a filosofia do amor em alain badiou - PUC-Rio

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Departamento de Filosofia
A FILOSOFIA DO AMOR EM ALAIN BADIOU
Aluno: Gabriel S. Wainer
Orientadora: Luisa Buarque
Introdução
A primeira coisa que me perguntei quando o objeto “amor” me chamou atenção pela
primeira vez como um estudante de filosofia em final da graduação foi: porque esse objeto me
interessa? O que nesse objeto merece atenção e pesquisa? Será um objeto interessante de verdade
para a filosofia?
A segunda coisa que me chamou a atenção foi a resposta cética negativa, quase que
inevitável a essa questão, que é: definitivamente esse é um problema secundário, senão pelo
menos irrelevante. Você como estudante no final da graduação poderia estar se aprofundando
num estudo mais pungente, que ao mesmo tempo lhe embasasse como profissional e fosse de
interesse coletivo.
Mas por que esse tema não é interessante? - Perguntei eu a mim mesmo.
Ora, com tantos assuntos que podem ser discutidos na nossa sociedade contemporânea ao
ano de 2014, seria muito melhor que você se interessasse pela fundamentação da ciência e da
linguagem, por educação e política, por metafísica ou ética aplicada. Os ecossistemas estão sendo
destruídos pela ação do homem e uma série de extinções é acelerada em diversas espécies de
seres vivos, de modo que o amor, mesmo que não seja mais um luxo apenas da burguesia,
continua sendo uma extravagância e, como toda extravagância, ligeiramente deslocada, fora de
foco e um tanto impertinente.
Foi com essa impertinência - num sentido de inesperado - que encontrei no livro de Alain
Badiou o gatilho de coerência no meu sentimento de necessidade de pesquisar sobre o tema do
amor. Tanto pela impertinência de fazer um elogio, no qual muitas vezes se afasta de
formalizações acadêmicas, quanto para sugerir axiomas problemáticos e deveras chamativos. O
que me chamou a atenção é que por debaixo do discurso ideológico há um pensamento filosófico
bem estruturado.
Amor, segundo Badiou, é uma das quatro condições da filosofia. As outras três são a
política, a arte e a matemática. Por ser uma das condições, apresenta justamente a característica
de ser de um evento que afirma: existe Verdade. A necessidade de defender o amor e de coloca-lo
como experiência paradigmática para o nascimento da filosofia é tão importante quanto à
necessidade de combater os sofistas contemporâneos.
Um “elogio” é um estilo de texto direto e militante, cujo objetivo é lançar mão das
melhores armas argumentativas em uma campanha robusta para defender o motivo de ação de
sua batalha teórica. É uma batalha positiva, cujo epicentro é orbitado pela afirmação peremptória
da necessidade urgente de chamar a atenção para a importância do tema.
À primeira vista podemos julgar o conteúdo pela capa e considerar o elogio como apenas
o sinônimo de uma guinada ideológica, cuja proposta de visão de mundo paralise qualquer tipo
de reflexão filosófica mais profunda. É como o pensamento ingênuo mais recorrente nas agências
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de publicidade dos governos dos Estados quando o assunto é esse que se traduz na seguinte
proposição: “o mundo precisa de amor, porque quanto mais amor, melhor o mundo vai ficar”.
Essa frase não somente é objetada em termos lógicos por ser evidentemente uma
afirmação do consequente, como mesmo que carregue verdade em sua conclusão no final das
contas, não sabemos ainda o que carregam esses termos implicitamente - amor, necessidade,
mundo, melhor. Não sabemos de verdade qual a intenção desse agente ideológico. Em suma, esse
discurso não é tão evidente quanto parece.
Por outro lado podemos receber uma série de objeções filosóficas tais como simplesmente
a sua crítica mais feroz, de que definitivamente o amor é uma ilusão, um mecanismo fantasístico
para ajudar a subjetividade humana a viver sob a tutela do deserto da sexualidade e dos desejos
materiais. Uma poesia de má fé que afasta os homens da verdade do vazio absoluto e da negação
do sentido.
Tão logo me debruço sobre o primeiro livro que escolho (a esmo) para começar a
pesquisa já encontro uma tensão muito mais profunda e interessante combatendo na porta de
entrada pra esse tema. Duas visões de mundo com suas tendências e ideologia, com seus
defensores e pensadores das mais diferentes épocas e lugares.
Mesmo que particularmente não acredite que no final dessa pesquisa eu vá descobrir
alguma fator conceitual surpreendente e menos ainda que vá provar definitivamente alguma
teoria sobre o assunto, o mínimo que posso esperar para manter a minha própria motivação no
decorrer dessa investigação, é a felicidade de encontrar diversos textos atuais de filósofos por
toda a parte que discutem esse assunto de maneira séria e contundente, de forma que vamos
orientando a pesquisa na direção de observar o movimento conceitual do objeto “amor”
primeiramente como um símbolo mitológico para um principio de movimento, desejo e criação,
até o momento que se encontra como o objeto real de um processo de construção de verdade,
significado e elemento básico de uma estrutura ontológica mais profunda. E ainda podemos
entende-lo como um conceito – ética e esteticamente aplicável.
De qualquer forma, a fenda que se abre logo no inicio da abordagem do amor parece
querer extrapolar sua essência da sua manifestação mais evidente, a dizer, o encontro amoroso.
Levantar a hipótese de uma ontologia do amor que seja correlata com a própria estrutura da
realidade, cujo resultado é a própria possibilidade da filosofia, precisa ainda de muita
investigação. Vamos encontrar material sobre esse tema nos trabalhos de Platão, Badiou, Lacan,
Wittegenstein, entre outros.
*
O que é o amor?
Você está com 82 anos de idade. Já não tem a mesma disposição física de antes. Como
não é nenhum psicopata, encara de frente a tensão de estar chegando ao fim de sua vida. Pode ter
mais alguns anos de razoável saúde, mas não se engana em nenhum momento que a brincadeira
uma hora chega ao fim.
Você é casado. Não só isso: você é um dos casos (talvez não tão raros assim) de estar
casado há 55 anos e sentir um amor mais forte do que nunca pela sua mulher (ou pelo seu marido,
ou pelo seu/sua parceiro(a) - não vamos complicar desnecessariamente a situação).
Quando a observa enquanto dorme, ainda pulsa o mesmo sentimento de quando ambos
eram jovens e destemidos, dispostos a viver o sentimento que brotara a partir do encontro
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inesperado de um na vida do outro. Ela emagreceu seis centímetros, está magrinha magrinha, mas
tudo que mais lhe importa é deitar ao seu lado e sentir o corpo dela contra o seu.
O que infelizmente divide sua cabeça é saber que ela tem seus dias de vida contados: ela
sofre de uma doença rara que tirará a sua vida em pouco tempo. Seu sentimento de amor por ela,
mais forte do que nunca, é, todavia, impotente.
Certo de que não obterá resposta fácil, não deixa de perguntar para si em um momento de
sincera frustração: por quê? Ainda que sua tendência niilista devaste seu último pingo de
racionalidade, lhe resta uma vontade maior de permanecer ao lado dela e aproveitar o tempo
juntos.
Parte da situação apresentada se refere ao relato de André Gorz, o filósofo e jornalista
austríaco, radicado na França, que escrevera em 2006 uma carta de amor à mulher Dorine,
expressando o significado dela em sua vida. Dorine sofria de uma grave doença e em 2007 os
dois cometeram suicídio espantando o mundo com o destino escolhido pelo casal.
O emocionante relato de Gorz chega a parecer ser uma raridade no meio dessa sociedade
contemporânea ocidental cuja ingenuidade a respeito das relações humanas deu lugar a uma
desconfiança perpétua resultando numa crescente expansão de famílias disfuncionais e de um
individualismo hedonista raso. Primeiro, a descrença na duração de um encontro amoroso dá a
falsa impressão da inevitabilidade da traição (ou infidelidade), ou na crença cega na premissa que
afirma que a pessoa que não se engaja num relacionamento é mais feliz do que a que se engaja.
Creio que essa visão faz parte de um mau entendimento embutido na própria estrutura da
linguagem e na cultura que reveste o conceito de amor, relação amorosa, etc.
Mas, voltando um pouco ao começo da história. A descrição que André faz da sua relação
com Dorine ilustra a realização de um encontro amoroso em sua particularidade sóbria,
evidenciando a importância do amor dele por sua mulher; não como um passado de paixão e
memória, mas como um presente ativo e constantemente se construindo a partir do engajamento
existencial com seu sujeito/objeto de amor.
Acredito que podemos tentar sintetizar o pensamento do senhor Badiou no seu Elogio,
que o amor é o processo de construção de verdade, a partir do engajamento existencial
recíproco com seu sujeito/objeto de amor. O que importa é reforçar o que ele insiste: que o amor
é o processo de construção de verdade, é um evento metafísico básico, de passar a olhar o mundo
a partir do prisma de Dois e não mais de Um.
Calma, calma, calma. Ainda não sabemos sobre quase nenhum dos conceitos dessa
afirmação e ela já implica cuidado e desconfiança. Claro, melhor assim.
O que vai interessar a Badiou ao filosofar sobre o amor, não será apenas o instante do
acontecimento amoroso, mas a qualidade da duração dessa relação (seja o quão longa uma
relação for). Porém, é a partir do encontro, quando se percebe antes mesmo de expressar na
linguagem, interiormente, o engajamento entre os dois sujeitos desvela seus prismas estético,
ético e espiritual latentes e pulsantes. A mudança desse prisma, o ajuste da paralaxe, acontece
quase como um processo de metempsicose.
Badiou toma emprestada a tese do psicanalista Jacques Lacan que afirma que não há
relação sexual. Em sua tese, Lacan chega a essa conclusão quando percebe que durante o ato
sexual, muitas vezes o gozo das pessoas envolvidas justamente não é um sentimento mutuamente
compartilhado. Pelo contrário, o ato sexual se dá por meio de um processo de fantasiar
individualmente a própria estrada até o orgasmo. Você usa o corpo de outro como um mediador
do seu gozo, mas o seu orgasmo é apenas seu, individual e não transferível.
