Almeida. O cinema como recorte metodológico no ensino de filosofia

Propaganda
O cinema como recorte metodológico no
ensino de filosofia
Jorge Miranda de Almeida
Gilles Deleuze escreve em Textes et
entretiens1 que “o cinema possui
apenas um personagem: o pensamento”. Mas, que tipo de pensamento é esse
produzido pela imagem, ou de outra, maneira, como a imagem oferece a si mesma
como conteúdo ao pensamento, para que no ato de pensar a si mesmo, ou seja, na
dobra sobre si mesmo, sintetize a imagem e o conceito em algo que não é mais
estanque, definitivo, mas, movimento, acontecimento? A imagem é capaz de
concretizar as contradições e o conteúdo do real? A imagem é capaz de se oferecer
ao “leitor” para que o próprio leitor (nunca expectador) possa decifrar os espelhos,
decifrando a si mesmo? Será que o cinema não realiza o que Deleuze chamava de
repetição?2 Será que o conceito filosófico não reduplica a si mesmo na imagem?
Mas, que tipo de imagem é essa? Será a imagem-sombra-máscara? Ou a imagem
como representação do mundo dos sentidos em Platão e Leibniz? A imagemmovimento? Imagem-tempo? Seria a imagem-cristal?
Porém, como entender filosoficamente a importância da imagem no interior da
própria filosofia, vindo de um bacharelado e licenciatura em filosofia em que reinava
a formação na linha da lógica, da hermenêutica, da linguagem, da filosofia política?
Era um contra-senso. Talvez por isso pensadores como Nietzsche, Kafka,
Kierkegaard, Camus, Sartre, Dostoievski, não sejam considerados filósofos. Para a
filosofia sistemática, o que importa é o conceito da coisa, mesmo que não entendam
nada e não conheçam ou tenham qualquer relação com a coisa em si. A concepção
da imagem ainda é prisioneira da definição de Platão como cópia, como algo
secundário e, por isso, não merece atenção filosófica. Essa crítica aos filósofos do
ser enquanto ser, dos conceitos puros, herdeiros da ontologia e metafísica foi muito
DELEUZE, Gilles. L’Île Désertes et autres textes. In Textes et entretiens 1953-1974. Paris: Minuit,
2002, 267-271
1
2
DELEUZE. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988
2
bem realizada por Merleau-Ponty: “a palavra imagem tem uma má fama porque se
crê desconsideravelmente que um desenho fosse um recalque, uma cópia, uma
segunda coisa e que a imagem mental fosse um desenho deste gênero em nosso
ser privado”3.
Por isso mesmo é notável o trabalho de Deleuze em quebrar os conceitos
estratificados em enunciados lógico-metafísicos, mas incapazes de traduzir o
movimento, a vida, a existência que é sempre dinâmica, conflituosa, singular. Na
obra L’image-movement, ele retoma Kierkegaard quase literalmente:
in Kierkegaard, um dos meios que lhe é próprio está aquele de
introduzir na sua meditação qualquer coisa que o leitor identifica
formalmente com alguma dificuldade: se trata de um exemplo, de um
fragmento de diário íntimo, ou de um relato, de uma anedota, um
melodrama (...) em cada um destes casos se trata “já” de uma
espécie encenação, uma verdadeira e própria sinopse que aparece
pela primeira vez na filosofia e teologia.4
Kierkegaard estabelece uma nova modalidade de fazer filosofia: a relação
direta com a poesia, a literatura, a música, o teatro e o cinema. O espaço do
“qualquer coisa”ou “introduzir formalmente alguma dificuldade” é parte do método
kierkegaardiano, dependente do mestre Sócrates, ou seja, deixar espaço para que o
leitor, ouvinte, possa, ele mesmo chegar às respostas que dão sentido às suas
proposições para que estas possam dar sentido a sua própria existência. Nesse
sentido, a tarefa por excelência da filosofia é contribuir para a edificação do leitor,
ouvinte e a melhor forma de concretizar essa tarefa é ajudá-lo a pensar por si
mesmo, ajudá-lo a pensar o pensamento e, tanto Kierkegaard quanto Deleuze
sabiam do perigo que representa o pensar.
