1 FACULDADE 7 DE SETEMBRO - FA7 CURSO GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO DAIANA GODOY PINHEIRO A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE DILMA ROUSSEFF PARA A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010: UMA ANÁLISE DA REVISTA VEJA FORTALEZA - 2011 2 DAIANA GODOY PINHEIRO A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE DILMA ROUSSEFF PARA A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010 Monografia apresentada à Faculdade 7 de Setembro como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo. Orientador: Profa. Ana Paula Rabelo Silva, Mr. FORTALEZA - 2011 3 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE DILMA ROUSSEFF PARA A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010 Monografia apresentada à Faculdade 7 de Setembro como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo. __________________________ Daiana Godoy Pinheiro Monografia aprovada em: ______ / ______ / ______ ___________________________________ Profa. Ana Paula Rabelo Silva, Ms. (FA7) 1ºExaminador: ______________________________________ Prof. (FA7) Miguel Augusto Macêdo de Araújo Lima, Ms 2ºExaminador: _______________________________________ Prof. (FA7) Érick Picanço Dias, Esp. Prof. Dilson Alexandre Mendonça Bruno, MSc. (FA7) Coordenador do Curso 4 À minha mãe e ao meu pai 5 AGRADECIMENTOS Quero agradecer, primeiramente, a Deus, que me deu a oportunidade de escolher uma profissão e que me deu forças para enfrentar os desafios acadêmicos aliados aos desafios do próprio mercado. Agradeço à minha mãe, minha fonte de inspiração, que sempre me apoiou e que sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis e que dividiu comigo as muitas alegrias. Ao meu pai, grande incentivador para a minha escolha profissional, que várias vezes compartilhou conhecimentos e experiências que me fizeram me apaixonar pelo jornalismo. Agradeço à minha irmã, pelo apoio e pelos conselhos. Ao meu irmão, que também sempre me apoiou, principalmente na reta final do curso e que muito me ajudou para que esse trabalho fosse concluído a tempo. Agradeço a todos os meus familiares, que sempre mostraram satisfação com o curso que escolhi, sempre me motivando. À minha orientadora, que encarou esse desafio, sempre disponível e disposta a ajudar. Aos meus colegas de curso, pela motivação e pela experiência de conviver com grandes profissionais que muitos já são. E agradecer a FA7, que me proporcionou excelentes professores, alguns que já considero amigos. 6 “ O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” ( DEBORD, 1997) “A política, outrora, era idéias. Hoje, é pessoas. Ou melhor, personagens. Pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel. Como num espetáculo”. (SCHWARTZENBRG, 1978) 7 RESUMO O presente trabalho visa a analisar a construção da imagem da candidata Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2010, considerando as transformações sofridas (naturalmente ou por estratégia eleitoral). Para tanto, foram apresentadas uma leitura dos marketólogos, com base no conceito de Almeida (2002) sobre o que desejavam elaborar como imagem ideal para a candidata, além de análises de três reportagens da revista Veja, do mesmo ano, apresentando a candidata, sua campanha e sua vitória, com base em Schwatzenberg (1978). Este trabalho surgiu da necessidade de apresentar uma das ferramentas que são essenciais em uma campanha eleitoral, assim como a sua eficácia: o marketing político. Acreditamos ser relevante discutir as ferramentas que estão à disposição do staff eleitoral para melhor apresentar o candidato ao eleitorado. Pois, assim como diz Schwatzenberg (1978), em um tom pessimista, que no meio político tudo não passa de um grande espetáculo, onde as pessoas tomam para si uma determinada imagem para ganhar votos, é válido apresentar como se dá esse processo. Esse trabalho é, também, um incentivo para que as pessoas, como cidadãos eleitores, conheçam mais a fundo seus candidatos, percorrendo seu histórico, percebendo as mudanças sofridas por ele (fisicamente e em seu discurso) e constatem se estão se sentindo enganados ou se estão recebendo um candidato apenas aprimorado. Palavras-chave: Jornalismo Político, Marketing Político, Gênero. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................ 09 1 POLÍTICA BRASILEIRA: UMA REFLEXÃO SOBRE O DESAFIO DE ELEGER UMA MULHER COMO PRESIDENTE DO BRASIL 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 13 1.2 MULHERES EM CARGOS DE CHEFIA, UMA MULHER CHEFE DE ESTADO 18 2 JORNALISMO POLÍTICO 2.1 UM RESGATE DA HISTÓRIA DO JORNALISMO POLÍTICO 21 2.2 O JORNALISMO POLÍTICO DE HOJE 22 2.3 O JORNALISMO A SERVIÇO DA POLÍTICA 24 3 MARKETING 3.1 MARKETING POLÍTICO E MARKETING ELEITORAL 28 3.2 O ESTADO ESPETÁCULO 33 3.2.1 O Herói 35 3.2.2 Igual a todo mundo 36 3.2.3 O líder charmoso 37 3.2.4 O nosso pai 38 3.2.5 A a-mulher política 39 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 4.1 A PROPOSTA DOS MARKETÓLOGOS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE 42 4.2 A FORÇA DO JORNALISMO POLÍTICO 44 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 55 REFERÊNCIAS 9 INTRODUÇÃO A presente pesquisa apresenta uma análise da trajetória da campanha presidencial de 2010 utilizando a revista Veja como veículo. Nosso intuito é observar as representações sugeridas por Schwartzenberg (1978), muito utilizadas pelas equipes de marketing que atuam em campanhas, veiculadas na revista, intencionalmente ou não, e perceber que essas representações em muito podem contribuir para conquistar ou afastar os eleitores. Buscamos apresentar a transformação da imagem de Dilma de uma mulher guerreira, corajosa, forte, para uma mulher dependente de um homem, submissa, “mãe do povo”, ora doce, ora dura, mas sempre dependente do homem, no caso, o presidente Lula. Ou seja, é a transformação de “heroína” para a “nossa mãe”, imagens extraídas da obra de Schwartzenberg, que foram veiculadas pela Veja. Isso mostra o como a imprensa pode agir em favor de um candidato, podendo publicar em suas matérias essas imagens, construídas propositalmente ou não pelos marketólogos, mas que tem, em parte, poder decisivo para o rumo da eleição. Nenhum estudo sobre a eleição de uma mulher como Chefe de Estado pode desconsiderar a questão de gênero que aqui abordamos com o objetivo de contextualizar a complexidade do processo eleitoral imposto para além das já previstas questões políticas. Com as eleições presidenciais se aproximando, o Partido dos Trabalhadores (PT) precisava escolher alguém no seu partido para que fosse sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para dar continuidade ao poder do partido e do, então, presidente. Embora Lula tenha aliados políticos, pessoas de sua confiança e de quem admira o trabalho, escolher alguém que pudesse substituí-lo não seria algo tão fácil – seu sucessor deveria ser tão bem aceito quanto ele era. De acordo com pesquisa divulgada em 26 de outubro de 2010 ano pelo Instituto Data Folha (UOL), o índice de aprovação do governo Lula chegou a 83%. Ou seja, número de quem avalia sua gestão como boa ou ótima, batendo todos os recordes de pesquisas anteriores. A nota atribuída à administração Lula é 8,2 e entre os que achavam sua gestão regular, o índice caiu de 14% para 13%. Entre os que avaliaram o governo como ruim ou péssimo, o índice estava em 3%. 10 Desde 2009, todos os partidos já estavam se articulando, cogitando nomes para a concorrência presidencial. No mesmo ano, o nome de Dilma Rousseff já transitava fortemente na mídia como a candidata petista, sendo visivelmente declarada como candidata do Lula. A indicação especificada não se configura como um processo de indicação diferenciado. Em geral os candidatos disputam internamente em seus partidos, escolhidos entre as correntes partidárias, se apresentam à disputa eleitoral oficial. A pessoa escolhida está ligada à uma corrente e, consequentemente, à uma figura pública (de poder) que fortalece a divulgação do nome eleito. A candidata do PT, Dilma Rousseff, não demonstrava um perfil político semelhante ao do Presidente Lula, tendo ainda como aspecto considerado quase um problema relevante o fato de ser mulher. Ainda como pré-candidata, matérias foram publicadas falando sobre sua falta de carisma, falta de coerência no discurso, postura inadequada para uma gestora pública e aparência defasada. Mas, nem por isso, Lula e sua equipe desistiram de lançar a então Ministra Chefe da Casa Civil a candidata da Presidência da República. A equipe de marketing do PT foi acionada e a transformação começou. O presente estudo está dividido em quatro partes que tratam de aspectos de conteúdo: a descrição do cenário político, a caracterização do jornalismo político, a distinção entre marketing eleitoral e político e análise de dados. A caracterização da mulher como chefe de estado está inserida na apresentação do cenário político, sendo retomado na análise dos dados – quarto capítulo deste estudo. No primeiro capítulo, apresentamos o contexto político em que se inseriu a candidatura de Dilma Rousseff e a motivação por sua escolha. Apresentamos, também, a figura da mulher em cargos de chefia, utilizando os autores Maria Helena de Paula Frota (2004), Carlos Botazzo (2009), e Miridian Knox Falci (2009). No segundo capítulo, abordamos o jornalismo político como atividade, além de suas peculiaridades, o trabalho dos jornalistas que atuam nessa área, assim como sua história, que, no Brasil, nasceu junto com a história da chegada da imprensa no País. Cremilda Medina (2006), Franklin Martins (2005), Rudolfo Lago (2006), Álvaro Pereira (2006) e Eliane Cantanhêde (2006) foram autores utilizados para apresentar esse capítulo, sendo Franklin Martins o mais completo e o que mais se aproxima da descrição das atividades. Já no terceiro capítulo, falamos sobre marketing político e marketing eleitoral, descrevendo seus conceitos, as estratégias utilizadas para o período eleitoral, o trabalho 11 dos marketólogos e sua inspiração na construção da imagem ideal de um candidato, baseada na obra de Gerard-Roger Schwatzenberg (1978). Além de Schwatzenbrg, utilizamos nesse capítulo as obras de Jorge Almeida (2002), Rubens Figueiredo (2000), sendo que utilizamos Almeida para defesa na nossa análise de dados. Foram analisados quatro momentos da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, por meio de eventos relevantes durante o período eleitoral, que são eles: a descoberta do câncer de Dilma; a oficialização da sua pré-candidatura, o último debate, antes do primeiro turno das eleições, e a posse, depois de eleita. Procuramos as quatro matérias na revista Veja para analisarmos a imagem que estava sendo passada. A revista Veja foi o corpus escolhido por ser a revista de maior circulação no Brasil, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação – IVC (www.armação.com.brg, 14 de março de 2011). Acreditamos ser relevante discutir as ferramentas que estão à disposição do staff eleitoral. Pois, assim como diz Schwatzenberg, em um tom meio pessimista, que no meio político tudo não se passa de um grande espetáculo, onde as pessoas tomam para si uma determinada imagem para ganhar votos, é válido apresentar como se dá esse processo. Esse trabalho é, também, um incentivo para que as pessoas, como cidadãos eleitores, conheçam mais a fundo seus candidatos, percorrendo seu histórico, percebendo as mudanças sofridas por ele (fisicamente e em seu discurso) e constatem se estão se sentindo enganados ou se estão recebendo um candidato aprimorado. A análise foi feita da seguinte maneira: selecionado o corpus, analisamos as matérias que davam maior enfoque à candidata Dilma Rousseff. Procuramos identificar como os traços propostos por Schwartzenberg (1978) podem ser identificados nesses textos e a fim de possibilitar posterior utilização do material jornalístico pela assessoria de marketing da candidata. Isso acontece porque acreditamos que como afirma Baudrillard (2007) a construção do produto ultrapassa todas as esferas e o candidato pode ser transformado num produto para além da própria atividade intencional do marketólogo, mas na própria atividade informativa do jornalista político. 12 1 CENÁRIO POLÍTICO “Chegamos a um ponto em que o ‘consumo’ invade toda a vida, em que todas as actividades se encadeiam do mesmo modo combinatório, [...] em que o ‘envolvimento’ é total, inteiramente climatizado, organizado, culturalizado.” (BAUDRILLARD, 2007, p.19) Não é absurdo analisar a transformação de uma candidatura à presidência numa perspectiva de consumo, chegando ao limite do tolerável quando o cidadão opta por votar naquele que vai ser eleito apenas para garantir o valor do seu voto, o menos ainda, a sensação de vitória, posse e apreensão. Depois de uma longa trajetória, um dos principais fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), Lula tanto reuniu amigos, como acirrou o ânimo dos seus inimigos mais clássicos. O seu deslocamento da esquerda para uma posição política bem mais moderada permitiu o diálogo amplo e fraterno com antigos opositores. Essa nova forma de fazer política provocou setores da direita radical, desencadeando uma sequência de denúncias e escândalos relacionados a todos os políticos do seleto grupo da presidência, possíveis sucessores. Como exemplo, os ministros José Dirceu, da Casa Civil, e Antônio Palocci, da Fazenda, que se envolveram em escândalos que lhes custaram os tão destacados cargos. Quanto mais a imprensa brasileira sabia sobre as denúncias - agora apresentadas pelo governo como política de transparência, uma vez que, segundo era declarado, nenhum outro governo fez questão de deixar que as investigações acontecessem até o fim e que houvesse punição para quem a merecesse -, menos sabia sobre as intenções à linha sucessória da presidência brasileira. Dilma Rousseff foi resgatada da história militante da esquerda brasileira como uma mulher que se adaptara e se destacara nas administrações petistas, tanto no governo do Rio Grande do Sul, como nos anos em que acompanhou o presidente Lula, na Casa Civil da Presidência, quando foi ministra de Minas e Energia, além de ministra chefe da Casa Civil. De todos os problemas que se apresentavam o maior não era o fato de ter sido uma militante de esquerda, mas de ser mulher. Dada a liberdade política conquistada nos últimos anos, a enorme diferença entre o perfil do gestor público e o perfil da nova gestora, parece estar em como fazer com que os brasileiros sejam receptivos à uma 13 mulher como chefe de Estado (ainda não estavam preparados para ter uma mulher no comando). Para tornar ainda mais complexo o cenário político, o desconhecimento da, então, ministra colaborava para a desvalorização da imagem que seria apresentada. Segundo Baudrillard (2007), homens e mulheres, pelo que representam, são reguladores do consumo. Enquanto o masculino seria o da exigência da escolha (pois está cada vez mais seletivo), caberia à mulher a solicitude narcisista e a complacência. Desta forma, na prática, a publicidade segrega os dois modelos, masculino e feminino, dando continuidade ao modelo de sociedade machista que distingue claramente o que é próprio do homem e aquilo que é da mulher. Veja que segundo Baidrillard (2007), os papéis apresentados são definidos como os que modelam e definem a sociedade, nesta etapa optamos Schwartzenberg pela análise a partir de (1978) Com o propósito de associar a imagem do candidato aos anseios do eleitorado, fazendo-o ser aceito, os marketólogos usam como orientação, quatro imagens defendidas por Schwartzenberg (1978) em seu “O Estado Espetáculo”, que são elas: herói, igual a todo mundo – ou homem comum, líder charmoso e o nosso pai. Mais à frente iremos detalhar cada uma das quatro imagens e mostrar porque Dilma passou da imagem de heroína para a de nossa mãe. 