociedades humanas existem num determinado espaço cuja formação social e configurações culturais são específicas. Elas vivem o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro que em si traz, dialeticamente, as marcas pregressas, numa re-construção constante do que está dado e do novo que surge. Toda investigação social precisa registrar a historicidade humana [...]. (MINAYO, 2010, p. 39) Minayo (2010) compreende como Pesquisa Social os vários tipos de investigação que tratam do ser humano em sociedade, de suas relações e instituições, de sua história e de sua produção simbólica. Conceituando a pesquisa social em saúde a autora diz que, todas as investigações que tratam do fenômeno saúde/doença, de sua representação pelos vários atores que atuam no campo as instituições políticas e de serviços e os profissionais e usuários. (MINAYO, 2010, p. 47) A pesquisa qualitativa permite uma compreensão mais ampla do objeto de estudo levando em consideração a subjetividade. A pesquisa qualitativa proporciona maior liberdade ao pesquisador, permite que ele possa expressar o que está além da informação repassada por palavras, ela está ligada aos atos do sujeito. Conforme Minayo (2007), a pesquisa qualitativa, “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. (MINAYO, 2007, p.21). A abordagem qualitativa apreende prioritariamente o ponto de vista do indivíduo, da ação humana, da interação das pessoas agindo diferente, interagindo de maneiras diferentes, construindo assim as relações sociais subjetivamente. Haguette (2005) comenta sobre a importância da subjetividade, de perceber o que é dito através dos gestos, do olhar e etc.,. Conforme a autora a pesquisa qualitativa “[...] é usada para captar dados psicológicos que são reprimidos ou não facilmente articulados como atitudes, motivos, pressupostos, quadros de referência etc.”. (HAGUETTE, 2005, p.64) 25 Haguette (2005) também define que a pesquisa qualitativa é a mais adequada, para pesquisas em instituição hospitalares, [...] são usadas como indicadores do funcionamento complexo de estruturas e organizações complexas que são difíceis de submeter a observação direta [...] tais como: organizações (empresa, hospital, prisão) e comunidades [...]. (HAGUETTE, 2005, p.64) A minha opção por esta metodologia deu-se pela pesquisa ter sido realizada com os usuários da Ouvidoria de um hospital público com o intuito de, conforme Fraser (2004), dirigir os esforços para: a) Garantir a representatividade dos significados, passível de ser obtida ao entrevistar aqueles que conhecem e compreendem profundamente a realidade a ser estudada. b) Permitir que o entrevistado sinta-se mais livre para construir seu discurso e apresentar seu ponto de vista [...] (FRASER, 2004, p.143). Para realização desta pesquisa, primeiramente foi realizado um levantamento de material bibliográfico para aprofundar o conhecimento nas categorias de análise e o caminho a ser realizado. Como técnica de coleta de dados, utilizei a pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação participante, história oral e entrevista semiestruturada. Lima (2007) afirma que a pesquisa bibliográfica é exposta como procedimento metodológico importante na produção do conhecimento científico, por meio dela obtêm-se material sobre a história e outras experiências vivenciadas em Ouvidorias. De acordo com Gil (2002) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. (Gil, 2002, p.44). Ela possibilita o acesso ao conhecimento de vários outros autores sobre o tema e permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. (Gil, 2002, p.45). A pesquisa bibliográfica conforme Lima (2007), implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca de soluções, atento ao objeto de estudo e que por isso não pode ser aleatório. (Lima, 2007, p. 38). Ela é importante para fundamentar teoricamente o objeto de estudo e exige disciplina e atenção no momento da coleta de dados de acordo com o percurso metodológico definido. De 26 acordo com Boni (2005) ela abrange: publicações avulsas, livros, jornais, revistas, vídeos, internet, etc. (Boni, 2005, p. 71). O acesso a documentos da instituição para conhecimento de sua história, bem como dados sobre o desenvolvimento do trabalho da ouvidoria será compreendido por meio da pesquisa documental que, segundo Gil (2002), os documentos constituem uma fonte rica e estável de dados. O autor ressalta que a pesquisa documental vale-se de material que não recebeu ainda um tratamento analítico. (Gil, 2002, p.45). Outra etapa importante utilizada nessa investigação foi a entrevista. A entrevista é definida por Haguette (2005) como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado. Apresenta-se como uma conversa a dois, uma conversa onde o pesquisador vai extrair as informações pertinentes a sua pesquisa. É através da entrevista que o pesquisador vai em busca do real de maneira objetiva e direta, conforme Minayo (2010) é a estratégia mais usada no processo de trabalho de campo. A entrevista faz o entrevistado refletir sobre algo que ele poderia considerar comum e insignificante, agindo sobre ele psicologicamente podendo causar receio e desconfiança, alterando assim o modo de se comportar. Boni (2005) diz que a entrevista deve proporcionar ao pesquisado bem-estar para que ele possa falar sem constrangimento de sua vida e de seus problemas e quando isso ocorre surgem discursos extraordinários. Durante o processo da entrevista, cabe ao pesquisador deixar o entrevistado bem à vontade para que este possa fornecer informações sinceras, visto que com medo a pessoa poderá ocultar algum detalhe ou informação. O pesquisador deverá também estar atento às informações transmitidas através de gestos, olhares, trejeitos, enfim, ele deve como afirma Boni (2005), reconhecer as estruturas invisíveis que organizam o discurso do entrevistado. Para esta pesquisa, optei pela entrevista semiestruturada, ou seja, aquela composta por perguntas fechadas e abertas para traçar um perfil socioeconômico do 27 entrevistado e deixá-lo à vontade para colocar suas palavras, suas impressões sobre o que lhe foi questionado. Boni (2005) diz que a entrevista semiestruturada, [...] são possibilitadoras de uma abertura e proximidade maior entre o entrevistador e o entrevistado, o que permite ao entrevistador tocar em assuntos mais complexos e delicados, ou seja, quanto menos estruturada a entrevista maior será o favorecimento de uma troca mais afetiva entre as duas partes. (Boni, 2005, p. 75) Para Minayo (2010), a entrevista semi-estruturada facilita a abordagem e assegura, sobretudo aos investigadores menos experientes, que suas hipóteses e seus pressupostos serão cobertos na conversa. Evidentemente isso também depende do pesquisador, pois ele também precisa estar à vontade, sentir-se seguro para realizar as entrevistas, ainda mais com a utilização de recursos como gravadores e filmadoras que podem inibir o entrevistado. Outra técnica utilizada também foi a pesquisa de campo. Para introduzir o assunto sobre a mesma iniciarei fazendo uma breve explanação sobre o campo científico sob a ótica de Bourdieu. Em um mundo capitalista nem a ciência está isenta do desejo pelo consumo, consumo pelo melhor conhecimento e pelo reconhecimento. Para Bourdieu (1983) o campo científico é um lugar, um espaço de jogo de uma luta concorrencial. É uma concorrência devido ser restrito aos pesquisadores e cada um querer o reconhecimento para sua pesquisa. A pesquisa científica atende a interesses de classe. Por mais que se volte para o estudo das desigualdades sociais, a pesquisa interessa a classe dominante por esta ser sempre a detentora do poder numa sociedade capitalista. Bourdieu (1983) diz que os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição da ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem. (BOURDIEU, 1983, p.7) De acordo com Bourdieu (1983) a autoridade científica é, pois, uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies. O capital científico é uma espécie de capital social por haver a troca de relações no grupo, pode ser convertido em capital cultural pela troca de conhecimento, saberes, cultura etc. 28 Na concepção de Minayo (2012), o campo de pesquisa é compreendido como “o recorte espacial que diz respeito a abrangência, em termos empíricos do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação”. Por exemplo, esta pesquisa, expõe sobre um campo empírico determinado que é a participação do usuário em um órgão específico da área da saúde, que é a ouvidoria em saúde. A autora também comenta que “na pesquisa qualitativa a interação entre pesquisador e sujeitos da pesquisa é essencial” (p.63). A pesquisa social precisa dos atores sociais para existir. “Ela trabalha com gente e suas realizações”. (p.62). Visando a compreensão dos atores sociais em suas relações com os demais sujeitos. Ainda conforme a autora, o trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador com a realidade observada, sobre a qual formulou sua pergunta. Cabendo ao pesquisador interagir socialmente com os sujeitos da pesquisa numa relação de intersubjetividade. Em relação à Observação Participante, Minayo (2010) comenta que pode ser considerada parte essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa. Por meio desta técnica, o pesquisador poderá interagir com o objeto da pesquisa, entrar no mundo do seu objeto de estudo e ao mesmo tempo vê-lo com curiosidade. Procurar perceber o porquê, o diferente que despertou seu interesse pela pesquisa é comum para quem vivencia a experiência. Conforme Minayo (2010), para uso desta técnica é necessário cautela. O pesquisador por se aproximar da realidade observada deverá ter o cuidado para não se integrar a ela de forma que ela se torne natural a ele. O pesquisador não pode perder o seu olhar “estranho” para o outro, isso possibilitará maior riqueza de informações e percepções científicas. Por se tratar de um campo onde se preconiza a saúde como direito o pesquisador deve romper com o senso comum do grupo pesquisado e reconstruir uma tipificação da realidade a ser compreendida. De acordo com Minayo (2010) citando a teoria marxista, ele deve dar ênfase aos conflitos contradições e diferenças observando o modo de vida dos sujeitos atores desse campo de desigualdades sociais. 29 Em relação à abordagem adotada nas entrevistas, utilizarei a História Oral. A História Oral, conforme define Amado (2006), é uma alternativa livre e emancipadora para romper com a história acadêmica institucional. Ela é inovadora, pois sua atenção se volta para os sujeitos que fazem a história, mas não tem voz altiva que faça prevalecer suas ideias, que são os dominados; trabalhadores, mulheres, homossexuais etc. Esta pesquisa foi autorizada pela Técnica da Ouvidoria do HMJEH com consentimento da Ouvidora Geral do SUS no Município de Maracanaú. As entrevistas foram realizadas com consentimento das pessoas entrevistadas mediante assinatura do termo Livre e Esclarecido como consta modelo do mesmo nos apêndices deste trabalho. A História Oral está atenta às percepções subjetivas dos sujeitos na sua individualidade. No entanto, conforme Haguette (2005), é preciso considerar que a História Oral está preocupada com o que é relevante e significante para a compreensão da sociedade. Conforme Amado (2006), Abordar o fenômeno da oralidade é ver-se defronte e aproximar-se bastante de um aspecto central da vida dos seres humanos: o processo da comunicação, o desenvolvimento da linguagem, a criação de uma parte muito importante da cultura e da esfera simbólica humanas. (AMADO, 2006, p. 15) A História Oral não é uma técnica para fazer relato da vida e das experiências dos sujeitos, o que interessa é produzir conhecimento científico. Haguette (2005) diz que por basear-se no depoimento pessoal e na memória está sujeita a críticas, pois o depoente transmite a sua impressão do fato e não a reconstituição dos acontecimentos. Haguette (2005) diz que: A História Oral é uma técnica de coleta de dados baseada no depoimento oral, gravado, obtido através da interação entre o especialista e o entrevistado, ator social ou testemunha de acontecimentos relevantes para a compreensão da sociedade. (HAGUETTE, 2005, p. 95) Ainda conforme a autora, tem por finalidade o preenchimento de lacunas existentes nos documentos escritos. É uma técnica utilizada para qualificar a produção científica, o pesquisador complementa os dados colhidos com outras 30 fontes como documentos e a bibliografia como se fosse a montagem de um quebra cabeças onde cada técnica seria uma peça. A História Oral permite ao pesquisador colher as percepções subjetivas dos entrevistados, concedendo-lhes liberdade para expôs seu pensamento sobre a vida cotidiana, o pesquisador deve ficar atento aos sentimentos que as pessoas passam em seu depoimento, pois é nele que se encontra a essência da sua história. E como não existe história sem personagens, a seguir, segue um breve relato sobre o campo de pesquisa onde foram encontrados os atores principais para embasar este estudo, que são os usuários da Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda (HMJEH). 