fez muito bem

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
“FEZ MUITO BEM. HOMEM QUE É HOMEM NÃO ACEITA TRAIÇÃO.
MOSTROU QUE É MACHO”: O FUNCIONAMENTO DAS RELAÇÕES DE
PODER(ES) NA NOVELA GABRIELA.
Rafael Andrade MOREIRA (PG – UEM)
INTRODUÇÃO
Segundo Fairclough (2001), ao utilizarmos o termo discurso, partimos para uma
reflexão sobre o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade
puramente individual ou reflexos de variáveis situacionais. Diante disso, o pesquisador
explica que teríamos algumas implicações decorrentes dessa prática. Em primeiro lugar, o
discurso seria um modo de ação, uma forma em que as pessoas agiriam sobre o mundo e
sobre os outros. Segundo, haveria uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social,
existindo mais geralmente relação entre a prática social e a estrutura social. Para Fairclough
(2001), o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de
significação deste, constituindo-o e construindo-o em significado.
Distinguindo três aspectos dos efeitos construtivos do discurso, Fairclough (2001),
nos chama à atenção para a contribuição do discurso para as identidades sociais, para a
construção das relações sociais entre as pessoas e, por fim, para a construção de sistemas de
conhecimentos e crença. A esses três efeitos, Fairclough (2001), os denominaram de
funções da linguagem identitária, relacional e ideacional.
Sendo assim, esta pesquisa visa investigar o funcionamento das relações de poder
dentro de uma sociedade que poderíamos classificá-la como autoritária. Para tanto, e para o
intuito e espaço deste artigo, selecionamos como corpus três cenas da novela Gabriela,
atualmente em exibição pela Rede Globo de televisão.
UMA “TEORIA” SOCIAL DO DISCURSO
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Ao propor uma teoria social do discurso, Fairclough (2001) vai propor um tipo de
análise do discurso que deseja ser textualmente orientada. Aliando a essa análise orientada
linguisticamente, o pesquisador vai trazer também o pensamento social e político, em que
se servirá para propor um “quadro teórico que será adequado para uso na pesquisa científica
social e, especificamente, no estudo da mudança social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 89).
Dessa forma, o discurso é colocado num quadro que o autor vai chamar de tridimensional,
ou seja, o discurso será analisado como texto, prática discursiva e prática social.
A aliança (se podemos chamar assim!) entre a análise textualmente orientada e o
pensamento social, vai dispor de um processo analítico que conceberia os “seres humanos”
em suas relações de socialização. A(s) subjetividade(s) humana(s), juntamente com seu uso
linguístico, seria entendida como “expressão de uma produção realizada em contextos
sociais e culturais, orientados por formas ideológicas e desigualdades sociais”. (PEDRO,
1997, p. 21).
Fairclough (2001), ao se utilizar do termo discurso, vai considerar o uso da
linguagem, não como uma atividade puramente individual, e sim como uma prática social.
Para o autor isso teria algumas implicações: Primeiro, o discurso seria um “modo de ação,
uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros,
como também um modo de representação” (FAIRCLOUGH, 2001. p. 91). Por exemplo,
poderíamos pensar que o sujeito pode se utilizar da linguagem para construir uma
representação, uma identidade, e dessa forma agir sobre os outros, sobre o mundo e sobre si
mesmo de forma incisiva.
Partindo de uma “relação dialética entre o discurso e a estrutura social”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 91), entende tal relação como sendo entre prática social e a
estrutura social. Uma segunda implicação se colocaria no fato de o discurso ser moldado
pelas estruturas sociais por relações sociais em todos os níveis,
Pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas
relações específicas em instituições particulares, como o direito ou a
educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções,
tanto de natureza discursiva como não discursiva, e assim por diante
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).