Essa característica apontada por Lacan, segundo Badiou, faz parte de um arcabouço
teórico muito mais profundo e interessante que vamos desenvolvendo aos poucos. Não só faz
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parte de um movimento apontado por Lacan de perceber o inconsciente estruturado como uma
linguagem, mas quais são as características dessa linguagem e como ela reflete ou não a nossa
realidade e a nossa percepção dela.
Slavoj Zizek, em seu livro Como ler Lacan, propõe uma analogia da proposta
psicanalítica de Lacan em contraposição com a percepção freudiana, com a mudança da teoria da
relatividade especial para a relatividade geral, de Albert Einstein. Na teoria especial, a proposta é
de que a massa dos corpos tornaria o espaço curvo. Na teoria geral, é a qualidade de ser curvo
que é fundamental para geração de massa. Comparando com a tese de Lacan, as ambiguidades e
falhas tanto na linguagem quanto no inconsciente, seriam reflexos de uma necessidade
ontológica mais profunda, onde a própria estrutura da realidade teria a falha como um de seus
predicados essenciais e por isso a linguagem e o inconsciente também apresentariam essa
condição de possibilidade.
Pode parecer que estou desviando o assunto, mas o ponto acima não é ainda sobre a
linguagem, mas sobre sua ligação com a estrutura da realidade e o inconsciente
Já observamos de um prisma macroscópico, a partir do retrato de um casal de idosos, a
imagem do instante e a duração de uma relação de amor, como um processo de construção da
verdade, a partir do engajamento existencial entre dois sujeitos/objetos. Esse evento metafísico
básico é estruturado dentro de uma realidade que tem como predicado essencial a imperfeição, a
falha, o ruído. Desse ponto, a tese é ainda mais elaborada.
É por essa característica de ser imperfeita, falha e com ruídos que é pintada a realidade
por Lacan. Muitas vezes parece que estou lendo David Hume com seus jogos de pensamento,
fazendo-nos esquecer a ideia de causalidade necessária, para a crença num costume na
regularidade dos fatos. A causalidade como uma das grandes ilusões elaboradas pela mente
humana, onde tudo que nos rodeia é, a princípio (não no fim) sem direção ou sentido.
Realizar que a relação entre os entes no mundo é no fundo oca não é fácil. Meu
pensamento me leva a cair nesse ceticismo radical, que detona as expectativas de encontrar
significado nas relações mais corriqueiras do dia-a-dia. Ocorre um processo natural de solipsimo
que me deixa sozinho no deserto da existência.
O ponto onde Zizek e Badiou chegarão conversando com Lacan (que afirmam ser o mais
importante filósofo do amor do século XX), é na rachadura no deserto do real; justamente a
estrutura de uma relação (objeto-função-objeto) e portanto gera um local no pensamento para a
filosofia. A separação provocada por essa rachadura na realidade, ao mesmo tempo que diferencia
(e cria) entes no mundo, os coloca na obrigatoriedade de um certo tipo de confronto. Para usar a
linguagem badiouiana, é a partir do Dois que é possível a existência, não a partir do princípio do
Um, (monoteísta, do Primeiro Motor, etc.…) que atravessa agressivamente a história da filosofia.
Eu poderia então, de certa forma, ler o amor como função de verdade, o evento onde
ocorre o mútuo-reconhecimento entre dois objetos/sujeitos. Como diz a célebre citação da
filósofa irlandesa Iris Murdoch: “O amor é a percepção extremamente difícil de que algo além de
nós é real”.
O engajamento entre o amor e a realidade se dá de tal forma na visão de Badiou - que
bebe de Lacan em sua tese de que “não há relação sexual” apenas a experiência narcísica - que
empurra um pouco mais o raciocínio sobre a questão narcísica. O amor seria justamente o
elemento que extrapola o orgasmo pessoal pela mediação do corpo: a finalidade não é o gozo a
partir da mediação do corpo da minha mulher, mas é no próprio ser da minha mulher que estou
interessado quando a amo. É a possibilidade de enxergar o mundo a partir do ponto de vista de
Dois, como veremos, na garantia da universalidade da humanidade. Ele se dá em um encontro,
em um acaso: mas o processo, que é deveras violento e algumas vezes traumático, acaba
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transfigurando o acaso na sua aparência contrária: necessidade. De maneira que, no final das
contas, essa experiência do amor é própria da construção de verdade, do princípio de vida e
significação (nomeação, abstração, ciência). Como se subvertesse ligeiramente a hierarquia
cosmológica de Hesiódo e, na verdade, primeiro seria Caos e depois Eros; Eros surgiria como um
anjo cheio de energia disposto a tirar proveito do Caos. Só depois que vem Gaia, matéria reunida
e organizada a partir do esforço abissal de Eros e da fonte semi-inesgotável de Caos.
Toda essa representação do processo que agrega o princípio do Dois, pode ser tratado
como parte de um processo de Verdade que, mesmo por acaso, a duração do encontro transformao (o acaso) até mesmo em algo como “biologicamente” necessário. Por isso podemos ter a falsa
impressão de que a paixão não passa apenas de um processo biológico: ela se torna um - assim
como o acaso se transforma em necessidade.
Essas séries de transfigurações causadas pelo estopim inesperado da paixão, essa
necessidade como um outro nome talvez para engajamento existencial com uma alteridade, é
perfeitamente representada no primeiro diálogo entre Julieta e Romeu na peça de Shakespeare:
Romeu: Se a minha mão profana esse sacrário,
Pagarei docemente o meu pecado:
Meus lábios, peregrinos temerários,
O expiarão com um beijo delicado.
Julieta: Bom peregrino, a mão que acusas tanto
Revela-me um respeito delicado;
Juntas, a mão do fiel e a mão do santo
Palma com palma se terão beijado.
Romeu: Os santos não tem lábios, mãos, sentidos?
Julieta: Ai, têm lábios apenas para reza.
Romeu: Deixe que os lábios façam como as mãos;
Que rezem também, que a fé não os despreza.
Julieta: Imóveis, eles ouvem os que choram.
Romeu: Santa, que eu colha o que os meus ais imploram. (Ele a beija)
Seus lábios meus pecados já purgaram.
Julieta: Ficou nos meus o que lhes foi tirado.
Romeu: Dos meus lábios? Os seus é que os tentaram;
Quero-os de volta.
(Beija-a)
Julieta: É tudo decorado.
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Fecha aspas. O evento apresentado aqui por Shakespeare é posterior ao evento do
apaixonamento. Aqui já há uma declaração descritiva dos sentimentos e intenções dos jovens
amantes. Porém é durante essa declaração que se assume o engajamento existencial dos dois. As
mãos que espalmam umas nas outras, assim como farão os lábios, representam os dois seres
espelhados por esse mútuo reconhecimento, no qual o acaso do encontro se transforma numa
necessidade assustadora, tão espiritual quanto erótica, tão estética quanto ética. Em um trecho
curto de sua peça, o dramaturgo consegue articular todos esses desdobramentos do evento
amoroso: a sacralidade profana em misturar o amor erótico com o espiritual, e a identificação
pela diferença e pela comunicação tão límpida que surpreende a moça ao exclamar: “é tudo
decorado”. A harmonia é tão grande que o diálogo parece música.
Calma. A manifestação desse instante cujo sentimento Lacan coloca como algo que
extrapola o narcisismo e dá conta do Outro, se assim se coaduna com a estrutura da realidade, é,
pois, tão rachada quanto e assim é exposta.
“Ele nos conduz ao campo de uma experiência fundamental daquilo que é a diferença e,
no fundo, à ideia de que é possível experimentar o mundo a partir da diferença. Nisso que ele tem
alcance universal, uma experiência pessoal da universalidade possível.”
Simultaneamente enquanto o amor permite essa experiência da universalidade possível a
partir da diferença, gerando uma abertura da possibilidade da permanência como uma experiência
em vida da eternidade, esta mesma permanência está condicionada a fatores que vão
pressionando e testando o processo de construção de verdade do qual o amor é patrono. O amor é
o tratamento de um paradoxo, colocará. As condições sociais, as neuroses diárias, os males da
humanidade como o acaso, o súbito e o incerto - nas palavras de Nietzsche. A expectativa criada
pela experiência fugaz do horizonte da eternidade é solapada pela mundanidade diária. É o
momento onde a realidade afasta da experiência o objeto conceitual puro. Todavia, a experiência
desse objeto conceitual ainda serve de baliza para as considerações sobre esse corte. É aí que o
conceito de “duração “pede uma explanação mais clara.
Badiou afirma que o amor ter esse status metafísico significa que não se insere na lei
imediata das coisas. Esse encontro de diferenças é um evento, algo de contingente - é a
construção do que ele chama de “Cena do Dois”. Porque, apesar do êxtase inicial, o amor seria
uma construção duradoura. Essa característica da relação entre os dois sujeitos do encontro
amoroso é figurada pelo engajamento existencial que passa a direcionar a experiência de mundo
deles. É uma disjunção e só pode assumir portanto uma forma de aventura, um risco. Desistir
durante o primeiro obstáculo, nas primeiras dificuldades, não passaria de uma desfiguração do
amor. O amor é aquele que triunfa diante dos obstáculos erguidos pelo espaço, pelo mundo e pelo
tempo. Nas palavras do filósofo: “o que interessa é a duração do amor; não a duração do tipo “o
amor deve durar para sempre”, mas que o amor inventa uma forma diferente de durar ao longo da
vida. Ele nos confronta com uma nova temporalidade - o amor é o duro desejo de durar. O amor é
a reinvenção da vida. Reinventar o amor, significa reinventar essa reinvenção.”
Para tentar resumir um pouco das características apresentadas no começo da pesquisa,
podemos afirmar os seguintes pontos que estão norteando o raciocínio de Badiou:
1 - Amor é uma experiência que apresenta a Cena de Dois, cuja estrutura é correlata à estrutura
da realidade.