1.3 LÓCUS DA PESQUISA: A OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA Na página eletrônica do HMJEH consta o histórico da instituição que teve seu início da seguinte maneira: foi fundado no dia 4 de junho de 1952, funcionando a princípio como Sanatório de Tuberculose. Somente em 1982 passou a condição de Hospital Geral, na década de 90 recebeu o nome de Hospital Municipal de Maracanaú, sendo que sua municipalização ocorreu apenas no ano 2000. Recebeu a atual denominação em 2008, numa homenagem a um de seus diretores. O HMJEH é unidade integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), classificado como unidade de saúde pública de médio porte e nível de complexidade secundária3, atuando como referência para oito municípios: Maracanaú, Maranguape, Pacatuba, Guaiuba, Acarape, Redenção, Barreira e Palmácia. 3 Os níveis de Atenção à Saúde são classificados em primário, secundário e terciário. O nível primário é também conhecido como Atenção Básica à Saúde e compreende preferencialmente ao primeiro contato do usuário com os serviços de especialidade básica da saúde, que são: clinica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia. (Ex. Postos de Saúde). O nível secundário corresponde à média complexidade e é composto por ações e serviços que visam a atender aos principais problemas de saúde e agravos da população, cuja prática clínica demande disponibilidade de profissionais especializados e o uso de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Neste nível, os equipamentos essenciais são os hospitais e os centros de especialidade médicas ou odontológicas. A alta complexidade é o conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à Saúde (atenção básica e de média complexidade). Como exemplo podemos citar as transplantes, neurocirurgias, traumato-ortopedia, assistência em cirurgia reparadora dentre outros. ( BRASIL, 2005, p. 27-35-140) 31 No período compreendido entre os anos de 2000 a 2010, os serviços do HMJEH foram ampliados para ambulatoriais igualmente de nível secundário de assistência. Decorrente disso foram criadas as seguintes unidades: Centro Integrado de Reabilitação - CIR, Policlínica de Maracanaú e Centro de Testagem e Aconselhamento Sorológico em DST/AIDS - CETAS. A Ouvidoria do HMJEH foi criada em 2006 por meio da Lei Municipal 1.108/06 com o objetivo principal de “detectar, acolher e encaminhar as observações dos usuários, propondo soluções na busca da satisfação de suas necessidades e expectativas como forma de participação na gestão do Hospital”. (Relatório de Gestão 2013, p. 4). A Ouvidoria do HMJEH possui dois núcleos para atendimento no complexo hospitalar (pois se trata do Hospital Municipal e do Hospital da Mulher e da Criança – HMC, serviço anexo do Hospital), que aqui denominarei de sala nº 1 e sala nº 2. A sala nº 1 está situada à esquerda da entrada principal do Hospital onde funciona o Serviço de Pronto Atendimento Adulto e Infantil (SPA/SPI), é uma sala bem pequena (2m x 3m, aproximadamente), importante ressaltar que esta sala foi designada à Ouvidoria de maneira improvisada após a necessidade da implantação do órgão na instituição. As paredes são revestidas em cerâmica do chão ao forro do teto, possui uma pequena janela de vidro para entrar claridade e a porta é bem larga para passagem de cadeirantes. Possui um flanelógrafo afixado na parede e um banner da ouvidoria, os móveis são apenas 1 mesa de escritório, 1 cadeira para a funcionária que for realizar o atendimento, 2 cadeiras para os usuários, 1 estante em aço para arquivo dos documentos, 1 aparelho de telefone e um móvel com gaveta onde fica o ventilador em cima. A sala nº 2 fica localizada na entrada do HMC, o espaço é menor que da sala nº 1 e se torna menor por conter mais móveis. É composta por 1 mesa de escritório, dois móveis, 1 ventilador, 1 estante de aço igualmente para arquivo de documentos, 1 aparelho de telefone, 1 rádio-televisor portátil, 1 vaso com flores artificiais, 1 mesa de escritório, 1 cadeira para a funcionária e 1 para o usuário. Possui 3 janelas de vidro e duas portas de acesso, uma para a área interna do 32 Hospital e a outra para a área externa. O que chama a atenção é que apesar de conter mais móveis e documentos, ela visualmente é mais organizada e decorada que a outra, tornando um ambiente mais agradável e receptivo. As salas são pequenas, no entanto atendem bem aos serviços da ouvidoria no sentido de ser um ambiente acolhedor, reservado que deixa o usuário à vontade para realizar sua manifestação. Os dois núcleos não possuem computadores, os registros das manifestações são feitos a mão, a princípio em um papel rascunho e depois transcrita para o formulário padronizado que será anexado a uma capa padronizada também, onde constarão as informações para identificação, como por exemplo, o número de registro do atendimento. Por se tratar de um setor que deve guardar sigilo das informações, a porta é trancada com chave e somente quem trabalha no órgão tem acesso. Ressalto que podem ser dois núcleos separados, porém o usuário pode se dirigir a qualquer um deles para realizar sua manifestação. Apenas quando se tratar de assuntos relacionados ao setor de urgência e emergência é que as providências serão tomadas pelo núcleo do SPA/SPI. A equipe da ouvidoria é composta pela ouvidora geral da saúde no Município, graduada em Sociologia e pós graduada em Gestão em Ouvidoria; pela técnica responsável pela ouvidoria do HMJEH, com formação em Serviço Social e por duas assistentes. Especificamente no HMJEH, a ouvidoria desenvolve um trabalho de sair nos espaços do Hospital esclarecendo sobre os serviços do órgão e incentivando as pessoas a procurarem o mesmo deixando claro que a ouvidoria é feita da participação de todos. Conforme a técnica da ouvidoria os funcionários não procuram muito o órgão para se manifestar porque entendem de maneira errônea que ouvidoria é para o usuário e não para eles. O que ela lamenta, pois a reivindicação deles poderia propiciar melhores condições de trabalho. De acordo com o Relatório de Gestão da Ouvidoria, por atender ao setor de emergência, a demanda da ouvidoria é bem significativa. No ano de 2013 foram realizados 477 atendimentos, que após análise e classificação feita de acordo com 33 as normas da ouvidoria verificou-se que o maior número foi de reclamações. O meio de acesso mais utilizados pelos usuários é o presencial e a maioria das manifestações são feitas por pessoas do sexo feminino com faixa etária compreendida entre 21 a 40 anos de idade. O horário de atendimento é das 7 às 16 horas, de segunda a sexta feira e o atendimento é realizado da seguinte maneira: o usuário é ouvido, é feito o rascunho da manifestação e depois a transcrição para o formulário formal. Se for caso em que se identifique a possibilidade de uma resolução imediata, as providências são tomadas ainda com a presença do usuário, se for caso de encaminhamento, é esclarecido para ele que sua manifestação será encaminhada para o setor responsável e que a ouvidoria entrará em contato para lhe dar a resposta. No ato da transcrição é feita a classificação da manifestação de acordo com a fala do usuário, se é reclamação, solicitação, informação, denúncia, elogio ou sugestão4. Uma observação importante é que uma mesma manifestação poderá ser desmembrada em várias de acordo com o encaminhamento. Por exemplo, reclamação sobre a vigilância, será encaminhada ao setor responsável, se for sobre a enfermaria, será encaminhada ao setor de enfermagem e assim por diante. Conforme informação da técnica responsável pela ouvidoria, atualmente, são realizados uma média de 35 atendimentos mensais, permanecendo com maior demanda as reclamações por mau atendimento e a maioria provém do setor de emergência chegando a ser três vezes maior que a demanda de todo o complexo hospitalar. Diante dessa informação cheguei à conclusão que entrevistar 10 usuários seria suficiente para colher dados para esta pesquisa 4 Reclamação: corresponde à Comunicação verbal ou escrita que relata a insatisfação em relação às ações e serviços de saúde. Solicitação: comunicação verbal ou escrita que, embora também possa indicar insatisfação, necessariamente contém um requerimento de atendimento ou acesso às ações e serviços de saúde. Sugestão: comunicação verbal ou escrita que propõe ação considerada útil à melhoria do SUS. Informação: comunicação, orientação ou ensinamento relacionado à saúde. Elogio: comunicação verbal ou escrita que demonstra satisfação ou agradecimento por serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Denúncia: comunicação verbal ou escrita que indica irregularidade na administração ou no atendimento por entidade pública ou privada de saúde. (BRASIL, 2010, p. 26). 34 Por orientação do Ministério da Saúde, a ouvidoria faz parte do núcleo que está implementando a política de humanização no Hospital e, segundo a técnica da ouvidoria, a política existe há dez anos, no entanto, nem 10% das unidades de saúde no país tem a política consolidada. A Ouvidoria encontra algumas dificuldades para desempenhar o seu trabalho com 100% de aproveitamento, dentre elas: o retorno das áreas técnicas com relação às manifestações encaminhadas para análise e resoluções, a rotatividade de funcionários e a falta de equipamento permanente, como computadores, impressoras etc. Para o próximo capítulo, será feito um relato sobre a história da ouvidoria desde o início na Suécia, quando foi criada sob a representação do ombusdmam, bem como, a abordagem dos elementos essenciais para o bom funcionamento de uma ouvidoria, que são a participação e o controle social, a democracia e cidadania. 35 CAPÍTULO 2 – OUVIDORIA, INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL, EXERCÍCIO DE DEMOCRACIA E CIDADANIA. 2.1. HISTÓRICO: DO INSTITUTO OMBUSDSMAN À OUVIDORIA NO BRASIL. Conforme Fortes (2008), a história da ouvidoria não é recente. Registros históricos da ouvidoria pública têm sua origem no final do século XVIII e início do século XIX. Com data de 26 de outubro de 1713, na Suécia, quando por ausência do rei Carlos XII, que passou doze anos ausente do país, criou a figura do supremo representante do rei, o ombusdmam; de acordo com Vismona (2001) esta palavra é de origem nórdica e resulta da junção da palavra ombud que significa “representante, procurador” e man “homem” sem variação de número ou gênero, ou seja, é mesma denominação para ouvidores homens e mulheres. De acordo com Lyra (2012) o ombudsman tinha a função de fiscalizar a execução das leis emanadas pelo rei, por parte dos funcionários públicos. Com o fortalecimento do parlamento, o papel do ombudsman sofre alteração, de agente do rei foi transmutado para mandatário do parlamento com a função de controlar, em nome próprio, a administração e a justiça. Em 1807, a Suécia sofre derrota em guerra contra a Rússia e perde parte de seu território, promulgando assim, em 1809 uma nova Constituição. Essa nova Constituição limitou o poder real definindo novas prerrogativas para o parlamento, alterando a função do ombudsman, designando, conforme Falcão (2010) com a missão de agir como interlocutor entre a população e o Governo, fortalecendo o direito dos cidadãos frente ao poder do Estado. (FALCÃO, 2010, p. 32) Segundo Fortes (2008) no decorrer do século XX diversos países instituíram a figura do ombudsman com funções similares, a Finlândia em 1919, atualmente atuam como defensores públicos para cada área. A Constituição Dinamarquesa de 1953 cria a função para assuntos militares e outro para civis, Em 1922 o parlamento da Noruega aprovou o Comitê dos ombudsman para atuar nas forças armadas e, também, assuntos civis. Ainda conforme o autor, em 1957 foi a vez da Alemanha adotar o sistema de ombudsman com a competência de defender o usuário mediante a prestação de serviços públicos. A Inglaterra, em 1962, cria figura do Parliamentary Commissioner 36 Act com competência para