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Daí podermos compreender, com Pedro (1997), os contextos sociais do uso
linguístico como um esforço para o entendimento da utilização da língua(gem) no seio das
estruturas sociais e ideológicas que organizam a(s) sociedade(s). Corroborando com essa
ideia, Fairclough (2001) vai falar que o discurso contribuiria para a constituição das
dimensões da estrutura social que o moldam e o restringem. Ora, assim podemos conceber
a ideia de discurso como uma prática de significação do mundo, em que não apenas o
representaria, mas o constituiria em significado.
Para dar um pequeno exemplo que acreditamos ser relevante para entendermos a
ideia, Van Dijk (2008), explicando sobre o abuso do poder e a desigualdade social
reproduzidas nos discursos, vai dizer que esse tipo de abuso vai se manifestar na língua
onde existe a possibilidade de variação ou escolha. Seguindo o raciocínio, o pesquisador
fornece o seguinte exemplo: Podemos chamar uma pessoa de “terrorista” ou de “lutador
pela liberdade”, isso dependeria de nossa posição e da nossa ideologia. “Assim, é antes a
forma e o significado de uma manchete do que sua propriedade estrutural em si que podem
estar relacionados à situação social” (VAN DIJK, 2008, p. 13).
Fairclough (2001), ao tomar o discurso como práticas, distingue três aspectos dos
efeitos construtivos do discurso. Primeiro, o discurso contribui para a construção do que
variavelmente é referido como identidades sociais e posições de sujeito. Segundo, o
discurso compete para a construção das relações sociais entre as pessoas. E, terceiro, o
discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crença.
Esses três aspectos dos efeitos construtivos do discurso correspondem
respectivamente a três funções da linguagem. Fairclough (2001) chama essas três funções
de: Identitária, relacional e ideacional. Eis a explicação das funções
A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades
sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as
relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e
negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos
significam o mundo e seus processos, entidades e relações.
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).
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Abordando a prática discursiva tanto como constitutiva de maneira convencional
como criativa, ou seja, contribuindo para a reprodução de identidades sociais, abuso, poder,
relações sociais e sistemas de conhecimentos, Fairclough (2001) explica que as identidades
de professores e alunos e suas relações dependem da consistência e da durabilidade de
padrões de fala no interior e no exterior dessas relações. “Porém, elas estão abertas a
transformações que podem originar-se parcialmente no discurso: na fala da sala de aula, do
parquinho, da sala dos professores, do debate educacional, e assim por diante”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).
Portanto, ao se propor uma “teoria social do discurso”, trata-se de tentar entender “o
modo de funcionamento das visões do mundo subjacentes à constituição dos modos e das
circunstâncias em que os estados de coisas são verbalizadas” (PEDRO, 1997, 22). Dentro
das várias orientações das práticas sociais, sejam econômicas, ideológicas, artistas,
políticas, o discurso permeia (e é permeado) em todas, “sem que se possa reduzir qualquer
uma dessas orientações do discurso” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 94). Dessa forma,
A constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de
ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está
firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas,
orientando-se para elas. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 93).
Sendo assim, acredita-se que a tarefa da Análise Crítica do Discurso (doravante
ACD) esteja diretamente imbricada a analisar o funcionamento dessas “visões” do mundo,
“que subjazem à constituição dos factos, dos acontecimentos e, sobretudo, da agenciação,
concretamente nos aspectos que, de forma específica, se relacionam com a linguagem, o
discurso, a ideologia e a sociedade” (PEDRO, 1997, p. 22).
De acordo com Barros (2009), a ACD poderia ser considerada um passaporte que
nos permite descrever e interpretar textos, com ênfase na análise do discurso textualmente
orientada, aliando um campo de pesquisa social. Segundo a autora
Trata-se de uma perspectiva teórico-metodológica que reforça o enlace de
um método de análise linguística textual com uma teoria do
funcionamento social da linguagem, o que nos permite realizar um estudo
que contempla a interface gramática e contexto social (BARROS, 2009, p.
16).