2 - Se a realidade é rachada, a linguagem e o inconsciente não são lisos também. Por isso que, de
certa forma, a Verdade não seria facilmente encontrada.
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3 - A partir de um encontro inesperado, o acaso se transfigura em necessidade e se inicia um
processo de construção de verdade, de significação do vazio sintático pelo compartilhamento do
modo de existir no mundo.
4 - Amor é a reinvenção da vida, de novos modos de estar no mundo. Ressignificação da maneira
de durar na vida.
5 - É a saída do solipsismo.
6 - É uma relação disjuntiva que experimenta a possibilidade do Universal através da perspectiva
da diferença.
7 - É o triunfo diante dos obstáculos do espaço, do mundo e do tempo.
Não obstante, devemos colocar em consideração a validade das suposições de Badiou e
forçar ainda mais a solidez de seus argumentos.
Fazendo o papel do advogado do diabo, mesmo sabendo que não comecei a fazer esse
trabalho esperando algum resultado negativo sobre o tema, podemos encontrar então aquela
questão que diz respeito ao método de levantamento de dados e da estrutura que levou Badiou a
conhecer esses adjetivos e condições do nosso objeto de estudo. Para isso vamos passar a fazer
daqui pra frente uma análise de sua teoria metafísica para irmos mais profundamente em detalhes
de que esse primeiro panorama ainda não dá conta.
Por mais que fique ligeiramente exposta a militância a favor do amor, não podemos no
entanto achar que Badiou está forçando os conceitos de amor e realidade a se coadunarem como
um único. Na verdade o amor salta à sua obra como produto final de uma ontologia que levará
necessariamente a ele como princípio ético privilegiado. O que salta aos olhos quando eu quero
dizer militância é a necessidade em empreender a defesa de um tema em uma esfera política que
é geralmente negligenciada pelas pessoas.
Procurei deixar isso mais ou menos implícito até agora, porém mesmo que tenhamos
usado o exemplo de André Gorz como a nossa ilustração sobre o evento amoroso mais claro que
pudemos achar, a tarefa do filósofo muitas vezes é procurar abstrair conceitos universais por
entre as mais variadas expressões de um tema. Portanto, mesmo que comecemos a falar de amor
como o ápice da vida emocional de um casal, leva-se em conta também a extrapolação do amor
nessa única situação, para contemplarmos as muitas outras diferentes formas de amor: o amor
filial, o amor familiar, o amor por um objeto, o amor pelo conhecimento, o amor político, o amor
como perspectiva, entre outras. Poderíamos tratar o amor de uma perspectiva diferente da
antropocêntrica?
Um problema que podemos encontrar nesse combate de Badiou, é a necessidade de
responder a questões levantadas por uma corrente cética moralista que representa o lado da
filosofia do antiamor. Toda a tragédia da vida e da experiência humana, todo esse desvalor que a
existência nos coloca como fardo. Schopenhauer culpa as mulheres por caírem nos caprichos do
amor e provocarem a multiplicação da espécie humana que é miserável e está fadada ao
sofrimento. O que fazer? Nada.
Bom, pelo menos à princípio. Se temos ao menos um pouco de tempo para gastar com um
certo diletantismo intelectual, gastemos de modo à acrescentar beleza e leveza à nossa existência,
para podermos proclamarmos, como veremos, aquilo que para a filosofia é capital: verdades
existem. Sendo assim, seguiremos pela apuração das premissas do pensamento de Badiou que
fundamentam e pré estabelecem o terreno da sua teoria do amor. Vamos identificar o problema
levantado na introdução do seu livro Condições e analisaremos seus pressupostos e suas hipóteses
para então voltarmos aos pormenores do amor.
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Capítulo 1 - Pressupostos
Para começarmos a investigar o lugar do amor na filosofia de Badiou, vamos seguir os
primeiros passos da sua visão geral da filosofia. É extremamente importante que sigamos seus
trajeto inicial, embora nos conduza ligeiramente em paralelo com o nosso objeto de estudo, para
que possamos enxergar o lugar ontologicamente articulado no qual Badiou coloca a filosofia e o
evento amoroso.
Badiou começa o seu livro Condições, levantando uma hipótese na qual a situação em que a
filosofia se encontra no momento afirmando na tese 1: “A filosofia hoje está paralisada por sua
relação com sua história particular”. A partir do momento que a história da filosofia se submeteu
a uma investigação filosófica, muitos pensadores declararam seu fim. Ela está passando por um
mal que ele chama de deslocalização. A paralisia seria a dinâmica entre a historiografia e essa
deslocalização e estaria ligada à relação pessimista com seu passado metafísico.
Com base nessa premissa Badiou abre sua 2ª Tese, afirmando que “a filosofia precisa quebrar,
nela mesma, com o historicismo”. Ela precisa determinar a si própria sem qualquer referência
histórica. Precisa arranjar seus conceitos sem antes colocá-los diante do tribunal da História.
Como Hegel afirmava - “a História humana é um tribunal de julgamentos” - sendo assim toda a
história da filosofia, sendo juíza de si mesma, condena a filosofia sempre à morte: a
desassociação completa com seu passado metafísico.
Badiou aponta Nietzsche e Heidegger como seguidores do método hegeliano. O jogo desse
método estaria em validar o pensamento diante de um tribunal cujo juiz varie entre os présocráticos e Platão. Essa dinâmica teria governado equivocadamente o destino do pensamento e é
isso que ele propõe ao final da sua tese 2: um violento esquecimento da história da filosofia. Isso
significa tomar decisões de pensamento sem olhar para o passado que delimitou essas decisões. É
fazer como Descartes e Spinoza: produzir uma autônoma legitimação do discurso. A filosofia é
quem deve decidir seus axiomas e deduzir as consequências.
Consequentemente à 2ª Tese, o francês joga uma terceira, na qual afirma categoricamente que
a definição de filosofia existe. Uma definição historicamente invariável, intrínseca à sua própria
natureza, que nos permite separar filosofia do que não é filosofia. Isto é, permite distinguir o que
é filosofia do que é sofística.
Nessa 3ª Tese começamos a entrar mais no cerne da questão que possibilita o local de
pensamento destinado à filosofia, onde mais adiante iremos identificar o amor como um de seus
eventos fundamentais.
Os sofistas são pessoas muito presentes na história e, segundo Badiou, continuam muito
ativos ainda hoje. Consideramos até que muitos sejam vistos como grandes filósofos. A confusão
entre filósofo e sofista reside, em analogia aos dias de hoje, afirmar que os grandes filósofos da
antiguidade na verdade foram Górgias e Protágoras e não Platão e Aristóteles. Essa imagem
representa bem a luta que Badiou vai empreender para indicar essa volta da filosofia nela mesma.
Segundo ele, os sofistas modernos seguem a linha de Wittgenstein (um dos maiores sofistas
do nosso tempo) mais ou menos da seguinte maneira: afirmando que o pensamento ou é efeito do
discurso através de jogos de linguagem, ou é uma indicação silenciosa, um mostrar, abstraído da
linguagem. Sofistas não seriam aqueles cuja oposição maior se dá entre as concepções de verdade
e falsidade e sim entre o discurso e o silêncio; entre sentenças com significado e sem significado.
A afirmação que mais representaria essa postura seria a conclusão de Wittgenstein, no Tractatus:
“Do que não se pode falar, é melhor se calar”.
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A filosofia somente poderia existir no extremo oposto dessa afirmação, no esforço em dizer o
que não pode ser dito (mostrado?).
Passando a descarregar toda sua munição contra os sofistas modernos, Badiou continua: “o
sofista moderno procura trocar a ideia de verdade com a ideia de regra. Esse é o sentido mais
profundo de Wittgenstein. Ele é o nosso Górgias e o respeitamos assim. Gorgias já havia mudado
a verdade com uma mistura de força e convenção. O sofista moderno procura contrastar a força
da regra e mais genericamente as modalidades da autoridade linguistica da Lei, com a revelação
ou produção de verdade”.
O que nos leva à tese 4 de Badiou: “Toda a definição de filosofia deve distinguir da sofística.”
Essa tese sela um compromisso de definir a filosofia através de um conceito de verdade. Isso
é muito importante em colocar e não seria melhor do que nas próprias palavras dele: “os sofistas
antigos e modernos professam que não há verdade e que esse conceito é inútil e incerto, porque
apenas existem convenções, regras, gêneros de discurso e jogos de linguagem.”
Poderíamos complementar a tese 4 com um dado então: a categoria central de qualquer
filosofia possível, é a categoria de verdade, seja ela qual for. Ele chama essa, de Tese 4a.
Qual seria então o status filosófico da verdade?
Já que a definição de filosofia pressuporia a distinção de toda e qualquer sofística, Badiou
encontra três disposições históricas, três lugares e três complexos ideológicos com pretensões
filosóficas, que ajudariam na identificação dessa sofística e, por conseguinte, na renovação do
imperativo do philosophein a qual pretende definir.
As três disposições históricas são: O socialismo stalinista burocrático; as diversas formas de
fascismo; o desenvolvimento dos parlamentarismos ocidentais.
Os três lugares são a Rússia, a Alemanha e os EUA.
Os três complexos ideológicos são: o materialismo dialético, ou marxismo estalinista; o
pensamento de Heidegger na sua militância nacional socialista; a filosofia acadêmica americana
questionando o positivismo lógico do Círculo de Vienna.
Todas essas disposições teriam em comum uma violenta oposição à fundamentação
metafísica platônica.
O marxismo estalinista estabelecera a fusão entre o materialismo dialético e o movimento real
da História. Heidegger observara na ascensão de Hitler o instante em que o pensamento confronta
a supremacia da tecnologia. E a filosofia analítica anglo-saxão apontara no exame da linguagem e
suas regras uma forma de pensamento compatível com o diálogo democrático.