Na entrevista a Didier Eribon para o Le Nouvel Observateur de 23 de agosto
de 19865, a propósito da sua relação com Foucault, Deleuze retoma a questão do
pensamento como ato perigoso e, mais importante, do ponto de vista da relação do
cinema com a filosofia, a imagem do pensamento. Para Foucault “pensar é,
primeiramente, ver e falar, mas com a condição de que o olho não permaneça nas
3
MERLEAU-PONTY. L’oeil et l’espirit. Paris: Gallimard, 1964
4
DELEUZE, L’image-movement. Paris: Éditions de Minuit, 1983
5
DELEUZE. Conversações. Rio de Janeiro: editora 34, 1992
3
coisas e se eleve até as “visibilidades”, e de que a linguagem não fique nas palavras
ou frases e se eleve até os enunciados”6. Ora, no encontro entre a imagem e o
enunciado, legitima-se essa nova maneira de fazer filosofia e, era isso o que
precisava para “traduzir” a filosofia para estudantes que não tinham contato com
questões que norteiam a existência e o peso de existir em primeira pessoa.
Discípulo de Foucault para quem a tarefa da filosofia consistia em “incomodar
a besteira” ou se quiser a mediocridade dominante em nosso tempo, e mais ainda,
discípulo de Kierkegaard e Nietzsche7 que sabiam da importância da educação na
construção da personalidade autêntica e ética, sentia como necessidade e ao
mesmo tempo, como dever do educador que me tornei e me torno a cada dia, levar
à sala de aula questões que poderiam contribuir para que o próprio estudante
encontrasse suas respostas. Não é demagogia, mas o método platônico de não
oferecer respostas, mas agir como pro-voca-dor, sempre foi uma ferramenta muito
utilizada no meu ofício de educador. Pensadores noturnos como Nietzsche,
Sócrates, Sêneca, Platão, Agostinho, La Boètie, Rousseau, Kierkegaard, Sartre,
Camus, Marx, Hannah Arendt, faziam parte dos conteúdos que inutilmente “traduzia”
em situações corriqueiras para que os alunos captassem o conteúdo e mais do que
isso, para que eles entrassem em crise, guiados pela proposta de Deleuze em
relação à tarefa da filosofia: “com a filosofia, os gregos submeteram o amigo a uma
violência, que não está mais em relação com um outro, mas com uma Entidade,
uma Objetividade, uma Essência”8.
Que tipo de violência é essa proposta pelos gregos e valorizada por Deleuze?
A filosofia desde os seus primórdios sempre foi violenta. Não é tarefa fácil a
6
Idem, 119
Kierkegaard constantemente retomava em seus escritos a relação da filosofia com a
educação, chegando a afirmar: “não! Educação, educação: é isto que o mundo tem
necessidade. É este o tema contínuo dos meus escritos (...) e isto passar a ser, em nossos
dias, a coisa mais supérflua do mundo” Diários VIII A 616. Nietzsche na obra mais
cinematográfica já escrita afirmou: “porque eu sou, originária e fundamentalmente, força
que puxa, que atrai, que levanta, que eleva: um guia, um corretivo e educador...)” e ainda:
“O! meus irmãos! Ao pregar-vos que deveis ser para mim criadores e educadores –
semeadores do futuro...” Assim falava Zaratustra. São Paulo: Hemus s/d
7
8
DELEUZE. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: editora 34, 1993
4
passagem da inocência à maturidade; nunca foi fácil assumir o compromisso em
transformar a si mesmo na própria verdade; nunca foi tranqüilo para nenhum
autêntico pensador mergulhar nas contradições da condição humana, sem deparar
ou conviver com a loucura, com a maldição, com a solidão, com o desprezo
daqueles que se enquadram na igualdade do pensamento, do comportamento e dos
códigos de conveniência legitimados pela pequena burguesia. A violência da filosofia
dilacera. Por isso, são poucos os discípulos que ousam penetrar no âmago do
pensar.