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO Dilma não caiu “para-quedas” na predileção de Lula como candidata a presidência. Sua trajetória no PT não é tão longa, mas é marcada por competência e muita demonstração de trabalho. Apresentamos, aqui, o contexto da eleição de Dilma, compreendendo a complexidade da conjuntura, dada a responsabilidade de ser uma presidente mulher, depois de um presidente, que representa um mito para as classes sociais menos favorecidas. O jornalista Luiz Maklouf Carvalho, no texto Mares Nunca Dantes Navegados, publicado no livro Vultos da República (2010), faz um perfil de Dilma, mostrando toda a trajetória da mulher que conseguiu a confiança de Lula e que desbancou nomes fortes do Planalto. Após a vitória, em 1998, de Olívio Dutra como Governador do Estado do 14 Rio Grande do Sul, a economista Dilma Rousseff ocupa o posto de secretária de Minas e Energia. Na sua gestão, a capacidade de atendimento do setor elétrico subiu 46%, com um programa emergencial de obras que reuniu estatais e empresas privadas. Em janeiro de 1999, Dilma viaja a Brasília e alerta as autoridades do setor elétrico de que, sem investimentos em geração e transmissão de energia, os cortes que o Rio Grande do Sul enfrentara no início de sua gestão, ocorreriam no resto do país (Revista Veja, 6 de junho de 2001). Na crise do apagão elétrico, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, os três estados da Região Sul não foram atingidos, não sendo imposto qualquer racionamento, pois não houve estiagem na região. Ainda assim, houve economia voluntária de energia e Dilma tentou obter compensação, como se concedia nas demais regiões. O governo federal não cedeu e Dilma conseguiu contemporizar junto à iniciativa privada gaúcha. Conforme Pedro Parente, chefe da Casa Civil no governo FHC, "ela era pragmática, objetiva e demonstrou que tinha diálogo fluido com o setor empresarial" (CARVALHO, 2010). Foi com esse bom desempenho, à frente da secretaria de Minas e Energias, que Dilma chamou a atenção de Lula, que a convidou para ser ministra de Minas e Energias do Governo Federal, como ele cita em entrevista à revista Piauí, publicado no livro Vultos da República (2010): Já próximo de 2002, aparece por lá uma companheira com um computadorzinho na mão. Começamos a discutir e percebi que ela tinha um diferencial dos demais que estavam ali porque ela vinha com a praticidade do exercício da Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Aí eu fiquei pensando: acho que já encontrei a minha ministra aqui. (CARVALHO, 2010). Durante as eleições municipais de 2000, Dilma, então do Partido Democrático Trabalhista (PDT) apoiou a eleição de Tarso Genro para prefeitura de Porto Alegre. Após a vitória de Tarso, Dilma filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Após escândalo envolvendo o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, aparece em cena Dilma Rousseff, ex-ministra de Minas e Energias, nome até então pouco conhecido pelos eleitores no cenário político. Ponto positivo durante o mandato de Dilma, como ministra de Minas e Energias, foi o programa Luz para Todos, lançado em novembro de 15 2003, que tinha o objetivo de beneficiar regiões de baixo índice de desenvolvimento humano e famílias com renda até três salários mínimos. No Governo Lula, Dilma contava com o apoio de dois fortes pilares: os ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e José Dirceu, da Casa Civil. Mas o escândalo do mensalão provocou a queda de José Dirceu. Já Palocci foi demitido por Lula, depois que o caseiro Francenildo dos Santos Costa teve o seu sigilo bancário violado no caso CPI dos Bingos. Ao invés de perder força, Dilma ficou mais forte e foi nomeada por Lula como a nova ministra chefe da Casa Civil. Com essa indicação, Lula se livrava de uma árdua disputa entre os dois “super-ministros”, que queriam ser seus sucessores. Dilma, além de não ser uma “petista orgânica, pois veio do Partido Democrático Trabalhista (PDT), não tinha a menor pretensão de chegar à presidência da República (CARVALHO, 2010). Após tomar posse do cargo, Dilma passa a ter seu nome divulgado na mídia com mais frequência, devido, por exemplo, em 2008, o caso do escândalo dos cartões corporativos, em que foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Mas é enquanto ministra chefe que Dilma também ocupa o cargo de “mãe do PAC”, conforme Lula, que lhe deu a função de gerente do Programa de Aceleração de Crescimento, o que lhe deu maior visibilidade e imagem de “aquela quem faz”, de acordo com Carvalho (2010). O cenário estava feito para Dilma Rousseff tomar posse do título de candidata à sucessão de Lula. Mas, desde 2007, Dilma já era nome forte nos bastidores para ser candidata à presidência da República (G1, 13 de abril de 2007). A partir daí, Lula começa a expor a ministra chefe e testar seu potencial para pleitear as eleições de 2010 (Estadão, 4 de dezembro de 2007). Em 2007 a popularidade e aprovação do governo Lula já eram altas. A pesquisa CNT/Sensus daquele ano apontou que 64% dos entrevistados aprovavam o presidente Lula – o que era a melhor avaliação dos últimos dois anos (2005 e 2006) e quatro meses – e 29,8 desaprovavam. A pesquisa mostrou, também, que 47,5% dos entrevistados achavam que a política econômica estava sendo conduzida de forma adequada, enquanto 40,6% achavam que a condução estava inadequada. O que chama a atenção nessa pesquisa é que a aprovação de Lula é maior nas faixas mais baixas de renda: 72,3% entre os que ganham até 1 salário mínimo; 66,1% entre os que ganham de 1 a 5 salários mínimos – e menor nas faixas mais altas de renda 16 – 53,4% de 5 a 10 salários mínimos; 52,3% de 10 a 20 salários mínimos; e 31,7% entre os que ganham mais de 20 salários mínimos (Blog do Rizzolo, 27 de junho de 2007). Essa pesquisa já deixava claro uma coisa: um presidente tão bem avaliado e tão bem visto pelo povo, principalmente pelo da baixa renda, precisava de um sucessor a sua altura. A tarefa não seria nada fácil, tendo a frente como forte nome insinuado a ministra chefe da Casa Civil, uma mulher de grande visibilidade, mas não conhecida para o grande público. A imagem de Lula já estava bem trabalhada, desde 2002, graças a um trabalho de comunicação, dirigido pelo marketólogo Duda Mendonça, que lhe amenizou a imagem de sindicalista, analfabeto, agressivo, para um político mais brando, equilibrado, disposto a conversar com empresários. É como se o vermelho berrante do PT, que tanto afastava possíveis eleitores, tivesse saído de cena, entrando assim um novo político: O “Lulinha paz e amor” (Uol, 28 de outubro de 2002). Foi graças a esse trabalho de marketing que Lula conseguiu extinguir o medo de todos aqueles que até então não tinham lhe dado votos, como a classe empresarial, por exemplo. A imagem de Lula já estava tão bem construída que, mesmo com o escândalo do mensalão – que tirou do governo nomes fortes como José Dirceu (Casa Civil) e Antônio Palocci (Ministro da Fazenda) – ele conseguiu ser reeleito. Em 2008, pesquisas continuavam a indicar que a gestão de Lula estava sendo bem aceita. A pesquisa CNT/Senus indicava 71,1% de avaliação positiva, contra 6,4% que avaliaram negativamente o governo. Entre os entrevistados, 21,6% avaliaram o governo Lula como regular. A avaliação pessoal do presidente Lula também obteve resultado positivo, subindo de 77,7% em setembro para 80,3% em dezembro de 2008. O nome de Dilma Rousseff já era considerado como certo para a pré-candidatura pelo PT. Dilma já era ministra-chefe da Casa Civil, cargo de grande importância e destaque, mas que não lhe dava o destaque necessário ao ponto de torná-la conhecida pelo eleitorado de Lula. Concomitante à tarefa de ministra-chefe, Dilma era gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), onde acompanhava as obras que vinham sendo desenvolvidas pelo Brasil, o que lhe rendeu discursos calorosos e o título de mãe do PAC pelo próprio presidente Lula (Folha.com, 7 de março de 2008) Dilma chegou a fazer viagens pelo Brasil com o intuito de promover e acompanhar as obras do PAC. Mas a imagem de mulher forte, trabalhadora, de mãe do PAC sofreu abalo após diagnosticada com linfoma, uma espécie de câncer, em 2009. Por um período, Dilma se 17 afastou para fazer tratamento da doença. Para muitos, sua candidatura havia ido por água abaixo. Até que Dilma reaparece, com imagem diferente devido à peruca que passou a usar e retoma as suas atividades como pré-candidata. O trabalho de marketing vinha sendo tão bem desenvolvido que, em 2010, as pessoas praticamente nem lembravam que essa Dilma de pulso firme, de discurso cloroso e mostrando serviço havia sofrido câncer. Nem ela fazia questão de lembrar o ocorrido, para não passar imagem de fragilidade ou de limitação, e nem seus adversários tocavam no assunto, para não passar uma imagem de desrespeito ou de agressividade com um tema tão delicado. Em evento realizado dia 20 de fevereiro de 2010, em Brasília, do PT, Lula oficializa Dilma como pré-candidata a presidência da República. Em 13 de junho, é oficializada sua candidatura. A Dilma candidata, não era a mesma pré-candidata, tampouco a ministra-chefe da Casa Civil. A Dilma candidata é uma Dilma recauchutada, com visual repaginado, desde o corte de cabelo, plástica no rosto, e roupas mais adequadas para o ambiente político. Mudar o visual de um político para tentar agradar a seus possíveis eleitores está dentro das atividades do marketing político, como veremos a seguir. Não se trata de vaidade – tributo que Dilma parece não ter -, mas de melhoramento do visual, marketing pessoal, ou seja, se apresentar da melhor maneira possível para as pessoas, o que vale para qualquer atividade profissional. E essa mudança vale tanto para a aparência física, como para o discurso, postura, comportamento e tudo o mais que possa interferir na imagem de uma pessoa. É com base na descrição da atividade de profissionais ligados diretamente no marketing político das campanhas eleitorais, que esse trabalho vai observar as transformações vividas por Dilma, em seu discurso e postura, desde o tempo de précandidata até a sua posse, como presidenta. As gestões de Lula foram gradativamente se desvinculando da imagem do PT, e Lula, o presidente, passou a ter mais força política que qualquer outro sujeito neste momento da história do país. Dilma nada representava para a Nação, mas sua imagem foi gradativamente sendo associada à de Lula, o que resultou numa popularização de sua imagem e consequentemente de sua campanha. 18 1.2 MULHERES EM CARGOS DE CHEFIA, UMA MULHER CHEFE DE ESTADO Gênero foi um termo usado para designar traços de caráter pessoal e sexual das pessoas, mas somente recentemente o movimento feministas trata gênero como uma “ organização social da relação entre os sexos” (FROTA, 2004, p. 13). Além disso, é possível afirmar que o estudo sobre gênero implica, necessariamente, em um estudo sobre as relações de poder entre homens e mulheres. Isso significa que essa relação de poder se fortalece não só porque há a disputa entre o masculino e o feminino, mas porque há o desejo de superação e de opressão do outro. Possivelmente, nenhum tema tem sido mais mal-tratado na produção teórica e na prática política que desigualdade. As mulheres se implicam fortemente com desigualdade e vêem homens sempre do outro lado. Valeria a pena refletir sobre tal questão e verificar onde a coisa começa e onde termina. Ou melhor, sabemos onde termina: com as mulheres na condição de ‘desiguais’ [gripo nosso]. (BOTAZZO, 2009, s/p) As mulheres se inserem no mercado de trabalho mesmo antes da Revolução Industrial. Já na Primeira Guerra Mundial, quando seus maridos eram enviados para as fileiras de luta elas os substituíam e mantinham a família em postos de trabalho considerados como sub-emprego. No Nordeste brasileiro, particularmente, as mulheres do século XIV, quando viúva, não podiam trabalhar porque perdiam sua honra, mas, mesmo assim havia uma alternativa possível: faziam bolos, doces e costuras e pediam para que alguém as substituíssem na venda, assim elas não se expunham e conseguiam complementar a renda familiar. (cf. FALCI, 2009) As opressões impostas pela sociedade não têm limites. Também Falci (2009) trata da mulher que é obrigada a prender o cabelo, engordar e vestir roupas pretas para demonstrar sua honestidade, não podendo mostrar qualquer parte do corpo, a não ser para o seu esposo. 