Para o marxismo stalisnista, o idealismo erguido por Platão seria uma figura quase invariante
na filosofia dos opressores. Em Heidegger, o movimento de Platão em obliterar o sentido de “ser”
como “physis”, para o sentido de “ideia”, é atravessado com o problema do “ser supremo”. Os
filósofos analíticos mesmo com métodos distintos aos de Heidegger, condenam Platão à uma
visão obsoleta dos objetos matemáticos, subestimam o impacto das formas na linguagem e na
metafísica do supra-sensível. Heidegger e Carnap às suas maneiras, pretendem arruinar Platão e
colocá-lo como aquele que devemos superar na filosofia.
Esse movimento sofístico, como veremos em breve, aberto pela filosofia romântica alemã do
século XVIII, precisa ter um fim e para esse fim chegar, Badiou prescreve que precisamos de
uma outra atitude platônica, uma atitude que serviria de suporte para o futuro do pensamento.
Precisamos declarar o fim do Fim da metafísica.
A tese, (ou será que posso dizer, prescrição?) de Badiou, procura armar um embate da
filosofia com seus aspectos históricos, através de um aparato do qual ela própria foi condenada a
seguir, cujas consequências políticas desastrosas estão puramente ligadas com esses complexos
ideológicos, históricos e seus lugares de aplicação. Como diz padre Henrique de Lima Vaz:
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“Transposta, pois, para o mundo da praxis humana, a physis é o ethos.”. “A distinção essencial
entre physis e ethos é a que vigora entre necessidade que reina nos movimentos da physis e a
frequência ou quase-necessidae que caracteriza, por meio dos hábitos, os acordos com o ethos.”.
Isto é, o agir ético depende das percepção da physis que se tem do mundo; já que escolhemos a
(meta)physis sofística que afirma não existir verdades, nosso ethos é necessariamente desastroso.
O que o Badiou procura fazer é desenlaçar a noção de necessidade histórica com necessidade
metafísica e assim devolver à filosofia a capacidade dela mesma se definir contra tudo que é
cúmplice do discurso submetido ao desejo individual ou político.
Para isso, Badiou vai encontrar no livro X das Leis de Platão, uma questão interessantes que
coloca uma encruzilhada na direção dos objetivos da filosofia. Durante o livro nos deparamos
com a questão, “por que Sócrates foi morto?” e ela acaba num certo tipo de terrorismo soturno,
um aparato que faz parecer legitimar a sentença à morte contra Sócrates. O representante da pólis
faz um lobby implacável pela fixidez das leis criminais, mas o que leva Platão à mudar de
diálogos aporéticos para prescrições legais? Badiou reflete sobre a possibilidade de não haver
somente um ato inaugural na fundação da metafísica de Platão, mas toda uma armação de um
aparato filosófico, que é levado progressivamente a uma demasiada tensão que expõe o aparato
ao desastre. O que teria invertido nas intenções de Platão? O que teria levado o pensamento de
Platão ao desastre?
Portanto, devemos dar um passo adiante e prosseguir nas pistas de Badiou. Ele vai então
começar a investigar o status da categoria de Verdade a qual a filosofia tem como categoria
central e o encontra na própria obra de Platão.
Existiria um antes da filosofia. Nesse ‘antes’ atemporal existem verdades heterogêneas e elas
ocorrem independentemente da filosofia. São as opiniões corretas, hipóteses no caso da
matemática. Essas verdades possuem quatro registros em Platão: a matemática, a arte, a política e
os encontros amorosos. São condições pré-reflexivas, históricas e factuais.
A filosofia seria a construção do pensamento onde, contrariamente à sofística, é proclamado
que existem verdades. Essa categoria de verdade bem particular à filosofia significa que existem
verdades e que elas são compossíveis em sua pluralidade. A verdade designa um estado plural de
coisas - verdades heterogêneas - e a unidade do pensamento. O fato de existirem verdades
determinaria a filosofia o pensamento sobre o ser. Por elas serem compossíveis, levam a filosofia
ao tempo único do pensamento, a eternidade, ou o “sempre do tempo” como Platão chamou. A
eternidade é um conceito caro que o filósofo francês procura dar atenção a partir de agora.
A desapego contemporâneo ao conceito de eternidade, somado ao culto do tempo e finitude,
seriam efeitos do historicismo. Renunciar a eternidade, que é um conceito particularmente
filosófico e diferente do religioso, coloca o compromisso da filosofia com o mathema em risco e
abre espaço para o triunfo dos sofistas.
A categoria de Verdade na filosofia é vazia. É uma operação que não apresenta nada.
Filosofia não é uma produção de verdade, mas sim uma operação que afirma a existência de
verdades e suas compossibilidades. A toda essa operação que ele estabelece na briga entre a
filosofia e a sofística, nos leva a uma ontologia mais profunda.
Existiria uma ligação essencial entre o vácuo (essa operação vazia) e o ser enquanto ser. Essa
relação entre filosofia e ontologia - já que a Verdade para a filosofia é uma categoria vazia - abre
uma questão ambígua na dialética entre filosofia e matemática. O vácuo não é o vácuo do ser
aqui: é um vácuo operacional. De acordo com os matemáticos, o único vácuo que teria presença
no pensamento é o que eles chamam de conjunto nulo. O vácuo da Verdade seria apenas um
espaço pelo qual a filosofia opera em verdades externas à Verdade. Seria um vácuo lógico e não
ontológico.
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A filosofia procederia universalmente para organizar esse aparato onde opera a categoria da
Verdade, de duas maneiras distintas e sobrepostas.
Primeiro, ela é colocada sob axiomas de ligações sequenciais, argumentos, definições,
demonstrações, provas. É um longo desvio dos desdobramentos da dialética, cujo procedimento é
usado também pelos sofistas. A retórica usada não produziria nenhum conhecimento já que não
há nenhum teorema filosófico universalmente estabelecido. O problema é que esse discurso, essa
retórica, parece conhecimento. Ela imita o conhecimento para fins produtivos. O que estaria em
jogo, portanto, seria a capacidade da filosofia em permanecer na clareza dessa operação vazia. É
o que Badiou vai chamar de ficção de conhecimento. Verdade seria o desconhecido dessa ficção.
Segundo, a filosofia trabalha por meio de imagens, metáforas - com persuasão. Isso
estabelece uma indicação do vácuo da categoria operacional da Verdade como um ponto limitado.
A Verdade interromperia a cadeia e é recapitulada em cima dela mesma. Os mitos e imagens, em
Platão, são técnicas também utilizadas pelos poetas os quais lutava contra. A arte seria convocada
apenas para elevar o vácuo da Verdade até que a progressão dialética seja suspensa. A Verdade
seria o inexprimível dessa ficção.
Aí está: a filosofia é influenciada por dois de seus dois maiores adversários, os sofistas e os
poetas. Mas a filosofia também toma o lugar nos procedimentos de verdade intrínsecos a eles. A
matemática, como paradigma da prova e a arte, como paradigma da subjetivação. A operação da
filosofia, portanto, se caracterizaria por um trabalho de pinça. Em um dos braços, o argumento é
regulado; no outro, é estabelecido seu limite. A Verdade é o vértice dos dois braços e os sublima.
Essa operação de Verdade será ainda mais pormenorizada agora: a relação filosófica da
Verdade e verdades (científicas, políticas, artísticas ou amorosas) é de busca. Capturar, se
maravilhar. É uma relação dinâmica, não uma pesquisa absoluta de fundações e garantias.
Filosofia é uma pinçada das verdades. E, olhe lá: a intensidade da busca filosófica lembraria o
encontro amoroso.
A filosofia então precisa subtrair a Verdade do significado. Ela é uma falta, um buraco. A
categoria de Verdade não se refere a nada presentificado. Ela é a operação da categoria de
Verdade na qual a presença é subtraída.
O ato da procura por verdades, é precisamente o momento em que elas são distribuidas,
compossivelmente, naquilo que levaria a uma quebra do regime do significado. A filosofia é
simultanemente uma ruptura com a narrativa e do comentário da narrativa. Ela é distinta da
religião porque é desvencilhada da hermenêutica.
Para isso, a operação filosófica cria uma superposição de uma ficção do conhecimento com
uma ficção da arte. É um aparato que declara que existem verdades e que afirma a unidade do
pensamento. Finalmente, é um processo polarizado pelo adversário conhecido como sofista. A
quebra com o historicismo pressupõe uma radical delimitação entre o filósofo e o sofista. Para
isso precisamos identificá-los e procurar onde e como ocorreu a transformação das verdades.
A procura se dará em seus quatro campos: na ciência, com a matemática moderna; na política,
com o fim da era das revoluções; na arte, desde Mallarmé e Rimbaud; no amor, pelo prisma que a
psicanálise abre sobre o tema. Todos esse esforço em empreender essa quebra com o historicismo
e com o discurso sofístico, sob o ponto de vista dos quatro registros citados à cima, é a tentativa
de Badiou para fundamentar bem e definitivamente essa separação. A necessidade em atravessar
esse discurso fundado sob a proclamação do "fim da metafísica" é imensa, portanto a filosofia
deve voltar a si mesma e trabalhar dentro dela, sobretudo com seu material mais paradoxal.
Precisa abstrair todo tipo de julgamento da História e formular seu próprios axiomas em seu
próprio tempo e deduzir as consequências.
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Sendo assim Badiou faz uma declaração grave, onde afirma que o discurso filosófico hoje
predominante é uma sofística moderna. Devemos portanto, identificar como o pensamento foi
levado ao desastre; como a filosofia saiu de diálogos aporéticos para legitimar condenações legais.
O filósofo recorre há uma hipótese para justificar seu pensamento: essa mudança na atitude da
filosofia acontece quando renuncia a sua busca por verdades e se apresenta como um
procecedimento de verdade. A necessidade de adequar a filosofia ao desejo da fixides, isto é, de
deixar que a operação de busca de verdades seja governado pelo preenchimento do vácuo entre as
pinças da Verdade. Isso nos leva à três consequências:
1 - Preencher do vácuo significa que a filosofia cede à multiplicidade de procedimentos de
verdade quem vem a declarar que a Verdade é. Assim ela acaba nos dirigindo a um suposto
êxtase do inteligível.