atender as queixas dos cidadãos por meio dos deputados do parlamento. Segundo Vismona (2001), este apresenta um caráter diferencial visto que é nomeado diretamente pela rainha exercendo um mandato indeterminado. A França inaugura seu instituto no início dos anos 70 como alternativa jurídica aos abusos do poder administrativo, instituindo, somente em 1973, o Médiauter, ao qual o acesso só é possível através de um membro do parlamento. Em Portugal, a instituição do ombudsman ocorreu com a Constituição de 1974 sob a denominação de Provedor da Justiça. Segundo Fortes (2008) o Provedor possui uma característica peculiar que o difere dos demais. Além das atribuições típicas do instituto, tem uma atribuição pedagógica, que é a de divulgar aos cidadãos portugueses o sentido e alcance dos direitos e liberdades fundamentais. (FORTES, 2008, p. 35 e 36) Na Itália, foi criado em 1974, com o nome de Defensore Cívico, e, na Espanha, no ano de 1978 com a denominação de Defensor del Pueblo com maior compromisso em garantir a defesa dos direitos humanos. Conforme Vismona (2001) a atuação do Ombudsman nos países europeus tem um forte caráter institucional, voltado para as demandas mais complexas que envolvem toda a cidadania. (VISMONA, 2001, p. 12) De acordo com Lyra (2012), na América Latina o instituto surgiu tardiamente a partir das ultimas décadas do século XX. Registrando-se a implantação em Porto Rico no ano de 1977, Guatemala em 1985, México em 1990, El Salvador e na Colômbia em 1991, na Costa Rica, Paraguai e Honduras em 1992, Peru e Argentina em 1993, Bolívia em 1994, Nicarágua em 1995, Venezuela em 1997 e Equador 1998. (LYRA, 2012, p. 84) A história da Ouvidoria no Brasil remonta aos tempos do Brasil Colônia. O Ouvidor Geral não representava o cidadão, de acordo com Vismona (2001) ele tinha por função aplicar a lei da metrópole e atender ao titular do poder, ou seja, o rei, reportando o que ocorria na Colônia, exercendo assim uma função inversa da atualidade. Após o período colonial, a ouvidoria somente surgiu no Brasil na década de 1990 do século XX, conforme Vismona (2001), já nas configurações atuais, 37 baseadas nos direitos e garantias dos cidadãos. Teve seu início na empresa privada Rhodia em 1985, e, com o processo de redemocratização do país, surgem alguns movimentos reivindicando a participação social no poder público. O Brasil, saindo de uma crise política e em meio a um cenário socioeconômico conturbado, cria o primeiro cargo de ouvidor geral público do país. O referido ato ocorre através do Decreto nº 92.700, de maio de 1986, que instituiu o cargo de ouvidor geral da Previdência Social, já com a atual ideia de ouvir queixas e denúncias dos cidadãos, zelando pelos serviços prestados pela administração pública. O processo de redemocratização chega ao seu ápice com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que instituiu um novo modelo democrático, tendo entre seus fundamentos, conforme Artigo 1º, incisos II, III e V, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Bem como, de acordo com o Artigo 3º, incisos I e IV, possui os objetivos de construir uma sociedade livre justa e solidária, e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2011, p. 13). Mediante isso, foi instituída a primeira ouvidoria pública no Estado do Paraná, na cidade de Curitiba, no ano de 1991, que conforme Véras (2005), tinha os objetivos de inserir as demandas dos usuários no seio da administração pública, sanear a administração pública através da fiscalização popular e oferecer aos cidadãos um meio institucional complementar de proteção de seus direitos. (VERAS, 2005, p. 41) No Estado do Ceará foi criada em 1991 a Ouvidoria em Saúde Pública, através do Decreto nº 21.661, com o objetivo de assegurar a participação do cidadão na gestão dos serviços de saúde e melhorar a qualidade dos serviços prestados, bem como fortalecer o canal de comunicação do usuário com a administração. Atualmente a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA) coordena uma rede de Ouvidorias que fazem parte da rede de Ouvidorias do Poder Executivo Estadual vinculada, à Secretaria da controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE). De acordo com o Relatório da Ouvidoria Geral da SESA do ano de 2012: 38 A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará - Sesa tem investido no processo de ampliação dos espaços de escuta dos seus usuários, fortalecendo as ouvidorias que são mecanismos de comunicação e mediação entre a instituição e os cidadãos. Por meio de sua Ouvidoria Geral, tem trabalhado no sentido consolidar as ouvidorias da Sesa como ferramentas estratégicas de promoção da cidadania, incentivando a participação popular e a inclusão dos cearenses no controle social do 5 sistema público de saúde. (RELATÓRIO DE GESTÃO – SESA, 2012, p. 4). Devido o recorte de espaço de desenvolvimento dessa pesquisa, focalizarei na descrição do Município de Maracanaú, tendo em vista a Ouvidoria do SUS atuar ativamente no município, seja na Secretaria Municipal de Saúde, que abrange todas as instituições prestadoras de serviços de saúde públicas e/ou terceirizadas que prestam serviços à Prefeitura, bem como, no Hospital Municipal, que é onde encontra-se o núcleo de ouvidoria que é o meu objeto de pesquisa. O município de Maracanaú faz parte da região metropolitana de Fortaleza, localizado ao sul da capital cearense. Foi emancipado do município de Maranguape em 04 de julho de 1983. Atualmente, possui 209.748 habitantes 6. É o maior pólo industrial do Ceará, e, conforme Martiniano (2010) o município teve um crescimento acelerado, pois cresceu 10 vezes em 20 anos – 1970 a 1990. Ainda conforme a autora, esse crescimento sem planejamento adequado, ocasionou e ocasiona numerosos e complexos problemas, destacando-se o aumento do déficit de serviços públicos, o agravamento dos problemas sociais, dentre outros. De acordo com o Relatório de Gestão da Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde de Maracanaú referente ao mês de agosto de 2011, a Ouvidoria do SUS no Município foi criada em 2003, através da Lei nº 761 de 19 de janeiro de 2001, que criou o cargo de Ouvidor Geral na Secretaria de Saúde do Município. De acordo com a referida Lei, o serviço da ouvidoria deveria atuar em nível de departamento, no entanto, houve uma demora para a implantação do órgão, vindo a funcionar somente dois anos depois, sendo desativada no ano seguinte, voltando a funcionar novamente no ano de 2006. Compõe a estrutura da Secretaria Municipal da Saúde e tem como missão, segundo o Relatório de Gestão Agosto/2011, assegurar um permanente 5 O Relatório de Gestão é um documento elaborado pela Ouvidoria com dados estatísticos e as conclusões sobre os atendimentos realizados pelo órgão. Pode ser mensal e anual. 6 Informação retirada do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 39 diálogo com a população usuária do SUS, visando a constante melhoria das ações e o exercício pleno da cidadania através de suas manifestações. (RELATÓRIO DE GESTÃO, 2011, p. 3). A Ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda (HMJEH) foi criada no ano de 2006, pela Lei Municipal nº 1.108/06, funciona nas dependências do Hospital e tem como atribuições, encaminhar as manifestações apresentadas pelos usuários aos setores correspondentes, bem como, acompanhar o andamento para soluções e cobrar providência quanto à resolução das mesmas, dando retorno aos usuários sobre as providências tomadas quanto às demandas apresentadas e fornecer informações gerais aos cidadãos sobre a estrutura, atendimento e funcionamento do Hospital. Aqui encerra-se o discurso sobre o histórico da ouvidoria e damos início aos elementos fundamentais para o bom funcionamento das ouvidorias em saúde. Começando pelo principio da participação social, elemento sem o qual, uma ouvidoria fica impossibilitada de funcionar, seguido de uma breve explanação sobre o controle social. O capítulo é encerrado falando sobre democracia e cidadania, elementos que guiam o cidadão para o ato de participar da coisa pública. 2.2. PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL A participação da comunidade está prevista no artigo 198, inciso III da Constituição Federal de 1988, e entre os princípios e diretrizes da Lei nº 8.142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), atendendo as exigências da Lei nº 8.080/90 conforme prevê o Artigo 7º, inciso VIII desta lei. Conforme Véras (2005), A constituição e a implantação do SUS asseguram ao cidadão, usuário do sistema, participar da gestão dos serviços de saúde. O indivíduo passa a ser um sujeito ativo, com responsabilidade na transformação da sociedade em que vive. O sujeito dentro do seu contexto social passa a perceber-se como ator de um movimento social atuando num palco real. (VÉRAS, 2005, p. 29) Em um país democrático, a participação social se torna algo fundamental porque de acordo com o artigo 196 da Constituição Federal de 1988, “[...] a saúde é um direito de todos e dever do Estado”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2011 p. 131) Tornando-se assim, obrigação de cada cidadão, enquanto usuário, consumidor e 40 financiador dos serviços de saúde – diante da realidade que o SUS é mantido por meios dos impostos pagos por todos os cidadãos brasileiros – fiscalizar as ações do Estado em relação aos serviços de saúde. A participação popular está relacionada à democratização da saúde e ao acesso igualitário aos serviços de saúde, objetivando melhorias sociais e qualidade de vida através de lutas e conquistas populares. O Movimento pela Reforma Sanitária abriu caminho para a implantação do atual Sistema de Saúde do país, trazendo em seu gene a ideia da participação popular e do controle social. Conforme Bravo (2012), a necessidade da participação social foi apresentada pelo Movimento da Reforma Sanitária, no conjunto das lutas contra a privatização da medicina previdenciária e à regulação da saúde pelo mercado. (BRAVO, 2012, p. 128) No processo de redemocratização pós-ditadura, mediante a necessidade da população por uma sociedade mais ativa e organizada, novos espaços públicos foram sendo criados. Emergindo nesse contexto a participação social como um referencial de ruptura com a dominação de um Estado autoritário. Causando transformações na dinâmica da sociedade, propiciando uma consciência popular mais ampla sobre os serviços públicos e os direitos civis e sociais. O processo de redemocratização fez emergir os movimentos sociais e como consequência a conquista da prática participava do cidadão nas ações do governo. As Leis 8.080/90 e 8.142/90 concederam aos atores envolvidos nos seguimentos básicos da área da saúde participarem da proposição, definição e avaliação de saúde para a consolidação do SUS. Conforme Sousa (2001), Do ponto de vista formal a operacionalização de tal conquista dá-se, especialmente, através das conferências e conselhos de saúde, caracterizados como instância colegiada de gestão e vinculados aos níveis municipal, estadual e nacional. (SOUSA, 2001, p. 69) De acordo com Vásquez et al (2005) a participação comunitária aparece como questão central nas políticas de saúde desde os anos 1970 e no Brasil essa participação é um dos eixos principais na estruturação do SUS. A Ouvidoria em Saúde apresenta-se com um dos mecanismos de participação social, visto que, têm como finalidade receber reclamações, denúncias sobre violação de direitos 41 relacionados à saúde, bem como atos de improbidade cometidos pela administração apurando a veracidade dos fatos e tomando as medidas cabíveis. Cavalcanti et al (2012) define a participação como capacidade dos indivíduos influenciarem ou intervirem nas decisões políticas referentes à sociedade em que vivem. Que é algo positivo, pois, trata-se de um processo de inclusão do sujeito com aptidão para agregar excluídos e propagar uma visão integral da saúde irradiando seu reconhecimento como um direito universal. Como não se pode restringir a participação popular a uma única definição, Valla (1998) a percebe da seguinte maneira: [...] múltiplas ações que diferentes forças sindicais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social (saúde, educação, habitação, transporte, saneamento básico etc.). (VALLA, 1998, p. 9) Vieira (2013) destaca que a discussão sobre saúde ultrapassa as instituições legitimamente associadas à área como o Conselho de Saúde. É um assunto que abrange toda a sociedade, pois as instituições públicas de saúde são destinadas a todos os cidadãos brasileiros. No entanto, em um sistema capitalista, a privatização da saúde é facilitada e favorecida para que o capital seja reproduzido constantemente, causando as desigualdades e a exclusão dos sujeitos. Segundo Vieira (2013) no atual contexto em que vivemos, de uma sociedade capitalista mediante a expansão da pobreza e das desigualdades sociais, percebe-se a desconstrução de direitos historicamente conquistados e estabelecidos. Este fato favorece a mobilização da sociedade em participar de maneira mais efetiva na execução das políticas públicas diante do fato de vivenciarmos uma realidade onde o direito dos cidadãos encontra-se violados. Para chegarmos à concretização de uma realidade de igualdade de direitos e de justiça social, faz-se necessário surgirem mudanças nas condições de vida, educação e saúde da população, e, atualmente, a melhor forma para se alcançar este objetivo é por meio da participação popular e do controle social dos cidadãos sobre as politicas sociais. De acordo com Viera (2013), a construção de mudanças no paradigma e nas condições de saúde da população só é possível contando com a sua participação na orientação das políticas públicas. (VIEIRA et al, 2013, p. 592). 