19 Ainda no século XVIII e início do XIX, por forte influência do positivismo de Auguste Comte, a sociedade fortalece a participação dos homens em espaços sociais de interação e dão a mulher o papel de reprodutora e cuidadora do lar, do marido e dos filhos. Elas produzem filhos para a sociedade, são naturalmente reacionárias e a elas não interessam as ilusórias montagens da modernidade; renunciarão a qualquer projeto da inteligência [grifo nosso] e, antes, se dedicarão à sociabilidade, e à tarefa de educar positivamente o proletariado; a mulher proletária, ao renunciar à inteligência, recusará também o trabalho fora de casa e se dedicará à maternagem e ao cuidado do seu marido proletário, em suma, ao cuidado do lar. Serão castas, e - junto com a reprodução biológica - reproduzirão subjetivamente a nova ordem social [grifo nosso]. (BOTAZZO, 2009, s/p) Nas últimas décadas, a mulher não se submete mais à antiga imposição de uma imagem de reprodutora e mãe acolhedora. Por questões financeiras e/ou ideológicas a mulher sai de casa em busca de formação técnica ou acadêmica e envereda no mercado de trabalho disputando postos antes somente ocupados por homens (inclusive o da Presidência da República). Apesar da participação de mulheres crescer no mercado de trabalho, os números de cargos de liderança ainda são baixos. Os dados não superam os 5% de cargos de chefia ocupados por mulheres em empresas brasileiras. Aliado à dificuldade de ascensão, a mulher encontra a difícil tarefa de conciliar os múltiplos papéis que precisa desempenhar, pois mesmo inserida no mercado de trabalho, a divisão sexual do trabalho no lar é uma realidade distante. Segundo a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2010), a maioria da população brasileira (75%) é favorável à política de cotas para mulheres na política e apóia a punição dos partidos políticos (86%) que não cumprem a atual legislação que prevê 30% de candidaturas femininas. Isso é o que revela a pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão/Cultura Data, com apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, realizada entre os dias 13 a 17 de fevereiro, com 2002 entrevistas em 142 municípios de todas as regiões do país. 20 Segundo a pesquisa, o Congresso Nacional Brasileiro contava em 2010 apenas com 8,9% de mulheres, enquanto teríamos 12% nas assembléias legislativas e câmaras municipais. Índice ainda pior do que o apresentado em pesquisas anteriores. Isso daria ao Brasil o 141 lugar na pesquisa da União Interparlamentar (UIP). Também na pesquisa realizada pela Secretaria de Mulheres, os brasileiros concordam que a presença de uma mulher no poder pode modificar para melhor o ambiente da política, acreditando que a democracia só existirá, se elas estiverem em espaços de poder. E consideram como valores das mulheres em cargos de chefia: a) competência na política; b) honestidade; c) compromisso com os eleitores; d) capacidade administrativa; e e) autoridade. O fato é que mesmo havendo uma política de cotas, o número de mulheres inscritas como candidatas nem sempre consegue o percentual e muito há para que a mulher que ali se inscreve possa, de fato, construir as bandeiras das lutas feministas ou mesmo das mulheres. A escolha de uma mulher Chefe de Estado é uma vitória histórica para a sociedade brasileira e não deve ser menosprezada nem pela mídia, nem pela política atual. Por maiores que sejam as divergências partidárias, essa eleição demonstra um avanço cultural para o Brasil, estabelecendo um novo paradigma para a história das mulheres na sociedade, no mercado de trabalho e na política. 21 2 JORNALISMO POLÍTICO “A tradição do jornalismo político é, sem dúvida, um patrimônio consagrado.” (MEDINA, 2006, p.26). Assim inicia Medina na segunda parte de artigo Lugar de jornalista: no centro das tensões. Neste trabalho, a pesquisadora reflete sobre as crises políticas brasileiras e o papel da imprensa e do repórter em meio a um turbilhão de informações que não tratam de provocar no leitor desejos de reflexão. O repórter, para ela, estaria numa posição privilegiada porque é capaz de estabelecer relações em informações por ele capturadas e imprimir interpretações invejáveis, em condições privilegiadas. O Correio Brasiliense é considerado marco do surgimento da imprensa brasileira e consequente surgimento do jornalismo político nacional. Faremos um resgate da história do jornalismo brasileiro, que se confunde com o jornalismo político, para, por fim, apresentarmos uma descrição dos conceitos essenciais do jornalismo político. 2.1 UM RESGATE DA HISTÓRIA DO JORNALISMO POLÍTICO A nação brasileira nasce e cresce com a imprensa, pois os primeiros periódicos assistiram a transformação da Colônia em Império, sendo objeto e sujeito da história brasileira. Para espanto de muitos, o primeiro jornal brasileiro foi publicado em Londres – o Correio Brasiliense, que surgiu em 1808, ano que marca a chegada da família real portuguesa ao Brasil. O jornal foi idealizado e realizado por Hipólito da Costa. O periódico tinha a característica oposicionista e crítico, o que não agradava aos poderosos (MARTINS E LUCA, 2008). Hipólito expressava ampla articulação política e antes de 1808 não havia disseminação de ideias e opiniões, como havia no Correio Brasiliense. De acordo com Martins e Luca, desde as principais publicações brasileiras são evidenciadas as raízes políticas da atividade jornalística. Grupos de interesse viam na imprensa um meio de mostrar suas ideias e aspirações. Junto com publicações oficiais surgiam folhas de oposição em pequenas cidades, capital, província, ou na própria Corte. Desse núcleo original de oposição, surgiam outros grupos, multiplicando as tendências e aumentando o número de impressos lançados como instrumento de luta política. Na campanha da abolição da escravatura, por exemplo, essa tendência 22 estourou, quando estudantes de Direito lançavam publicações, de periodicidade incerta e sem longevidade, lançando suas opiniões. Podemos afirmar que a história do jornalismo no Brasil já nasce com viés político. No começo do século XX surgiu um jornalismo chamado de literário, influenciado pela Belle Époque, onde nomes como Olavo Bilac, Monteiro Lobato, Coelho Neto, entre outros, assinavam colunas e crônicas em jornais das capitais federal e paulista. A partir de 1910, quando os efeitos da 1ª Guerra Mundial se tornaram mais fortes, a economia fragilizada e com a ampliação do debate sobre nacionalidade (em parte sugerida pelos preparativos da celebração do primeiro século de independência), as revistas literárias passaram a abrigar artigos de natureza variada, com espaço aberto para a exposição de ideias e ao debate político. 2.2 O JORNALISMO POLÍTICO DE HOJE Quando falamos do jornalismo político atual, podemos traçar uma comparação com o jornalismo de décadas atrás, onde é possível ver uma grande diferença. Em 1950, quando Getúlio Vargas derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes na disputa pela presidência, as manchetes dos principais jornais - Estado de São Paulo, Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo), O Globo, Correio da Manhã, entre outros – mostravam claramente suas preferências políticas: torciam pela vitória do brigadeiro. Segundo Pereira (2006), no artigo Jornalismo político contemporâneo, afirma que na década de 1950 os jornais utilizavam uma linguagem engajada e panfletária, Não havia isenção e nem imparcialidade, como se exige hoje nas redações. Naquela época, de acordo com ele, os textos eram carregados de adjetivos, tanto elogiosos como depreciativos. Já nas eleições de 2002, quando Lula disputava a presidência com Fernando Henrique Cardoso, o tom que os mesmos jornais utilizam na cobertura é mais neutro, onde destacavam a reação do mercado frente às eleições, o que diziam as pesquisas de opinião e a fala e as ações de Lula já eleito. O contraste entre 1950 e 2002 é nítido e mostra as grandes transformações pelas quais o jornalismo político passou, principalmente em época de eleição (MARTINS, 2005). Usaremos Martins (2005) como base para descrever a transformação sofrida pelo jornalismo político nas últimas décadas. 23 De acordo com Franklin Martins (2005), que durante muito tempo trabalhou no jornalismo político e foi ministro das Comunicações no Governo Lula, na década de 1950 os jornais eram, em sua maioria, partidários e se dirigiam a um leitor razoavelmente partidário. Nessa época os leitores buscavam os jornais esperando encontrar cobertura afinada com seu viés político. Nos dias de hoje, a grande imprensa, ainda que tenha suas preferências partidárias, se preocupa em separar a informação da opinião na cobertura política. Durante as campanhas eleitorais, procuram ter postura mais equilibrada, buscam dar o mesmo espaço para os principais concorrentes políticos. De 1950 pra para os dias de hoje, os veículos de comunicação passaram por intenso período de modernização, profissionalização e concentração, que fez crescer os custos de apuração, produção e disseminação da informação. Também aumentaram o número de profissionais nos veículos (em redação, comercial, ou industrial) e exigiu-se maior investimento em equipamentos, máquinas e tecnologias, que se tornaram mais pesadas. Nem todos os jornais conseguiram sobreviver a essa transformação. Só conseguiram escapar os que ainda vendiam muitos exemplares por dia. No século passado, quem vendesse 50 mil ou 60 mil exemplares diários no Rio de Janeiro ou em São Paulo conseguia se pagar. Hoje em dia são obrigados a vender mais de 150 mil exemplares por dia, para abater custos e atrair publicidade. Vender 150 mil exemplares significa dirigir-se para 450 mil leitores, pois estima-se que um jornal é lido, em média, por três pessoas. E como não existe um público partidarizado dessa envergadura, os jornais, para conquistar e manter escalas de tiragens economicamente viáveis, foram obrigados a se voltarem para um universo mais amplo: em vez de cativar o leitor partidarizado, procurou atrair um público plural, com leitores simpatizantes das mais diversas ideologias partidárias. Não se pode dizer que a Folha de S. Paulo dirige-se aos progressistas e O Estado de S. Paulo, aos conservadores. Ambos os jornais são assinados ou comprados indistintamente por leitores que se consideram petistas, tucanos, pemedebistas ou liberais, e também por aqueles que não se reconhecem em partido algum ou, simplesmente, odeiam política. (2005, p.19). Ainda conforme Martins (2005), essa mudança de estratégia trouxe grande impacto na alma e na cara dos jornais. Na alma porque eles tiveram que deixar claro para o leitor que vendem informação, e não opinião embrulhada em notícia. Por isso a 24 necessidade de isenção na cobertura política, ou pelo menos a busca pela isenção. Mudou a cara dos jornais, pois passaram a cobrir áreas que antes eram desprezadas, criando editorias ou cadernos voltados para segmentos específicos, como economia, cultura, esportes, e etc. Isso não quer dizer que não há mais espaço para a imprensa partidária, de opinião ou segmentada. Acontece que esse espaço foi deslocado do jornal impresso diário, que tem um custo de produção alto, para as publicações de periodicidade mais longa, como seminários, quinzenários e revistas. A internet, por ter um custo mais baixo, também é alternativa para as publicações partidárias. A figura do repórter de política também vem se modificando com as transformações pelas quais a imprensa vem passando. O seu trabalho é colocado à prova cada vez mais, pois o leitor está mais exigente. Na maioria dos casos, não basta apenas dar a notícia, ou seja, transmitir a informação factual mais recente, mas é necessário que haja contextualização, o que está por trás dela. Ou seja, os leitores querem explicação, análise e interpretação do que aconteceu (cf. MARTINS, 2005). Pois, se assim não fosse, o jornalismo político seria um jornalismo relatorial, que se contenta em apenas repassar o que aconteceu, sem tecer o teor, as consequencias e sem mostrar o porque tal fato é relevante. 2.3 O JORNALISMO A SERVIÇO DA POLÍTICA Hoje, tem se exigido mais dos repórteres de política opinião e interpretação em suas matérias. Opinião e interpretação são duas coisas distintas, mas se assemelham pelo fato de as duas irem além do fato em si e dar explicação a ele. Mas opinião é o ponto de vista de alguém sobre esse determinado fato, dando foco em cima de uma explicação, querendo passar certezas. Já a interpretação é uma primeira leitura do acontecimento, é uma tentativa de juntar e relacionar seus vários fragmentos no momento em que ele está acontecendo, querendo abrir leque de possibilidades e sugerir linhas de raciocínio. As pessoas hoje em dia são bombardeadas por informações. Sua salvação é a interpretação da notícia, pois ela salva o importante do trivial, relaciona fatos, estabelece conexões, procura as causas e, às vezes, avalia as conseqüências (MARTINS, 2005). Para Martins, cada vez mais, a notícia pura e simples é dada em primeira mão pela televisão, pelos serviços noticiosos em tempo real ou pelas edições eletrônicas dos 25 grandes jornais. “Se a imprensa escrita não for além disso, ela estará oferecendo notícia velha. Isso vale principalmente para revistas, que tem mais tempo para apuração” (p.22). Rudolfo Lago (2006), no artigo Prática e conhecimento, afirma que não existe apuração de fatos jornalísticos na política que não implique análise política desse mesmo fato. Para ele, o jornalista não pode simplesmente chegar ao Congresso, ouvir alguns personagens envolvidos, e escrever um texto com base unicamente naquilo que apurou na entrevista. O repórter precisa entender o que se passa no Congresso, quem são os principais personagens envolvidos na política brasileira e entender de história do Brasil para poder compreender os fatos de hoje. Durante as campanhas eleitorais e principalmente longe desse período, o Congresso é a “rua” dos repórteres de política. É tarefa básica dos jornalistas conversar como todo tipo de gente: senadores, deputados, assessores, técnicos, enfim, todo mundo é fonte. Todos os políticos, sem exceção, têm interesses e objetivos, lealdades e inimizades, ambições e ressentimentos, caçotes e vaidades, que invitavelmente filtram, apimentam e marcam seus relatos. Mais: como são pessoas treinadas na arte de convencer os outros, costumam ser ótimos contadores de histórias. Sabem reproduzir um episódio saboroso, recriar um bate-boca esquentado, aprimorar uma frase espirituosa – e com isso tornam o peixe que vendem muito atraente aos olhos do freguês (MARTINS, 2005, p. 48). É aí que o repórter deve ter mais cuidado, diz o autor, devendo checar se é realmente verdade o que ele diz, pois somente em acontecimentos públicos, como em sessões da Câmara e do Senado, ou reuniões partidárias, por exemplo, é que se pode estar realmente presente no momento e no local do fato. No início do governo Lula, a equipe do presidente ficava espantada ao ver nos jornais detalhes de reuniões sigilosas que aconteciam no Palácio do Planalto. O jornalista Ricardo Kotscho, então assessor de imprensa de Lula, não se conformava em ver aspas do presidente nas matérias e brincava com os jornalistas, perguntando se eles escondiam algum anão debaixo da mesa. Na verdade, essas informações vinham de fontes que os jornalistas tinham e preservavam, e que às vezes falava exatamente o que aconteceu (p. 49). Em seu artigo O jornalismo e a “fonte” – Muito trabalho, bastante credibilidade e uma pitada de bom senso, Eliane Cantanhêde (2006) afirma que “os jornalistas devem 26 estar próximos o suficiente das fontes para ter informação e longe também o suficiente para não haver promiscuidade”. Como existe um jogo de interesse – o do repórter em dar a notícia, o furo, positivo ou não; e o do político de só mostrar as coisas boas que faz – é muito fácil existir troca de favores, presentes, o que acaba com a reputação do jornalista e deixa a sociedade em prejuízo, por não receber a informação verdadeira. Algumas empresas têm uma postura mais rígida com relação a esse fato, como o jornal Folha de São Paulo, que proíbe os jornalistas de receberem presentes de fontes (ver manual da Folha). Uma alternativas propostas por Cantanhêde para evitar esse desgaste é utilizar a técnica do off, essencial no exercício do jornalismo, mas perigosa para quem não souber usar. Através do off o repórter consegue entrevista com uma fonte sem precisar identificá-la, fazendo com que ela se sinta mais segura para dar informações sigilosas, fazendo com que o repórter consiga um furo, sonho de consumo de todo jornalista de redação. Como no Brasil ocorrem eleições a cada dois anos, os jornalista de política, tanto em Brasília como em qualquer estado brasileiro, precisa entender o sistema eleitoral brasileiro e todas as suas regras, que costumam ser alteradas a cada eleição. Para Cantanhêde (2006), as pesquisas de opinião e de intenção de voto são instrumentos úteis em uma cobertura eleitoral. De acordo com a autora, as pesquisas tornam o trabalho do jornalista político mais objetivo, podendo ajudar a antecipar tendências e dar informações mais precisas sobre as chances de cada candidato. Mas é necessário ter cuidado com a margem de erro da pesquisa e, embora os dados possam ajudar o trabalho do repórter, eles não podem substituir o trabalho de apuração fora da redação. 