APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DOCENTE EM MOVIMENTO: EXPERIÊNCIAS DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DA TEORIA HISTÓRICOCULTURAL Erika Germanos1 - UniCEUB-DF Leandro Montandon de Araújo Souza2 - UFU Viviane Pena Carvalho Costa3 - EEALB Bianca Carvalho Ferola4 - UFU Caroliny Ferreira de Souza5 - UFU Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: CNPq; FAPEMIG e CAPES/OBEDUC6 Resumo Os estudos de Vigotski e colaboradores revolucionaram a compreensão dos processos psicológicos humanos. Essa investigação avalia um processo de formação continuada na educação básica com professores de uma escola pública de Uberlândia/MG. A intervenção buscou embasar-se filosófico e epistemologicamente na psicologia histórico-cultural. Para tanto, a escolha de sua metodologia teve como objetivo a superação da realidade pelo exercício da práxis. Os docentes envolvidos foram considerados corresponsáveis pela intervenção educativa, de modo que o estabelecimento de um coletivo possibilitou o confronto dos conhecimentos e saberes, valorizando os envolvidos em uma forma co-design de trabalho. Os instrumentos escolhidos para a coleta de dados envolveram entrevistas realizadas com os professores, memórias dos encontros formativos, gravações de áudio, planejamentos de ensino dos professores e diários de campo da pesquisadora. Inicialmente, os dados acumulados foram analisados pela pesquisadora e agrupados em três temas: 1) as bases epistemológicas, 2) a identidade profissional docente e 3) a intencionalidade no planejamento. O diagnóstico contínuo permitiu desvelar as necessidades dos professores e possibilitou a 1 Mestre em Biodiversidade, Doutoranda em Educação: Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professora do Centro Universitário de Brasília-UniCEUB-DF. E-mail: [email protected] 2 Graduado em Ciências Sociais, Mestrando em Educação: Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Professor na Escola Estadual Antônio Luis Bastos. E-mail: [email protected] 3 Graduada em Ciências Biológicas. Professora na Escola Estadual Antônio Luis Bastos. E-mail: [email protected] 4 Graduanda em Ciências Biológicas: Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] 5 Graduanda em Ciências Biológicas: Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] 6 A professora Andréa Maturano Longarezi faz parte do trabalho na qualidade de orientadora, entretanto não consta como coautora devido ao limite de cinco autores definido pelas normas do evento. ISSN 2176-1396 42653 organização de uma instrumentalização teórico-metodológica para a realidade concreta. Os resultados evidenciaram que o conjunto de ações do processo formativo como as discussões, reflexões, intervenções, entre outras, possibilitaram uma série de mudanças quantitativas que culminaram em uma mudança qualitativa da atividade docente. Assim, se constatou uma verdadeira transformação das práticas dos professores que pode ser evidenciada na ressignificação da profissão docente e a forma de exercício de suas atividades, bem como na transformação dos planejamentos de aula, a exigência de uma maior participação dos estudantes em sala de aula e a inserção em um movimento contínuo de estudo. As possibilidades de transformação na essência só foram possíveis, pois o processo formativo fundou-se nos pressupostos vigotskianos que considera a cultura, o material e o social para a constituição humana em um entendimento dialético da realidade. Palavras-chave: Desenvolvimento. Aprendizagem. Práxis. Formação. Docência. Introdução Este trabalho apresenta os resultados de um esforço de formação continuada com professores da educação básica em uma escola pública estadual na cidade de Uberlândia/MG. Diferente das intervenções no ambiente escolar, marcadas frequentemente pela execução de projetos pedagógicos que recortam no tempo seu período de atuação e analisam os professores apenas nos espaços das salas de aula, a investigação considerou as atividades em que os indivíduos estão envolvidos como um todo. Tem em sua essência uma orientação pautada no pensamento de Vigotski (1984) que apontou como a psicologia tradicional separou aspectos afetivos e intelectuais da pessoa, e, ao fazê-lo, separou o pensamento "a partir da perspectiva da vida como um todo” dos motivos de vida, interesses, necessidades do indivíduo. Assim, na investigação sobre professores e ensino, o "desenvolvimento