sexo e felicidade

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SEXO E FELICIDADE
A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins tem causado burburinho na cama das
pessoas. Seus livros "A Cama na Rede" e "Se Eu Fosse Você" gozam de muita
reputação, e despertam a curiosidade de diversos leitores e talvez até discussões
(que podem ser positivas, naturalmente) entre casais que se mostrem insatisfeitos
com a atual vida sexual.
Com muitos anos de experiência ouvindo as angústias de pessoas entre 13 e 80
anos, percebeu que as questões relacionadas a amor e sexo eram algumas das que
mais despertavam o mal-estar entre os pacientes.
Com uma idéia muito legal, manteve por anos o site Cama na Rede, onde
anonimamente os internautas respondiam às perguntas sobre suas intimidades,
como se elas já haviam sido infiéis, gostariam de experimentar sexo a três e se
sonhavam com algum fetiche.
Vejam entrevista abaixo:
Pergunta: Para o público no geral, alguns números vistos no livro "A Cama
na Rede", podem até ser surpreendentes. Mas para você, que acompanha
os desejos de homens e mulheres há algum tempo, ficou surpresa com
algum resultado específico?
Resposta: Eu já esperava a maioria dos resultados, mas houve alguns que me
surpreenderam.
Para mim já estava claro que muita gente deseja fazer sexo a três, pois havia
recebido diversas mensagens sobre isso. Mas nunca pensei que o percentual
chegasse a 77%.
Outro resultado que me surpreendeu foi o fato de 75% acreditarem ser possível ser
feliz sem ter um par amoroso. Isso é ótimo, porque na nossa cultura aprendemos
que só é possível viver bem se formarmos um casal, o que leva muita gente
procurar desesperadamente um par.
É fundamental que as pessoas desenvolvam a capacidade de viver bem sozinhas,
até mesmo para poderem fazer melhores escolhas amorosas. Apesar de a maioria
dos casamentos serem insatisfatórios é comum as pessoas o defenderem.
Causou surpresa 80% dizerem que o casamento não é o melhor caminho para a
vida a dois.
Alguns resultados só vieram confirmar o que digo sempre: 72% declararam que já
foram infiéis; 72% acreditam que com o tempo o tesão pelo parceiro (a) diminui;
63% já amou duas pessoas ao mesmo tempo; 88% afirmam que os homens se
desesperam quando broxam; 74% já transaram com uma pessoa casada; 91% já
viveram alguma decepção amorosa.
Pergunta: Em uma análise geral, encontram-se rastros que indiquem que a
sociedade é machista?
Resposta: Existem muitos rastros. Desde que o sistema patriarcal se instalou, há
cinco mil anos, a sociedade é profundamente machista. Apesar de a maioria dos
homens ainda perseguir o ideal masculino da nossa cultura - força, ousadia,
sucesso, poder, nunca falhar -, eles estão começando a se sentir exaustos.
Há algum tempo já se discutem em todo o mundo os prejuízos da busca dessa
masculinidade. Os prejuízos do machismo são muitos.
Poucos homens conseguem experimentar a intimidade emocional com a mulher,
em vez de somente a sexual. Não é de se estranhar, então, o resultado de um
importante estudo sobre sexualidade realizado, nos Estados Unidos, que mostrou
que quase a metade de homens e mulheres americanos sofrem de disfunção
sexual.
Muitas mulheres, por conta de tanta repressão, ainda têm dificuldades no sexo,
mas não resta dúvida de que os estereótipos tradicionais de masculinidade inibiram
a capacidade de prazer sexual do homem.
Demonstrar ternura, se entregar relaxado à troca de prazer com a parceira é difícil.
Perder o controle ou falhar é uma ameaça constante, tornando o sexo uma
experiência ansiosa e limitada.
Na pesquisa, que está no livro "A Cama na Rede", 75% afirmam que o machão está
em baixa. Isso é verdade; as mentalidades estão mudando.
O homem machão está perdendo o prestígio. Ainda bem. Isso é bom para a mulher
e principalmente para ele próprio. Quanto mais autônoma e livre de estereótipos,
mais a mulher valoriza o homem sensível, que não tenha vergonha de chorar, de
ficar triste, que fale dos seus sentimentos e aceite seus próprios fracassos. Muitos
homens já estão concordando com John Lennon: "Não está na hora de destruirmos
a ética do macho?... A que nos levaram todos esses milhares de anos?"
pergunta: No secreto, qual o verdadeiro desejo da mulher? Ela gosta de
transar e gostaria de ser mais "desencanada"?
Resposta: Embora no século 20 a moral sexual tenha sofrido grandes
transformações e homens e mulheres não acreditem conscientemente que o ato
sexual seja um grande pecado, no inconsciente os antigos tabus ainda persistem.