27 3 MARKETING Para tratarmos da conceituação de marketing político, é necessário fazermos uma breve conceituação de marketing, como um termo mais amplo, no qual se baseia o marketing político. Assim como o conceito de marketing político e eleitoral, o próprio conceito de marketing não escapa às polêmicas. De acordo com Camacho (1983, apud ALMEIDA 2002 p. 70), “o termo marketing, em seu sentido original, determina as relações comerciais de uma instituição com sua clientela. Ele também poderia ser chamado de comercialização”. Para o Comitê de Definições da American Marketing Association (ALMEIDA, 2002, p. 70) o marketing é o desempenho de atividades da empresa que se relacionam com o fluxo de bens e serviços, do produtor para o consumidor ou usuário (SIMONSEN JÚNIOR, 1970, p. 31, apud ALMEIDA, 2002, p. 70). Philip Kotler, um dos maiores autores clássicos do marketing, começa assim a sua definição: O marketing é a função dentro de uma empresa que identifica as necessidades e os desejos do consumidor, determina quais os mercados-alvo que a organização pode servir melhor e planeja produtos, serviços e programas adequados a esses mercados. No entanto, o marketing é muito maior do que uma função isolada – é uma filosofia que orienta toda a organização. A meta do marketing é satisfazer o cliente de forma lucrativa, criando relação de valor com clientes importantes (KOTLER e ARMSTRONG, 1999, apud ALMEIDA, 2002, p. 71). Levando esse conceito para o marketing político, podemos trocar o termo consumidor e clientes por eleitor. Mais do que isso, é preciso que se compreenda que o tipo de planejamento do marketing político é mais complexo e amplo que o do marketing eleitoral, que se destina ao momento específico do processo eleitoral com o objetivo claro de eleger o candidato majoritário e/ou o maior número possível de candidatos para os cargos do legislativo. 28 3.1 MARKETING POLÍTICO E MARKETING ELEITORAL O marketing político, como ciência, surgiu num cenário adverso e fincou-se como um campo de conhecimento ainda demasiadamente dependente de pesquisas e dos meios de comunicação para implementar as suas estratégias. Mas o marketing político como “prática de ações que melhoram o relacionamento entre os que estão no poder e seus súditos, nasceu bem antes do que hoje chamamos Marketing” (TEIXEIRA, 2006, p.15). Segundo Teixeira (2006), Maquiavel, pela produção de O príncipe, poderia ser considerado o primeiro consultor de Marketing Político. Segundo a sua obra, a organização e a força de um povo seria elemento fundamental para a manutenção do sistema, desta forma, inimigos desistiriam de ataques externos e insatisfeitos não desestruturariam a ordem pública. A obra de Maquiavel é usada por líderes políticos ainda hoje. Na trajetória da história do marketing, muito precisou amadurecer e ampliar seu conceito para que o Marketing Político ganhasse a força que teve na década de 1960, quando se subdividiu em Marketing Eleitoral e Marketing Governamental. Isso não quer dizer que não tenha havido estratégias isoladas, como a experiência da população brasileira em 1950 com Getúlio Vargas, apresentou-se como “o pai dos pobres”. Mesmo na ditadura brasileira, na década de 1970, com todas as limitações do contexto político, já havia propagação política tanto na televisão quanto no rádio. Foi entre as décadas de 1980 e 1990, coincidindo com a volta das eleições diretas para cargos majoritários, que se expandem no Brasil “as novas regras para o fazer político, apoiadas em um saber que lhe é precedente, o marketing comercial ou publicitário, mas que exige um esforço de adequação às peculiaridades do produto (a política)” (CARVALHO, 1999, p. 33, apud ALMEIDA, 2002, p. 78). Segundo Teixeira (2006), 29 O Marketing Político é um conjunto de conceitos e procedimentos que, interagindo adequadamente, procura adequar as ações de uma campanha eleitoral e/ou de uma contínua comunicação entre o político como líder público e seus liderados, de modo consistente ao planejamento e organização próprios e com a máxima influência dos recursos disponíveis, buscando a melhor eficácia para angariar o maior número de votos e a efetividade no longo prazo, por meio de uma intensa credibilidade conquistadora [grifo nosso]. (p.21) Esse conceito sofreu reformulações e adaptações resultando na seguinte proposta, também apresentada por Teixeira (2006), “trata-se de um conjunto de técnicas e procedimentos que procuram adequar um candidato ao seu eleitorado em potencial, procurando torná-lo conhecido pelo maior número de eleitores possível” (idem. p.21). Para Almeida, o marketing político é a utilização dos princípios do marketing na atividade política, estando ou não em processo eleitoral. Pois, de acordo com Neusa D. Gomes (2000, apud. ALMEIDA, 2002, p. 86), o marketing político é uma estratégia permanente de aproximação do partido e do candidato com o cidadão em geral e em qualquer período. Já o marketing eleitoral é uma estratégia voltada para o eleitor, com o objetivo de fazer o candidato ou o partido vencer uma determinada eleição. Portanto, como vimos, existe uma pequena diferença entre marketing eleitoral e marketing político, mesmo entendendo que o primeiro está inserido no segundo. O marketing eleitoral são ações pensadas especificamente para o momento das campanhas eleitorais, onde o principal objetivo é vencer as eleições. O marketing político abraça o marketing eleitoral, pois ele é pensado antes, durante e depois das eleições, com o objetivo de manter uma boa relação entre político e eleitor. Como mesmo antes das disputas de 2010 o PT já adota estratégias de marketing político, no período eleitoral ele adota o marketing eleitoral, que está inserido no marketing político, mas que está mais focado no momento da disputa. No caso do nosso objeto de estudo, que é a construção da imagem de Dilma Rousseff nas eleições de 2010, podemos dizer que o PT lançou mão do marketing político, pois antes mesmo do pleito ela já vinha sendo preparada estrategicamente para se aproximar, junto de seu partido, do povo; e depois de alcançar esse objetivo, adotou o marketing eleitoral com o objetivo de vencer as eleições. Entendemos que o PT tem as atividades de marketing político permanentemente, independente de eleição. Almeida afirma que o conceito de marketing político parece ainda menos consensual do que o do marketing em geral. Por exemplo, Marcelo Coutinho Lima 30 (1988, apud ALMEIDA 2002, p.79) chega ao conceito de marketing político como instrumento que objetiva garantir a maior adesão possível a uma ideia ou causa representada por um candidato. Mas esse objetivo pode ser obtido ou não. Também Teixeira (2006), concorda com essa complexidade e chega a afirmar que a preocupação se desloca do foco político, propriamente dito, para a “onda do momento”, chamemos assim: “o candidato não mais busca, por suas qualidades, conquistar os eleitores, e sim acompanha as tendências do ambiente, orientando-se pelas informações de acordo com sua visão e ambição política”. (p.21) Isso justificaria a contínua mudança de legenda e consequente mudança de defesa de programas políticos, as mudanças nos discursos e na postura política, como estratégia de adaptação a cada nova identidade assumida; sem romper com antigo, ampliando para o novo. Para Pacheco (1994), da mesma forma que o marketing foi uma necessidade para os mercados complexos da sociedade de consumo de massas, tornou-se necessário para a atuação política em eleitorados massivos, como os das atuais democracias liberais. Ele considera que o conceito de marketing político é controverso entre os especialistas, mas que o de marketing eleitoral é indiscutível, afirmando que “voto é marketing, o resto é política”, seguindo a lógica do marketing originário do mercado, onde o primado é o consumidor. Para Pacheco, “no mundo de hoje, tornou-se improvável o sucesso numa eleição apenas por meios puramente políticos, sem contribuição substancial das técnicas de marketing” (1994, apud ALMEIDA, 2002, p. 70). Desde a disputa presidencial de 2002, quando Lula venceu as eleições no segundo turno contra o candidato José Serra do PSDB, tem se percebido o uso das estratégias do marketing político por parte do Partido dos Trabalhadores (ALMEIDA, 2002). Em 1989 e em 1994, Lula não teve o mesmo sucesso. O que aconteceu em 2002, se o candidato era o mesmo e seu histórico era o mesmo? Venceu pelo cansaço? Em 2002 o marketólogo Duda Mendonça cuidou de sua campanha. Entre as várias estratégias que ele utilizou, estava a de amenizar o seu histórico de luta (dos tempos de sindicalismo); amenizar o vermelho intenso do PT, que outrora invadia a vista dos eleitores nos materiais de campanha; e a elaboração de um discurso mais sereno, por isso ficou conhecido como o Lulinha Paz e Amor (Uol, 28 de março de 2008). São pequenos detalhes isolados mas que fazem a diferença. 31 Os marketólogos, pela sua experiência mercadológica, levam seus conhecimentos publicitários para o meio político, tratando o candidato como um produto que precisa ser vendido, conforme conceituações a seguir. E para ele ser aceito no mercado, ele precisa ser lapidado. De acordo com Chaia (1996, apud ALEMEIDA 2002, p. 80), para os profissionais de marketing, o candidato a um cargo político deve respeitar todas as etapas que envolvem a venda de um produto: desde a criação de uma plataforma política até a “embalagem”, ou melhor, a conduta, a forma de vestir, de se expressar Ou seja, não será vendido o produto “bruto”, a “comoditie” – o candidato como ele é - , mas sim um produto aprimorado (tanto esteticamente, como no seu discurso), para que seja aceito pelo mercado (eleitorado). E são as mudanças estéticas, na “embalagem”, de acordo com conceitos de marketing, que nos interessa nesse trabalho, pois é justamente a “embalagem” de Dilma Rousseff que foi idealizada para o pleito de 2010 que vamos analisar. O candidato – enquanto objeto eleitoral – é um “produto” e a eleição é uma “venda” – ambos, obviamente, entre aspas: estamos no campo das metáforas. Sob tal enfoque, ninguém melhor do que os profissionais de marketing e propaganda para entender e operar tal processo (PACHECO, 1994 apud ALMEIDA, 2002, p. 69). Rubens Figueiredo (2000) define da seguinte maneira a sequência do trabalho do marketing político: a) analise do clima de opinião, do quadro político e dos adversários; b) planejamento e realização das pesquisas e elaboração da estratégia, com a definição dos melhores meios de comunicação para se atingir os fins desejáveis; e c) novas pesquisas para aferir a eficácia do caminho escolhido e, se necessário, corrigir os rumos anteriormente traçados. Para ele, o marketing político só poderá encontrar o melhor caminho para que o candidato atinja a maior votação possível através das pesquisas de opinião. Para Teixeira (2006), a estratégia bem sucedida de marketing político deve perpassar três fatores: o momento, o candidato e a campanha. Nesta leitura, o profissional de marketing só teria o poder de influenciar num fator: a campanha. Além das questões levantadas, o público-alvo numa campanha é muito amplo e, em geral, heterogêneo. De um candidato à presidência da República – que é o nosso objeto de estudo – seriam todos os brasileiros que votam: pobre, rico, preto, branco ou 32 amarelo, analfabeto, doutor, homem, mulher, jovens, idosos. Mas como agradar a todos? As pesquisas de opinião (qualitativa e quantitativa) estão inseridas na etapa de venda deste produto e responde praticamente a todas as etapas sugeridas por Figueiredo. Pois através das pesquisas é possível definir a postura do candidato, os temas da campanha, as propostas que serão apresentadas pelos eleitores e de que forma apresentar, quais segmentos desse eleitorado devem ser priorizados, se é oportuno atacar ou não os outros candidatos, entre outros aspectos (FIGUEIREDO, 2000). A pesquisa qualitativa, também chamada de motivacional, é considerada importante na definição da linha de campanha dos candidatos. Podem ser utilizadas as seguintes técnicas para sua aplicação: a primeira é de entrevistas individuais em profundidade, normalmente realizadas com formadores de opiniões “verticais”, ou seja, com pessoas com alto poder de verbalização e que tenham a oportunidade de dizer o que pensam para um grupo expressivo de eleitores. Há também a técnica de entrevistas individuais em profundidade com eleitores comuns, embora o resultado seja menos rico do que a entrevista com os formadores de opinião. A técnica mais utilizada é a de grupos de discussão, onde são recrutados grupos de eleitores (8 a 10 pessoas), com características sócio-econômicas semelhantes. De acordo com Figueiredo, esses levantamentos funcionam como balizadores estratégicos, quando realizado de oito a dez meses antes das eleições, onde é possível fazer um mapeamento dos anseios e expectativas dos eleitores e verificar se o perfil do candidato se encaixa nessas demandas. Eles também servem para a produção das propagandas eleitorais, sabendo os marketólogos qual o tom mais aceito, se o candidato deve aparecer mais tranqüilo ou indignado, por exemplo. As pesquisas quantitativas são mais conhecidas pelo eleitorado e também fornece elementos importantes aos profissionais de campanha. Elas podem mapear, por exemplo, o grau de conhecimento do eleitorado sobre um candidato, potencial de voto e taxa de rejeição (FIGUEIREDO, 2000). Mas o candidato é um “produto vivo” que tem uma história, e esta pode ser contraditória com o “lugar dos desejos” do eleitores/consumidores em uma determinada conjuntura (ALMEIDA, 2002, p. 78). Ou seja, o candidato pode ter um histórico que não agrada em nada ao seu público alvo – os eleitores. Nesse caso, a recomendação extrema dos instrutores políticos dos candidatos é que desistam ou adiem suas pretensões políticas, à espreita de um momento que lhes seja favorável. Isso quer dizer 33 que para os políticos vale a mesma e velha regra que os publicitários conhecem – “a melhor embalagem é insuficiente para garantir a venda de um mau produto”: diferentemente do marketing de produtos, o eleitoral envolve venda de pessoas e suas ideias. A sua mensuração de valor é mais subjetiva. Existe uma complexa troca de confiança. A melhor estratégia do mundo não é capaz de alterar a essência do produto-candidato. Tentar mudá-la significa despersonificar o produto (CARVALHO, 1999, p. 40). Mas existe uma outra alternativa, pois o marketing também admite outras vias de alteração das demandas ou uma mudança das prioridades dos consumidores, no caso do marketing político, os eleitores, de modo que fique mais fácil a aceitação do candidato como o mais capaz de resolver os problemas, ou de dar solução às demandas que passem a ser consideradas mais importantes ou prioritárias (ALMEIDA, 2002). Político ou eleitoral, o PT alia o marketing à política no processo mais delicado da história do Brasil, a eleição de uma mulher à presidência da república. 