Mas, foi com a leitura da obra Diferença e Repetição que aconteceu o
primeiro encontro da Filosofia com o cinema. Ao analisar a diferença de
compreensão do movimento em Hegel e da tradição filosófica em oposição a
Kierkegaard e Nietzsche que comecei a enxergar o que mais tarde iria utilizar como
método de ensino da filosofia. Deleuze afirma que “a representação já é mediação”9.
Ora, então, se a imagem não é representação, qual o seu valor então? É necessário
então, “produzir, na obra, um movimento capaz de comover o espírito fora de toda
representação; trata-se de fazer do próprio movimento uma obra, sem interposição;
de substituir representações mediatas por signos diretos, de inventar vibrações,
rotações, giros, gravitações, danças ou saltos que atinjam diretamente o espírito”10.
E para surpresa do estudante de Kierkegaard, desde 1986, Deleuze atribui
aos pensadores dinamarquês e alemão a façanha de pensar a filosofia através do
cinema e o cinema através da filosofia. É com Deleuze que começa a fazer sentido a
leitura de Bergam e Nietzsche, Lars Von trier, Andrey Tarkovski, Akira Kurosawa e
Kierkegaard, Wood Allen e Platão e Kierkegaard, Quando Deleuze afirma: “é neste
sentido que alguma coisa de completamente novo começa com Kierkegaard e
Nietzsche. Eles já não refletem sobre o teatro a maneira hegeliana. Nem mesmo
fazem um teatro filosófico. Eles inventam, na filosofia, um incrível equivalente do
teatro, fundando, desta maneira, este teatro do futuro e, ao mesmo tempo, uma nova
filosofia.”11. Essa nova filosofia é de certa forma, o que procurava para dar sentido
9
DELEUZE. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988
10
Idem, 32
11
Idem, 32
5
as aulas de filosofia no ensino médio, ou seja, ensinar com a imagem a pensar a
realidade como conceito.
Essa descoberta foi no início dos anos noventa, quando lecionava filosofia no
ensino médio no Rio de Janeiro. Existia uma grande dificuldade por parte da maioria
dos estudantes em aceitar a filosofia e, muito mais, em entender o conteúdo ou a
possível importância que esse saber tinha, ou tem. Era angustiante entrar em sala
de aula, cheio de expectativas quanto a trabalhar a relação realidade e conceito,
consciência e alienação, ideologia e conhecimento e os estudantes não entenderem
praticamente nada... Dessa forma, constatava in loco o conteúdo da metáfora do
Mito da Caverna de Platão.
Claro que existiam razões de sobra para tanta dificuldade, desinteresse e até
mesmo descaso em relação a Filosofia. Nesse período, a palavra filosofia não era
pronunciada. No máximo, um técnico de futebol, dando entrevista e dizendo que a
filosofia do seu time era essa ou aquela, mas, os meios de comunicação de massa,
ainda adotavam a postura imposta no período da ditadura: filosofia era proibida,
portanto, era proibido falar de filosofia. Ora, como então, estudantes teriam
referências da filosofia, se ela estava ausente da vida deles? Como valorizar a
construção da consciência crítica, se foi disseminado estrategicamente uma cultura
da mediocridade, da superficialidade, do engano?
Nesse contexto, não era possível usar filmes denominados “cabeça”para
alunos do ensino médio que em sua grande maioria legitimava a estatística do IBGE
dos analfabetos funcionais, o que denunciava e denuncia o descaso com a
educação brasileira, em que pese as propagandas oficiais, afirmando o contrário.
Por isso, resolvi passar um filme tipo B americano, mas, que tinha algumas
semelhanças com a realidade os alunos da escola onde trabalhava. Para explicar
com as imagens a teoria do conhecimento em Platão, ou seja, a passagem da
alienação, da superficialidade, da aparência, à consciência, à essência do ser,
projetei o filme Mentes Perigosas dirigido por John N. Smith.
Não é possível admitir do aprendiz de filósofo o pecar por ingenuidade, dessa
forma, não poderia começar por filmes como O sétimo selo (Bergman) , Fausto (F.