profissional" tende a ser considerado independente de tudo o mais na vida de quem ensina. Vale ressaltar que numa abordagem histórico-social, todas as diferentes atividades em que uma pessoa se engaja no curso da vida seja familiar, de lazer, ou políticas afetam todas as outras partes/áreas da vida do indivíduo (LEONTIEV, 1978). Este processo de formação continuada se caracterizou pelo esforço de um movimento de estudo alicerçado nos referenciais teóricos oriundos da psicologia russa, nos trabalhos de Lev Semyonovich Vigotski (1896-1934) que constituíram um marco na história da ciência psicológica tomando como estimativas os processos evolutivos e históricos para a compreensão da formação e desenvolvimento do homem superando as concepções predominantes na época. Aplicando a filosofia marxista à psicologia, Vigotski, de forma brilhante e criativa, formula um conjunto de teses sobre o desenvolvimento ontogenético histórico e social do 42654 homem, que se opunha aos biologistas e as correntes dominantes idealistas da psicologia, assim como aqueles pontos de vista de que o desenvolvimento da cultura ocorre independentemente da história da sociedade. A psicologia dialética parte antes de tudo da unidade dos processos mentais e fisiológicos. Para compreender cientificamente as leis sobre a origem e o desenvolvimento do homem no contexto da Teoria Histórico Cultural, é fundamental que a análise seja dirigida ao todo concreto, e em um determinado momento histórico. Assumindo esta perspectiva, Vigotski (2000) rompe definitivamente com a interpretação tradicional posta pela psicologia de sua época. Dessa forma, os homens são entendidos como uma formação histórica e cultural que interagem, criados pela própria atividade de produção e transformação da sua realidade. Assim, na Teoria Histórico Cultural a história, ou seja o historicismo, é o que organiza e gera todos os outros conceitos da espiral dialética. Para Vigotski (1987), em primeiro lugar, os processos psicológicos devem ser estudados durante o desenvolvimento do indivíduo. Em segundo, este desenvolvimento é considerado um salto revolucionário, por meio de uma mudança qualitativa. Em terceiro, é necessário combinar os enfoques na análise do desenvolvimento, daí a razão da análise proposta ultrapassar as tradicionais considerações filogenéticas. Para ele, as funções mentais superiores são eminentemente de natureza e origem social. O papel central que a sociedade tem sobre o comportamento humano se caracteriza por ferramentas psicológicas que podem ser usadas para monitorar a atividade. Além disso, essas ferramentas são essenciais para compreender os fenômenos que influenciaram as mudanças qualitativas. Esta abordagem tem uma ênfase no desenvolvimento do próprio sujeito e com os outros, no contexto das atividades sociais. Neste sentido é na cultura, como um registro de sistemas simbólicos criados socialmente, que se encontram os significados das experiências vividas pelos diferentes sujeitos. Portanto, presume-se que a experiência em si só é relevante para a aprendizagem quando entendida como relação prática e dinâmica entre o homem e o ambiente natural e social. Isto significa dizer que o conhecimento, diferentemente da experiência sensorial que é formada por meio da experiência prática, é formado pelo universo material e humano, sendo que a ideia é a expressão teórica do mundo. Note que o posicionamento aqui ocorre diferentemente do construtivismo que entende o conhecimento como a ciência das ideias (CARRETERO, 1997). Como frisado por Palangana (2001), os homens são em sua atividade 42655 concreta o ponto de partida para a formulação do conhecimento, a ciência real, a formação dos conceitos, aprendizagem e desenvolvimento da personalidade começam na vida real, na atividade prática. E a prática é a própria ação guiada e mediada pela teoria, que é concebida como aquisição histórica, construída e produzida na interação que se estabelece entre os homens e o mundo. Na Teoria Histórico Cultural a aprendizagem constitui uma atividade social e não apenas um processo de realização individual, uma atividade de produção e reprodução de conhecimento, de forma que o sujeito interioriza os modos sociais de ação e interação. Na verdade, o conceito de aprendizagem se situa no centro de atenção do sujeito ativo em sua interação com os outros e com os objetos, que funcionam como os elementos que permitem as transformações