3.2 O ESTADO ESPETÁCULO O homem político poderia ser ele mesmo, autêntico, mas ele prefere parecer, compondo um personagem com o intuito de atrair a atenção e impressionar a imaginação. Essa é a defesa de Schwatzenberg (1978) para o meio político, afirmando tudo se tratar de um grande espetáculo. De acordo com ele, o poder era um conceito frio e impessoal, uma abstração, voltado apenas para as pessoas decididas em conhecer apenas as constituições e os códigos. Era anônimo. Mas que atualmente o poder assumiu uma fisionomia, que é a do dirigente que a exerce. Dessa forma, o poder se humaniza, se anima e ganha vida. “De abstrata, a arte política se fez figurativa”, diz. O homem ou a mulher personifica o poder por personificar o grupo no qual no qual se exerce esse poder. Ele se identifica com esse grupo porque ele se reconhece nele. O autor afirma que o dirigente figura, representa e encarna o poder, revestindo-o de um corpo carnal, material e sensível. Mas ele afirma que essa personalização do poder não tem nada a ver com o poder pessoal, pois este designa uma realidade institucional, onde uma única pessoa controla todos os poderes. Para ele, a 34 personalização do poder diz respeito à psicologia coletiva, onde um personagem simboliza a nação, o Estado ou o partido. O indivíduo representa o poder do grupo que nele se encarna. O chamado “poder em face” é que é o poder em pessoa. Para Schwatzenberg, o político procura cada vez mais impor uma imagem de si mesmo que capte e fixe a atenção do público. Essa imagem seria uma reprodução mais ou menos fiel a dele mesmo, um conjunto de traços que ele preferiu apresentar. A imagem serve de rótulos, indicando características – reais ou opostas -, as personificações deste ou daquele “produto” ou “marca” políticos. Uma vez delineada e difundida a imagem de marca, o importante é ater-se à mesma. Pelo menos durante um período suficientemente longo. Evitando qualquer ruptura brutal, qualquer alteração demasiadamente súbita de tom, estilo, maneira de ser. Ostentando a imagem constante de uma personalidade sólida. Respeitando, em suma, ‘a regra de ouro da coerência da imagem’ (CAZENEUVE, 1974, apud. SCHWATZENBERG, 1978, p. 5). A superposição de duas imagens diferentes num mesmo período, ou numa mesma campanha, contribui para sua derrota. Os publicitários dizem que é mais fácil criar uma imagem de marca do que trocar de imagem. Então, é importante que se escolha uma imagem que não seja tão destoante da própria personalidade do candidato, pois, de acordo com o autor, o importante é se manter fiel à imagem que se criou para si mesmo, pois muitos dirigentes são prisioneiros de sua própria imagem, não podendo mudar. O político deve concordar em aceitar desempenhar de maneira duradoura o personagem em cuja pele se meteu, precisando aceitar ajustar-se à imagem de si mesmo divulgada pela propaganda. Pouco importa a realidade em si mesma, o importante é que acreditem nela e a aceitem. Para o autor, desde “O Príncipe”, de Maquiavel, a “arte de mentir” progrediu tecnicamente, com a ajuda de profissionais da publicidade e do marketing. Hannah Arendt (1972) denuncia essa práticas: “A política é feita, em parte, da fabricação de uma certa imagem e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem” (apud SCHWATZENBERG, 1978, p. 6). A ideia é manipulara opinião para levá-la a comprar uma certa marca, desta vez política. De “vender” uma imagem no mercado eleitoral, nem que para isso seja necessário enganar e iludir. Pois a verdade já não tem 35 mais valor. A arte política comporta uma parte cada vez maior de composição e de maquilagem, como na arte dramática. Para o autor, a política foi buscar no mundo do teatro e do cinema a política do star system, tão vivaz nas décadas de 1920 e 1950. Ou seja, o que tem valor no espetáculo é a estrela. A vedete de um filme é muito mais importante que o cenário ou encenação. Assim como a estrela de um partido obscurece o programa e o aparelho. É como se, no cinema, os cinegrafistas e os figurantes não tivessem valor. Assim como os militantes adeptos de uma estrela política. A política do star system envolve, sobretudo, a direita, criando uma das linhas que a separa da esquerda. Entre os valores da direita está o respeito pelas elites e o culto ao chefe, ou o culto do “eu”, sendo que esse elitismo muitas vezes soa de maneira arrogante, desprezando a massa. Já a esquerda, pelo contrário, acredita na igualdade dos homens e no esforço coletivo. As vedetes projetam uma imagem de marca heterogênea, feita de diferentes traços e calcada em diversos mitos, em proporções variáveis. Mas elas se especializam em grandes papeis do repertório político. “Vêem-se bem depressa rotuladas e aboletadas em alguns importantes empregos estereotipados, em alguns personagens grandiosos marcados até as raias da caricatura” (p. 9). É o que o autor chama de problema de casting, a distribuição do elenco, que falta escolher um emprego, uma imagem. Entre as imagens que o político pode escolher, o autor dispõe as seguintes: a do herói, que é a do homem distante, remoto, fora do comum, o salvador, o chefe e, muitas vezes, o ídolo; a do igual a todo mundo, ou common man (o homem comum), que é homem ordinário, sem surpresas, que vem da série B da política promovido para o primeiro plano; o líder charmoso, que é o jovem galã, que se empenha mais em seduzir do que em convencer; e a figura do nosso pai, aquele homem mais velho, experiente, dotado de autoridade; e a da a-mulher política, que lembram divas do cinema, imagem até então pouco explorada, por ser o meio político dominado pelos homens. 3.2 1 O Herói É o homem excepcional, fadado ao triunfo, e depois à apoteose. É o homem das façanhas, do entusiasmo, da glória. Em suma: o ídolo proposto ao culto dos mortais. É o salvador, quase que o messias, é o chefe providencial, genial. Quase todos os heróis 36 reinam e prosperam. Maquiavel o admite o homem excepcional levado por circunstâncias excepcionais. É p “Legislador”, ou “Fundador”, o homem só, que estabelece um regime. Rousseau, que também acompanha Maquiavel, tolera o homem excepcional em dois casos excepcionais: o “Legislador”, para fundar o Estado e garantir suas leis, e o “Ditador”, para garantir sua sobrevivência. Essas duas hipóteses ainda correspondem à atual liderança: o “Fundador”, tão presente no terceiro mundo descolonizado para estabelecer o novo Estado após a independência. E o “Salvador”, presentes em países até desenvolvidos, quando enfrentam grave crise. O herói é o fazedor de espetáculo, se faz profeta, se não visionário. Fornece a certeza, ajuda a vencer a angustia, a incerteza. É como se fosse um guia, no qual o povo segue e se sente seguro. “O herói não pode errar”, diz o autor. A imagem do autor se firma através de dois recursos: a distância e o orgulho. Ele foge do ordinário, cultiva a separação e aprofunda a distancia. É arredio, sobranceiro e altivo. A distância aumenta o seu prestígio, e abre mais vantagem, servindo de abrigo contra queixas e reclamações. “Esse tipo de chefe é distante, pois a autoridade não pode dispensar o prestígio, nem o prestígio dispensa o afastamento. Abaixo dele, resmungase em surdina contra sua altivez e suas exigências” (DE GAULLE, 1932, apud. SCHWARTZENBERG, 1978, p. 17). O seu tributo é a solidão, a “miséria dos homens superiores” (DE GAULLE, 1932, apud. SCHWARTZENBERG, 1978, p. 18). O orgulho é a segunda mola do poder heróico. Ele admira seu próprio personagem, louva a si mesmo, como Stálin, que deu seu nome à cidades e permitiu que se erguesse monumentos à sua glória. O autor afirma, também, que o herói mantém relações privilegiadas com a divindade. Como na mitologia, ele é um semi-deus, colocado no meio do caminho entre os deuses e os mortais, tornando-se seu substituto funcional, fornecendo aos fieis o mesmo serviço: segurança, certeza, tranquilização. 3.2.2 Igual a todo mundo “Sem brilhantismo, arrebatamento, ou drama, é o campeão da normalidade” (p.43). É assim que o autor define o common man, ou, homem comum, igual a todo mundo. Nele, tudo é banal, comum, convencional, nada o difere dos demais. Ele 37 representa a atividade rotineira por excelência e tem prazer na igualdade. É comedido, moderado e modesto. Cada homem comum é o reflexo do cidadão típico, mas esse cidadão não é igual em toda parte. Cada um deles se pauta pelo folclore peculiar a seu país, pelos traços constitutivos da especificidade nacional. De acordo com o autor, ele quase sempre vem depois do herói. Como exemplo desse modelo, o autor cita Jimmy Carter e Raymond Pompidou. 3.2.3 O líder charmoso O líder charmoso busca surpreender, cativar e agradar. Cada líder charmoso concebe a política como uma arte de sedução, se não como um oficio teatral. Ele constitui a imagem do irmão, tendo como característica dominante a solidariedade, frente ao mundo dos adultos, à sociedade estabelecida representada pelos pais. A imagem do líder charmoso é, antes de tudo, a da juventude. Eles são carregados de diplomas conferidos por universidades famosas, possuem mobilidade, são ativos, dinâmicos, sempre em movimento. Eles personificam uma política do movimento da ação. É também um realizador. Pode-se vender ao público tudo ou quase tudo, não levando em conta o que deseja o consumidor, pois manipula o seu pedido através da publicidade ou da propaganda afim de lhe impor este ou aquele produto. Eles saem das melhores famílias e das melhores escolas, casam-se com mulheres da sociedade, moram em bairros elegantes, são donos de milhões de dólares e aliam a simplicidade – ainda que fingida – à distinção, para atender ao igualitarismo solidário. Têm fama de playboy, conquistador, fazem sucesso com as mulheres, e, em sua maioria, praticam esporte. O autor cita o ex-presidente do Estados Unidos, John Kennedy como um exemplo de líder charmoso. O herói cultiva exclusivamente a superioridade, a distância. O homem comum é pura proximidade familiar. Já o líder charmoso torna popular uma dupla imagem e joga em dois planos contrastantes. Ele se mostra ora distante, ora próximo: ora diferente, ora igual; ora superior, ora idêntico. Finalmente, sua imagem característica é uma superposição retiniana de duas imagens opostas [...] (p.67) Ao contrário do líder charmoso, o homem comum não dá margem a sonhos. Não arrebata o público, que não tem o menor prazer em identificar-se com ele. 38 3.2.4 O nosso pai A imagem do nosso pai é muitas vezes associada a dos monarcas, que supostamente exercem a autoridade paterna sobre a família e seus súditos e deles esperam uma obediência filial. Como fundamento, a imagem paternal tem o gosto pela autoridade, agregando dois grandes tipos: a autoridade paternal heróica, que é a do chefe revolucionário, ou do fundador da independência nacional, a quem se dá o nome de “pai da revolução”, ou “pai da pátria”, mas que se aproxima do herói; e a autoridade paternal de rotina, que é a do sábio “cheio de vivencia e razão”, a do pai tranqüilo, próximo do homem ordinário. Principalmente para o primeiro tipo, o peso da idade é vantajoso. O pai perfeito é o pai antigo, o velho sábio, curtido de experiência. O modelo fraternal é composto pelos seguintes traços: a sabedoria, quando o pai é o homem experiente, o que conhece a fundo todas as coisas, sendo o homem informado e prudente; o saber e competência, que é a capacidade de solucionar problemas; e o da autoridade, em que o pai encarna a firmeza, a energia, a capacidade de resolver e de impor decisões, enfrentando resistências e obstáculos, além de usar um vocabulário enérgico, com frequentes referências à primeira pessoa do singular. Ao pai cabe, também, trazer segurança. Ele é um personagem tutelar e protetor, que deve tranqüilizar graças a sua vontade poderosa, a sua enérgica ascendência. De acordo com o autor, a imagem paternal se desvaloriza espontaneamente, pois os conhecimentos e a técnica evoluem agora obedecendo a um ritmo de tal ordem que a experiência trazida pela idade atrapalha mais do que ajuda compreender um mundo que se vai recompondo com uma rapidez enorme (MEAD, 1971, apud SCHWARTZENBERG, 1978). Resumindo: nesse universo que se faz rapidamente obsoleto, o pai já não dispõe das competências imprescindíveis para impor-se. Invertese tudo, então. Ontem, o filho procurava reproduzir o pai. Hoje, o pai se empenha com freqüência em imitar, e até em macaquear a geração jovem. Sem muito êxito (p. 92). Acaba se cansando da imagem do pai, querendo voltar-se para o herói. 