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Quando se parte para uma análise, tendo com aporte a ACD, é relevante a reflexão
das categorias linguísticas como parte fundamental das análises. Há uma consideração das
formas linguísticas como “instrumentos linguísticos determinantes das relações de força e
das sustentações ideológica” (BARROS, 2009, p. 16). As formas linguísticas, nessa
perspectiva, são consideradas um meio de propagação e consolidação de valores sociais,
éticos e ideológicos. Segundo Fairclough (apud BARROS, 2009), é justamente essa tomada
de posição que leva a ACD, enquanto um campo teórico-metodológico, a encarar o
discurso como um tipo de prática social ou elemento constitutivo do social.
Pedro (1997) partilha que todas as formas de análise do discurso tomam o texto
como o domínio adequado da teoria e da descrição linguística. Em todas elas seriam
possíveis o encontro de um interesse na compreensão de textos extensos, “social ou, pelo
menos culturalmente situados e uma atenção a aspectos sociais, co-textuais e culturais que
permitem a garantia de categorias de explicação para descrição dos textos” (PEDRO, 1997,
p. 23). Dessa forma, a ACD visa a refletir não só sobre a organização social dos textos, mas
também sobre sua estrutura interna a fim de tentar promover uma mudança social1.
Corroborando com essa ideia, Kress (apud PEDRO, 1997, p. 25) explica que uma análise
do discurso como a ACD estará interessada na compreensão da produção e reprodução de
textos completos. Segundo o autor, uma teoria baseada numa dimensão que ele chamou de
sociocultural poderia fornecer, de forma significativa, descrições não apenas formais, mas
culturais também.
DISCURSO E PODER
O interesse maior deste artigo é analisar as complexas relações entre discurso e
poder, mais especificamente como este último se constitui como “força extrema” por meio
de variados discursos.
1
“Porque trabalha sempre com textos que ocorrem de forma regular em domínios importantes da vida
sociocultural, os estudos realizados pelos analistas críticos permitem uma aplicação concreta dos seus
resultados” (PEDRO, 1997, p. 24).
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Segundo Van Dijk (2008), o poder social é entendido como o controle de um grupo
sobre outros grupos e seus membros. Por exemplo, a polícia sobre a população, a escola
sobre o alunado, o homem sobre a mulher. Para ele, esse controle é entendido como um
conjunto de ações que visa a uma dominação das ações de outros. Em suas próprias
palavras
Se esse controle se dá também no interesse daqueles que exercem tal
poder, e contra os interesses daqueles que são controlados, podemos falar
de abuso de poder. Se as ações envolvidas são ações comunicativas, isto
é, o discurso, então podemos, de forma mais específica, tratar do controle
sobre o discurso de outros, que é uma das maneiras óbvias de como o
discurso e o poder estão relacionados: pessoas não são livres para falar ou
escrever quando, onde, para quem, sobre o que ou como elas querem, mas
são parcial ou totalmente controladas pelos outros poderosos, tais como o
Estado, a polícia, a mídia ou uma empresa interessada na supressão da
liberdade da escrita e da fala (tipicamente crítica). Ou, ao contrário, elas
têm que falar ou escrever como são mandadas a falar ou escrever. (VAN
DIJK, 2008, p. 17-18).
Esse tipo de controle é difuso na sociedade e impõe um jogo, em que existem alguns
“papéis sociais”. Existem aqueles que possuem “uma liberdade total para dizer e escrever o
que querem, onde e quando querem e para quem querem” (VAN DIJK, 2008, p. 18).
Pensando no nosso corpus, podemos estender essa ideia para aqueles que, de um modo
geral, não possuem tal liberdade para se expressarem livremente, sem sofrerem retaliações,
sem sofrerem preconceitos, acabando ficando a margem, sem voz.
Van Dijk (2008) explica que o controle se aplica não só ao discurso como prática
social, mas também às mentes daqueles que estão sendo controlados, isto é, “aos
conhecimentos, opiniões, atitudes, ideologias, como também às outras representações
pessoais ou sociais” (VAN DIJK, 2008, p. 18). E uma vez controladas as ações por suas
mentes,
O controle da mente também significa controle indireto da ação. Essa
ação controlada pode de novo ser discursiva, de modo que o discurso
poderoso possa, indiretamente, influenciar outros discursos que sejam
compatíveis com o interesse daqueles que detêm o poder” (VAN DIJK,
2008, p. 18).