Muitos ainda sofrem com seus desejos, fantasias, medos, culpas, frustrações.
Estamos no meio de um processo de uma profunda mudança das mentalidades,
que se iniciou com os movimentos de contracultura das décadas de 60/70.
Até então a mulher deveria ser casta e passiva. Uma herança do século 19, no qual
muitas teorias foram criadas afirmando que só o homem tinha prazer sexual.
O prazer da mulher seria, apenas, o de ter e criar os filhos. Considerava-se marca
da feminilidade a mulher não gostar de sexo.
Isso melhorou um pouco no século 20, mas as mulheres foram condicionadas à
idéia de que sexo e amor têm que caminhar juntos, o que é um grande
impedimento para sua vida sexual.
Hoje, você encontra mulheres que ainda carregam culpa em relação ao sexo, e
outras que já se liberaram e buscam viver intensamente o prazer.
Muitas declaram que gostariam de ter coragem para ousar mais no sexo, de pôr em
prática suas fantasias. Uma fantasia muito comum nas mulheres é a de transar
com dois homens ao mesmo tempo e de fazer sexo em grupo.
Pergunta: Os que não realizam as fantasias sexuais, como tentar uma
posição ou algo diferente, ou fazer sexo a três, realizam como suas
pulsões? Por meio de pornografia?
Resposta: A repressão sexual é um conjunto de interdições, permissões, valores,
regras estabelecidas pelo social para controlar o exercício da sexualidade. Ela faz
com que muita gente reprima seus desejos menos convencionais ou desista do
sexo e fique quieta no seu canto.
No Ocidente o sexo é visto como algo muito perigoso. A condenação do sexo
surgiu, com o patriarcado restringindo-se, no início, às mulheres, para dar ao
homem a certeza da paternidade.
No cristianismo a repressão sexual generalizou-se. O padrão moral tornou-se, em
tese, o mesmo para homens e mulheres, embora na prática houvesse maior
condescendência para com o homem.
A repressão não é apenas algo que vem de fora, submetendo as pessoas.
As proibições e interdições externas são interiorizadas, convertendo-se em
proibições e interdições internas, vividas sob a forma de vergonha e culpa. A
questão é que quando a repressão é bem-sucedida, já não é sentida como tal e a
aceitação ou recusa por um determinado tipo de comportamento é vivido como se
fosse uma escolha livre da própria pessoa.
A doutrina de que há no sexo algo pecaminoso é totalmente inadequada, causando
sofrimentos que se iniciam na infância e continuam pela vida afora.
O psicanalista Wilhelm Reich considera que as enfermidades psíquicas são a
consequência do caos sexual da sociedade, já que a saúde mental depende da
potência orgástica, isto é, do ponto até o qual o indivíduo pode se entregar e
experimentar o clímax de excitação no ato sexual.
José Ângelo Gaiarsa afirmava que uma explicação possível para haver tanta
repressão reside no fato de que, quanto mais o indivíduo vai ampliando,
aprofundando e diversificando sua vida sexual - e isso significa transgredir -, mais
coragem ganha para fazer outras coisas, questionar outros valores.
Começa a viver com maior vontade e decisão. Pode começar a se tornar perigoso.
Então, não deve ser à toa nem por acaso que as forças repressoras de todas as
épocas se voltaram tão sistemática e precisamente contra a sexualidade humana.
Outra semana tive a prova de como o sexo é visto como perigoso ao participar ao
vivo do programa Sem Censura, da TV Brasil, para falar dos livros A Cama na Rede
e Se eu fosse você.
Logo no início, a apresentadora Leda Nagle me perguntou sobre os resultados da
pesquisa que deram origem aos livros. Quando eu disse que me surpreendeu o fato
de 77% terem declarado desejar fazer sexo a três, ela me impediu de continuar
falando sobre isso. Alegou ser 16.30h e estarmos numa TV pública.
Penso ser necessário refletirmos sobre esse absurdo. Não tenho dúvida de que essa
repressão que impede de se conversar livremente sobre sexo é nociva. Além de
tantos prejuízos causados à vida íntima das pessoas, ela está entre as causas da
violência e dos crimes sexuais.
Pergunta: Para encontrar um dos muitos "equilíbrios" sexuais, mulheres
deveriam assistir mais a vídeos eróticos, ou homens deveriam ver menos
filmes pornográficos
Resposta: Não. Não acredito que esta seja a saída para o desencontro sexual
entre homens e mulheres. Homens e mulheres fazem sexo em menor quantidade
do que necessitam e com muito menos qualidade do que poderiam, se frustrando
durante sua própria realização.
O pré-requisito básico para haver uma relação sexual satisfatória é a ausência de
repressão, vergonha ou medo.
Na sociedade hipócrita e moralista em que vivemos, uma sexualidade plena e
satisfatória é muito rara, só se observando em alguns poucos casos.