39 3.2.5 A a-mulher política Essa “a” privativo aparece por dois motivos. Primeiro porque à frente do Estado, Governo, ou Ministérios, as mulheres ainda são minoria. Pois grande é a pressão de nossa sociedade patriarcal que as mantém confinadas em posições subalternas. Ainda vítimas do sexismo, do “chauvinismo” masculino, para defender o que ainda é território do macho. Segundo, porque as poucas mulheres que conseguem ocupar tal posto se esquecem de sua identidade feminina, tal como a frase de Gandhi: “Não me considero uma mulher, e sim uma pessoa a exercer um ofício” (p.93). Para o autor, seria sexismo imaginar uma identidade política especificamente feminina e seria arriscado esperar dessas mulheres mais sensibilidade, compaixão, tolerância. E não seria espantoso vê-las se ajustar tão bem às normas masculinas, ao sistema de valores viris, ao invés de inventar contra-valores ou contra-cultura política. Elas acabam se adequando a outras maneiras de ser, de pensar, de reagir em política. O autor se pergunta como essas mulheres conseguem ser elas mesmas e afirmar sua verdadeira identidade se sua participação na vida política não alcançou uma massa crítica, pois um indivíduo só pode ser ele mesmo a partir de um certo número. Ele afirma que as raras mulheres emancipadas imitam seus ex-senhores, copiando os papeis masculinos de autoridade. Às vezes exageram, se fazendo passar por mulheres dominadoras, mulher forte, mulher forte, de ferro. Muitas vezes a imprensa se refere a essa mulher como “o único homem do governo”. “Isso seria uma homenagem ou atestado de conversão a outra cultura, ou traição”, indaga o autor. De acordo com ele, não existe a mulher líder charmosa, pois elas não se interessam em assumir sua feminilidade. E nem a mulher comum, pois são muitas as qualidades que a sociedade exige de uma mulher para deixá-la assomar à política. Portanto, sobram a heroína e a mãe como versão feminina do poder. A imagem materna é dupla. Em primeiro lugar, temos a imagem materna como antítese da imagem paterna. O modelo paterno é o modelo machista que valoriza as qualidades viris: autoridade, energia, afirmação agressiva do “eu”. É o modelo do pai que determina, decide, proíbe. Ao contrário do que observa Mendel (1967) que 40 o impulso libidinal para a mãe, considerada como fonte de vida, de amor, calor, alimento, satisfações sensoriais diversas e a resposta gratificante da mãe a essas necesidades-desejos são interiorizados, personificados e unificados no Inconsciente [sic] numa imagem de Mãe bondosa (apud, SCHWARTZENBERG, 1978. p.95). Essa bipolaridade, segundo o autor, corresponde uma dualidade que rege, proíbe é, em uma palavra, o Estado-Policial. Do outro lado, o poder que oferece serviços e prestações – o Estado Providência. Assim, alguns dirigentes masculinos correspondem a essa imagem maternizante de autoridade, personificando a benevolência, a solicitude, a gentileza. Mas voltando a idéia que a imagem maternal é dupla, temos a lembrança dos cuidados maternos, mas também a das reprimidas. Existe a mãe dadivosa, assim como a frustradora, porque a criança passa inevitavelmente pela experiência da não-satisfação. O “poder” da mãe é a capacidade de proporcionar satisfações, mas é, também, a aptidão a recusá-las. A imagem materna é dom, mas também recusa, frustração, até castração. É, particularmente, a imagem da mãe arcaica, assim definida por Mendel: A mãe arcaica, fonte de todos os dons (a “sociedade de consumo”), mas também de todos os males (a Mãe “cruel”, Medeia devoradora dos filhos)... Esta Mãe é, portanto, castradora. E, como se sabe, o Superego materno arcaico é muito mais angustiante (a angustia da aniquilação) que o Superego paterno (angustia de castração) (1976, apud SCHWARTZENBERG, 1978. p.96). Na política, as mulheres escolhem na dupla imagem materna a do poder imposto, e não a do poder benevolente e dadivoso. Mas muitas vezes as duas imagens se misturam. O autor cita como exemplo dessa mulher Indira Ganhi, que herda o poder da Índia do pai. Antes dele morrer, ela era sua confidente e o acompanhava em viagens oficiais. Quando ele morreu, ela se tornou Ministra da Informação. Ela teve a tarefa de escolher alguns nomes para o Partido do Congresso e, por ser mulher, alguns homens acharam que seria fácil manobrá-la. O que foi um equívoco, pois ela acaba se mostrando uma mulher de pulso firme. Mais á frente, ela prepara o filho para sucedê-la. Além de mãe, ela se apresenta como heroína nacional, identificando-se com seu país e instituindo o culto a personalidade. Para ela, heroína era simplesmente o feminino de herói, pois ela era a que mais recusava sua identidade feminina. 41 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS A presente pesquisa é um estudo de caso onde iremos observar, por meio de reportagens que foram publicadas na revista Veja, a construção da imagem de Dilma Rousseff de pré-candidata a candidata à presidência da República (mais especificamente de seu tratamento contra o câncer) até sua posse, no dia 1º de janeiro de 2011. Nossa pesquisa se configura como bibliográfica e documental em sua fase inicial com objetivos específicos de construção do referencial teórico e apresentação do cenário político. A pesquisa bibliográfica deve explicar um problema a partir de referenciais teóricos publicados em documentos. Gil (1999) também explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida mediante material já elaborado, principalmente livros e artigos científicos. De acordo com Raupp e Bauren (2003), o material consultado na pesquisa bibliográfica abrange todo referencial já tornado público em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, dissertações, teses, entre outros. A pesquisa documental, de acordo com Silva e Grigolo (2002) vale-se de materiais que ainda não receberam qualquer análise aprofundada. Esse tipo de pesquisa visa, assim, a selecionar, tratar e interpretar a informação bruta, buscando contribuir com a comunidade científica a fim de que outros possam voltar a desempenhar futuramente o mesmo papel. Como nosso objeto de análise são as reportagens veiculadas na revista Veja, vale ressaltar que o nosso interesse está focado na análise do texto impresso, dada a riqueza de detalhes do material televisivo. Em período de campanha eleitoral, além das propagandas eleitorais todas as redes transmitem informações diárias sobre as campanhas majoritárias nos três jornais diários nacionais e locais. Segundo Weber (2002 apud CAMPOS, 2008), a imprensa teria o poderoso papel de apresentar e reapresentar deslocamentos significativos nos hábitos de leitura, influenciando o debate público, portanto produzindo alterações sobre o modo como o homem capta e interpreta as coisas do mundo. 42 A constante mudança e o fato de se dar conta das mudanças massivas da opinião pública, de todas as possibilidades universais e inesgotáveis dos pontos de vista e dos interesses, pesa de forma impressionante sobre o caráter específico do homem moderno (p. 489) Foram analisados quatro momentos da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, através de eventos relevantes durante o período eleitoral, que são eles: a descoberta do câncer de Dilma, a oficialização da sua pré-candidatura, o último debate antes do primeiro turno das eleições e a posso, depois de eleita. A revista Veja foi o corpus escolhido por ser a revista de maior circulação no Brasil, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação – IVC (www.armação.com.brg, 14 de março de 2011). A análise foi feita da seguinte maneira: após selecionado o corpus, detectamos as matérias que cobriam os eventos relevantes nas eleições de 2010. Procuramos identificar o trabalho feito pelos marketólogos, profissionais presentes em campanhas de grandes partidos, ao tentar divulgar uma imagem, e verificar, com as matérias, se essas imagens foram realmente divulgadas. 4.1 A REVISTA VEJA: APRESENTAÇÃO E SEU POSICIONAMENTO De acordo com o ranking das revistas de maior circulação do País do Instituto Verificado de Circulação (IVC), Veja é a revista de maior circulação do País. Segundo Augusti (2005), Veja tem a maior circulação no país, dentre as revistas informativas semanais com grande inserção e alto poder de repercussão. É ainda a quarta maior revista desse segmento no mundo, sendo superada apenas pelas americanas Time, Newsweek e U. S. News and World Report. (p.80) Detentora de um poder estabelecido pelo seu status, a revista influencia um público leitor que está acima da média nacional de escolaridade. O objetivo da Veja não é o de simplesmente informar, como vemos no jornal ou ainda o de apresentar furos, como faz a TV (cf. PRADO, 2003). Ela, segundo Nascimento (2002 apud AUGUSTI, 2005), pretende “explicar” as questões apresentadas, validando o seu discurso por vozes 43 “autorizadas” como a de professores e cientistas, sempre tendo o cuidado de apresentar dados através de gráficos e índices. “Explicar, adiantamos, é próprio de quem julga deter um saber” (idem. p. 81). Veja não as ouve [as fontes] e, quando o faz, resume os ditos a poucas frases, encaixadas no enquadre pré-construído da revista. O enunciador de Veja não conta simples fatos, como fariam os jornais diários, nem se preocupa somente com o furo do acontecimento, tarefa da tevê. Ele constrói discurso de mapeamento, de tendência de enriquecimento, de comportamento eficaz no mundo dos negócios globalizado. (PRADO, 2003, apud AUGUSTI, 2005, p. 81) Uma revista que surgiu para ser a ser a concorrente da revista Manchete não conseguiu, ainda em 1969 recuperar seu déficit e continuava a ser sustentada pelas outras revistas da empresa Abril (cf. AUGUSTI, 2005). Vários formatos foram ensaiados, muitos foram os convidados. As páginas amarelas, hoje consagradas, foram um dos experimentos iniciais da revista. Apesar de encontrar o “cerne editorial” já no final de 1969, só em 1974 a revista começa a dar lucro, sendo a estabilidade alcançada em 1976 – com a venda de 170 mil exemplares por semana. Na segunda metade da década de 1990 a revista perde o caráter eminentemente político e ganha pautas referentes à saúde e cotidiano. O número de leitores se diversifica e, mais heterogêneo, impõe mais diversidade textual. Em 1995, “o chefe da sucursal da revista do Rio de Janeiro, Ancelmo Góis, já afirmava que era necessário abrir mão do enfoque político e econômico mais profundo para conservar a tiragem da revista” (AUGUSTI, 2005, p. 78). A Veja cede à imposição do público para manter-se no mercado editorial. Outra curiosidade em relação à revista é que de que ela privilegia fotos de acontecimentos reais. Grandes fotos de Veja são posadas (HERNANDES, apud AUGUSTI, 2005) o repórter fotográfico age como um retratista. Muitas vezes, antes de realizar a foto, já tem em mente a expressão do rosto que determinada pessoa deve apresentar na hora do flash. A iluminação e a paisagem de fundo também são, às vezes, pensadas com antecedência. A revista trabalha muito com fotos de agências, feitas por fotógrafos que não têm vínculo com ela. (p. 78) 44 Em relação à linguagem, para Augusti (2005), A Veja acaba por representar quase que um manual de comportamento do leitor, já que, como afirmamos anteriormente, utiliza vozes de autoridade para anunciar e comprova suas teses sempre com dados, estatísticas, percentuais. Ela utiliza a sua autoridade para noticiar confundir opinião com verdade. Com esse posicionamento, percebemos, em diversos momentos, que a revista tenta passar uma imagem negativa do governo petista, assim como de suas intenções rumo à sucessão. Existe sempre uma intenção de mostrar a dependência que Dilma tem de Lula, pelo fato de receber o poder de suas mãos. Isso tem a clara intenção de passar a impressão de falta de personalidade, ou competência, onde o que está ao seu favor é o peso de um apoio vindo do presidente mais bem avaliado de todos os tempos. Mas, apesar de seu posicionamento, a revista Veja, assim como outros veículos de comunicação, tem papel fundamental nas eleições presidenciais, pois o que é repercutido após suas publicações tem grande peso para o rumo da campanha. Por meio da revista também é possível verificar as representações sugeridas por Schwartzenberg, que, mesmo tendo sido lançadas espontaneamente, podem ser aproveitadas positivamente como estratégia de campanha para a construção da imagem ideal, da candidata desejada pelos marketólogos. 4.1.1 Procedimentos de análise A análise dos dados incorporou duas estratégias: (a) caracterização das revistas considerando sua história, proposta editorial, estrutura e dados de circulação; (b) mapeamento das quatro reportagens. Os dados foram analisados de modo a respeitar as especificidades do corpus, compreendendo que um estudo posterior poderá considerar uma quantidade mais significativa de reportagens além de fazer um estudo comparativo entre reportagens de revistas como a Exame e a Isto é. Os números das revistas analisadas estão abaixo descritos: R. Número da Semana/ revista mês/ ano Título da reportagem Síntese Mostra 1 18 6 de maio de 2009 A candidata e o câncer os rumos que podem tomar a eleição de 2010 45 dependendo do quadro de saúde de Dilma Publicada 24 de 2 8 fevereiro de após a aceitação do PT a “A realidade mudou, e nós, com ela” 2010 sua pré-candidatura. Apresenta Dilma, falando sobre sua trajetória, seu perfil. 3 6 de outubro As grandes propostas para o Brasil feitas na 30 de setembro de de 2010 campanha presidencial” 2010 5 de janeiro A batalha dos 100 dias - As oportunidades e Fala de 2011 os riscos na largada desafios que Dilma 40 4 1 sobre os enfrentará no seu mandato Quadro 1: Apresentação do corpus a) Reportagem 1: “A candidata e o câncer” A reportagem, publicada em 6 de maio de 2009, fala, primeiramente, sobre as articulações políticas em meio a doença de Dilma, mostrando a preferência de Lula em mantê-la como sua candidata a sucessão, avaliando os resultados positivos ou negativos que a doença possa trazer para sua estratégia. A primeira matéria, “O câncer no palanque”, escrita por Otávio Cabral, tenta passar a frieza do meio político, mostrando como uma doença pode arruinar os planos de Lula ou pode ajudar a alavancar a candidata do presidente, através do conhecido lema “fale mal, mas fale de mim”. Em seguida, a matéria “A químio já passou”, escrita por Adriana Dias Lopes, traz um relato da doença. Apesar do momento difícil que deve ser o enfrentamento de uma doença como o câncer, o PT traz esse fato a seu favor. É uma forma de manter Dilma na mídia, não importa por qual assunto, e de apresentar a então pré-candidata a população, visto que foi através de sua doença que muitos passaram a conhecê-la. Na primeira matéria, na página 58, há a frase de Lula em uma visita a uma obra do PAC em Manaus, que diz o seguinte: 46 Fragmento 1: “A única coisa, Dilma, que te peço é que você olhe com atenção na cara desse povo. Esse povo não perde a esperança nunca. Se você não rezava toda noite, agora trate de começar a rezar, porque esse povo vai precisar muito de você daqui pra frente. E você vai ter que fazer muita coisa por esse povo” Neste momento, Lula, que já considera Dilma a “mãe do PAC”, faz questão de reforçar a dependência que o povo brasileiro tem que ter de Dilma, ao mesmo tempo em que faz questão de “transferir” a responsabilidade do cuidado que ela deverá ter com o povo. Consideramos a tentativa do presidente em passar para Dilma a imagem de mãe, a que vai cuidar do povo, mesmo passando por uma enfermidade. A matéria mostra diz que Lula vai insistir até onde for possível ter Dilma como candidata. Um ministro, não identificado, diz: Fragmento 2: “Lula fica radiante quando vê uma demonstração popular de apoio a Dilma, como aconteceu em Manaus. Acha isso uma prova de que seu plano de fazer ela sua candidata deu certo”. A matéria diz que se não for Dilma a candidata a presidência, Lula cogita o nome de Antônio Palocci, sendo que o único impedimento é o processo que corre no STF sobre a quebra de sigilo do caseiro da mansão freqüentada por lobistas. Lula queria esperar os resultados da quimioterapia para saber se mudará de candidato ou continuará com Dilma. Comprovando o que defendemos, de que Dilma deixa a imagem de heroína para a de mãe, a fim de conquistar o eleitorado, a revista diz, na página 61, que diz que “o objetivo é saber se a imagem da ministra guerreira é mais forte do que o fantasma da candidata em tratamento de câncer”. A matéria mostra depoimentos de alguns políticos, como Romero Jucá, então líder do governo no Senado, que diz: Fragmento 3: “Se a questão da saúde de Dilma for encaminhada positivamente, reforçará a imagem de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer”. 