2 - Ela substancializa a categoria da Verdade. Se a categoria não é uma operação vazia e
atesta uma presença, a eternidade é projetada em diversos nomes e o único nome que representa
seu universal, sua ideia, é necessariamente sagrado. Serve para dobrar o êxtase.
3 - Quando a filosofia se coloca como uma produção de verdade, ela falha na sua virtude
crítica. Seu procedimento desemboca numa prescrição tirânica, pois ao declarar que a Verdade
virá à presença, tudo que está pra fora dela se encaminha para a destruição. A operação filosófica
é violada e subvertida.
O resultado dessa subversão, de cuja filosofia da presença da verdade é posicionada além de
verdades, almejando o vir à presença do vácuo, resulta no terror e no êxtase. O terror, sempre
quando determina que algo não deveria ser. Êxtase porque resulta na sacralização do nome. Daí
implica o desastre do pensamento, segundo Badiou, dessa tríplice presença do terror, do êxtase e
do sagrado como resultado empírico da sua aplicação no mundo. A ontologia da presença se
transportando desastrosamente para o ethos do homem.
Como exemplo, Badiou oferece o homem proletário do marxismo stalinista, o povo
historicamente destinado da Alemanha nazista, defensores da liberdade e da democracia nos
diversos parlamentarismos ocidentais. A tragédia que esses filosofemas propuseram, levaram o
terror à níveis sem precedentes. Sacralizamos os nomes: comunismo, democracia, mercado
(homem, mulher); prescrevemos algo que não deveria ser: os judeus, os comunistas, os traidores
da causa; desembarcamos no local do êxtase: o capitalismo, o fascismo, a revolução.
O problema dessas formas que impõe a presença do vácuo contraditoriamente à sua operação
vazia intríseca, isto é, na relação entre a filosofia e a sofística, é onde está a chave para a situação.
É de sua importância saber como usar a sofística contemporânea e não deviamos cair num
extremismo anti-sofístico. Quando a filosofia cai na armadilha do desejo de aniquilar os sofistas
para sempre, ela se perde. Isso que seria o dogmatismo, pela concepção de Badiou: a percepção
em que o sofista, o duplo perverso do filósofo, não deveria existir. Não, reclama ele - o sofista
precisa ser colocado em seu lugar. Já que o sofista é o adversário maior da filosofia, o filósofo
terá que aceitar o seu sarcasmo para sempre.
Se o sofista afirma que não existem verdades, apenas técnicas de declaração e lugares de
enunciação, será filosoficamente legítimo contra argumentar com a operação da categoria vazia
da Verdade, que existem verdades. Será legítimo responder que os sofistas confundem o vácuo
operacional com o ser. Que a sofística transforma a operação racional que deveria ser a filosofia,
em um rito de iniciação. Ao contrário, que a filosofia é a operação que afirma existir uma
heterogeneidade de verdades e que elas são compossíveis e que não há apenas um nome para
verdades. A filosofia deve afirmar que sua atividade é uma busca operada pelas "pinças da
Verdade" e não um ato de implicar terror com o imperativo do ser-Verdade em si. A ética da
filosofia está justamente em manter o sofista no ringue de batalha, conservar o conflito dialético
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com ele. Quando a filosofia termina por declarar sua aniquilação, ela decreta o fim do seu Outro.
A figura do sofista é necessária para a filosofia manter-se em seu fim. Se aniquilá-lo na verdade
estará participando de sua vitória. A proposta pelo fim da filosofia se torna a ideia pelo fim da
categoria da Verdade, onde esses filosofemas serão usados na vida pública, como pela polícia em
campos de extermínio e afim.
Em outras palavras, você deseja encontrar um sofista? Então procure por aquele que atesta
que a filosofia chegou ao seu encerramento. A ruína da razão, jogos de linguagem, desconstrução,
são instrumentos sofísticos para tentar aniquilar a categoria da Verdade. Badiou deduz pois, que
se os desastres dos últimos dois séculos e meio nascem do desejo de inscrever a filosofia na
História, abdicando ao vácuo e ao eterno, é inteiramente lícito tomar uma atitude contra a
autoridade do historicismo. Precisamos recolocar a categoria da Verdade no seu lugar certo, na
sua capacidade de buscar verdades e trabalhar na contestação dos sofistas, mantendo o vazio da
sua natureza. Não obstante, a filosofia não deve renunciar às ligações lógicas nem à subjetivação
por via da matemática e da arte; a intensidade como na numa relação de amor, vai ser
desenvolvida pela psicanálise; e sua estratégia será exposta através do debate político.
De uma vez por todas chegamos à hipótese central do pensamento de Alain Badiou em seu
livro Condições. Tese 5: "A filosofia é possível"; e a Tese 5a: "A filosofia é necessária". O passo
que vai da possibilidade para a necessidade é uma propriedade que coloca ela própria em seus
limites singulares, designada como a mesma atitude de Platão ao se levantar contra os sofistas.
Essa atitude que autorizaria o ressurgimento da filosofia em sua natureza, "através da clareza da
eternidade, sem almas e sem divindades, somente pelo esforço que garante a nós que existem
verdades". A atitude se apresenta como um dever do pensamento e termina em convidar os
sofistas para um acerto de contas, um balanço geral do "orçamento da produção".
É nesse terreno já amplamente esquematizado, no qual Badiou irá desenvolver uma teoria do
amor análoga a esse processo da construção de verdade através da operação vazia da categoria da
Verdade. Antes, porém, de prosseguirmos na apuração das características específicas de sua
teoria do amor, vamos listar o caminho do processo até agora:
1- A constatação de que a filosofia está paralisada.
2 - Essa paralisia se dá na dinâmica entre o historicismo e o deslocamento do lugar próprio da
filosofia numa relação pessimista com seu passado metafísico.
3 - Portanto a filosofia deve renunciar o historicismo;
4 - Admitimos a hipótese que uma definição de filosofia existe, é invariável e intrínseca;
5 - A definição de filosofia deve distinguir da sofística;
6 - A categoria da Verdade é central na filosofia, seja qual nome tiver;
7 - A transformação da busca pela verdade, na prescrição de juízos legais leva o pensamento
ao desastre;
8 - A filosofia, ao contrário da sofística, afirma que existem verdades;
9 - A categoria filosófica da Verdade é caracterizada por ser uma operação vazia, um vácuo
operacional;
10 - A filosofia toma emprestado dos sofistas e poetas, criando uma sobreposição da ficção
do conhecimento com a ficção da arte;
11 - Além disso ela identifica o rigor do lugar da ciência e da subjetivação, com os
procedimentos de Verdade da matemática e da arte;
12 - Sua intensidade é equivalente a do encontro amoroso;
13 - O desastre do pensamento ocorre quando o vácuo da operação da Verdade é preenchido,
ocasionando em prescrições obscuras que levam ao terror, ao sagrado e ao êxtase;
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14 - A filosofia é a interrupção da narrativa e do comentário sobre a narrativa;
15 - Já que admitimos que a filosofia, ao contrário da sofística, afirma que existem verdades,
é lícito se levantar contra ela;
16 - Levantar-se contra significa colocar a sofística em seu devido lugar;
17 - Isso significa manter o embate dialético com os sofistas;
18 - E por isso a filosofia é possível;
19 - E por isso a filosofia é necessária;
20 - A filosofia opera em quatro registros: na ciência; na arte; na política; no amor.
Colocado assim conseguimos ter uma visão mais ampla do percurso até aqui. Guardarei o
momento para criticar a esses argumentos para um pouco mais tarde. O importante é admitir que
as premissas para essa atitude estão levantadas, assim como o terreno que sobrepõe a ficção do
conhecimento à ficção da arte está delineado; a sobreposição do rigor do mathema com o poder
de subjetivação dos enunciados filosóficos, justifica a possibilidade de quebrar a opinião (doxa),
e de afirmar que existe Verdade, isto é, episteme, conhecimento. A dinâmica das "pinças da
Verdade" desenvolvida por Badiou é capciosa, muitas vezes dando a parecer utilizar também
desses artíficios para persuadir o seu discurso. Por que a afirmação de que existem verdades não é
tão aterrorizante quanto seu contrário? Por que existem diversos procedimentos de verdade, a
dizer: a ciência, a arte, a política e o amor. Esses registros são heterogêneos e compossíveis, mas
afirmam uma unidade do pensamento regido pelo rigor do mathema e do poder de subjetivação
oferecido pela arte. A filosofia retorna a si mesma, afirmando seus próprios axiomas e deduzindo
suas consequências. Fazer isso mantendo o embate dialético com o sofista, seu sarcástico
adversário eterno. Não cair no desejo de preencher o vácuo da operação da categoria da Verdade
para não sacralizar o nome, não implacar terrror e êxtase em seu resultado. Faça isso para não
dirigir o pensamento ao desastre, como persiste em fazer a filosofia contemporânea, ou melhor, a
sofística contemporânea.
Sem se esconder da necessidade prescritiva ao deduzir as consequencias de suas premissas,
Badiou trava essa guerra num campo de batalha onde ele assume o desenho do jogo e coloca
aberto para que a atitude correta seja tomada. Seu discurso é vazio, o significado é suspenso do
objeto e a verdade distribuida na sua heterogeneidade e compossibilidade. O pensamento
contemporâneo é herdeiro de um raciocínio equivocado estimando pelo fim da filosofia, pela
finitude do discurso e pela impossibilidade da metafísica. As consequências éticas desse equívoco
são levados ao extremo nos desastres políticos do século XX. A desarticulação do compromisso
da filosofia com uma categoria particular de verdade leva ao triunfo da sofística e na afirmação
que não existem verdades. A afimação filosofica de que as verdades existem, é além de uma
hipótese teórica, uma atitude política tal qual a iniciada por Platão, de cuja disputa pelo discurso é
o seu local de pensamento onde lida com essa operação vazia, no tempo particular da eternidade;
a partir do rigor do mathema, essa atitude renuncia a ditadura da opinião e afirma a possibilidade
efetiva do conhecimento.