Para haver um sexo realmente prazeroso é fundamental que os homens se libertem
do mito da masculinidade, e as mulheres do amor romântico e da idéia de que
devem corresponder às expectativas do homem.
É grande a quantidade de homens que vão para o ato sexual ansiosos em cumprir
uma missão: provar que são machos. A preocupação em não perder a ereção é
tanta que fazem um sexo apressado, com o único objetivo de ejacular, e pronto.
A mulher, com toda a educação repressora que teve ainda se sente inibida em
sugerir a forma que lhe dá mais prazer. Acaba se adaptando ao estilo imposto pelo
homem, principalmente por temer desagradá-lo.
Fazer sexo mal é isso: não se entregar às sensações e fazer tudo sempre igual,
sem levar em conta o momento, a pessoa com quem se está e o que se sente. As
pessoas que gostam de verdade de sexo e o sabem fazer bem não têm preconceito,
consideram o sexo natural, fazendo parte da vida.
A busca do prazer é livre e não está condicionada a qualquer tipo de afirmação
pessoal. Então, o sexo é desfrutado desde o primeiro contato, e se cria o tempo
todo junto com o parceiro, até muito depois do orgasmo.
O único objetivo é a descoberta de si e do outro, numa troca contínua de
sensações, em que cada movimento é acompanhado de nova emoção.
O ato sexual pode ser uma comunicação profunda entre duas pessoas, e para isso é
importante que não se tenha nada planejado, sendo criação contínua em que nada
se repete.
Sendo assim, o sexo deixa de ser a busca de um prazer individual para se tornar
um poderoso meio de transformar as pessoas. E nem é necessário haver amor. O
ponto de partida fundamental para uma relação sexual de qualidade é o desejo.
Pergunta: Sobre o sexo "esfriar" depois do casamento, as pesquisas
indicam o "mais do mesmo" ou revelam algo novo?
Resposta: O sexo no casamento é o maior problema enfrentado pelos casais.
O casamento é o lugar onde menos se faz sexo.
A pesquisa feita para o livro A Cama na Rede só confirmou isso: 72% declararam
que com o tempo o tesão pelo parceiro diminui.
Essa questão só passou a ser problema quando, recentemente, o amor e o prazer
sexual se tornaram primordiais na vida a dois e se criaram expectativas em relação
a isso. Antes, não se cogitava em realização afetiva e prazer na vida de um casal.
Bastava o marido ser provedor e respeitador; a mulher ser boa dona de casa e
mãe, que estava tudo certo.
Mas como resolver a situação de casais que, após alguns anos de vida em comum,
constatam decepcionados terem se tornado irmãos? Alguns dizem que é necessário
quebrar a rotina e ser criativo.
As sugestões são variadas: ir a um motel, viajar no fim de semana, visitar uma
sex-shop. Mas isso de nada adianta. O desejo sexual intenso é que leva à
criatividade, e não o contrário. Quando não há desejo, a pessoa só quer mesmo
dormir.
Quem se angustia com essa questão sabe que desejo sexual não se força, existe ou
não. Não é necessário dizer que existem exceções, e que em alguns casais o desejo
sexual continua existindo após vários anos de convívio.
Mas não podemos tomar a minoria como padrão. Mesmo que os dois se gostem, a
rotina, a excessiva intimidade e a falta de mistério acabam com qualquer emoção.
Busca-se muito mais segurança que prazer.
Para se sentirem seguras, as pessoas exigem fidelidade, o que sem dúvida é
limitador e também responsável pela falta de desejo.
A certeza de posse e exclusividade leva ao desinteresse, por eliminar a sedução e a
conquista. Familiaridade com o parceiro, associada ao hábito, podem provocar a
perda do desejo sexual, independente do crescimento do amor e de sentimentos
como admiração, companheirismo e carinho.
Pergunta: Em tempos passados, pensar, abertamente, em sexo já era
crime. Atualmente, discute-se sobre e se faz (no Brasil) com inibições
pontuais. Logo, qual é o futuro do sexo? Sexo a três e posições além do
Kama Sutra tendem a se popularizar também?
Resposta: Daqui a algumas décadas existirão relações duradouras, mas talvez não
sejam predominantes.
As tendências apontam para o aumento do número de relações do tipo instantâneo
e efêmero e do sexo em grupo. A prática do sexo em grupo, conhecida como
bacanal ou orgia, é uma das variáveis mais curiosas da sexualidade humana.
A Grécia Clássica, berço de nossa civilização, se não inventou a orgia teve seus
praticantes mais organizados. O governo subsidiava as chamadas dionisíacas, que
constava de um grande banquete aberto a todos. Os participantes se vestiam como
ninfas, sátiros, bacantes, etc... e atravessavam a noite realizando jogos eróticos
animados pelo vinho que corria livremente.