42 Jacobi (2002) diz que a participação social se enquadra no processo de redefinição entre o público e o privado, dentro da perspectiva de redistribuir o poder em favor dos sujeitos sociais que geralmente não tem acesso. A participação social pode transmitir ao cidadão que ele também participa da construção e execução das políticas públicas, causando uma impressão de proximidade com a administração pública. Um dos grandes desafios é conscientizar o cidadão de seus direitos e fazê-lo romper com a troca de favores e o clientelismo, fazê-lo perceber que as políticas de saúde, assim como outras políticas, são construídas por ele e para ele. Neste contexto, podemos demonstrar a importância da Ouvidoria enquanto instrumento democrático de controle social que propicia a participação social na administração pública. A temática do controle social se destaca nos anos 1980, quando ainda no processo de redemocratização, os movimentos populares ganham visibilidade política reconhecida pelo Estado. A área da saúde foi pioneira nesse processo devido ao movimento pela Reforma Sanitária que teve seu início nos anos 1970 e culminou com a realização da VIII Conferência Nacional da Saúde em 1986. A VIII Conferência Nacional da Saúde tornou-se um fato histórico, pois, conforme Assis (2006), seu relatório final constituiu-se no Projeto de Reforma Sanitária, tendo como um dos eixos a participação dos setores organizados da sociedade civil, na perspectiva do controle social. (ASSIS, 2006, p. 13). A participação popular como forma de controle social, atua por meio de seus representantes – neste caso os membros do conselho de saúde – com o poder de definir, fiscalizar e acompanhar a execução das políticas de saúde. Conforme Bravo (2012), A participação social no SUS foi concebida na perspectiva do controle social, visando aos setores da sociedade participarem das políticas de saúde, desde as suas formulações – planos, programas e projetos –, acompanhamentos de suas execuções, até a definição da alocação de recursos para que estas atendam aos interesses da coletividade BRAVO, CORREIA, 2012, p. 131) Coutinho (2006) diz que foi no contexto das lutas sociais contra a ditadura e pela redemocratização do país que a expressão controle social foi designada 43 como controle da sociedade civil sobre o Estado. (COUTINHO apud BRAVO, 2012, p. 129-130). Silva et al (2006) reitera, [...] a expressão controle social é utilizada na sociologia para designar os mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade, submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. (SILVA, 2006, p. 9-10). Ao sistema capitalista interessa a reprodução da força de trabalho de forma exploradora, desse ponto de vista, a ideia do controle do Estado sobre a sociedade ocorre se for pensado que o Estado se preocupa em atender aos interesses da classe dominante, implementando as políticas sociais com o intuito de amenizar os conflitos entre as classes. De acordo com Silva (2006), a economia capitalista necessita de formas de Controle Social que garantam a aceitação da ordem do capital pelos membros da sociedade. (SILVA, 2006, p. 11). Atualmente, mediante a participação efetiva dos usuários por meio dos conselhos e conferências de saúde, a ideia que ressalta é a de que a sociedade exerce um controle sobre as ações do Estado por estabelecer práticas de vigilância sobre o mesmo acompanhando e participando ativamente das ações do governo. Como ocorre nas conferências, onde os membros dos conselhos colocam propostas, visando melhorar a qualidade de vida de maneira coletiva. Bravo (2006) assim se expressa, Os conselhos foram concebidos como um dos mecanismos de democratização do poder na perspectiva de estabelecer novas bases de relação Estado-sociedade por meio da introdução de novos sujeitos políticos. Nesse contexto, podem ser visualizados como inovações na gestão das políticas sociais, procurando assegurar que o Estado atue em função da sociedade, no fortalecimento da esfera pública. (BRAVO, 2006, p. 84) Segundo Bravo (2012) na proposta de contrarreforma do Estado brasileiro, o Banco Mundial (BM) prevê o fim do modelo paternalista e centralizado para colocar a sociedade civil como protagonista, convocando-a a ser parceira do Estado, objetivando contribuir financeiramente com os custos dos serviços prestados, ou seja, a proposta é desresponsabilizar o Estado de suas responsabilidades com a proteção social. Descentralizando a responsabilidade para a sociedade, esta passa a ser, segundo Bravo (2006), corresponsável pelos serviços e pela gestão pública por meio da „participação da comunidade‟. O Estado em parceria com a sociedade civil divide 44 os custos financeiros repassando a responsabilidade de alguns serviços para Organizações Não Governamentais (ONGs), instituições filantrópicas, dentre outros reduzindo assim seu papel de prestador de serviços sociais. De acordo com Mota et al (2009), na perspectiva de Gramsci, o controle social é contraditório, pois, ocorre em um espaço de disputa pelo poder, não é do estado ou da sociedade civil. Diante dessa contraditoriedade, o controle social pode acontecer por meio das políticas públicas, tornando-se um importante desafio à realidade brasileira para a criação de lutas de resistência que combatam a subserviência do povo brasileiro fortalecendo as ações dos movimentos sociais organizados no intuito de interferir na gestão pública com o objetivo de direcionar as ações e gastos do Estado para atender aos interesses da maioria da população. Ainda segundo a autora, os Conselhos e Conferências de Saúde são os mecanismos de participação institucionalizados na área da saúde e podem apresentar-se como mecanismos de cooptação dos movimentos sociais, bem como, espaços de “ampliação da democracia e de construção de uma nova hegemonia”. (MOTA et al, 2009, p.125) Assis (2003) comenta que o controle social, através dos Conselhos, é entendido como um espaço de representação da sociedade, nesse sentido, consiste em canais institucionais de participação popular na gestão governamental. Essa participação é entendida como um processo continuo de democratização e um novo espaço de cidadania, onde o indivíduo deve ser o centro do processo de avaliação. No SUS o controle social é representado pelos conselhos e conferências de saúde conforme prevê a Lei nº 8.142/90 em seu artigo 1º, incisos I e II, por serem instâncias em que a participação da comunidade é protagonista. Tomando por base o protagonismo da participação popular, destaca-se a informação como elemento fundamental para gestão e o controle social do SUS. Segundo Assis (2003), o usuário deve ter interesse em acompanhar e exigir uma boa qualidade dos serviços prestados pelo SUS visando a informação para apontar falhas, buscando aprimorar cada vez mais suas ações. Nesses termos, o controle social possui uma similaridade com a ouvidoria, visto que, esta atua como o canal de comunicação, fazendo parte da rede de informações que abrange todos 45 os níveis do sistema e promove a articulação entre o usuário e a gestão administrativa reforçando o processo da democracia. De acordo com a Lei nº 8.142/90, em seus parágrafos 1º e 2º, define a atuação dos conselhos e conferências de saúde que deverá ser da seguinte maneira: § 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. Os Conselhos de Saúde devem representar os cidadãos e defender os interesses coletivos, sendo de sua competência definir o que deve ser feito, fiscalizar e avaliar o que foi executado visto que, tem a participação da comunidade definida por lei, seu papel não pode ser confundido com o do gestor executivo municipal. Segundo Assis (2003) os Conselhos devem ter como eixos orientadores a representatividade de seus membros, a visibilidade de suas proposições, a transparência nas relações e articulação com a sociedade civil almejando garantir o processo democrático. Tendo em vista o papel da representatividade dos Conselhos, e, a ouvidoria como espaço de participação social onde se almeja o exercício da democracia e da cidadania, busca-se compreender a relação entre o Conselho de Saúde e a Ouvidoria. Segundo Bravo (2006) os conselhos de saúde são espaços onde os interesses sociais convergem para o interesse de todos. Dessa forma tornase permanente a luta pela defesa da democracia e pela participação da sociedade nas políticas públicas e na socialização das informações sobre a política de saúde em particular. Na perspectiva da atuação da sociedade civil organizada, objetivando o controle das políticas públicas para que atendam os interesses e as demandas da coletividade, o controle social visa à luta pelo fortalecimento do setor público com 46 destaque para o âmbito municipal por ser um espaço no qual os usuários se sentem mais próximos da administração, e, por ser um espaço de micropolítica, facilita a identificação das necessidades e a construção de alternativas, bem como, a solução a ser encontrada na busca de melhorar a qualidade do atendimento para os trabalhadores em saúde, gestores e usuários do SUS. Para Assis (2003), o controle social no SUS, [...] consiste num campo de relações sociais, no qual os sujeitos participam por meio de distintas articulações, que são processadas no âmbito interno e externo dos espaços institucionais, na busca da identificação de necessidades dos trabalhadores de saúde e grupos de comunidade em coresponsabilidade com as instâncias governamentais – Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e municipais de Saúde. (ASSIS, 2003, p. 377). A saúde, constitucionalmente, sendo um direito de todos, faz com que o controle social acabe tornando-se uma questão ética, visto que, o cidadão, na busca de melhor qualidade nos serviços de saúde tem a responsabilidade de participar da gestão pública para que as decisões relacionadas à área sejam devidamente compartilhadas. Apesar de o controle social apresentar-se como o controle da sociedade sobre o que é público, atualmente, no contexto de um mundo globalizado, existe grandes desafios para o exercício do controle social, dentre eles o desmonte das Políticas Públicas. Cabe ao cidadão utilizar seu poder de participação para influir sobre as políticas públicas e permanecer na luta por melhor qualidade de vida para todos, exercendo a democracia e sua cidadania. Conforme Chaui (2011), [...] na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais e populares, classes se organizam em sindicatos e partidos, criando um contrapoder social, que, direta ou indiretamente, limita o poder do Estado. (CHAUI, 2011, p. 356). A Ouvidoria como espaço que promove o exercício da democracia e da cidadania aproveita as informações visualizadas em seus relatórios utilizando-as na luta pela construção das políticas sociais. Lyra (2005) diz que as ouvidorias públicas vêm se transformando em instrumento inovador de gestão e, principalmente, em ferramenta de controle social e de atendimento aos usuários dos serviços públicos. (LYRA, 2005, p. 89). A ouvidoria como órgão onde predomina a participação popular, possibilita ao usuário da saúde a oportunidade de participar das políticas públicas 47 por se constituir um canal de comunicação democrático. Martiniano (2010) assim se expressa, Ouvidoria não é apenas um canal de escuta, é também um instrumento de gestão e de controle