A seguir no desenvolvimento desse trabalho, iremos investigar as características especifícas
da operação do processo de construção de verdade no registro do encontro amoroso segundo
Badiou. Continuarei seguindo os rastros nos calcanhares de sua argumentação, enumerando seus
passos e tecendo breves comentários. Mesmo que o aspecto central seja do processo de verdade
nesse registro particular do amor, algumas carcaterísticas dos outros procedimentos não serão
ignoradas por se inserirem justamente na dinâmica geral do sistema de Badiou. É necessário
concluir que o levantamento da estrurura do pensamento do filósofo em questão apenas
demonstra o quão intrincada está a sua tese sobre o amor. Ao decidir por fazer essa manobra com
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propósitos atemporais, Badiou chama a filosofia a prestar as contas consigo, portanto sua teoria
sobre o amor é consequência necessária do entendimento da própria filosofia. Ao mesmo tempo
uma propedêutica e uma hipótese que devem ser postas à prova.
Admitidos os pressupostos, comecemos então a destrinchar os ditames da operação de
Verdade no registro do encontro amoroso.
Capítulo 2 – Amor como um processo de construção de verdade
Badiou inicia sua investigação a cerca do processo amoroso com uma questão um tanto
polêmica. Não seria dito que a filosofia com seu ímpeto de sistematização da realidade acaba
com as diferenças sexuais? Poderia ser dito então que a filosofia indiferencia diferenças sexuais?
Existe, como ele admite, uma obscuridade nessa questão, onde a única maneira na qual podemos
pensar sobre o sexo é “pagando um preço” a escolher determinar a identidade na qual o processo
opera. As tentativas da definição do conceito de “mulher”, como as do conceito de “homem”
(fora a sua designação geral de espécie) teriam sido até hoje inconsistentes. Todavia essas
palavras possuem uma vocação maior ainda. É sobre essas duas que ele coloca a primeira
provocação.
De acordo com ele, a filosofia contemporânea é destinada à mulheres; o engajamento do
discurso filosófico se daria por meio de estratégias de sedução. Sendo assim a filosofia chega à
questão do sexo através do amor, tanto é que Lacan foi buscar em Platão os meio dos quais o
pensamento pode adquirir controle sobre o amor transferencial. Por outro lado, tudo que foi
falado sobre o amor desde Platão até a psicanálise mudar seu conceito, foi feito através da arte e
da literatura, nas quais as mulheres, segundo o francês, são as melhores nesse assunto.
Pode parecer perigoso e sexista, mas Badiou diz que não está querendo praticar esse
movimento clássico de prender as mulheres aos efeitos da paixão e da narrativa. Porém, a ligação
entre ‘mulher’ e ‘amor’ seria de interesse da humanidade e até mesmo autenticaria seu conceito.
É uma trilha tortuosa, mas ele pretende seguir indagando sobre que condições que essa relação
entre ‘mulher’ e ‘amor’ é entendida; uma concepção perigosa que resulta em problemas para
ambos os sexos. Badiou se pergunta sobre que ponto é possível ver o embricamento nos
processos de verdade entre a paixão e a literatura? Seria o lugar onde o amor e arte se cruzam, e
esse lugar é a filosofia.
O conceito de amor será construído por Badiou como uma categoria da filosofia. Essa
relação entre o amor e a filosofia continuará sendo problemática. A regra implícita para esse
procedimento é de coerência interna, isto é, que sua categoria filosófica continue compatível com
seu conceito analítico; que sua categoria seja posta à prova contra uma ficção de uma história de
amor particular; que garanta que essa categoria filosófica admita dentro de seu conjunto as
grandes histórias de amor da mesma maneira que a sintaxe é lugar do conteúdo semântico. O
amor é uma categoria da filosofia que é expressada através de uma superposição à uma obra
narrativa.
O que Badiou não vai aceitar das concepções de amor conhecidas até hoje fazem parte das
suas seguintes objeções:
1- Concepção simbiótica do amor. O amor não é aquilo de que a partir de dois é criado Um. É
uma objeção que faz parte do ontologia badiouana, que termina por suprimir o múltiplo dentro do
uno, coisa que não aceita de maneira alguma, mas que iremos dar mais atenção num capítulo
seguinte. Quando essa concepção é posta em prática consequentemente termina no que ele
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chama de figura de desastre. Não seria nem o desastre da relação de amor em si, mas do sofisma
do Um.
2 - Contra o conceito voluntarioso do amor. O amor não é se doar para o outro. Não seria nem
uma experiência do outro, mas uma experiência de mundo. O objetivo de Badiou é subtrair o
Eros de toda a dialética do Eteros.
3 - Contra o conceituo que o amor é uma ilusão ou apenas uma superestrutura. Que o amor é
apenas uma fantasia diante a realidade e o egoísmo do sexo. Lacan procurou fazer isso quando
afirmou que o amor compensaria a falta de relação sexual, mas também havia dito que o amor
permite o acesso ao ser, isto é, o amor com uma vocação ontológica. O amor não compensa nada,
segundo Badiou: ele suplementa. O amor consistiria em erradicar a falácia que amor é uma
relação. De acordo com Badiou, não é. O amor seria uma produção de verdade: a verdade que o
Dois, não o Um, procede na situação. Vamos procurar esclarecer adequadamente.
Não querendo tardar mais, o filósofo procede de maneira a expor sua tentativa de
axiomatizar o amor. Para ele, o erro pelo qual filósofos procederam às investigações sobre o tema
decorreu de uma investigação pela lente ou da psicologia ou de uma teoria das paixões. O amor
não teria origem em nenhuma dessas experiências. Mesmo que as relações amorosas atravessem
percalços de todos os tipos, não é por essa totalidade de experiências que o amor se apresenta. É
da identidade própria do amor que os sujeitos podem brotar. A experiência do sujeito amoroso
não constitui nenhum conhecimento sobre o amor; diferentemente da ciência, da arte e da política.
“Nenhum tema requer uma lógica mais pura do que amor”
Badiou lista seus axiomas:
1- Existem duas posições na experiência. A experiência é constituída na apresentação da situação.
Existem apenas duas posições nela. As duas posições são sexuadas (ele as chamará uma de
‘homem’, outra de ‘mulher’, embora gêneros representem o caráter disjuntivo das posições; em
nenhum momento ele levará em conta as preferências sexuais de cada uma delas).
Somente através do amor que seríamos capaz de declarar a existência de duas posições. E
com isso ele abre o segundo axioma.
2- As duas posições são totalmente disjuntivas. Totalmente levado da maneira mais radical: nada
é igual na experiência do homem e da mulher. Isso significa que nenhuma das experiências é
dividida uma com a outra. Não poderia haver nenhuma coincidência nessas posições e a isso ele
chama de disjunção.
A disjunção não é observável, não pode ser objeto de experiência, nem constituir
conhecimento imediato. Isso porque essas experiências são posicionadas na disjunção de modo
que nunca encontrarão nada que prove a outra posição. Se fosse possível um conhecimento dessa
disjunção seria preciso haver uma terceira posição, mas que é objetada pela terceira tese:
3 - Não existe terceira posição. A ideia de uma terceira posição pressupõe uma função do
imaginário, envolve um “anjo” (deus ex machina). O que nos faz poder afirmar a disjunção sem o
uso desse anjo é que a situação, que não é adequada nela mesma, é suplementada por um evento
singular. O evento que inicia o procedimento amoroso, Badiou chama de encontro.
A via que Badiou acessa para tratar do tema amor continua mais complexa ainda, mas
aqui é prometido, na seqüência da exposição de seus principais conceitos e objeções, fazer um
levantamento crítico pormenorizado da concepção badiouana sobre o amor.
Dando o prosseguimento ao que ele chama de pura lógica, Badiou afirmará na sua quarta
tese algo que pode soar um tanto estranho, mas que ele considera parte fundamental da teoria e
que revela a radicalidade desse problema:
4 - Existe apenas uma humanidade. O que significaria humanidade em um sentido não
humanista? - Pergunta. Humanidade, segundo ele, seria aquilo que dá suporte aos processos de
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verdade. Sendo quatro os procedimentos, a humanidade existe se e somente se existir uma
política (emancipatória), uma ciência (conceitual), uma arte (criativa) e o amor (não reduzido a
um mix de sentimentalismo e sexualidade). A humanidade sustentaria a infinidade dos processos
singulares de construção de verdade dentro desses quatro tipos. A humanidade seria o corpo
histórico dessas verdades, atesta.
Agora Badiou lança mão de uma linguagem lógica para desenhar o que ele chama de
função de humanidade. O axioma H(x) indica que se um termo x é ativado em um procedimento
de verdade (política, arte, amor e ciência) então atesta que a humanidade existe. A função de
humanidade é efetiva quando aparece num ponto x o sujeito. É indecidível se o termo ‘x’ garante
a existência da humanidade ou é função ‘H’ que humaniza o termo ‘x’. A incerteza seria suspensa
no início do evento no qual o termo ‘x’ seria um operador fiel.
A função ‘H’ apareceria como uma mistura dos quatro tipos de procedimento de verdade.
O amor seria o procedimento que cria um “nó” para os quatro. O desenho desse nó é o centro da
disjunção entre as posições do homem e da mulher na sua relação com a verdade. A quarta tese,
segundo ele, significa que toda verdade é válida para todo o corpo histórico. Uma verdade, seja
de qualquer tipo, é sempre indiferente a distribuição de seu suporte. Falando de outra maneira,
que todos os termos ‘x’ como variáveis da função de humanidade [H(x)], fazem uma classe
homogênea que é baseada em nenhuma outra distribuição a não ser aquela na qual é induzida
pelas ativações subjetivas iniciadas por um evento e pensamento através de um procedimento fiel.