Tais festas rapidamente se transformavam em orgias públicas. Atualmente,
frequentemente ignorada, ocultada e reprimida, a prática do sexo em grupo é mais
comum do que se imagina. Não é raro casais, homens e mulheres solteiros, e
também muitos casados, irem sozinhos experimentar o sexo grupal nos clubes
especializados.
O swing - a troca de casais - também se torna cada vez mais comum; chegou à
classe média do Ocidente em fins da década de 70, nos EUA, embalada pela
revolução sexual, mas sua prática é antiga em outras civilizações.
Os esquimós costumavam deixar suas mulheres emprestadas ao vizinho, quando
saíam para caçar. O objetivo era a preservação da mulher, que podia não resistir às
baixas temperaturas, sem apoio de alguém.
A China também tinha o costume, até a Revolução Cultural, de os maridos, quando
se ausentavam, alugarem as esposas. Os filhos que nascessem no período
pertenceriam àquele que alugara a mulher.
No Tibet, na África e no Havaí há registro sobre o costume em questão. Penso que
no futuro homens e mulheres poderão buscar a realização de seus desejos sem
culpa por se livrarem da submissão à moral que nos foi imposta. Mas não podemos
esquecer que os sexy games, que surgirão, também trarão muitas novidades.
pergunta: Do mesmo modo, a bissexualidade, já defendida por Freud,
tende a se desenvolver na sociedade?
Resposta: Penso que sim. As estatísticas mostram que a grande maioria já sentiu,
de alguma forma, desejo por ambos os sexos.
Nunca se falou tanto em bissexualidade como dos anos 90 para cá. A manchete de
capa da revista americana Newsweek de julho de 1995 era: "Bissexualidade: nem
homo nem hetero. Uma nova identidade sexual emerge."
Na pesquisa feita pelo americano Harry Harlow, mais de 50% das mulheres, numa
cena de sexo em grupo, se engajaram em jogos íntimos com o mesmo sexo, contra
apenas um por cento dos homens.
Entretanto, quando o anonimato é garantido a proporção de homens bissexuais
aumenta a um nível quase idêntico.
Marjorie Garber, professora da Universidade de Harvard, que elaborou um profundo
estudo sobre o tema, compara a afirmação de que os seres humanos são
heterossexuais ou homossexuais às crenças de antigamente, como: o mundo é
plano, o sol gira ao redor da terra. E pergunta: "Será que a bissexualidade é um
'terceiro tipo' de identidade sexual, entre a homossexualidade e a
heterossexualidade - ou além dessas duas categorias?"
Acreditando que a bissexualidade tem algo fundamental a nos ensinar sobre a
natureza do erotismo humano, ela sugere que em vez de hetero, homo, auto, pan e
bissexualidade, digamos simplesmente "sexualidade'".
Quando trabalhamos com as tendências devemos ficar atentos aos sinais. Há algum
tempo que se observa a bissexualidade nas adolescentes. Não é raro encontrarmos
meninas que se apaixonam por outras meninas, independente do fato de também
namorar rapazes.
Pergunta: E com isso, como ficam os casamentos? Aliás, qual a relação de
amor e sexo?
Resposta: O amor é uma construção social.
O amor romântico, pelo qual todos anseiam, passou a fazer parte do casamento
recentemente.
Antes, as pessoas se casavam por interesses econômicos da família. Esse tipo de
amor é calcado na idealização do outro; propõe a fusão entre os amantes e a idéia
de que os dois se completando nada mais vai lhes faltar.
Traz expectativas próprias como a de que quem ama não se relaciona sexualmente
com mais ninguém.
Mas o amor romântico não resiste ao dia-a-dia do casal. A idealização não
consegue ser mantida, porque na convivência você é obrigado a enxergar os
aspectos que você não gosta no parceiro. E aí vem o desencanto.
Felizmente, esse tipo de amor está saindo de cena, levando com ele a exigência de
exclusividade, uma das suas principais características.
Vivemos um período de grandes transformações no mundo, e, no que diz respeito
ao amor, o dilema atual parece se situar entre o desejo de simbiose com o parceiro
e o desejo de liberdade, sendo que este último começa a predominar.
Na pesquisa do livro A Cama na Rede, 75% acreditarem ser possível ser feliz sem
ter um par amoroso e 80% disseram que o casamento não é o melhor caminho
para a vida a dois.
No futuro menos pessoas vão desejar se fechar numa relação a dois.
As pessoas podem vir a ter relações estáveis com várias pessoas ao mesmo tempo,
escolhendo-os pelas afinidades.
Talvez, quem sabe, uma para ir ao cinema e teatro, outra para conversar, outra
para viajar, a parceria especial para o sexo, e assim por diante.
A idéia de que um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da vida pode se
tornar coisa do passado.
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