social, na medida em que dá voz ao cidadão comum, que muitas vezes desconhece seus direitos de cidadania. Um instrumento de acessibilidade e controle social na gestão pública, pois, incentiva a participação popular, inclui o cidadão no controle social, promove a cidadania em saúde, produz informação, fornece subsídio à gestão nas tomadas de decisão, aponta e identifica a necessidade de ajustes, a partir das manifestações dos cidadãos usuários. (MARTINIANO, 2010, p.66) Apesar de não estar prevista expressamente na Constituição Federal de 1988, a ouvidoria corresponde de maneira mais adequada ao princípio da participação do usuário na administração pública de acordo com o Artigo 37, parágrafo 3º, incisos I, II e III, conforme expresso a seguir. § 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Constituição Federal, 1988, p. 42, 43) Conforme Lyra (2012), juntamente com outros instrumentos de participação social, a ouvidoria atua na construção de um país mais inclusivo quando viabiliza o acesso dos cidadãos à gestão pública procurando equalizar as relações sociais, ampliando o controle da sociedade sobre as políticas de saúde e a fiscalização direta da mesma sobre o poder público. Durante o processo de pesquisa tive muitas conversas com a Técnica da Ouvidoria do HMJEH, e utilizarei alguns momentos desses diálogos na realização deste trabalho. Em um dos momentos de conversa ela expressou a seguinte frase: “a ouvidoria dá voz ao usuário”, ou seja, permite a aproximação do usuário com a administração num processo de gestão participativa, promovendo assim a inclusão do sujeito na medida em que busca influir na qualidade da prestação dos serviços públicos de saúde. Como espaço de inclusão por meio da participação dos sujeitos, a ouvidoria também proporciona ao cidadão o exercício da democracia e da cidadania 48 para a construção de uma sociedade participativa. Estes são os elementos a serem comentados a seguir. 2.3. DEMOCRACIA, CIDADANIA E OUVIDORIA: ALGO EM COMUM? A política surge com o nascimento das cidades. Segundo Chaui (2011), na Grécia e na Roma antiga a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas às família independentes. As guerras faziam ampliar o número de escravos nas duas cidades formando-se uma camada de camponeses pobres que migraram pra as aldeias onde se estabeleceram como artesãos e comerciantes, transformando as aldeias em centros urbanos, passando a disputar o poder numa verdadeira luta de classes com as grandes famílias agrárias. Ainda conforme a autora, essa luta de classes pedia uma solução e essa solução foi a política, que transformou as comunidades em verdadeiras cidades. Os legisladores foram os primeiros chefes políticos e dividiram essas cidades em territórios, com o intuito de diminuir o poder dos ricos e proporcionar um equilíbrio social. Disso decorre que em Atenas, a pólis foi subdividida em unidades sociopolíticas denominada demos onde todos os cidadãos tinham o direitos de participar do poder, derivando desta organização o regime democrático. A participação no poder significava que todos os cidadãos têm o direito de participar das discussões e deliberações públicas da pólis, votando ou revogando as decisões. (CHAUI, 2011, p. 356). Segundo Bobbio (1994), da concepção de democracia antiga aos tempos modernos, o titular do poder é sempre o povo, que é entendido como o conjunto dos cidadãos a que cabe em última instância o direito de tomar decisões coletivas, ou seja, democracia é o governo da maioria, ou, como é mais fortemente conhecida atualmente, é o governo do povo. “Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais”. (BOBBIO, 2004, p. 01). Ainda conforme Bobbio (1994), [...] por „democracia‟ entende-se uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de 49 poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, [...]. (BOBBIO, 1994, p. 7). De acordo com Moraes (2010), em Atenas o poder era exercido pelo povo em praça pública e o pressuposto da democracia era a liberdade. Também não havia eleições, havia uma assembleia composta por membros não eleitos pelo voto, mas por sorteio; esses membros eram responsáveis pela tomada de decisões pertinentes aos interesses do povo. No entanto, apesar do modelo democrático ateniense ser para todos, era contraditório, visto que, mulheres, menores de dezoito anos, escravos e estrangeiros não tinham direito de participar dessa democracia por não serem considerados cidadãos. Neto (1997) explica que a condição de cidadania em Atenas era adquirida apenas por pessoas do sexo masculino, com mais de dezoito anos e filhas de pai e mãe ateniense. (NETO, 1997, p. 288). O modelo contemporâneo da democracia se caracteriza pela representatividade, que, segundo Neto (1997) se contrapõe a democracia direta dos antigos, como sendo esta a única forma de governo popular viável nos Estados modernos, mediante o fato que no modelo representativo o povo elege seus representantes para tomar as decisões por ele. Ainda conforme Neto (1997), a marca da democracia representativa é a representação política, na qual o representante deve se voltar para atender aos interesses da nação e não interesses particulares dos representados. Segundo Bobbio (1994), os representantes eleitos pelos cidadãos estariam em condições de avaliar quais seriam os interesses gerais melhor do que os próprios cidadãos que se voltavam para a contemplação de seus próprios interesses. No Dicionário Aurélio, consta a seguinte definição para democracia: [...] Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder [...]. (NOVO AURÉLIO SÉCULO XXI, 1999, p. 620). A democracia moderna está voltada para o ideário da soberania popular, e, segundo Bobbio (1994), o único modo de tornar possível seu exercício, é atribuir ao maior número de cidadãos o direito de participar de forma direta ou indireta da tomada de decisões políticas coletivas. 50 Chaui (2011) diz que a democracia moderna foi instituída na luta contra o Antigo Regime (Regime Feudal) e, em relação ao atual regime democrático, favoreceu a ampliação da participação do cidadão, ainda que de forma representativa. As lutas populares possibilitaram a ampliação de alguns direitos, dentre eles, os direitos civis e o direito de fiscalizar as ações do Estado. A democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis. (CHAUI, 2011, p. 357). Contemporizando a democracia, a compreensão do debate sobre a mesma no Brasil deve levar em conta a sua historicidade e o tipo de sistema econômico vigente no país. No período da ditadura militar (1964-1978), houve total negação de direitos e privação de liberdade, causando um retrocesso no desenvolvimento do país. Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que o Brasil tornou-se definitivamente um país democrático tendo a participação popular como um de seus princípios. Fonseca (2007) assim se expressa, [...] o avanço da democracia deu-se em várias frentes, num movimento que procurou suplantar o passado escravista, elitista e autoritário de formação social brasileira. Novos direitos civis, políticos e sociais foram sendo incorporados à Constituição. Especificamente quanto ao sistema político, em que a participação política é central [...]. (FONSECA, 2007, p. 247,248). Contudo, Chauí (2011), nos remete a ideia de que até os dias atuais, o Brasil enfrenta dificuldades. Por tratar-se de um sistema capitalista, há grandes obstáculos à democracia devido a exploração de uma classe pela outra, o que gera um conflito de interesse entre os cidadãos, mesmo que nossa Carta Magna pregue que todos devem ser livres e iguais. Em um sistema de classes sociais antagônicas sempre haverá lutas, principalmente por parte da classe menos favorecida. Chaui (2011) apresenta como dificuldades para o exercício da democracia no Brasil o autoritarismo social. Segundo ela, nossa sociedade é autoritária porque é hierárquica, pois divide os cidadãos em superiores e inferiores; e também porque é violenta, porque nela vigoram o racismo, o machismo, a discriminação religiosa, de 51 classe social e vários outros tipos de exclusões culturais e política contradizendo assim o direito da liberdade que é primordial em uma democracia. Ainda conforme a autora, há também o clientelismo e o paternalismo, que estão historicamente enraizados na cultura do povo brasileiro dificultando a participação política por meio de representantes, pois os mesmo submetem os representados a questão de favores, descaracterizando a condição de cidadãos livre e participativo das ações do Estado. Corrêa (2002) diz que quanto à sua origem histórica, a noção moderna de cidadania nasce vinculada a questão do direito. Por esta razão a atuação do sujeito sobre as ações do Estado, fiscalizando, propondo, avaliando os serviços prestados dentre outros, apresenta-se como um exercício prático da cidadania, pois, ainda de acordo com o referido autor, cidadania tem a ver fundamentalmente com a participação na comunidade política, na qual o cidadão é inserido pelo vínculo jurídico. Conforme Vieira (2005), a acepção moderna da origem da cidadania está diretamente vinculada a noção de direitos humanos, desmembrados sequencialmente em direitos civis e políticos, que foram conquistados no XVIII e correspondem aos direitos de liberdade, igualdade, direito de propriedade, de ir e vir, direito a vida, a segurança e etc., direitos sociais, fruto de conquista do século XX que são os direitos relacionados ao trabalho, saúde, educação, seguridade social e todos os demais que garantam acesso ao bem-estar social e a conquista mais recente são os direitos de terceira geração que tem como titular a coletividade e não um único indivíduo; dentre eles consta, o direito à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, a paz, ao meio ambiente etc. Para Corrêa (2002), a cidadania significa a realização democrática de uma sociedade compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna. Ou seja, a cidadania implica a participação do sujeito nas deliberações sobre o que está posto no espaço público e é de interesse de todos. Conforme Vieira (2005), a construção de uma cidadania plena exige um sábio equilíbrio entre o espaço público e o privado, mas para isso é preciso o 52 elemento do sentimento de comunidade, de uma identidade coletiva que estimule o sujeito a exercer a cidadania como um instrumento para equilibrar as desigualdades sociais. Tonet (2005) diz que os indivíduos são essencialmente regidos pelo interesse pessoal, o que faz com que as desigualdades sociais sejam uma consequência inevitável do processo social. Reitera que ao Estado cabe o papel de mediar essas desigualdades para que elas não se ampliem ao ponto de afetar o direito de todos impedindo o acesso a um mínimo razoável de riqueza social. Vieira (2005) diz que ser cidadão é ser membro pleno de direitos e também ter acesso à decisões políticas, ou seja, ele deve ter o poder de participar como um homem político. Tem o direito de não apenas eleger seus representantes, mas participar ativamente das ações do Estado inerentes ao direito de todos. Para Tonet (2005) ser cidadão é, pois, ser membro de uma comunidade jurídica e politicamente organizada, que tem como fiador o Estado, no interior da qual o indivíduo passa a ter determinados direitos e deveres. Assim, a participação, prevista em lei, apresenta-se como elemento essencial para o exercício da cidadania. Ainda conforme o autor, embora a cidadania moderna tenha suas origens no interior da sociedade capitalista, ela não é uma categoria que se esgote nesta forma de sociabilidade, ela é fruto de muitas lutas da classe trabalhadora contra a exploração burguesa. Conforme Vieira (2005), A cidadania, definida pelos princípios da democracia, constitui-se na criação de espaços sociais de luta (movimentos sociais) e na definição de instituições permanentes para a expressão política (partidos, órgãos públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e política. (VIEIRA, 2005, p. 40). Na área da saúde o exercício da cidadania se dá através da participação do usuário nas decisões do governo, na gestão pública e no controle da Administração Pública. A ouvidoria atua como um órgão para fortalecer essa prática cidadã atuando como mediadora entre o usuário e administração, possibilitando ao cidadão um contato mais próximo com as ações do governo relacionadas à saúde. 