47 Isso mostra que ainda pesa sobre Dilma seu histórico de luta, sua coragem e sua força. É como se para esse momento de fragilidade, seu histórico – e consequentemente a possível imagem de heroína - viesse a seu favor. E, aos poucos, ou ao mesmo tempo, Lula tivesse a possibilidade de apresentar a ministra como uma “mãe”, que vai cuidar do Brasil. O depoimento de Gim Argello, líder do PTB no Senado, retrata bem o que defendemos: Fragmento 4: “Dilma é guerreira e lutadora. Em seis meses essa doença será passado e ela sairá fortalecida, mais humanizada e preparada para ser presidente. O brasileiro é sentimental, todos vão torcer por ela”. Ou seja, embora mesmo antes desse momento da doença Lula já tenta vender Dilma como mãe, durante a doença de Dilma a imagem de “heroína” ainda lhe será fundamental. Pois é com base na sua coragem e força de enfrentar a ditadura é que ela também irá enfrentar o câncer. Mais adiante, como veremos em outras matérias, já passado o câncer, a imagem mais evidente que verificamos na revista é a de mãe. Se até aqui a reportagem parecia desumana, tratando uma doença séria através de repercussões políticas, a segunda matéria ameniza a situação. Na matéria “A químio já passou”, é feito um relato da doença, descrevendo como foi feito o diagnóstico e apresentando as atividades de Dilma em meio ao tratamento. Percebemos que a imagem de “heroína” de Dilma ainda é lembrada. Ainda no primeiro parágrafo, na página 64, ao detalhar o diagnóstico, diz que a ministra afirmou que enfrentaria “com força o tratamento, dizendo: “Meu ritmo de trabalho não vai diminuir”. Ela tenta passar a imagem da mulher que, mesmo em meio às dificuldades, vai continuar trabalhando, vai mostrar serviço, força, como ela mesma diz, que a doença não afetará em nada seu desempenho. O mesmo pode ser observado em outro momento, na mesma página. Depois de uma cirurgia feita para retirada de um gânglio, em que teve que ficar de jejum por 12 horas, e passou por 40 minutos de cirurgia, recebeu alta no final do dia e disse: “Estou ótima. Posso voltar ao trabalho”. O tumor retirado foi enviado a um hospital americano, e o resultado só veio 20 dias depois. A revista diz que, de acordo com “um amigo dos tempos de luta armada”, a ministra ligava diariamente aos médicos em busca de notícias. Ao se referir ao amigo de Dilma como sendo de tempo de luta contra ditadura, mostra mais uma vez o como a 48 imagem de heroína ainda pesava sobre Dilma, o que não é ruim, pois nesse momento delicado é necessário lembrar que Dilma é uma mulher forte (devido ao seu passado). Reportagem 2: “A realidade mudou, e nós, com ela”. A primeira matéria a ser analisada é a de 24 de fevereiro de 2010, com o título na capa “A realidade mudou, e nós com ela”. A matéria, feita após a oficialização da candidatura de Dilma Rousseff a presidência da República, conta com 10 páginas, falando um pouco sobre sua história, o contexto em que se assume sua candidatura e e sua desenvoltura enquanto candidata à presidência apoiada pelo então presidente Lula. A matéria começa com um breve relato da participação da ministra-chefe da Casa Civil no Carnaval de 2010 do Rio de Janeiro, em que sambou com um gari e segurou no colo a filha de quatro anos da popstar Madonna – uma maneira de reforçar a imagem materna, como a lembrança dos cuidados maternos, da mãe que acolhe (SCHWATZENBERG, 1978). No segundo parágrafo, a matéria, escrita pelos repórteres Otávio Gabriel e Gustavo Ribeiro, diz que Dilma é “organizada e controladora”, o que podemos definir como traços de uma mãe dominadora, como o autor cita. Isso prova o que diz Schwatzenberg, que a imagem de poder materno é ambígua, ora acolhedora, ora dura. Ainda no segundo parágrafo, a matéria diz que Dilma tem uma postura oposta a que deveria ter, e que mesmo com o contraste, ela vai ter de alinhar essa postura como forma de agradar aos eleitores. Fragmento 1 A: “Com um humor superficial facilmente azedável e dona de opiniões incontrastáveis, quase hieráticas, sobre os temas técnicos mais arcanos, ela vai ter de retribuir com sorrisos artificiais nos palanques os comentários mais estúpidos” (VEJA, 2010, p. 52) A revista Veja neste fragmento declara que a candidata não é a pessoa adequada pêra o cargo que ocupa. Se uma imagem de mulher e mãe está sendo construída inclusive pela própria imprensa, seria de se esperar o sujeito envolvido estivesse dentro dos moldes esperados: de ternura, companheirismo, calma, complacência. Mas a candidata do PT não se enquadra neste modelo: tem o temperamento forte e o comportamento incontrolável. 49 Em relação à nova Dilma, a está sendo apresentada na campanha eleitoral, a matéria diz, ainda, que a “ministra já vinha ensaiando essa sua versão eleitoral” (VEJA, 2010, p. 52), o que caracteriza as ações de marketing político, que são executadas antes do período eleitoral. Já na página 54, um pequeno texto dos repórteres Vinícius Segalla e Benedito Sverberi, e com o título “Os dois figurinos de Dilma”, cita duas vezes palavra “pragmática”. No lead da matéria, a revista afirma que Dilma é radical no discurso, mas que é “quase sempre pragmática na ação”. De acordo com o texto, seu discurso ideológico é quase sempre seguido por uma decisão pragmática, que contraria sua fala. Diz que seu figurino radical é “para petista ver”. Nesse momento trazemos à tona o que diz Schwaztenberg, de que na dupla imagem materna, a mulher escolhe a do poder imposto, ou seja, que alguém lhe impôs ou que herdou de alguém. Dilma herdou o poder de Lula, herdou do PT, e como forma de agradar, vamos dizer assim, procura mostrar o tipo de ação aceito pelo partido. É como se ela mostrasse ser uma coisa, e seu discurso, com o intuito de agradar ao PT, mostrasse outra coisa. Ela alinhou o discurso com os anseios do partido que a apóia, ainda que contradiga com suas ações. Na continuação da matéria, na página 55, o texto diz que a escolha de Dilma como candidata a presidência revela o poder absoluto de Lula sobre o PT. Ou seja, escolher uma mulher seria algo tão improvável que, para Lula conseguir elegê-la significa um grande feito. Na mesma página, a matéria diz que Lula sempre conseguiu manter sob controle essa reação em cadeia, afunilando todas as suas energias em benefício de sua própria carreira política e que Dilma terá que conseguir fazer o mesmo. Essa é uma forma de questionar a sua competência, de fragilizar as convicções do eleitor. Fragmento 1B: Diz que o PT tentou implementar “teses ruinosas de ruptuta revolucionária com avanços duramente conquistados pelos brasileiros” (p.55-6). Entre os exemplos, a revista cita a transferência do dinheiro dos impostos para entidades ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas que apesar disso, Lula conseguiu evitar que os radicais do partido “materializassem seus instintos mais nocivos”. Logo depois, questiona: Fragmento 1C: “Dilma, se eleita, conseguirá o mesmo?”. 50 É questionada toda a competência administrativa da candidata, comparando com as questões mais truculentas do governo Lula e só resolvidas com equilíbrio dada a força política da imagem do próprio presidente. Mas quem é Dilma? Fica implícita a pergunta. A sua força política suportaria uma primeira crise? A matéria diz que essa já é uma questão prioritária para a candidata, pois em um evento em Brasília, uma semana antes, ela discursou para comunistas e socialistas de países como China, Coreia do Norte, Cuba e Venezuela. Mas sua fala ocorreu a portas fechadas e não pôde ser acompanhada pela imprensa. O fato de questionar se Dilma também conseguirá evitar as atitudes radicais de seus aliados põe a prova o papel da mãe benevolente, que apazigua - o papel da mãe dadivosa. Mas, mesmo tendo esse instinto, de satisfações sensoriais diversos, de fonte de vida e amor, eles são interiorizados, personificados e unificados no inconsciente, ou seja, não são mostrados em público e ao público, como defende Mendel (1967, apud SCHWATZENBERG, 1978). Assim, o discurso de Dilma aos comunistas tinha que ser a portas fechadas, para não demonstrar sua benevolência e sua disposição a entrar em consenso. Ainda na página 56, a matéria diz que Lula e Dilma tentam se desvincular de pendores revolucionários do petismo, tanto que o texto A Grande Transformação, escrito pelo radical Marco Aurélio Garcia, que reúne propostas do PT para a candidata, precisou ser reformulado. O texto original defendia, por exemplo, maior controle da economia, atacava a liberdade de expressão e propunha o controle dos canais por assinatura. Lula e Dilma mandaram retirar essas passagens e decidiram incluir temas como a defesa da preservação econômica e um elogio à atuação dos bancos brasileiros na crise financeira de 2008. Fragmento 1D: A matéria cita a frase de Lula: “Você tem de ser conciliadora, Dilma”. Apesar de a preocupação de Lula e Dilma ser em relação ao radicalismo de seus aliados, que fez o PT perder eleições anteriores, Lula incentiva Dilma a adotar uma postura muito presente em personagens femininos e maternos, e usado por ele, – a conciliação. A presença do vocativo e as orientações freqüentes são marcas do fortalecimento do poder imposto, o poder da indicação clara de Lula. É o que faz a Reportagem 1, 51 apresenta a candidata do PT como a escolhida do Presidente Lula. Isso se confirma no Fragmento 1E (abaixo). Schwatzenberg (1978) diz que na política as mulheres escolhem, na dupla imagem materna, a do poder imposto, ao invés do benevolente e dadivoso, embora ambas as imagens se misturem. Prova de que Dilma faz parte de um poder imposto é que ela vai herdar o poder de Lula. Entre as páginas 57 e 58, a matéria cita o cientista político Octaciano Nogueira, que diz que Fragmento 1E: “a aceitação de Dilma pelo PT é a prova definitiva de que Lula faz o que quer com o partido. Mas a relação dela com a legenda ainda está para ser definida”. Embora provavelmente ela siga a mesma linha política adotada por Lula no que refere à sua relação com o PT, conforme especialistas ouvidos pela Veja. Contudo outro cientista político, David Fleischer, afirma que “há também a possibilidade de Lula interferir se essa tensão fugir do controle”. É a imposição de um nome para sua sucessão, tão comum em repúblicas populistas, conforme informa a matéria. É o chamdo de dazo. A matéria continua, na página 59, e diz que apesar e Dilma ser escolhida por um de dazo presidencial, ela terá que sair da órbita de Lula e do partido e mostrar que é capaz de ser presidente. Se em seu discurso Dilma tenta se parecer com seu senhor, como sugere Schwatzenberg, com o intuito de mostrar ser capaz e, na conjuntura atual, mostrar que irá continuar com o mesmo trabalho do presidente mais bem avaliado do país, fisicamente Dilma não esconde sua feminilidade. Contrariando Schwatzenberg, Dilma não esquece sua identidade feminina. O autor diz que não seria espantoso ver a mulher política se ajustar às normas masculinas, se adquando a novas maneiras de ser e pensar. Mas Dilma não se ajusta, ela não procura esconder seu lado feminino. Pelo contrário, sua feminilidade é acentuada a cada etapa da campanha. Por seu histórico de luta e por já ter uma postura masculinizada naturalmente, ela procura explorar a feminilidade sempre que possível. Como na foto da página 59 (figura 1), em que, ao lado de seu “criador”, como sugere a revista, Dilma cumprimenta os eleitores com sorrisos, roupa colorida, acessórios como brinco, colar, relógio delicado, o que, de acordo com Schwartzenberg (1978), caracteriza os traços femininos em uma mulher. Assim como na foto da página 52 57, em que ela, dançando com um gari com camiseta do carnaval e calça preta, o que poderia ser considerado um look sério e masculinizado (propositalmente, diriam, já que é uma candidata de dazo), ela explora colares e pulseiras, acessórios estritamente femininos. Figura 1: Reportagem 3: “As grandes propostas para o Brasil feitas na campanha presidencial” 6 de outubro de 2010 A segunda reportagem analisada é sobre o último debate televisionado dos candidatos, na TV Globo, realizado dia 30 de setembro de 2010, antes do pleito do dia 3 de outubro. A reportagem critica o debate, afirmando que parecia debate municipal, onde havia déficit de ideias dos candidatos e que não houve apresentação dos temas que realmente precisavam ter sido discutidos. A matéria, escrita pelo repórter Fábio Portela, diz que o único momento memorável de Dilma foi quando ela falou a respeito do financiamento de sua campanha, afirmando se tratar de doações, “todas registradas” (p. 69), o que provocou gargalhada da plateia. Segundo relato, embora todos esperassem, não houve confronto entre Serra e Dilma. Já entre as páginas 70 e 72, a revista afirma que não se faz mais debates televisivos como antigamente, e que pouco a pouco o campo político foi se impondo sobre as necessidades de surpresas e imprevistos, que era os que as emissoras mais queriam. 53 Diz que houve escassez de emoções, e que o maior perdedor dessas eleições é o eleitor, “que foi privado de acompanhar um debate à altura de um país que almeja a civilização” (p.72). E já que não houve discussão, conforme Veja, a revista resumiu as ideias dos três principais candidatos, nas páginas seguintes da matéria. Tendo Dilma como objetivo de pesquisa, vamos utilizar o resumo de suas ideias apresentadas pela Veja na página 74 e 75 da revista. Sob o título “Apadrinhada, favorita e cheia de mistérios”, a matéria, escrita por Felipe Patury e Otávio Cabral, ainda tenta explicar porque Dilma foi a candidata escolhida por Lula, apresentando, ainda, 10 propostas de seu governo . Logo no abre1 há destaque para o foto de o poder de Dilma ser imposto, quando diz que ela é Fragmento 2A: “ungida candidata por um homem só”. Discurso que corresponde ao próprio título do texto: “Apadrinhada, favorita e cheia de mistérios”. No lead da matéria há a mesma ênfase, dizendo que “nada deveria ser mais previsível do que os planos de uma candidata que foi escolhida pelo presidente para dar seguimento a sua obra” (Veja, p.74). Mas o fato de se enfatizar o que já é claro – que Dilma está herdando o poder de Lula -, não é visto como algo positivo. É como se a matéria dissesse que a seu favor, Dilma tem apenas o apoio e a imposição do então presidente Lula, o que lhe dava muitos pontos. A matéria tenta, a poucos dias do primeiro turno, explicar o que levou Lula a escolher Dilma como candidata. Mas, embora seja a escolhida por Lula, Dilma ainda causa dúvidas entre empresários e políticos, mesmo faltando pouquíssimo tempo para o primeiro turno. E toda essa “névoa”, conforme sugere a matéria, em Dilma está envolta se deve a forma como foi “ungida candidata”. A matéria, então, relata o histórico de ascendência de Dilma, quando substituiu José Dirceu na Casa Civil, mostrando lealdade a Lula. Mas a revista informa que o que convenceu Lula a indicá-la foi a sugestão do “marqueteiro” João Santana ao então presidente, de que sua ministra poderia se beneficiar da onda que havia resultado na ascensão de três mulheres ao poder – Michelle Bachelet, no Chile; Cristina Kirchner, na Argentina; e Angela Merkel, na Alemanha. A revista 1 Termo jornalístico que designa o início introdução da matéria. 