Uma verdade seria subtraída de toda posição: ela é transposicional. Ela é até mesmo a
única coisa que é, e por isso podemos chamá-la de genérica. O amor como o tratamento de um
paradoxo.
Ao relacionar as três primeiras teses com a quarta, Badiou acredita encontrar um desenho
preciso sobre o problema em jogo. Se existe ao menos duas posições, homem e mulher, que são
radicalmente separadas, disjuntas, como uma verdade pode ser para todos ou transposicional?
Poderíamos esperar que as três primeiras teses nos levem a acreditar que as verdades são
sexuadas, isto é, que existiria, por exemplo, uma ciência feminina e uma masculina, assim como
se acreditou um dia haver uma ciência burguesa e uma proletária. Badiou afirma que, mesmo se
existissem, seria impossível saber.
Pela radicalidade dessa disjunção, da ausência de uma terceira posição, a ocorrência de
uma verdade é, não obstante, genérica. O amor é o lugar onde esse paradoxo é tratado. Ao
contrário do que se pode esperar, o amor não “alivia” o paradoxo, mas o ameaça. A “maldição”
que fomos levados a acreditar de que os “sexos morrem cada um em seu próprio lado” (não há
relação), prescreve o procedimento amoroso como não paradoxal e como uma lei aparente. Se
tirarmos o evento casual do encontro amoroso e deixarmos apenas a situação, os dois sujeitos
nunca deixarão de morrer em seus próprios lados - morremos de qualquer maneira, mas então a
“humanidade” continua enquanto formos humanos e é esse o paradoxo. A verdade não morre,
portanto. Badiou vai mais adiante quando afirma que, no domínio do Capital, as diferenças
sexuais são indeterminadas: quanto mais indiferenciamos os sexos mais “morremos” sozinhos de
cada lado. A declaração dos papéis sociais em classes diferentes não é uma expressão da
disjunção, é uma ilusão dirigida pelos rituais sociais e regras de etiqueta. Essa situação leva a
todos sentirem como se o potencial de humanidade fosse assassinado.
O amor seria então expressado em função da sua resistência à “lei do ser”. É o que faz a
verdade da sua não-ligação.
O amor como a cena do Dois forma a verdade da disjunção e garante a unidade da
humanidade. Elegantemente, o francês cita Fernando Pessoa, quando versa sobre o amor como
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uma contínua renovação do pensamento: “amar é pensar”. Se não há uma terceira posição, é
porque as duas posições não podem ser contadas como dois. É preciso distinguir o amor do
“casal”. O casal é aquilo que é visto por um terceiro. Essa visão apenas nomeia a representação
do amor fixando-a. A verdade da disjunção será explicada dessa forma:
- Existe uma posição e uma outra posição.
Existe ‘um’ e ‘um’, que não fazem dois, porque são indiscerníveis, ainda que disjuntos.
“Nenhuma posição contêm a experiência do outro. Esse ponto constitui o maior problema da
abordagem fenomenológica do amor. Já que o amor é a consciência do outro como outro, então o
outro é necessariamente identificável na consciência como o mesmo. De outra maneira como
iríamos entender que a consciência, que é o local da identificação do sujeito como o próprio
sujeito, pode experimentar o outro como o outro?”
Isso provocaria uma enfraquecimento da alteridade que, segundo Badiou “destotaliza” a
disjunção e reduz o esquema homem/mulher para uma divisão do humano, e a sexuação
desaparece como tal; também pode aniquilar a identidade, que foi o modo de Sartre proceder.
Consciência não é nada, nem mesmo sua própria posição. O amor para Sartre torna-se-ia uma
oscilação entre o sadismo e o masoquismo. Para manter ambas a disjunção e a existência da
verdade é necessário iniciar pelo amor como um processo, não como uma consciência amorosa.
O amor seria exatamente o advento do Dois, como a cena do Dois.
O advento da hipótese do “Dois” dar-se-á de acordo a um evento em sua origem. A esse
evento o filósofo batizará de “encontro”. O “Dois” é um operador hipotético da trajetória do
encontro. O evento é fixado através de uma nomeação que constitui uma declaração: a declaração
de amor. O nome que é declarado tem origem no vácuo do local aonde o encontro expressa o seu
suplemento.
Qual seria o vácuo convocado” pela declaração de amor? Seria o vácuo da disjunção. A
declaração de amor põe em circulação na situação um termo absorvido do intervalo nulo, que
disjunta as posições homem e mulher. “Eu amo você” coloca entre parênteses dois pronomes “eu”
e “você” lado a lado, que não podem ser colocado assim até que sejam referidos a disjunção. A
declaração fixa nomeadamente o encontro como aqueles seres que residem no vácuo da disjunção.
Um Dois que procede amorosamente é o nome da disjunção apreendida na disjunção.
“Amor é a interminável fidelidade à primeira declaração. É um procedimento material que
reavalia a totalidade da experiência, passando fragmento por fragmento por toda a situação, de
acordo com a sua conexão ou desconexão com a hipótese nominal do Dois. “
Nessa complicada trajetória, Badiou arma um esquema numérico para falar da situação.
Ele expressa que o “Dois fratura o Um, implicando no infinito da situação”. Um, Dois, Infinito.
Essa relação numérica garante o vir-a-ser de uma verdade genérica. Do que seria a verdade? Da
situação tal qual duas posições disjuntivas existem nela. Resumindo, de acordo com Badiou,
Amor não é nada mais do que uma série exata de “inquéritos” dentro da disjunção, onde
retroativamente ao encontro, acaba sendo sempre uma das leis da situação. Uma repetida
nomeação a cada inquérito na trajetória da disjunção.
Quando a verdade procede da situação ela é endereçada a todo mundo e garante a
generalidade da função de humanidade H(x). Porque no momento no qual parece tocar a verdade,
imediatamente restabelece que existe apenas uma situação. Uma situaçãoe não duas. É uma
situação na qual a disjunção não é uma forma de ser, mas uma lei. Verdades, sem excessão, todas
as verdades dessa situação. Seria muito mais como uma estrutura operacional crua, sem qualquer
tipo de sentimentalismo, psicologismo ou sexualidade, onde os dois operadores disjuntos
permanecem restabelecendo a série “um, dois, infinito” para qualquer tipo de verdade enquanto
durarem.
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Como uma hipótese do pós-evento, semelhante à cena de Romeu e Julieta destacada na
capítulo anterior, o Dois precisa ser materialmente marcado. As referências à sua nomeação
precisam ser dadas. Os corpos (DOIS) são marcados, segundo o francês, pela sexualidade. É o
que atesta a disjunção e futuramente ao tipo de epistemologia disjuntiva. O traço da diferença que
os corpos suportam inscrevem o Dois em seu nome. A sexualidade é ligada ao procedimento
amoroso com o advento do Dois de duas maneiras: nomeando o vácuo (a declaração de amor) e a
disposição material. O operador amoroso é composto de nome e da diferença de corpos.
É preciso tomar cuidado para detalhar a diferença entre amor e desejo, segundo o autor
alerta.
O desejo seria preso à sua causa, uma causa que não é o corpo como tal, menos ainda o
“outro” sujeito, mas um objeto que o corpo suporta; um objeto antes o qual o sujeito, no seu
desenho fantasmático, vem a surgir em seu próprio desaparecimento. O amor vem por dentro do
desejo mas não tem o objeto do desejo como a sua causa. A suposição do Dois ativada pelo amor,
que marca os corpos quanto sua materialidade, não pode embestar o objeto causa do desejo, nem
se arranjar por dentro dele. Isso porque o amor trata a respeito dos corpos como origem à
nomeação da disjunção; enquanto o desejo se relacionam com os corpos como faz com o
princípio do ser específico a um sujeito dividido.
O amor enfrenta sempre o dilema sexual ou da imaginação amorosa. O amor se encaixaria
no desejo, admite Badiou, como um camelo na agulha. Precisa passar por ela, mas somente
enquanto uma espécie de sutileza dos corpos restitui as marcações materiais da disjunção pelas
quais a declaração de amor realiza o vácuo interior. Isto é, o amor não lida com o mesmo corpo
que o desejo, mesmo que eles sejam precisamente os “mesmos”.
O amor visa expandir aos limites da disjunção, o sempre único personagem do objeto do
desejo. Ele busca trespassar as fronteiras do narcisismo estabelecendo que esse corpo-sujeito é o
descendente de um evento; que esse corpo (como emblema supernumérico de uma verdade que
vem-a-ser) foi encontrado.
Seria apenas no amor que os corpos tem o propósito de marcar o Dois - como a disjunção
procedente do evento. O corpo do desejo seria um corpus delicti. Ele assegura o Um à guisa do
objeto. Apenas o amor marca o Dois de modo a soltar o objeto; um soltar que procede
unicamente porque houve uma retenção exercida sobre eles em primeiro lugar.
É nesse ponto de desejo que o amor fratura o Um para o Dois ocorrer em suposição.
Precisa ser assumido, continua, que os diferentes tipos de sexualidade destacam a
disjunção somente quando condicionados pela declaração de amor. Fora dessa condição, não
existe Dois, e a marcação sexual é mantida dentro da disjunção, sem ser possível atestá-la.
Qualquer desvelamento sexual dos corpos que é não-amoroso é masturbatório em estrito senso;
tem haver somente com a posição em sua interioridade. Ele procura dizer isso não como um
julgamento, apenas como uma delineação, porque a prática sexual masturbatória é uma atividade
completamente razoável em cada posição sexual disjunta. Além disso, é assumido que não há
nada em comum dividido na atividade sexual quando um passa de uma posição à outra (do
desejo ao amor).
O amor proclama, nas palavras de Badiou, o sexual como uma figura do Dois. É portanto
também o local onde é declarado que existem dois corpos sexuados e não apenas um. O amoroso
desvelar dos corpos é uma prova que, sob o único nome do vácuo da disjunção, a marcação da
disjunção está ela mesma acontecendo. Esse serio o que ele chama de um procedimento fiel de
verdade, que conduz a uma investigação radicalmente disjuntiva.