53 A Ouvidoria preza pela dignidade da pessoa humana buscando defender os direitos fundamentais do cidadão, valorizando os direitos humanos e a inclusão social. Conforme Lyra (2012) [...] as ouvidorias públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da inclusão, tendo em vista que a sua atuação busca a um só tempo influir na qualidade da prestação dos serviços públicos e equalizar as relações entre cidadãos e administração pública. (LYRA, 2012, p. 89). O que há em comum entre Democracia, Cidadania e Ouvidoria é a participação social. Lyra (2012) remete a ideia de que a ouvidoria é um espaço democrático para garantir que direitos assegurados sejam exercidos e se apresenta como um autêntico instrumento da democracia participativa na medida em que conduz o cidadão para o espaço da administração pública. Conforme Corrêa (2002), cidadania tem a ver fundamentalmente com a participação do cidadão na comunidade política, na qual o mesmo é inserido pelo vínculo jurídico. No que se refere a ouvidoria, o sujeito, mesmo sem ter conhecimento de seus direitos, exerce sua cidadania ao procurar uma ouvidoria e se pronunciar. Através dela ganha voz ativa quando suas queixas (reclamações, solicitações, denúncias etc.) são ouvidas, contribuindo para o aprimoramento dos serviços prestados pelas instituições. Para concluir, utilizarei as palavras que constam no Relatório de Gestão da Ouvidoria da Secretária Municipal de Saúde do Município de Maracanaú relativo ao mês de agosto de 2011, De acordo com a concepção da Ouvidoria Geral do SUS, as Ouvidorias são espaços de cidadania, pois consolidam a saúde como direito, fortalecem o controle social e se transformam em instrumento de gestão e de visibilidade do Estado, potencializando o exercício pleno da democracia participativa. (RELATÓRIO DE GESTÃO..., 2011, p. 15). O texto acima abrange os quatro itens comentados anteriormente numa brevíssima definição, das muitas que se pode ter, do que é uma ouvidoria. Diante do exposto, pode-se afirmar que a Ouvidoria atua como instrumento para fortalecer o regime democrático do país e possibilita ao usuário do sistema de saúde exercer sua cidadania como sujeito de direitos. O usuário do sistema de saúde pública é o tema central a ser debatido no capítulo seguinte. Os usuários enquanto cidadão de direitos são os atores centrais 54 para o desenvolvimento do trabalho de uma Ouvidoria e, a mola propulsora desta pesquisa científica. A seguir, analisaremos atenciosamente suas falas e percepções. 55 CAPÍTULO 3 – OS USUÁRIOS DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA E SUAS PERCEPÇÕES. 3.1. SUJEITOS DA PESQUISA: O PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS USUÁRIOS DA OUVIDORIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DR. JOÃO ELÍSIO DE HOLANDA. Para traçar o perfil socioeconômico desta pesquisa tomaremos por base a análise documental do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). Levaremos em conta os dados referentes à classificação das manifestações: quanto ao meio de acesso, ao gênero e a faixa etária. Quanto à classificação, as manifestações podem ser identificadas como: DENÚNCIA: Comunicação verbal ou escrita que indica irregularidade na administração ou no atendimento por entidade pública ou privada de saúde. ELOGIO: Comunicação verbal ou escrita que demonstra satisfação ou agradecimento por serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). INFORMAÇÃO: Comunicação, orientação ou ensinamento relacionado à saúde. RECLAMAÇÃO: Comunicação verbal ou escrita que relata a insatisfação em relação às ações e serviços de saúde, sem conteúdo de requerimento. SOLICITAÇÃO: Comunicação verbal ou escrita que, embora também possa indicar insatisfação, necessariamente contém um requerimento de atendimento ou acesso às ações e serviços de saúde. SUGESTÃO: Comunicação verbal ou escrita que propõe ação considerada útil à melhoria do SUS. (BRASIL, 2010, p. 26). Como estagiária da Ouvidoria da Secretaria de Saúde do Município de Maracanaú, aprendi que a identificação da classificação da manifestação (Don melhorar esta frase) está na fala do usuário. É através da escuta apurada que se percebe o que o usuário realmente está querendo, pois, geralmente, este chega à ouvidoria nervoso e certo de que está reclamando, denunciando, e, através da escuta percebe-se, por exemplo, que ele está solicitando atendimento ou melhorias para o serviço de saúde. Conforme Brasil (2014), a Ouvidoria transforma as manifestações que recolhe dos usuários em informações e elabora relatórios que sugerem melhoria e subsidiam os gestores na tomada de decisões, além de auxiliar o controle social, possibilitando uma articulação entre os cidadãos e demais atores envolvidos com a saúde pública, podendo ainda contribuir com a gestão do sistema e 56 na formulação e no aprimoramento das políticas públicas de saúde. (BRASIL, 2014, p. 55). Reportando-nos aos dados quantitativos referentes ao ano de 2013, a ouvidoria realizou 477 atendimentos, identificando a maior demanda como reclamações e, segundo a Técnica da ouvidoria, as maiorias das reclamações foram por mau atendimento. Como a ouvidoria contém dois núcleos, a exposições dos dados será feita de maneira desmembrada para que se perceba a diferença da quantidade de atendimentos realizados pelo núcleo localizado no setor de urgência/emergência (SPA/SPI) do HMJEH e, pelo Hospital da Mulher e da Criança (HMC). GRÁFICO 1 – DEMONSTRATIVO DAS MANIFESTAÇÕES QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DENÚNCIA SUGESTÃO INFORMAÇÃO TOTAL HMC ELOGIO HMJEH RECLAMAÇÃO SOLICITAÇÃO 0 50 100 150 200 250 300 FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). Conforme o gráfico acima, os números estão expressos da seguinte forma: inicialmente falando sobre o HMJEH foram, 199 reclamações, 66 elogios, 47 solicitações, 09 denúncias, 08 sugestões e 07 informações. Já no HMC foram 77 reclamações, 41 elogios, apenas 04 solicitações, 18 sugestões, 01 informação e nenhuma denúncia. Pode-se observar que há uma predominância das manifestações por Reclamação. Conforme Falcão (2010) isso pode indicar à administração do hospital a necessidade de verificar onde se encontram os pontos fracos da gestão a partir da 57 percepção do usuário. Observa-se como destaque o elevado índice de elogios, que desmistifica o senso comum que a ouvidoria é um local para reclamações e supõe a ideia de que o usuário também sabe reconhecer quando o trabalho ou serviço é realizado de maneira adequada. Quanto à forma de acesso utilizado para fazer a manifestação a ouvidoria disponibiliza o meio presencial, telefone e outros, que engloba as caixas de sugestão, email etc. Foram realizados um total de 424 atendimentos pelo meio presencial, 08 pelo telefone e 45 através dos outros meios. A maior demanda de atendimento presencial ocorreu no núcleo que está no setor de urgência/emergência, por este encontrar-se estrategicamente localizado no setor, somando um total de 291 atendimentos, conforme demonstrado no gráfico abaixo: GRÁFICO 2 – DEMONSTRATIVO QUANTO AO MEIO DE ACESSO 424 450 400 350 300 291 250 200 150 133 100 45 37 50 4 0 8 8 0 PRESENCIAL TELEFONE HMJEH HMC OUTROS TOTAL FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). Um demonstrativo que chama a atenção é com relação ao gênero das pessoas que fazem a manifestação. Para a classificação utiliza-se as opções feminino, masculino e não informado. A tipificação, não informado, ocorre majoritariamente quando a manifestação é feita por outros meios de acesso que não o presencial ou telefone, pois, por estes meios a funcionária da ouvidoria tem como identificar se trata-se de homem ou mulher. Um exemplo da impossibilidade de identificação são as Caixas de Sugestão, se o usuário não marcar o sexo, não há possibilidade de identificação. 58 GRÁFICO 3 – DEMONSTATIVO QUANTO AO GÊNERO HMJEH Feminino Masculino HMC Não informado Feminino 3% Masculino Não informado 6% 2% 31% 66% 92% FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). De acordo com o gráfico acima, fica explícito a predominância de mulheres que procuram a ouvidoria. Foram realizados no HMJEH, 222 atendimentos femininos, 105 masculinos e 09 não informados. No HMC foram 130 femininos, 08 masculinos e 03 não informados. Acredita-se que a grande diferença para os atendimentos masculinos no HMC se deve ao fato de ser um hospital específico para mulheres e crianças. Outro dado extremamente relevante para a estatística de atendimento da ouvidoria é a faixa etária dos usuários que procuram o órgão. A classificação é feita da seguinte forma: menores de 18 anos, 19 a 20 anos, 21 a 30 anos, 31 a 40 anos, 41 a 50 anos, 51 a 60 anos, maiores de 60 anos e Não Informado. Abaixo segue gráfico com o demonstrativo desses atendimentos. GRÁFICO 4 – DEMONSTRATIVO QUANTO A FAIXA ETÁRIA 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 < 18 anos 19 a 20 anos 21 a 30 anos 31 a 40 anos 41 a 50 anos 51 a 60 anos > 60 anos Não informado HMJEH 2 6 64 82 66 42 9 68 HMC 6 27 60 23 8 3 1 10 59 FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). De acordo com o gráfico acima, torna-se visível que a maioria dos usuários procura o núcleo situado no setor de urgência/emergência, no entanto, destaca-se a demanda no núcleo do HMC compreendida entre as faixas etária de menores de 18 anos à faixa de 31 a 40 anos, sendo de maior relevância o intervalo entre 21 a 30 anos, conforme demonstrado na figura abaixo. GRÁFICO 5 – DEMONSTRATIVO DOS ATENDIMENTOS POR IDADE NO NÚCLEO DO HMC. > 60 anos 1% Não informado 7% 51 a 60 anos 41 a 50 anos 2% 6% 31 a 40 anos 17% HMC < 18 anos 4% 19 a 20 anos 20% 21 a 30 anos 43% FONTE: Adaptação do Relatório de Gestão da Ouvidoria do HMJEH (2013). Estes números me chamaram a atenção para o questionamento do que decorre a maioria dos atendimentos nesta faixa etária? A princípio, fui pela lógica do senso comum que poderia ser o período mais propício da fertilidade feminina para a procriação. No entanto, conforme conversa com a Técnica da Ouvidoria, ela ressaltou que quem mais se manifesta são as acompanhantes das pacientes resultando neste índice. Ainda segundo a Técnica, o acompanhamento das parturientes não se restringe ao sexo feminino, ela ressaltou que o Programa Rede Cegonha do Governo Federal7 permite ao pai acompanhar sua esposa ou companheira, no entanto, eles não se utilizam deste benefício, acredita ela que por uma questão cultural e machista. Após essa breve exposição em números e gráficos, analisaremos a seguir as falas das usuárias entrevistadas e as percepções compreendidas além delas, por meios dos gestos e expressões transmitidos pelas mesmas no momento da entrevista. 7 A Rede Cegonha foi instituída através da Portaria n. 1.459 de 24 de junho de 2011. 60 3.2. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS As entrevistas para elaboração desta pesquisa foram coletadas no complexo hospitalar João Elísio de Holanda. Foram realizadas nove entrevistas com usuários do hospital, no núcleo do HMC e no núcleo do setor de urgência/emergência. Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada que permite traçar um perfil com idade, sexo, renda, e o meio de acesso utilizado para se manifestar. A entrevista semi-estruturada admite a percepção subjetiva das respostas fornecidas pelo entrevistado, de acordo com o que já foi exposto no primeiro capítulo desta pesquisa. (HAGUETTE, 2005, p. 64). As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e maio de 2014 e foram gravadas em áudio mediante prévia autorização das interlocutoras. Para resguardar o nome dos entrevistados serão utilizados nomes fictícios. Infelizmente não foi possível entrevistar um usuário do sexo masculino, assim sendo, descrevo agora o perfil das entrevistadas. Girassol, 19 anos, desempregada; Lírio, 30 anos, autônoma; Gérbera, 26 anos, assalariada; Copo de Leite, 30 anos autônoma; Açucena, 32 anos, desempregada; Flor do Campo, 29 anos, assalariada; Rosa, 22 anos, desempregada; Amor Perfeito, 29 anos, assalariada; Orquídea, 52 anos, dona de casa. A opção por nome de flores foi por terem sido entrevistadas apenas mulheres, não havendo nenhuma relação com a personalidade de cada uma delas. Destaco que poucas entrevistadas se expressaram com mais veemência, assim, as falas expostas serão concentradas principalmente naquelas que falaram mais. Ressalto ainda que, considerando a escassez de literatura sobre o tema, encontrei dificuldade para fundamentar cientificamente a opinião das entrevistadas. De acordo com o tema desta pesquisa, o objeto de estudo é a percepção do usuário sobre os serviços da ouvidoria, assim, inicialmente foi perguntado como elas tomaram conhecimento da Ouvidoria. Cinco responderam que foi através da visita da funcionária da ouvidoria aos leitos, informando sobre os serviços do órgão: “Foi a moça que veio ai e falou, disse que a gente pode fazer reclamação, sugestão,... é isso. Foi isso que entendi né, não sei se é mais foi isso que entendi”. (Girassol). Outra entrevistada tomou conhecimento da estrutura por meio de uma 61 palestra8 no saguão realizada pela técnica da ouvidoria, duas tomaram conhecimento de maneira diferente, através de funcionários do hospital e uma por outros pacientes, conforme demonstrado nas falas a seguir: Eu tava (sic) aqui aguardando ai a mulher chegou e começou a falar, explicar o que era a ouvidoria, aí ela falou de um jeito que eu criei coragem e fui lá, fui reclamar, pedir pra pôr ordem nisso aqui porque se a gente não reclama não muda nada, né? (Amor perfeito). Foi o vigilante lá... da portaria do médico que me mandou ir lá na ouvidoria. Falou até com deboche, como se eu fosse lá e a ouvidoria não fizesse nada. Eu fui achando que não ia dar em nada mesmo, mas fui pra reclamar dele, porque isso não é jeito de tratar a gente. Minha filha é especial e ele não deixou eu entrar com ela! Como é que uma pessoa especial vai se consultar sozinha minha filha? Eu fiquei com raiva e ele disse: vá lá na ouvidoria, vá lá reclamar, é bem ali ó, pode ir. (Orquídea). Como eu tomei conhecimento da ouvidoria? Fiquei sabendo pelas pessoas que estavam do meu lado, que me falaram. (Gérbera) Através dessas manifestações fica explícito que a princípio as pessoas veem a ouvidoria como um local para reclamações. De acordo com Falcão (2010), isso pode denotar a cultura da população usuária de que o serviço da Ouvidoria é primordialmente para receber reclamações, colocando os outros tipos de manifestações em segundo plano como é caso da solicitação, sugestões, elogios etc. Além dos meios citados anteriormente sobre as maneiras para que se tome conhecimento da Ouvidoria, há também cartazes fixados na entrada das salas que são estrategicamente situadas em locais muito visíveis ao público. No entanto, pela minha experiência como estagiária, a percepção que tive, foi que as pessoas podem até ler o cartaz, mas é como se estivessem lendo qualquer informativo desinteressante, elas sempre chegavam encaminhadas por alguém, mesmo que fosse outro usuário. No caso do Hospital, a meu ver, a palestra realizada pela técnica no saguão da entrada da emergência e as visitas aos leitos realizadas pela funcionária do núcleo situado no HMC são esclarecedora, pois estimula àqueles usuários que a ouviram a procurarem o órgão para se manifestar, me permitindo cegar a conclusão que o usuário precisa ser estimulado frequentemente com uma abordagem que o 8 A Técnica da Ouvidoria é Assistente Social. Ela relata que faz pequenas palestras no saguão do Setor SPA/SPI explicando o que é a Ouvidoria e incentivando os usuários a procurarem o órgão caso se sintam insatisfeitos com algum serviço do hospital. 62 esclareça sobre o que é a ouvidoria deixando-o à vontade. Causando até um sentimento de segurança, para que este possa ter credibilidade no órgão para procura-lo e realizar a sua manifestação. O que se percebe subjetivamente, é que os usuários desconhecem a importância da participação social e não fazem ideia de que ao realizarem sua manifestação na Ouvidoria, estão participando socialmente para a melhoria dos serviços do SUS. O que é lamentável, pelo fato de que o usuário enquanto cidadão desconhece seu poder de transformar a sociedade em que vive. Conforme Martiniano (2010), a participação do usuário na gestão do sistema é condição essencial para melhoria do mesmo. (MARTINIANO, 2010, p. 66). Peixoto et al (2013) afirma que “[...] o conhecimento da opinião dos usuários em relação aos serviços públicos é importante instrumento auxiliar para planejamento e tomada de decisões”. (p. 787). Assim, a ouvidoria torna-se um importante instrumento para auxiliar o processo de construção da cidadania, na medida em que o cidadão participa intervindo na relação entre o usuário e a administração pública. Ao perguntar sobre o motivo que as levaram a procurar a ouvidoria, predomina o mau atendimento. Pelas expressões e gestos das entrevistadas que citaram este motivo, a impressão que se tem, é que por estarem em um hospital, fragilizadas por problemas de saúde, acompanhando paciente ou internada, esperase que sejam melhor tratadas. Para Peixoto et al (2013), a insatisfação gerada pelo mau atendimento pode causar mágoa e agressividade, uma vez que o usuário ou paciente, ao procurar os serviços de saúde necessita de apoio e acolhimento9. Como já mencionei no primeiro capítulo, as pessoas ficam vulneráveis quando se trata da questão saúde. Pelo modo como se expressaram, as entrevistadas se incomodam com o jeito dos funcionários se reportarem aos usuários. Amor Perfeito disse: “porque achei errado o modo como estamos sendo tratados”. Para as entrevistadas do HMC, apresentaram-se outros motivos, conforme a fala da Gérbera, paciente internada no hospital que procurou a ouvidoria: 9 “É direito dos cidadãos atendimento acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função da idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com deficiência”. (BRASIL, 2007, p. 04). 63 Já fiz foi um barraco quando fui internada da outra vez. Eu mesma fui bater boca, fui não, mandei chamar... foi em janeiro, né, quando eu tava (sic) internada. Agora tô (sic) internada de novo, já mandei chamar de novo. Ela já veio, né, já reclamei de novo... porque a gente que amamenta... principalmente eu, que o almoço é bem bonzinho, mais a janta é péssima que é como se fosse requentada, parece que foi sobra...aí, eu não janto. Tomo um copo de suco. Eu pedi outro mais ela disse que não pode porque é três jarra (sic) de suco à noite, é contado... aí vou reclamar. (GÉRBERA) Percebe-se por sua fala que estava exaltada e considera como reclamação. Para Martiniano (2010) a reclamação traz benefícios não somente para o cidadão, mas também para a administração do serviço público que tem nas reclamações a possibilidade de conhecer e reconhecer suas falhas, analisar e alterar seus procedimentos (MARTINIANO, 2010, p. 21). A meu ver, o alto índice de reclamações por mau atendimento demonstra a falta de qualificação profissional para quem trabalha na área da saúde, pois percebi que profissionais mais instruídos e esclarecidos sobre as maneiras atuais sobre como trabalhar no sistema de saúde são mais educados ao tratar com a população. Mesmo quando o usuário se reporta com grosseira ou agressividade. Não podemos deixar de comentar, é claro, a condição emocional do funcionário. Este enquanto pessoa humana, nem sempre controla suas emoções de maneira contida, está sujeito a explosões e aborrecimentos dependendo da forma como for tratado pelo usuário. Ao perguntar a opinião das entrevistadas sobre para que serve a Ouvidoria, a maioria das respostas foi que serve para reclamar, dar sugestão, fazer elogio, conforme a fala da Lírio: “Eu acho que é pra gente dar sugestão. Que nem hoje, hoje eu dei uma sugestão a ela né? Pra essas coisas, assim queira, né?”. Corroborada pela Copo de Leite, que disse: “Pra gente dar sugestão, fazer reclamação, saber o que a gente pensa”; e, Girassol, que disse: “Pra fazer reclamação, denúncia, sugestão... como se o hospital tá funcionando bem.” De acordo com Martiniano (2010), “[...] cabe à Ouvidoria não só ouvir o usuário, mas também fazer com que sua voz seja ouvida na instituição”. (p. 49). Conforme o pensamento da autora, a ouvidoria não se resume apenas à escuta e classificação das manifestações. De acordo com o que já foi estudado, a classificação é importante para compreendermos o que o usuário está expressando, 64 no entanto, o essencial é fazer com que sua voz seja ouvida pela administração pública. O usuário desconhece; mas a ouvidoria não se resume as classificações das manifestações. É um órgão participativo não só no sentido da participação do usuário, mais também de participar nas atividades politico sociais no âmbito Municipal, Estadual e Federal. Assim, dever-se-ia pensar um meio para esclarecer ao usuário essa atuação do órgão com as demais instituições e a importância que a sua manifestação tem para buscar melhorar a qualidade dos serviços de saúde. Curiosa foram as definições dadas pela Gérbera e pela Orquídea. Gérbera assim se expressou: “pra reclamar, dar opinião, só isso, só serve pra isso mesmo.” Quanto a fala da Orquídea, considerei curiosa por ela ter visto a ouvidoria como um instrumento de punição, conforme o trecho a seguir: Pra mim a ouvidoria serve pra punir o mal atendimento da pessoa, é, é isso. Punir o funcionário porque ele foi mal educado comigo, não precisava disso minha filha. Eu sou a mãe da menina e se tô (sic) dizendo que ela é especial é porque é. Agora a menina entrou sozinha, ele não me deixou entrar de jeito nenhum e ainda falou com deboche mandando eu ir procurar a ouvidoria. Gostei! Pensei que não fosse dar em nada, mas ela foi lá falar com ele, porque tem que punir, não pode deixar falar com a gente daquele jeito. (Orquídea). Estas falas podem demonstrar a falta de conhecimento das pessoas sobre o papel da ouvidoria e principalmente sobre a participação social. Pela análise subjetiva permitida pela Pesquisa Qualitativa, a Gérbera mostrava descrédito com relação ao papel da Ouvidoria e a Orquídea uma visão, que para mim, por ter estagiado e conhecer os serviços da ouvidoria, foi considerado uma surpresa. Neste caso, de acordo com Pereira (2002), nota-se a importância da ouvidoria, disciplinar seus reclamantes, orientando quanto aos procedimentos a serem adotados em relação aos processos institucionais. (PEREIRA, 2002, p. 102). Martiniano (2010) discorre de maneira clara sobre como funciona o procedimento do processo institucional após a manifestação do usuário como exposto a seguir, A ouvidoria recebe, analisa, encaminha a manifestação ao setor correspondente, acompanha o andamento, cobra providências e responde a cidadão sobre as providências tomadas, promovendo o diálogo e o envolvimento de todos na resolução das demandas. Após o registro, demanda percorre os setores responsáveis pela execução e correção. O cidadão é informado da previsão de resposta, das previdências adotadas e 65 resultados obtidos e até mesmo a informação fundamentada da impossibilidade de atendimento. (MARTINIANO, 2010, p. 49). O questionamento seguinte foi se as entrevistadas achavam que a ouvidoria apresentava retorno para os problemas apresentados. Algumas responderam apenas sim, outras demonstraram surpresa como relata Amor Perfeito, Apresenta sim. Eu não esperava que fosse resolver logo, achei que ia lá e depois fossem fazer alguma coisa, nunca imaginei que ela levantaria da cadeira dela e sairia pra resolver isso logo. Eu até me admirei, mas pelo menos agora sei que ouvidoria funciona e pelo paciente, né? Eu acha achava que não ia dar em nada, mas tava (sic) tão revoltada que fui falar mesmo que não desse em nada. Mas deu, né? Eu achei bom. (Amor Perfeito) Orquídea demonstrou que desacreditava no trabalho da ouvidoria, conforme podemos constatar no trecho a seguir, Achei que faria descaso, do jeito que o vigilante, lá, falou, eu achei que não ia dar em nada. Porque se ele falou com deboche me mandando ir la ouvidoria reclamar é porque não ia dar em nada, né?... Pra mim foi uma surpresa ela ir resolver logo, e acho que ele também não esperava, senão não ia me mandar lá falando com deboche. Acho que até ele se surpreendeu (rindo) (Orquídea) Acima foram citados dois casos em que a ouvidoria deu retorno imediato ao usuário, porém, há processos que são encaminhados aos setores competentes para resolução do problema. De acordo com o Relatório de Gestão do ano de 2013, o prazo para resolução, incluindo a resposta ao usuário é de quinze dias. Prazo este que pode variar, dependendo da complexidade do assunto tratado. Ainda de acordo com o Relatório, a resposta deve ser rápida para dar ao cidadão a confiança na interlocução, transmitindo respeito e atenção, fazendo-o perceber que é um sujeito de direitos. Segundo Moraes (2010), a confiança da população vem se desenvolvendo através do tempo pelo trabalho ético realizado pela ouvidoria em relação ao usuário enquanto sujeito de direitos, que geram um sentido positivo da relação do trabalho do órgão com a sociedade civil. A entrevista transcorreu com o questionamento de como avaliavam a sua participação para melhorar o atendimento. Utilizar-se-ão as fala da Lírio, Gérbera e Amor Perfeito para demonstrar suas opiniões porque foram as que mais se expressaram. 