A soma de todos os erros - Instituto de Economia

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O Globo, 11 de maio de 2016
A soma de todos os erros
Com estímulos artificiais, governo Dilma abriu buraco fiscal e
comprometeu ganhos sociais
Por: Flávia Barbosa
A política econômica dos anos Dilma Rousseff dialoga diretamente
com o estilo da presidente que a conduziu, a partir de janeiro de 2011.
Administradora voluntariosa, economista de formação, Dilma engendrou um
plano que é espelho de sua persona gestora, ancorado na ideia de que o
Estado é capaz de tomar as melhores decisões. Da taxa de juros ao manejo
das finanças públicas, do caixa de estatais listadas em Bolsa à regulação de
setores essenciais, pouco escapou do intervencionismo nesses 65 meses. O
resultado é o maior desastre da história econômica do Brasil — cuja
capacidade de gerar riquezas, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB),
retrocedeu ao nível de cinco anos atrás, quando a petista chegou ao poder.
Dilma herdou de seu antecessor e patrocinador, Luiz Inácio Lula da
Silva, uma economia crescendo 7,5%. Pode deixar o Palácio do Planalto com
uma recessão da mesma magnitude — o PIB, que teve retração de 3,8% em
2015, este ano terá queda adicional de 3,9%. Este indicador é produto da
soma de todos os erros cometidos na condução da economia, que levaram o
país a alto grau de desequilíbrio fiscal e monetário, corrosão da capacidade
de investimento e perda acentuada de credibilidade.
Não é ciência exata determinar o início da política que, mais tarde,
seria conhecida como Nova Matriz Econômica — uma combinação de juros
baixos, desonerações, subsídios e protecionismo, supostamente indutora do
crescimento. O embrião foi a gestão exitosa do pós-crise financeira
internacional. Com estímulos fiscais e tributários, o Brasil passou
rapidamente pelos mares mais turbulentos de 2008 e 2009. Mas o primeiro
passo radical de intervencionismo deu-se em agosto de 2011.
Naquele mês, bastante popular, Dilma pressionou o Banco Central
(BC), presidido por Alexandre Tombini, a reduzir a Selic, relataram
interlocutores da presidente ao GLOBO. Iniciou-se um longo ciclo de corte
de juros, que culminou com a taxa mais baixa já registrada no Brasil, de
7,25% ao ano, 14 meses mais tarde. Juros baixos animariam crédito a
famílias e empresas.
Havia uma pedra no meio do caminho, porém. A farra de crédito para
consumo na era Lula gerou brasileiros endividados, deixando os bancos mais
cautelosos na concessão de empréstimos. A economia começou a
desacelerar, com a hoje irônica ajuda de um aperto fiscal do então ministro
da Fazenda, Guido Mantega, e seu secretário do Tesouro, Arno Augustin.
No início de 2012, sem uma queda sensível dos juros ao consumidor
e o PIB fraco, Dilma declarou guerra aos elevados spreads bancários,
ordenando aos bancos públicos a redução de suas taxas (e de sua
rentabilidade). Esta ofensiva foi escalada em 2013 e 2014, com a Caixa
Econômica Federal e o Banco do Brasil (BB) ampliando o crédito
direcionado com juros subsidiados.
A tática de guerrilha foi reforçada com o financiamento para garantir
os investimentos de quem produz. O BNDES lançou no segundo semestre
de 2012 um programa de R$ 500 bilhões, bancado pelo Tesouro Nacional,
que contribuiu para a elevar a dívida bruta. Coube à União também arcar
com parte significativa do custo dos prazos e subsídios generosos do
programa.
Rodadas de desonerações amplas — que reduziram a arrecadação em
R$ 393 bilhões, entre 2011 e 2016 — também foram feitas a diferentes
setores, como o automotivo e o de semicondutores, passando pelo corte de
tributo sobre a folha de pagamento. As importações foram desestimuladas,
abrindo brecha à alta de preços.