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Seguindo o raciocínio, Van Dijk (2008) continuará dizendo que o abuso de poder
significaria um tipo de violação de normas e valores fundamentais no interesse daqueles
que têm o poder e contra os interesses dos outros. Daí o autor propor algumas
características importantes do poder, dentre as quais nos atemos a duas. Primeiro, o poder
social seria uma característica da relação entre grupos, classes e membros sociais. Segundo,
e esta nos interessa mais de perto, o poder de um grupo precisaria de uma base disponível
para o exercício do poder. “Esses recursos consistem geralmente em atributos ou bens
socialmente valorizados, mas desigualmente distribuídos, tais como riqueza, posição, posto,
status, autoridade, conhecimento [...] pertencimento a um grupo dominante ou majoritário”
(VAN DIJK, 2008, p. 42).
Ao analisar a dimensão desse poder, podemos refletir sobre categorias relevantes do
poder que se enraízam pelas estruturas sociais, tais como:
As várias instituições de poder, as estruturas internas de poder dessas
instituições, as relações de poder entre diferentes grupos sociais e a
abrangência ou o domínio do exercício de poder por (membros de) essas
instituições ou grupos” (VAN DIJK, 2008, p. 54).
Assim, poderíamos analisar as relações de poder entre grupos como os ricos e os
pobres, homens e mulheres, adultos e crianças, patrão e empregado, brancos e negros, etc.
Tanto nas “interações institucionais quanto nas interações do dia-a-dia, essas relações de
poder podem ser estruturalmente exercidas pelos membros dos respectivos grupos
dominantes” (VAN DIJK, 2008, p. 55).
Pensando nessa breve reflexão “textual e socialmente orientada” que ora se
apresenta e aliando a isso um interesse em refletir, analisar e – por que não – revelar o
papel do discurso numa possível (re)produção da dominação, ou seja, o poder, passemos a
pleitear o nosso corpus.
ANÁLISE DO CORPUS.
Perseguindo o interesse em analisar as bases disponíveis para o exercício do poder,
e como isso se constrói e se reflete no funcionamento discursivo da/pela linguagem,
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selecionamos três cenas da novela Gabriela, uma releitura da obra de Jorge Amado, no ar
pela emissora Rede Globo, em que acreditamos explicitar bem esses jogos de forças. O
nosso interesse por esse corpus explica-se pelo fato de haver uma relação de poder muito
forte, entre homens e mulheres. Os homens, nesta novela, fazem questão de mostrar toda
sua soberania e deixar para as mulheres apenas a submissão.
Nesta primeira cena, temos um diálogo entre as personagens Gabriela e Nacib. A
cena descreve, por um lado, a vontade de Gabriela em dançar o terno de reis, e do outro a
irritação e a prepotência de Nacib.
Transcrição da cena 01. Disponível em:
http://tvg.globo.com/novelas/gabriela/videos/t/cenas/v/nacib-proibe-gabriela-de-dancar-na-rua/2111755. Acesso dia
08/09/2012.
Gabriela: Fui dançar na rua sim, Nacib. Fui ensaiar para o terno de reis
Nacib: [...] Gabriela, agora tu és uma dama, uma mulher de sociedade!
Gabriela: O que é que tem? Só fui dançar só!
Nacib: O que é que tem é! Quer saber o que é que tem, que é que tem é que mulher de sociedade,
uma dama, não dança na rua!
Gabriela: Eu sempre dancei. Lá de onde eu vim também tinha terno de reis! Nacib, olhe, eu danço é
bem, eu danço bem sabe não. Agora eu tinha esperança de carregar o estandarte. É bonito demais...