54 afirma que, para Lula, se Dilma ganhasse os méritos seriam seus, e se ela perdesse, a culpa era da candidata. Na página 75, faz uma breve biografia de Dilma. Quando, nesse momento, diz que Dilma entrou no terrorismo que buscava substituir a ditadura militar, que planejou o roubo ao cofre do governador paulista Adhemar de Barros, quando foi presa e torturada, e depois quando fundou o PDT, e depois diz todos os cargos que assumiu, lembramos, mais uma vez, o contraste da mãe de pulso forte com a mãe dadivosa. Pois, na mesma página, fala sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado para promover Dilma, onde primeiro ela foi gestora do PAC e que depois, foi promovida a “mãe” do PAC. Com essas duas citações, chegamos a constatação de que o objetivo da campanha era apagar o passado de Dilma, que era, digamos, tão agressivo, que brigava com a imagem que se pretendia passar – a de mãe, que cuida, que zela, imagem essa que foi consagrada em evento de 2008, quando Lula chama Dilma de mãe do PAC (Folha.com, 7 de março de 2008). A matéria apresenta 10 propostas de Dilma para o governo, com indicadores nas cores verde, amarela e vermelho, que significa bom, regular e ruim, respectivamente. Vamos analisar as duas únicas propostas que, de acordo com Veja, foram bem avaliadas, que são as dos Programas Sociais e Educação. Com relação aos Programas Sociais, a promessa mais fácil de ser cumprida por Dilma seria a universalização do Programa Bolsa Família, já que para cumprir essa meta ela teria que estender o programa apenas para mais 226 mil famílias, de acordo com Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza, com cita a matéria. O fato de esse Programa ter sido bem avaliado mostra que ela está empenhada e focada em seguir em ampliar o programa implantado pelo seu “padrinho” Lula. Além de mostrar que ela segue à risca o poder imposto (dando continuidade a Lula), mostra a atenção dela com os menos favorecidos, através da transferência do Bolsa Família, Programa que integra a Fome Zero, “que tem o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome” (Ministério do Desenvolvimento Social - www.mds.gov.br/bolsafamilia). Dilma tem como principal meta de governo erradicar a pobreza (Portal G1 de 28 de setembro de 2010 www.g1.com/bomdiabrasil). Afinal, qual mãe quer ver seus filhos passando fome, na miséria? 55 Em outra proposta bem avaliada, a Educação, a matéria diz que Dilma vai construir 6 mil novas creches e pré-escolas em todo o Brasil e criará o ProMédio, programa que concede bolsas de estudo em escola particular para alunos pobres do Ensino Superior. Essas iniciativas mostram que Dilma se preocupa outras mães. Mães que precisam trabalhar para manter o lar, e por isso a criação de mais creches e préescolas. Mas como culturalmente o homem, o pai de família, é o provedor, o que trabalha para trazer dinheiro para a casa, cabe a mãe o dever de cuidar da educação do filho, melhor ainda se for educação de qualidade. Se nos textos está exacerbada a imagem de mãe dadivosa, a ilustração e foto da matéria escondem qualquer feminilidade da mulher Dilma. A ilustração, por exemplo, é um desenho de Dilma com a farda da Petrobras e as mãos sujas de petróleo. E a foto, é Dilma de macacão tentando dirigir um trator. Neste caso específico, as imagens ajudaram a candidata, pois com o texto construíram ao mesmo tempo a idéia da grande mãe (inclusive indicada por Lula) e da mulher forte, capaz de realizar qualquer tarefa. Reportagem 4: “A batalha dos 100 dias - As oportunidades e os riscos na largada” O conjunto de matérias agrupadas no “macro” título “A batalha dos 100 dias” tratam dos mais variados temas relacionados à posse de Dilma Rousseff - incluindo uma análise do evento da posse e perspectivas de como será seu governo-, num total de 40 páginas. Por ser um material extenso, tratando de temas que vão além do nosso objeto, vamos nos deter apenas às matérias dentro da reportagem que falem diretamente de Dilma, sua postura e seu discurso. O primeiro texto, página 57, traz um editorial, explicando a reportagem. Trata da cobertura da posse, no dia 1º de janeiro, até uma reflexão sobre seus desafios na gestão. Na página 59, a revista traz 12 trechos do discurso de Dilma no Congresso Nacional, que durou cerca de 40 minutos. Os trechos recebem o título da própria revista: “Veja”. O segundo trecho, que é titulado como “Heranças”, afirma que as conquistas alcançadas ao longo da sua trajetória política vão alicerçar a sua gestão. No último trecho do discurso de posse, com o título “O passado e o Poeta”: Fragmento 3A: “ ‘Muitos da minha geração, que tombaram pelo caminho, não podem compartilhar a alegria desse momento. Divido com eles essa conquista, e rendo-lhes minha homenagem. Esta dura caminhada me fez valorizar e amar muito mais a vida e 56 me deu sobretudo coragem para enfrentar os desafios ainda maiores. Recorro mais uma vez ao poeta da minha terra: ‘O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem’. (A presidente cita um trecho de Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa. Na mesma obra se pode ler outra passagem muito adequada também ao momento atual de Dilma: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”)”. Primeiro vale ressaltar que a própria escolha do título faz uma intertextualidade com o artigo produzido pelo professor Jean Lauand para o Jornal da Tarde (http://www.hottopos.com/geral/naftalina/poet.htm) cujo título é “O filósofo e o poeta”. O texto trata da questão ocidental que confronta poesia e filosofia. Para o autor, a filosofia está muito próxima da poesia, elas têm algo em comum. Dois sentidos podem ser dados ao título. Ou a da relação entre o seu real passado e a leveza de seu presente. Ou a relação entre o governo Lula e o dela. Em seguida, no trecho em si, Dilma fala sobre o fato de muitos da sua geração não estarem assistindo esse momento de alegria. Diz que “essa dura caminhada” a fez valorizar e amar mais a vida, dando, sobretudo, coragem para enfrentar desafios maiores. É como se Dilma quisesse dizer que o fato de ter passado por momentos difíceis tivessem ajudado-a a se preparar para esse momento, de escolhida para presidente do Brasil. Percebemos, no discurso de Dilma, mais uma vez, a vontade de trazer à tona o seu histórico de luta, afirmando que isso contribui para seu trabalho, e utiliza duas vezes a palavra coragem, sendo a segunda utilizada em trecho do livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, que diz: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Entre parêntese a revista explica de onde Dilma tirou essa passagem, e diz que a mesma obra traz outra passagem “adequada ao momento”: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Observamos que neste momento há uma tentativa da revista de, mais uma vez, destacar a sucessão de poder, que Dilma aprendeu com Lula a governar, que “mestre” não é Lula, que lhe ensinou, mas ela, que aprendeu a lição. Na página seguinte, uma enorme foto de Lula abraçando Dilma na rampa do Palácio do Planalto (Figura 2). Ao fundo, a multidão que acompanhava a posse. A legenda da foto diz que Dilma abraça o ex-presidente, mas como a foto mostra Dilma de 57 frente e Lula de costas, dá a impressão de que Dilma está sendo abraçada por Lula. Como se ele estivesse entregando a ela, dando de presente tudo aquilo que estava atrás dela – o povo brasileiro. Entendemos, mais uma vez, a tentativa de mostrar a mulher submissa, que recebeu do homem o poder. Das páginas 68 a 75, a revista traz a matéria “Dez desafios da política”, escrita por Daniel Pereira e Paulo Celso Pereira. No abre, diz que “caberá a ela – e somente a ela – decidir o que será melhor para os brasileiros”. Isso mostra a insinuação que, se por todo esse momento (de campanha) Dilma atendia as orientações de alguém (Leia-se Lula), nesse momento, ela terá que tomar as decisões sozinhas, pois agora, o poder é de fato seu, já houve a sucessão. No inicio da matéria, diz que Dilma terá a oportunidade de responder com as próprias palavras questões não esclarecidas na campanha, e que para enfrentar alguns desafios ela deve ter determinação, e em outros desafios, bom-senso. Como se ela não tivesse essas características e só agora, depois que Lula entregou o poder, ela deve ter determinação e bom senso. O primeiro desafio apresentado pela matéria tem o título de “A sombra de Lula”, mostrando que, apesar de Lula continuar sendo seu conselheiro, Dilma já deu “feições próprias” a seu mandato, trocando alguns nomes de alguns ministérios. Já nas páginas 82 a 84, traz um perfil de Dilma, em matéria com título “O estilo tolerância zero”, escrita por Daniel Pereira e Juliana Linhares. Essa matéria traz o perfil de Dilma, afirmando, no abre, que o jeito dela de trabalhar é deixando seus subordinados em “estado permanente de terror”. Se durante as outras reportagens observamos mais presença da mãe dadivosa e amorosa, nessa matéria da ultima reportagem analisada essa figura praticamente não existe. Dá-se lugar a uma mulher que, de acordo com o lead, possui três estados de espírito: brava, muito brava e super brava. O texto diz que embora Dilma ocupe um cargo que exige muita lábia e jogo de cintura, a “braveza” não é algo ruim. A matéria diz que é preciso ter coragem para falar as coisas na lata, como Dilma faz. Fragmento 3B: “impor respeito com os alhos quase esgazeados” A matéria diz que funcionários usam esse termo para definir o comportamento de Dilma. Isso deixa claro que, para a opinião dos homens, que é a maioria dos seus 58 subordinados (visto que a maioria dos políticos é composta por homens) essa postura é somente uma forma de impor respeito, como se, como mulher ela não mereça respeito algum, merecendo apenas quando se adota uma postura grosseira. Mas, ao mesmo tempo em que a matéria mostra essa figura tão monstruosa (como tentam passar para o leitor), logo vem a figura da mãe, para aliviar a imagem tão autoritária. A matéria diz que dois auxiliares administram o temperamento e o dia a dia da presidente. Um deles é Anderson Dorneles, seu secretário particular, considerado “quase um filho adotivo”, pois quando ainda era casada, Dilma e seu marido passaram a bancar os estudos dele, filho de uma de suas funcionárias. Hoje, seu “filho”, tem o trabalho de confiança de Dilma, cuidando de sua agenda, pagando seus emails, recebendo os presentes dados a Dilma, afastando os papagaios de pirata. Já com a filha verdadeira, Paula, a relação é mais complicada, pois ela não queria aparecer em campanhas e nem como “ornamento familiar”. A matéria diz que a foto de Dilma com o neto recém nascido, divulgada em vários veículos, foi instrução da equipe de marketing da campanha. Paula, a filha de Dilma, foi contra a divulgação da foto. Mas nada como uma imagem de Dilma segurando seu netinho para apaziguar e diminuir a sua imagem tão desgastada pela postura de “brava”. Fragmento 2: “Ser presidente da República não é só ter qualificação técnica. É ter bom-senso, capacidade de ouvir. A Dilma distribuía pancadas, mas tinha o Lula por trás para curar feridas abertas por ela. Com ela presidente, quem passará o mertiolate?”, pergunta um ex-ministro” (p. 84) E assim termina a matéria. Embora fazendo todo um percurso pela personalidade explosiva de Dilma, passando da mãe dura para a mãe amorosa, termina afirmando que, Lula é quem apaziguava a situação nos momentos mais tensos. 59 Figura 2: Imagem de acolhimento na rampa do Planalto no dia da posse. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no referencial teórico apresentado e na análise feita em reportagens publicadas, chegamos à conclusão que o marketing político é uma poderosa ferramenta utilizada em campanhas, que, utilizada de forma coerente, pode mudar os rumos de uma campanha, fazendo eleitores indecisos ou convictos de suas decisões, mudar de opinião e votar no candidato atendido por determinado marketólogo. E que tão importante que o marketing político, a imprensa também tem papel determinante em uma campanha presidencial. Para nós, o resultado vitorioso de Dilma se deve a vários fatores, inumeráveis, no momento. Mas acreditamos que um deles é o fato de ter feito o povo brasileiro acreditar que, Dilma era realmente uma pessoa com potencial para governar o país, tanto pelo seu passado, onde demonstrou coragem, força, disposição para lutar por algo coletivo – o nosso País -, como pelo seu presente, em que demonstrou, além de seu desempenho profissional, lógico, sua fidelidade ao presidente, a quem demonstrou submissão e disponibilidade para absorver tudo o que ele poderia lhe passar. 60 Para demonstrar isso ao povo brasileiro, vem o importante papel da imprensa, que pode mostrar seu passado, onde defendemos que foi publicado uma imagem construída para Dilma (a de heroína), e pode mostrar seu presente, através da imagem submissa e amorosa com o povo (a mãe). Essas imagens, lançadas propositalmente ou não pela equipe de marketing de Dilma, podem ser favoráveis ao rumo das eleições, podendo ser aproveitadas para reforçar ainda mais uma defesa já construída para a candidata em questão, como para combater ou contradizer a oposição. Embora as imagens transmitidas pela Veja não tenham feito parta das estratégias traçadas pelos marketólogos petistas, verificamos que o resultado foi positivo, pois a população também esperava por uma mãe, que continuasse cuidando do país, o que levou Dilma a vitória nas urnas do segundo turno. Acreditamos que esse trabalho serve, também, como incentivo para que seja posto ao conhecimento de todos os cidadãos eleitores algumas ferramentas essenciais que são utilizadas durante uma campanha eleitoral, como o marketing político, a imprensa e obras que auxiliam o marketing a aproveitar a imprensa ao seu favor, como a obra de Schwartzenberg (1978), que sugere representações para aprimorar a imagem de um candidato. O intuito dessas ferramentas não é enganar o eleitor, mas se este se sente enganado, ou sente que uma campanha está seguindo para esse rumo, de tentar manobrar o eleitorado, é importante buscar conhecimento e tentar reconhecer, através dessas ferramentas, o rumo que está sendo levada tal disputa. 61 REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade do consumo. São Paulo: Edições 70, 2007. BOTAZZO, Carlos. Gênero, gêneros: onde se encontram as mulheres e os homens? Ciência e Saúde Coletiva. vol. 14. n. 4. Rio de Janeiro. Jul/ago. 2009. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232009000400006&lang=pt Acessado em: 28 maio de 2011. FALCI, Miridian Knox. Mulheres no Sertão Nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das Mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2009 FROTA, Maria Helena de Paula. Interpretando a Categoria Gênero de Joan Scott. In: Família, Gênero e Geração: Temas Transversais. FROTA, Maria Helena de Paula; OSTERNE, Maria do Socorro. 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