W. Murnau) , Kafka (Steve Soderbergh), Retratos da vida (Claude Lelouch), Sonhos
6
(Akira Kurosawa), O Sacrifício (Andrey Tarkovski), Teorema (Passolini), Asas do
Desejo (Wim Wenders), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade) ou Deus e o diabo
na terra do sol (Glauber Rocha). O início foi o mais convencional possível: uma
temática que funcionasse como espelho de uma turma de ensino médio do segundo
ano que não quer aprender, ou que não vê outra validade para o estudo que não o
certificado do ensino médio. Não pretendia discutir filosofia. O objetivo era motivar
apenas a discussão sobre a validade do ensino e comparar questões do filme com
questões existentes na escola.
O filme começa com uma professora LouAnne, ex-mariner americana e que
precisa de trabalhar. Ao ser indicada por seu amigo, aceita trabalhar com uma turma
de adolescentes em uma escola periférica americana formada por alunos latinos e
negros. Para complicar, a turma designada a professora é uma turma “especial”, ou
seja, alunos com dificuldades de aprendizagem. Após o fiasco das primeiras aulas
onde era agredida verbalmente e de sua desistência, pesquisa livros sobre didática,
práticas pedagógicas, etc., e retorna a sala de aula. Observa os livros que os alunos
estão usando e os desafia com uma frase: “porque escolho morrer?”. Quebra-se o
paradigma. Inicia-se as condições para o diálogo. Descortinam-se as condições para
a construção da consciência crítica. E estabelecia um nexo fundamental no processo
ensino-aprendizagem: a relação entre o discurso utilizado em sala de aula pelo
professor e a construção da identidade sócio-politico
por parte dos sujeitos
envolvidos no processo. De outra forma: como o poder da palavra é trabalhado em
sala de aula?
Possivelmente, LouAnne não leu nada de Paulo Freire e muito menos
Pedagogia da Autonomia, quando o educador brasileiro questiona porque não
trabalhamos com nossos alunos a freqüente realidade que trata mais de morte do
que de vida. Ela faz isso. O resultado começa a aparecer e as críticas e ameaças da
direção e secretaria também. Não fiquei preocupado com a visão estereotipada da
professora LouAnne e da representação que o cinema americano faz do ser
professor como um salvador da pátria como é possível constatar em filmes como ao
mestre com carinho, mentes brilhantes, um diretor contra todos, código de honra,
adorável professor e sociedade dos poetas mortos. O modelo de professor
representado pelo cinema americano está longe de ser a de um professor engajado,
7
que luta por melhores salários, por causas políticas ou sociais. É sempre alguém
individualizado que motivado consegue realizar façanhas. Não deixa de ser uma
caricatura do ser educador, mantendo as questões fundamentais da educação na
perspectiva do senso comum.
Mas, o que interessa agora, é demonstrar o processo de identificação dos
alunos e as reações em relação à mensagem do filme. Surpreendeu pelo silêncio da
turma ao assistir o filme, após os quinze primeiros minutos. Eles literalmente
entraram no filme; surpreendeu pela identificação com a temática abordada no filme,
como o uso de drogas, gravidez na adolescência, confiança, delação de amigos,
conflitos de gangues, solidariedade, auto-estima, discriminação, etc. Aproveitando a
empolgação do filme, fiz a seguinte proposta: cada aluno (a) deveria escrever uma
crítica do filme. Esta atividade em casa valeria como a avaliação do bimestre. Ainda
não havia condições do aprender pelo prazer de aprender.
Com algumas resistências, o grupo aceitou. Dez dias depois, a surpresa.
Apenas três alunos não entregaram a tarefa. A surpresa maior: sem que fosse
solicitado, muitas redações faziam relações entre o filme e a realidade; alguns (na
época eu não tive a felicidade de precisar) fizeram mais ainda: estabeleceram juízos
de valor sobre atitudes da professora, do diretor, dos alunos que lideravam a turma,
dos bagunceiros e até mesmo da técnica utilizada pela professora para trabalhar o
conteúdo.