Nacib: Sim, sim, repare bem. Olhe, de onde tu veio Gabriela, é muito diferente daqui. É diferente
por demais. Não tem nem comparação. Tu quando veio para cá, é porque tu lá não tinha nem como
viver. Tu não tinha nada de teu Gabriela. Tu era uma morta de sede, lembra, tu não tinha nada de teu.
Tu não era nada. Lembra? [...] Pois agora tu carrega meu nome Gabriela. Tu tem uma posição que
subiu de lugar na sociedade.
Gabriela: Por causa disso eu não posso dançar não é?
Nacib: Pode não... não quero. Uma dama... uma senhora, tu és uma senhora! E também não quero
que um bando de homem lhe veja dançar!
Gabriela: Eu estou proibida de dançar é?
Nacib: É isso mesmo. Ta proibida Gabriela. Eu sou teu marido. Eu que mando em tu agora. Tu ta
proibida de dançar!
No excerto acima, a relação de poder que se estabelece entre as personagens é
guiada pelo posicionamento social. Nacib tem um nome a zelar, e obriga sua mulher a fazer
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o mesmo proibindo-a de sair para dançar. Ou seja, mulher dita de “sociedade” não pode
fazer nada que prejudique essa imagem perante os outros.
Percorrendo a cena, podemos observar que Nacib tenta impor à Gabriela a sua visão
de uma “mulher de sociedade”. Visão está edificada em valor que aprendeu dentro de uma
sociedade de contraste, em que o homem, representando a classe dominadora, manda e
demanda na classe dominada, representada dentro da novela pelas mulheres.
Thompson (apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 117), lembra que determinados usos da
linguagem e de outras formas simbólicas são ideológicos, e que na maioria dos casos,
servem para estabelecer ou manter relações de dominação. Desta forma, ao se analisar a
cena pelos víeis do significado e da forma, percebemos que a maneira como é empregada a
linguagem por Nacib, propõe condições e estratégias que legitimam os interessem de uma
classe dominante. Parafraseando Fairclough (2001), a(s) ideologia(s) dessa classe
dominante, em que Nacib vai beber, se infiltra(m) nas práticas discursivas de modo eficaz
quando se torna(m) naturalizada(s) e atinge(m) o status de senso comum. O discurso de
Nacib se faz de modo bem imperativo, como em “Pode não... não quero. Uma dama... uma
senhora, tu és uma senhora!”. Ou seja, Gabriela é agora mulher de Nacib, tem o seu
sobrenome a zelar! E aqui, este “sobrenome” tem um funcionamento discursivo que institui
uma relação de forças e impede Gabriela de ser totalmente livre para fazer suas escolhas.
Afinal, naquela sociedade representada na cena pelo discurso de Nacib, torno-se “sensocomum” a mulher não ter direitos, desejos e vontades que fossem contra a(s) ideologia(s)
dominante(s).
Entendendo essas ideologias, assim como Fairclough (2001), como significações e
construções da realidade que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das
práticas discursivas, podemos falar que essas práticas contribuem de forma, muitas vezes,
decisivas para as produções, transformações e reproduções das relações de dominação.
Pedro (2008) explica que o poder e a dominação estão organizados e institucionalizados,
implicando assim a essa organização social, política e cultural da dominação, uma
hierarquia de poder, “já que alguns membros de grupos e de organizações dominantes
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assumem um papel especial no planejamento, na tomada de decisões e no controle das
relações e processos da activação do poder” (PEDRO, 1997, p. 29). Estes grupos, segundo
Van Dijk (apud PEDRO, 1997, p. 29), são entendidos pela ACD como elites do poder, que
se caracterizariam – por aqueles que têm mais coisas a dizer – por ter acesso particular aos
discursos. Pensando nisso, passaremos para as próximas duas cenas.
Transcrição da cena 02. Disponível em:
http://tvg.globo.com/novelas/gabriela/videos/t/cenas/v/iracema-se-entrega-a-antenor-e-e-ameacada-porjesuino/2104553. Acesso dia 08/09/2012.