Esse atestado sexuado da disjunção - sob a nomeação no pós evento - não abole a
disjunção. O que está em jogo é simplesmente forçar a verdade. Seria portanto verdade que não
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existe relação sexual, porque o que o amor encontra é o Dois e não uma relação entre Um’s em
um Dois. Os dois corpos não presentificam o dois - do qual necessitaria um três, alguém de fora eles não fazem nada além de marcá-la.
Continuando sem tentar perder o fôlego, o que Badiou parece propor é que entendamos
que o amor faz a verdade da disjunção sob o emblema do Dois e é um elemento inato dela, da
disjunção.
O Dois é o que se apresenta na situação tanto quanto um nome quanto uma limitação corporal.
Ele avalia a estrutura desse evento por meio de investigações trabalhosas sobre o que é, ao
mesmo tempo, cúmplice e mal-entendido dentro da situação: o desejo. A sexualidade é um dos
aspectos da materialidade do amor na trajetória da situação; assim como regras sociais, filhos,
conflitos, etc… E ela não unifica os operadores homem/mulher. O Dois procede como disjunção
radical existindo apenas uma verdade da situação em cuja dinâmica a verdade é resultado.
O efeito se dá de duas maneiras:
1. No procedimento amoroso quando as funções são agrupadas e esse trabalho redefine as
posições dos operadores homem/mulher.
2. A antecipação no conhecimento é sexuado.
Como para estar inserido dentro da função de Humanidade H(x), Badiou lança mão do
que ele chamará de um procedimento genérico, do qual irá se referir a um estudo sobre o trabalho
de Samuel Becket. A existência do procedimento amoroso demandaria o seguinte, segundo
Becket, nas palavras de Badiou:
- Uma função de errância, de uma viagem ao acaso e ao aleatório, na qual sustenta a articulação
do Dois e o infinito. Essa função trabalha para expor a suposição do Dois à infinita demonstração
do mundo.
- Uma função de imobilidade, que guarda, que preserva a primeira nomeação, que garante que a
nomeação do evento não seja engolida pelo evento nele mesmo.
- Uma função do imperativo: sempre continua, mesmo com a separação. Tome a falta nela
mesma como uma modalidade da continuação.
- A função narrativa, na qual uma espécie de arquivamento, inscreve quando e como necessário o
vir a ser da verdade da errância.
Badiou admite que é possível uma espécie de reinscrição dos operadores Homem/Mulher,
como uma sobreposição deles sobre a tabela das funções. “Homem”, Badiou procura axiomatizar
como a posição amorosa que acopla o imperativo ao imóvel, e “mulher” como a posição que
ocupa na errância e na narrativa. Esses dois axiomas se intercedem; “o homem é ele (ou ela) que
não faz nada: nada óbvio para e em nome do amor, porque ele considera que quando uma coisa
está ganha permanece ganho sem precisar ser provado novamente. Mulher é aquela (ou aquele)
quem marca a viagem amorosa e precisa que a palavra seja reiterada ou renovada. No
vocabulário de conflitos: “homem” é silencioso e violento; “mulher” fofoca e demanda. São
questões empíricas em relação ao trabalho envolvido em investigar o amor, para dentro do evento
ser verdade.”
O autor também admite uma complexidade ainda maior nesse segundo ponto, ainda sem
deixar claro qual é a conexão da sobreposição dos operadores na tabela de funções e a questão
epistemológica.
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O filósofo é contra a concepção de que é possível, no amor, para cada um dos sexos,
aprender alguma coisa sobre o outro. Para ele o Amor é uma “investigação sobre mundo pelo
vantajoso ponto de vista do Dois, e não uma investigação sobre cada elemento do Dois sobre o
outro”. Esse ponto de vista, mesmo intercedendo nas funções dos operadores, leva Badiou a tocar
numa ontologia do Dois, pelo simples fato de que ninguém pode ocupar a posição do outro ao
mesmo tempo, no mesmo respeito. Não é possível conhecer o outro tal qual ele é. Mas o que é
que pode ser conhecido então?
Partindo agora para uma diferenciação entre os conceitos de conhecimento e verdade,
Badiou assina que o amor “produz uma verdade de uma situação de um modo que a disjunção é
constituída como uma lei”. Como um procedimento genérico, a verdade procede ao infinito; um,
dois - infinito. Em todo caso, mesmo que os processos se dêem paralelamente, a disjunção não
pode ser completamente demonstrada. Existiria sim um conhecimento relativo, dado por
antecipação devido à sexualidade (disjunção) e poderemos julgá-los não verdadeiros, mas
verídicos. Essa seria uma forma de conhecimento condicionada por um procedimento de verdade
genérico que ele chama de “forçar”. Você força o conhecimento, para Badiou, levantando uma
hipótese e procurando encaixar na teoria. No amor, essa hipótese esta fundada na disjunção e se
sobreporia a uma ficção narrativa.
Se, no entanto, esse forçar acontece na situação do amor, conhecer estará sujeito à disjunção das
posições. O conhecimento dos operadores permanece disjunto, não coincidem. Como os
operadores, o conhecimento é sexuado e os operadores sabem de maneira disjuntiva.
Abrindo aspas de Badiou:
“O amor é aquela cena na qual uma verdade procede, uma verdade sobre posições sexuadas
através de um conflito de conhecimentos sobre os quais não pode haver compensação.”
O lugar da verdade estaria no vértice do desconhecido. Aí se encontra um ponto
importante: conhecimentos seriam verídicos, antecipatórios e disjuntivos. A disjunção das
posições resultaria também num conhecimento disjuntivo sobre o amor, onde “homem”
sustentaria (metaforicamente) o vácuo da disjunção e “mulher” faria o Dois resistir à errância. O
que a sexuação do conhecimento separa seria o seguinte:
1 - O que esta sendo verdade é que que somos dois e não um; de acordo com o masculino.
2 - O que esta sendo verdade é que dois nos fomos, de outra forma não fomos nós; sustenta o
femino.”
A declaração feminina indica o ser tal qual, é ontológico. A declaração masculina indica a
mudança do número, na dolorosa fratura do Um pela hipótese do Dois e é estruturalmente lógica.
Para fundamentar essa posição sobre o conhecimento particular de cada operador do
evento amoroso, Badiou se refere à Aristóteles em seu livro Gama da Metafísica. As
características do processo do amor são ontológicas e lógicas simultaneamente; assim como a
posição da ciência reside no aspecto estrutural, lógico e ontológico, do princípio de identidade.
Para fazer essa passagem da ligação entre o lógico e ontológico Aristóteles força o conhecimento,
assume uma posição intermediária destinada à possibilidade de refutação.
Mesmo parecendo cada vez mais obscuro, Badiou prossegue agora procurando
estabelecer uma ligação entre amor e humanidade estabelecida pela posição “mulher”. Amor
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como Badiou entende, como um dos aspectos da função H(x), cria um nó nos procedimentos de
verdade: ciência, política, arte, amor.
A posição “mulher” representaria o ser-para-o-amor. Lançando mão de mais um axioma,
Badiou coloca que a função H(x) só tem valor enquanto existir um procedimento amoroso. A
subtração do amor à Humanidade, atestaria o grau de desumanidade possivel, assim como a
subtração do operador “mulher” do procedimento amoroso. “Mulher” seria o termo “x” enquanto
virtualidade do humano e independente do sexo empírico que ativa as condições de uma prova
dessa verdade. A subtração do operador “mulher” do evento amoroso desvaloriza H(x) nos outros
tipos de conhecimento (política, ciência e arte). Somente a presença do amor os admite.
A posição do “homem” funcionaria de maneira diferente já que ela permitiria o
procedimento por si mesmo dar valor à função H(s) independente dos outros. Concluindo, as
diferenças sexuais das posições de homem e mulher dentro da função de Humanidade, no
exercício do amor, poderiam ser concebidas apenas enquanto critério de definição. Independente
do sexo, o desejo é homossexual e o amor é principalmente heterossexual; como se para ter a
heterossexualidade do amor deveríamos passar pela homossexualidade do desejo. E reforça:
homem e mulher só existem no campo amoroso.
Com esse precedente à respeito de uma teoria do conhecimento aberto, Badiou atravessa
novamente a questão da Humanidade. Sendo ela composta por quatro tipos de verdade, a posição
da mulher seria a qual entrelaçaria todos os quatro tipo juntos, e somente enquanto condicionada
pelo amor é que a humanidade existiria como configuração real, enquanto o homem metaforizaria
as outras. O feminino forneceria uma compreensão mais completa da humanidade, enquanto o
homem seria um tanto indiferente, mas cuja habilidade em concluir é maior.
A preocupação com uma visão inadequada sobre o feminino é chamada aqui. Seria o
homem mais apto ao acesso ao universal? Badiou responde que não, que o encontro está em todo
lugar, que todo procedimento genérico se dá pós-evento. No caso do amor, prossegue, é porque
sendo ele a garantia do universal, é quem faz a disjunção ser compreensível como a lei da
situação. Em sua linguagem formal, que a posição “mulher” requisita para a função H(x) a
garantia da universalidade.
Voltando para um aspecto da visão lacaniana da sexuação, Badiou sugere ir mais fundo
do que ele. A função fálica T(x) que o psicanalista francês postulou, define um quantificador
universal “para todo homem” e define a mulher como um “não-todo”.
Diz Badiou que essa é uma visão clássica; que Hegel ao proclamar a mulher como ironia da
comunidade, indica esse efeito no limite do existencial, pelo qual a mulher faz “buracos” no todo
que o homem esforça-se para consolidar. O que leva Badiou a atentar que a função T(x) não
coincide em nada com a função H(x).
Concluindo nas palavras do autor:
“No que diz respeito a função H(x), a posição feminina de fato sustenta toda a
universalidade, e a posição masculina metaforicamente dissemina virtualidade da umacomposição de H.
O amor é aquilo do qual, dividindo H(x) de T(x), retorna à mulher junto com todo o
espectro dos procedimentos de verdade, o quantificador universal.”
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