internas, as modificações psíquicas e físicas. Há um processo de apropriação da cultura por meio da internalização (reconstrução interna de uma operação externa) dos conteúdos sociais mediados por instrumentos e signos que permitem a transição do plano interpsicológico para o plano intrapsicológico, a partir do qual os sujeitos reconstroem o conteúdo social com um sentido pessoal. É por meio deste mecanismo ativo de interiorização da consciência social que se desenvolve a consciência individual (VIGOTSKI, 1998). Só é possível a compreensão do sentido que a categoria aprendizagem recebe em Vigotski quando se considera este processo de internalização. A realidade social é elevada dessa forma à condição de fundamento dos significados que serão elaborados pelos indivíduos ao longo deste processo. “Daí está claro, porque necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de todo o problema do interno e do externo. (...) Para nós, falar sobre processo externo significa falar social. Qualquer função psicológica superior foi externa – significa que ela foi social; antes de se tornar função, ela foi uma relação social entre duas pessoas. (VIGOTSKI, 2000, p. 24) Nos trabalhos de Vigotski, ele atribuiu importância central para a relação entre desenvolvimento e aprendizagem e sobre o impacto que esta questão tem sobre o diagnóstico da capacidade intelectual dos indivíduos. E assim, desenvolveu uma teoria de ensino. Para ele, o que as pessoas podem fazer com a ajuda de outras pessoas pode ser um pouco mais indicativo do seu estado de desenvolvimento mental do que aquilo que elas podem fazer por si mesmas. Assim, é considerado por ele que não se limite a simplesmente determinar os níveis de desenvolvimento aparente, mas descobrir as possíveis relações desse processo evolutivo com as potencialidades de aprendizagem do sujeito. Diante do exposto, ele assumiu 42656 uma nova posição em relação à educação e ao desenvolvimento. Ao contrário das tendências dominantes do seu tempo que dicotomizavam a relação entre desenvolvimento e aprendizagem nas quais o desenvolvimento era considerado espontâneo, ontológico, biológico, Vigotski apontou que o ensino tem papel de liderança, que precede e conduz o desenvolvimento mental do sujeito, enfatizando que a educação é desenvolvedora apenas quando considerada força motriz do desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 1998). Aprendizagem da docência para além da formação acadêmica Dentro desse contexto, compreende-se a docência como uma ação intencional que possibilita a construção de conhecimento com o outro, e assim torna possível a apropriação e produção de cultura contemplando a dimensão humanizadora do desenvolvimento do docente. A aprendizagem faz parte do ofício do professor, todavia é também mister que seja fundamento da ação profissional e como toda atividade humana precisa ser aprendida (ALVARADO PRADA; LONGAREZI, 2008). A aprendizagem docente encarada como mola propulsora do desenvolvimento profissional precisa, no entanto, se fundamentar nas situações concretas do ofício. O docente possui uma bagagem rica de conhecimento autogerada que o situa como protagonista de sua própria história e de sua identidade. O reconhecimento de sua identidade enquanto educador faz parte da construção da autonomia profissional, porém com o entendimento de que a autonomia não é um isolamento, pelo contrário, só é possível se houver intercâmbio, apoio, relação. É na própria práxis que o professor conhece seu ofício em si, em constante movimento atuando e tomando decisões regularmente, ora de forma intencional e em outros momentos não intencionalmente. O ponto de fragilidade se encontra na falta de intencionalidade, e na alienação. Ressalta-se que a formação do docente não se resume ao período de sua graduação. Muito antes de seu ingresso na universidade o futuro professor cria suas concepções e percepções sobre a prática docente ao longo de sua vida escolar, enquanto aluno e observador da prática de seus antigos professores como demonstrado pelo trabalho de Souza (2011). Estas concepções surgem e alicerçam uma ideia sobre a identidade e prática docente mesmo que racionalmente desconsideradas por eles próprios e pelos formadores de professores. De acordo com o percurso histórico da educação brasileira pode-se observar que o lugar social do professor é frequentemente desqualificado. Marcado por momentos em que a 42657 docência