Coronel Jesuíno: Saiu de novo! Você cria sua filha na rua é?
Pai de Iracema: Coronel, Iracema vive com as amigas. Moças de muito respeito. Filhas da melhores
famílias de Ilhéus!
Coronel Jesuíno: Agora é minha noiva. Ela está proibida de sair!
Pai de Iracema: Sim senhor.
Iracema: Coronel Jesuíno!
Coronel Jesuíno: Onde é que tu foi Iracema?
Iracema: Eu fui... Fui tomar sorvete mais Gerusa, neta de Coronel Ramiro. É minha amiga, posso
não?
Coronel Jesuíno: De Gerusa eu gosto. Mas eu... como eu dizia para teu pai. Até o casamento fica
em casa, ta proibida de sair.
Iracema: Sim senhor.
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Transcrição da cena 03. Disponível:
http://tvg.globo.com/novelas/gabriela/videos/t/cenas/v/jesuino-fica-indignado-com-o-delegado/2078752. Acesso
dia 08/09/2012.
Coronel Ramiro Bastos: Fez muito bem. Homem que é homem não aceita traição. Mostrou que é
macho
Coronel Jesuíno: Eu fiz o que qualquer homem faria.
Dona Dorotéia: Coronel Jesuíno fez o que devia fazer
Coronel Manoel das Onças: E fez muito bem feito.
Coronel Melk: Traição não se perdoa. Dê cá um abraço. Meus cumprimentos.
[...]
Irmãs dos Reis: Um homem como o senhor, garboso, merecedor de respeito, consideração e
carinho, levando chifres, é um absurdo coronel.
Irmãs dos Reis: Coronel Jesuíno, é verdade que Dona Sinhazinha só usava meias pretas e mais
nada?
Coronel Jesuíno: Por que as senhoritas não calam essas matracas!
Delegado: Perdão senhores... com licença. Eu... preciso falar... mas o Coronel Jesuíno.
Coronel Ramiro Bastos: Mais o delegado veio fazer o que aqui?!
Delegado: Os senhores me desculpem. É que o Coronel Jesuíno matou a esposa e o dentista a tiro. A
cidade toda já sabe [...]
Coronel Jesuíno: E daí? Eu matei porque devia matar.
Na cena 02, os diálogos entre as personagens Coronel Jesuíno, Iracema e seus pais,
mostram como esses discursos de dominação se ramificam pelas estruturas sociais. Essa
prática de dominação se estabelece entre as personagens de forma desigual, pois Coronel
Jesuíno é quem determina o que Iracema e seus pais devem ou não fazer. Ou seja, nessa
sociedade “endinheirada”, a mulher estaria para sempre subjulgada aos caprichos do
homem. Van Dijk (2008) observou que o poder social de grupos dito das elites foi definido
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em termos de seu acesso preferencial aos recursos materiais específicos, tais como o capital
ou a terra. Na novela, Coronel Jesuíno é um homem rico, detentor de muitas terras de
plantação de cacau e frequentador das rodas dos coronéis endinheirados, o que lhe daria o
direito de decisão sobre a vida de Iracema, sem que esta possa dizer o contrário. Nesta
relação de forças, onde o status social acaba falando mais alto, percebe-se também que os
pais de Iracema são condicionados à esse poder, visto que querem o melhor para sua filha, e
nisso inclui um casamento com aquele que pode oferecer uma vida “boa” a sua filha, aquele
que pode oferecer um bom dote.
Outro funcionamento discursivo interessante de observar na cena é o ciclo de
convivência que determina quem é bom e quem é mau visto por aquela sociedade.