66 Eu acho bom mais (sic) é muito pouco. As pessoas tem medo de falar. Porque se todo mundo falasse... Ficaria muito mais fácil, seria muito mais fácil resolver os problemas. (Lírio) É importante reclamar, porque a gente só reclama pra si (sic), não reclama pra eles (sic), aí nunca muda. A gente tem que chegar, reclamar e fazer a manifestação, porque se não fizer, vai ser sempre assim. (Gérbera) Eu acho importante. Se eu não tivesse vindo falar, estaria tudo do mesmo jeito. (Amor Perfeito) O que se percebe é que as pessoas falam pela noção do senso comum, sem conhecimento que a participação social é algo previsto em lei. De acordo com Moraes (2010), a participação popular nas instituições públicas possui papel importante para coibir abusos administrativos, destacando-se neste cenário a ouvidoria, com ação autônoma e representativa da sociedade civil. Conforme Vázquez et al (2005), a população deve conhecer seus direitos em saúde, os problemas, as causas, as possíveis intervenções os serviços oferecidos e a qualidade dos mesmos, bem como, os mecanismo através dos quais pode interagir com o sistema. Este conhecimento proporcionará respaldo ao cidadão usuário do SUS para reivindicar melhorias no atendimento e qualificação dos serviços de saúde. Longhi (2010) relaciona participação à capacidade dos cidadãos em tomar parte voluntariamente nas decisões políticas que dizem respeito à vida privada dos indivíduos, às necessidades colocadas pelos cidadãos em todos os aspectos da vida cotidiana, como por exemplo, a preservação da saúde. Com relação à saúde, Cavalcanti et al (2012) refere-se a participação como um „capital em saúde‟, como uma “ [...] capacidade de alavancar processos decisórios mais democráticos na área de saúde e assim garantir a „preservação do direito universal à saúde” (CAVALCANTI, 2012, p. 1819) Ao serem questionadas sobre o que significava cidadania, elas demonstraram reação de susto, surpresa, acanhamento e até vergonha, visto que, a maioria não soube dizer. Apenas Copo de Leite expressou de imediato a seguinte frase: “Exercer seus direitos e deveres”. As outras fizeram os seguintes comentários: “Não sei... Me deu um branco”. (Girassol e Lírio); “Agora me pegou (rindo). Pra mim, Cidadania é um bocado de cidadão”. (Gérbera) “Agora me pegou. Eu sei mas não sei como dizer”. (Amor Perfeito). Flor do Campo e Rosa tiveram uma reação de 67 vergonha e acanhamento por não saber responder, as duas demoraram alguns segundos pensando e disseram que não lembravam. Na definição de Corrêa (2002), cidadão são portadores de direitos e cidadania, Significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de vida digna, tendo como valor fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente. (CORRÊA, 2002, p. 217). De acordo com Martiniano (2010), cidadania é “concebida enquanto direito a ter direitos”. (p.18). Na composição da cidadania encontram-se os direitos sociais e nestes, o direito à saúde. Reportando-se ao fato de que o direito à saúde faz parte de um processo histórico de lutas, que se transforma de acordo com a dinâmica da sociedade, “[...] podemos afirmar que a cidadania pode ser exercida como mecanismo transformador da sociedade”. (MARTINIANO, 2010, p 19) Vieira (2013), expressa que a ideia de cidadania enfatiza a questão do direito a todos os setores da vida social, incluindo o direito à saúde. Na perspectiva da concepção contemporânea de cidadania, almejando a emancipação do homem, remete a condição deste fazer-se sujeito histórico e assumir a condução de seu destino. Ainda conforme a autora, cidadania não se resume a definição do direito, ela revela concomitantemente à participação do sujeito como intrínseca ao processo de democracia, sugerindo que o cidadão envolva-se no processo, lutando por seus direitos em busca de melhor qualidade nos serviços públicos e consequentemente, melhor qualidade de vida. Conforme Véras (2005), a participação do usuário é importante na coprodução dos serviços de saúde, visto que, a partir da opinião do mesmo se torna possível conhecer os acertos e falhas, conceitos e atitudes da atenção recebida. Devendo essas informações serem utilizadas para melhoria dos serviços de saúde. 68 CONSIDERAÇOES FINAIS A presente pesquisa teve como objetivo contribuir para uma reflexão acerca do trabalho de uma ouvidoria em saúde, especificamente, a ouvidoria do Hospital Municipal Dr. João Elísio de Holanda em Maracanaú, e sua relação com o cidadão usuário. De acordo com o levantamento realizado, constata-se que a Ouvidoria é uma importante ferramenta na promoção da cidadania e tem na participação popular um pilar de sustentação para a construção e promoção de políticas de saúde. Atua como um espaço democrático mediando os conflitos entre a gestão e o usuário e contribui para o fortalecimento do controle social. A ouvidoria em saúde não é apenas um canal de escuta do cidadão, ela é um espaço democrático que dá voz ao sujeito na medida em que media a relação entre a gestão e o usuário, fazendo prevalecer o direito a cidadania que muitas vezes, conforme exposto no terceiro capítulo desta pesquisa, é desconhecido para ele. Através de relatórios, a Ouvidoria transforma as manifestações recebidas em dados informativos para que possam subsidiar a gestão na busca para melhorar os serviços de saúde. Além de proporcionar uma melhor articulação entre os mecanismos de controle social e a administração pública em saúde. A Ouvidoria consolida a saúde como um direito e visa fortalecer os mecanismos de participação social para qualificar a gestão participativa do SUS, tornando-se um instrumento de acessibilidade, pois, por meio das informações produzidas pelo órgão mediante as manifestações dos usuários, indica a necessidade de ajustes, incentiva a participação popular, inclui o cidadão no controle social, promovendo a cidadania em saúde. Esta pesquisa avaliou também a participação social na perspectiva de construção da cidadania em um espaço de acesso popular direcionado à saúde. Os resultados foram apresentados partindo da subjetividade dos cidadãos usuários proporcionando uma aproximação dos conceitos e atitudes com a realidade concreta. 69 Este estudo indica que a Ouvidoria fortalece o exercício da democracia e da cidadania ao assegurar que os direitos dos usuários sejam exercidos e potencializa o reconhecimento de que os espaços de participação social funcionam como mecanismos que possibilitam a construção de políticas de saúde. Outro fato relevante é que a Ouvidoria atua tomando por base as demandas colocadas pela sociedade o que aponta a ampla abrangência do público atendido pelo órgão, evidenciando a importância do mesmo para a construção de políticas que visem a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. A Ouvidoria apresenta a possibilidade dos cidadãos, ao exercerem sua cidadania, assumirem um papel relevante no processo de dinamização da sociedade, bem como, reforçar o exercício de um controle mais permanente e consistente dos usuários na gestão da coisa pública, demonstrando a capacidade do mesmo em participar nos espaços públicos de decisões que dizem respeito ao bem estar de toda a sociedade. A Participação social é o elo que liga a Ouvidoria e democracia e a questão da cidadania. Portanto, a Ouvidoria é um instrumento de democracia participativa que trabalha com o intuito de contribuir com veemência para a ampliação da participação dos cidadãos usuários do SUS, valorizando suas opiniões como forma de melhorar as estratégias da gestão no atendimento aos usuários e consequentemente na qualificação dos serviços. Com relação ao objetivo central desta pesquisa que é a participação do usuário, percebe-se que este desconhece a importância da Ouvidoria enquanto órgão que o aproxima da administração pública proporcionando um diálogo entre ambos. Desconhece também que sua participação é um agente que promove a melhoria do atendimento em saúde, bem como, a criação de políticas públicas. Demonstra a falta de interesse dos usuários em procurar saber sobre instituições que o auxiliem na garantia do acesso a direitos, buscando tomar conhecimento sobre essas instâncias somente quando o problema o deixa insatisfeito, gerando assim um alto índice de manifestações por mal atendimento. O mal atendimento é o principal motivo que leva os usuários do hospital a procurarem a Ouvidoria para fazer uma manifestação seguido das solicitações, 70 porém, há destaque para a quantidade de elogios demonstrando assim também que há satisfação nos serviços. Portanto, a analise permite a compreensão que grande parte dos usuários ainda desconhecem a importância da Ouvidoria enquanto ferramenta de promoção da cidadania e que o aproxima da administração pública. Que a participação popular é fundamental para que a Ouvidoria desempenhe seu trabalho e que a ouvidoria é um espaço onde a democracia participativa é exercida, a cidadania concretizada por meio do acesso aos serviços de saúde, partindo do princípio que este é um direito. 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Morais. Usos & abusos da história oral. 8. Ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. ASSIS, Marluce Maria Araujo; VILLA, Tereza Cristina Scatena. O controle social e a democratização da informação: um processo em construção. Ver. Latino-am Enfermagem, v. 11(3), p. 376-382, 2003. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6. ed. São Paulo: ed. Brasiliense, 1994. ______. Norberto. A Era dos Direitos. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 10ª reimpressão. 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Disponível em: 75 APÊNDICES Roteiro da entrevista PERFIL DO(A) ENTREVISTADO(A) 1. Qual a sua idade? ________ 2. Qual a sua renda? M Desempregado 3. Sexo? F M 0 a 1 sal. mín. M M 1 a 2 sal. mín. M + de 2 sal. mín. M 4. Qual o meio que você utiliza para se comunicar com a Ouvidoria do HMJEH? M Presencial M Fone M Cx. de sugestão M Outros _________ 5. Como você tomou conhecimento da Ouvidoria? (amigos, funcionários do hospital, informativos etc.). 6. Por qual motivo resolveu procura a Ouvidoria do Hospital? 7. Em sua opinião, para que serve a Ouvidoria?(qual a ideia?) 8. Você acha que a Ouvidoria apresenta solução para os problemas manifestados? 9. A ouvidoria é um espaço que só funciona com a participação do usuário. Como você avalia a sua participação para melhorar o atendimento nos serviços de saúde? 10. Para você o que significa cidadania? 11. Você sabe o que são os conselhos e conferências de saúde e para que servem? 76 FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Sr(a) foi selecionado(a) e está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DO HOSPITAL MUNICIPAL JOÃO ELISIO DE HOLANDA SOBRE O SERVIÇO DA OUVIDORIA, que tem como objetivos: compreender a percepção do usuário da Ouvidoria sobre os serviços prestados pelo órgão. Este é um estudo baseado em uma abordagem qualitativa. A pesquisa terá duração de 06 (seis) meses, com o término previsto para 30 de junho de 2014. Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar determinada situação, sua privacidade será assegurada uma vez que seu nome será substituído de forma aleatória. Os dados coletados serão utilizados apenas NESTA pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas. Sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que forneceu os seus dados, como também na que trabalha. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob a forma de questionário. A entrevista será gravada em áudio para posterior transcrição – que será guardado por cinco (05) anos e incinerada após esse período. Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Não haverá riscos de qualquer natureza relacionada a sua participação. O benefício relacionado à sua participação será de aumentar o conhecimento científico para a área de Serviço Social. Sr(a) receberá uma cópia deste termo onde consta o e-mail do pesquisador responsável, e demais membros da equipe, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. Desde já agradecemos! __________________________ Priscila Nottingham de Lima Orientadora RG: e-mail: [email protected] ____________________________ Paulina Lauriano de Carvalho Graduanda RG: 3471125 e-mail: [email protected] Fortaleza, ____ de _______________ de 20_____. Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento. Sujeito da Pesquisa: ______________________________________________ (assinatura)