Se Deleuze, Foucault, Nietzsche, Kierkegaard estabeleciam as bases teóricas
que permitiam relacionar Filosofia e Cinema, foram os alunos que permitiram a
experienciação desse processo. Ainda sem ter um recorte metodológico, mas
impactado pela reação provocada pelo filme, conversei com a direção da escola e
propus outro filme O estranho no ninho (Milos Forman, 1975). As questões foram
colocadas na aula anterior à projeção do filme: a) o que quer dizer “estranho no
ninho” na realidade da zona periférica do Rio de Janeiro?12 b) quem era o estranho
A Escola fica na periferia do Rio de Janeiro, próxima a duas comunidades inimigas entre si.
Área denominada de Zona da Leopoldina, com alunos do Complexo do Alemão (muitas
vezes com toque de recolher e os alunos tinham que ser liberados mais cedo), alunos da
Comunidade de Brás de Pina, Penha, Vigário Geral e Parada de Lucas, estas duas
conhecidas como faixa de Gaza do Rio de Janeiro.
12
8
no ninho em sala de aula?; c) Com quem você se identifica no filme? O objetivo das
questões era diagnosticar a capacidade de relação entre imagem, pensamento,
visão de mundo, capacidade de pertença a um determinado grupo, concepção de
espaço, liberdade, respeito, etc.
A sinopse do filme demonstra a quantidade de questões filosóficas presentes.
Em linhas gerais, para contextualizar o leitor, um condenado é enviado a uma
instituição de doentes mentais para ser examinado. O ambiente é pouco favorável a
qualquer mudança da ordem dominante. McMurphy (Jack Nicholson) se opõe as
regras, convicto de que a opressão é o pior inimigo dos pacientes. Ele começa a
discutir com os outros internos idéias diferentes, afirmando que é possível mudar
mesmo em situações adversas e opressivas. Ora, o filme retrata a realidade em sua
forma crua e perversa de muitos adolescentes e jovens que precisam encenar para
si mesmos, para continuar vivendo a vida que não lhes pertencem. Assim como
McMurphy finge que está louco para não trabalhar, muitas vezes, o jovem finge ser
completamente alienado aos problemas sociais para não sofrer represálias dos
grupos dominantes das comunidades.
Depois do filme foi possível estabelecer um diálogo sobre o caráter de
McMurphy. Questões como: é ético mentir para atingir uma finalidade nobre? O que
você faria se estivesse no lugar dele? Por que as pessoas têm tanto medo ou receio
da mudança? Você vê alguma relação entre o sanatório e a escola? A enfermeira
Mildred Ratched lembra algum(a) professor(a)? Quais foram as cenas mais
marcantes? Você viu alguma cena de opressão? E de liberdade? Foi possível em
uma turma de segundo ano do ensino médio concretizar a denúncia de Deleuze a
respeito da filosofia. Ele afirma:
Vemos então o que a filosofia não é: ela não é contemplação, nem
reflexão, nem comunicação, mesmo se ela pôde acreditar ser ora
uma, ora outra coisa, em razão da capacidade que toda disciplina
tem de engendrar suas próprias ilusões, e de se esconder atrás de
uma névoa que ela emite especialmente.13
13
DELEUZE. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992
9
A filosofia é, então, a capacidade de dar sentido aos próprios pensamentos.
Consoante Nietzsche e citado por Deleuze “você não conhecerá nada por conceitos
se você não os tiver de início criado, isto é, construído numa intuição que lhes é
própria: um campo, um plano, um solo, que não se confunde com eles, mas que
abriga seus germes e os personagens que os cultivam”14
. Então, mais importante
do que discutir Platão, Agostinho, Cícero, Tomás de Aquino, Hume, Descartes, Kant,
Hegel, Marx, Adorno, é criar condições para que o neófito pense o pensamento,
pensando ele constrói referências de significado e significante de si e do mundo;
pensando é possível superar o sensível do senso comum em busca de uma
construção sistêmica da realidade; pensando é capaz de introduzir na densa e
escura floresta filosófica, para extrair os alimentos necessários a própria criação de
si na transformação do dom em tarefa. Nesse sentido, é possível filosofar sem
começar pelos clássicos?
14
Idem, 16
Download