Retomando o conceito de controle, explicado por Van Dijk (2008), como uma prática que
vai atuar nos interesses daqueles que exercem tal poder e contra os interesses daqueles que
são controlados, e que isto faz surgir o que o pesquisador chama de abuso do poder,
observamos que há uma preocupação eminente dos pais de Iracema em já deixar claro ao
Coronel que sua filha mantém laços de amizades somente com amigas de muito respeito,
filhas das melhor famílias de Ilhéus. Ou seja, não basta ter um ciclo de amizades, tem que
estar de acordo com os costumes dessa sociedade de prestígio representada na cena pelo
Coronel. Tanto que o próprio Coronel atesta esta “verdade” ao enunciar que gosta da
companheira de Iracema, Gerusa, neta de Coronel Ramiro Bastos, homem rico, detentor de
um grande poder e de importância naquela sociedade. Porém, seu “machismo” fala mais
alto e ele então, influenciado por toda essa dinâmica do discurso e da reprodução do poder
social, que concede à ele o direito de mandar e desmandar na vida de Iracema, vai atestar a
prepotência dos homens dessa época proibido-a de sair de casa até o dia do casamento.
Na cena 03, e aqui acreditamos que seja o ápice – pelo menos de nossas análises –
da realização do poder, ou melhor, do abuso do poder. Pensando com Van Dijk (2008),
compreendemos que o abuso do poder significa a violação de normas, crenças e valores de
extrema importância aos interesses daqueles que têm o poder e contra todos aqueles que
não o detêm. Ou seja, “os abusos de poder significam a violação dos direitos sociais e civis
das pessoas” (VAN DIJK, 2008, p. 29). Ainda segundo o autor, para se analisar e criticar a
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dominação como um ato ilegítimo, precisamos refletir sobre as normas, os critérios ou os
padrões de legitimidade. Assim, de forma crucial, surgiria uma questão que nos ajudará a
pensar um pouco o funcionamento discursivo desta cena: “quem é que define o que é
legítimo em primeiro lugar?” (VAN DIJK, 2008, p. 29).
Na cena em questão, que trata do assassinato de Dona Sinhazinha – esposa de
Coronel Jesuíno e morta pelo mesmo –, os Coronéis mais poderosos da sociedade ilheense
vão cumprimentar o Coronel pelo feito. Esse ato de legitimidade, de que honra se lava com
sangue – tantas vezes enunciado na novela – aparece de forma consistente quando Coronel
Ramiro Bastos enuncia: “Fez muito bem. Homem que é homem não aceita traição.
Mostrou que é macho”. A isso, Coronel Jesuíno responde: “Eu fiz o que qualquer homem
faria”. Ou seja, pelo fato de serem homens, detentores do dinheiro, do poder, do status e
dos discursos da classe dominante, isso concebe à eles o poder de não respeitar os direitos
sociais, ideológicos, éticos e civis das mulheres. Correlato a isso, os Coronéis se sentem na
obrigação de definirem que a prática legítima neste caso é somente uma: matar a esposa no
caso de uma traição.
Tomando o conceito de hegemonia emprestado de Gramsci, Fairclough (2001) vai
falar de hegemonia como uma poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes
economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais. Em
outras palavras, “hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que
simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios
ideológicos para ganhar seu consentimento” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122). Corroborando
com essa ideia, Van Dijk (2008) vai perceber, ao realizar suas microanálises, o poder como
ideologias que são reproduzidas e como as pessoas podem agir, de seu próprio livrearbítrio, no interesse dos que estão no poder. Porém, essa hegemonia não seria a única
forma de poder, como atesta o próprio Fairclough (2001). Assim, na cena em questão,
quando temos uma prática discursiva disseminada pelos Coronéis de que a “honra se lava
com sangue”, e que mulher que trai o marido não tem vez e nem escolha, isso acaba
resvalando na própria constituição de comportamentos das mulheres dessa sociedade.
Observamos isso nos discursos de Dona Dorotéia, ao confirmar que o Coronel Jesuíno “fez
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o que devia que fazer”, ou seja, a própria personagem confirma sua posição e atesta que
mulher que trai o marido não merece uma segunda chance. E um outro exemplo, encontrase no primeiro enunciado das Irmãs dos reis, ao confirmarem que um homem feito Coronel
Jesuíno, não merece “levar chifres”, pois isso é inaceitável. O que, de fato, acaba
mostrando naquela sociedade que essas práticas discursivas e sociais se impõem de forma
totalmente inflexíveis.