O ano de 2012 foi um marco também por mudanças regulatórias, que tiveram
implicações muito negativas para a percepção de risco e a credibilidade da
economia brasileira. As concessões de geração e transmissão elétrica foram
unilateralmente revogadas para impor tarifas mais baixas, e as novas regras
para a exploração de portos e mineração e os modelos de concessão foram
considerados pouco atraentes pelo setor privado.
— Dilma, que foi brizolista a vida toda até entrar para o governo Lula,
incorporou Leonel Brizola naquele ano — brinca uma fonte, em referência
ao receituário nacionalista do ex-governador.
Agrupadas, essas frentes de estímulo promoveram uma enxurrada de
recursos na economia. A inflação passou a subir rapidamente. Do lado do
caixa da União, abiu-se um rombo fiscal. Para piorar, 2012 marcou o início
da queda dos preços das commodities, importante fonte de recursos na era
Lula e catalisador de investimentos de gigantes como Vale e Petrobras.
— O maior erro do governo Dilma talvez tenha sido não só continuar os erros
do segundo mandato de Lula, mas agravá-los, com políticas expansivas, de
favorecimento a consumo. Também errou ao deixar a taxa de câmbio ter se
valorizado por tanto tempo — avalia Joaquim Elói Cirne de Toledo, exprofessor da USP.
Para corrigir erros, o governo redobrou a intervenção e aprofundou as
incertezas acerca da economia do Brasil. A Petrobras foi impedida de
aumentar os preços da gasolina; o Tesouro usou bilhões de reais para impedir
reajustes da conta de luz; e os juros voltaram a subir fortemente. A
credibilidade do BC caiu. O câmbio foi sobrevalorizado, por sua repercussão
positiva para a inflação.
O dinheiro sumiu e para fechar as contas públicas, o Tesouro acelerou
as chamadas “pedaladas”, que quadruplicaram entre o início e o fim do
primeiro mandato de Dilma. O descrédito da política fiscal desencadeou uma
onda de pessimismo ainda em 2013, retraindo a disposição de investimento
das empresas. A Operação Lava-Jato, desencadeada em março de 2014 com
seus efeitos para os setores de óleo e gás e de construção civil especialmente,
foi a pá de cal na confiança, e a economia entrou em rota recessiva.
— Cada erro, como estímulos enlouquecidos, produzia efeitos ruins e nova
medida equivocada para consertá-lo, numa espiral. E a presidente
simplesmente não ouvia os alertas, de dentro e de fora do governo. O grande
problema foi o afastamento do Lula, em outubro de 2011, para tratar o
câncer. A Dilma ficou sem supervisão (política) por muito tempo — afirmou
um ex-integrante da equipe econômica.
Insistir em negar a crise e só reconhecer a influência da economia
internacional é outro custo que, avaliam analistas, o governo Dilma impôs
ao país.
— Se eu não sei nem onde estou, como é que posso saber para onde irei? —
questiona o economista José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas
(FGV).
O legado mais perverso da política econômica, porém, é o desmonte
dos ganhos sociais experimentados no governo Lula. O mercado de trabalho,
que produziu 15 milhões de vagas entre 2003 e 2010, chegou ao primeiro
trimestre de 2016 com mais de três milhões de desempregados, em apenas
um ano. A renda média, que estava em R$ 2.031 no ano passado, teve queda
inédita para R$ 1.966 este ano.
— A política social não resiste a uma queda de 4% do PIB no ano passado e
mais 4% neste ano — afirma o economista Antonio Corrêa de Lacerda, da
PUC-SP.
E o pouco apreço de Dilma pela política piorou as coisas, sem avanços em
áreas estruturais, com a Previdência e a carga tributária.
— Ela chegou a “demitir” seus líderes no Senado e na Câmara. A esnobada
que a Dilma deu no Congresso custou alto, porque não tinha apoio lá para
tocar qualquer outra agenda — relata outro ex-integrante do governo Dilma.
Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ, lembra que
o preço pago foi alto demais.
— A soma dos erros levou a uma perda clara do apoio da sociedade. Mas
acho que agora não muito hora de olhar para trás. O ponto é olhar para a
frente e apresentar à sociedade as escolhas que ela deve fazer — afirma
Prado.
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