E esses “códigos” de discursos como molduras e classificações “ideologicamente”
fortes instauram uma prática de poder monopolista e conservador, que acaba se instituindo
acima de qualquer coisa, inclusive acima da lei. Isso se confirma na sequência dos diálogos
em que entra em cena o delegado para fazer exercer a lei, e mesmo assim o Coronel Jesuíno
– assim como os outros em cena – se acham no direito de questionar a sua presença naquele
momento de “confraternização”, e que fez o que qualquer um faria, guiado pela “ordem
discursiva” da sociedade cacaueira de ilhéus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante deste construto teórico, o nosso interesse de maior envergadura foi
justamente refletir sobre as práticas discursivas que colocam em funcionamento a questão
do Poder de uns sobre os outros. Esse poder visto como um controle difundido na/pela
sociedade, em que “poucas pessoas têm uma liberdade total para dizer e escrever o que
querem, onde e quando querem e para quem querem” (VAN DIJK, 2001, p. 18).
Tentamos observar esse tipo de poder funcionando dentro de um corpus em que as
diferenças entre homens e mulheres é de forma gritante. Na novela Gabriela, no recorte
escolhido para compor o nosso corpus, foi possível analisar e observar como o acesso ao
discurso é regulado por aqueles que estão no poder. Vimos que esse poder, que no corpus é
identificado com um poderio dos homens sobre as mulheres, não é um poder visto como
nas mãos de uma só pessoa, nas mãos de um só Coronel, e sim “como o poder de uma
posição social, sendo organizado como parte constituinte do poder de uma organização”
(VAN DIJK, 2001, p. 18).
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
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Observamos também que nesta sociedade autoritária, representada pelas figuras dos
Coronéis, há uma tentativa de “controle dos discursos”, entendendo esse controle como
aquele que Van Dijk (2001) vai explicar como sendo um controle da mente do público e,
necessariamente, controle do que esse público quer, pensa e faz. O funcionamento desse
controle foi possível observar nas posturas conservadoras de Dona Dorotéia, personagem
que defende os princípios de submissão da mulher perante ao homem, e na discursivização
das Irmã dos Reis, que confirma este princípio de submissão e que o acaba demonstrando
ao dar razão ao assassinato de Dona Sinhazinha pelo Coronel Jesuíno. É válido também
ressaltar que por meio desta pequena reflexão, foi possível observar como os
posicionamentos ideológicos e as desigualdades sociais atravessam a linguagem e desta
forma acabam consolidando “visões ou compreensões específicas da realidade” (BARROS,
2009, p. 31).
E para finalizar, entendendo que qualquer estudo no âmbito da ACD nunca
fornecerá ao(s) pesquisador(es) e ao(s) leitore(s) um resultado fechado, um efeito de
“completude”, pedimos licença para parafrasear Barros (2009) quanto ao objetivo deste
estudo. Se o que foi discutido neste artigo significar contribuições (ou inquietações) para
reflexões futuras sobre o enlace entre discurso e questões sociais, o nosso intuito terá sido
atingido.
REFERÊNCIAS.
BARROS, Dulce E. C. A gramática como testemunha do ethos discursivo parlamentar: ele
oculta, ela desvela. In: SILVA, Denize E. da. Cadernos de linguagem e sociedade. editora
chefe. v. 10. nº 2. Brasília: Thesaurus, 2009, 199 p.
FAIRCLOUGH, Normam. Discurso e mudança social. Izabel Magalhães coordenadora da
tradução, revisão técnica e prefácio. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2001.
PEDRO, Emília R. Análise crítica do discurso: aspectos teóricos, metodológicos e
analíticos. In: Análise Crítica do Discurso. Lisboa: Caminho. 1997.
VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. Judith Hoffnagel & Karina Falcone (org). São
Paulo: Contexto. 2008.
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