era entendida como uma ocupação e não uma profissão e essencialmente exercida por mulheres (PIMENTA, 2010). Outra marca diferencial é o tecnicismo, reforçado pelo Estado, e a cultura “do novo” que por adesão e sem postura crítica (CONTRERAS, 2002) foram incorporadas pela educação brasileira. Todos estes fenômenos influem ativamente na estruturação das concepções citadas acima. Existe, portanto uma necessidade urgente de ruptura com estas pré-concepções que atreladas à lógica mercadológica e utilitarista do conhecimento da sociedade de classes, torna turva a percepção do que é, e como é composta a profissão docente. Para que estas rupturas ocorram é fundamental localizar a realidade do professor também no centro dos desafios da sociedade contemporânea marcados pela competição, pelo produtivismo, pela mudança e pela exigência do “novo”. Esta exigência de “novas” práticas pedagógicas, tão reivindicadas em diversos processos de formação continuada, torna os professores vítimas de processos alheios aos seus reais objetivos e necessidades. Processos formativos que desconsideram as necessidades e objetivos das pessoas reais (em oposição a um idealismo da concepção do ser professor que o reduz a um conceito vazio e inexistente na realidade concreta) são vividos pelo docente como algo externo a ele, ou seja, não se objetiva na sua realidade e perde o sentido. Este modelo de formação em serviço criticado, é desenvolvido apenas como um modo de sobrevivência para atender as conjunturas e assim sendo não promovem as transformações efetivas. Tornam-se na verdade meros treinamentos sem apreensão de conhecimento e sem uma real transformação das práticas pedagógicas e das condições sociais do trabalho. Uma verdadeira transformação da prática docente deve ser entendida como um movimento de apropriação e incorporação de conhecimentos sobre o fazer pedagógico objetivados em sua realidade, nos seus processos históricos e nas suas projeções de vida conforme discutido por Alvarado Prada e Longarezi (2008). Quando esta transformação não ocorre, significa que o professor não aprendeu, apenas reproduziu técnicas, modelos e conceitos para satisfazer as exigências institucionais e de mercado não sendo capazes de adicionar valores e sentido ao seu trabalho. Estes eventos de formação que mantém a condição alienante são tão sérios que mesmo em condições de remuneração, tempo e espaço para formação continuada atendendo a reivindicações comuns feitas pelos professores os processos de formação caem no vazio, e/ou não tem adesão como apontado por Franco (2009). 42658 Assim, a partir da concepção de que aprender integra a atividade do professor, os espaços de formação em serviço precisam colocar em evidência de forma significativa que a aprendizagem docente está ligada diretamente a práxis como cerne do desenvolvimento do docente na sua integralidade. Pode-se dizer, portanto que o docente aprende por meio da docência, na práxis. Práxis “implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 1988, p. 67). Aprender deve ser concebido como atividade objeto dos profissionais da educação. A aprendizagem da docência se dá no confronto de saberes do sujeito com o próprio sujeito, e do sujeito com outros sujeitos. Para tanto, é preciso que o professor passe a se objetivar na sua realidade para colocar em prática novas ações, e se objetivar teoricamente com base em suas instrumentalizações para promover o seu crescimento profissional. Podemos dizer que o docente precisa operar mentalmente com base nos princípios teóricos, o agir teórico é um processo que acontece simultaneamente, pois sem pensamento teórico não há um agir teórico e estes são interdependentes. Esta é a essência da práxis defendida. O conhecimento teórico não é mais importante que o conhecimento prático e vice-versa, mas a síntese é que possibilitará que o professor se desenvolva, no que se refere à formação de funções psicológicas superiores, ou seja, transformar em real o potencial cognitivo, desenvolver o sujeito na sua integralidade. Pensar na atividade da docência enquanto práxis contempla a docência em todas as dimensões experienciais, teóricas, científicas etc. Desenvolvimento Caminhos percorridos durante a pesquisa A pesquisa é um processo. O caminho é de fato desconhecido, por mais que se planeje e se antecipe as condições encontradas no meio exigem muito do pesquisador e, no caso da pesquisa na área de educação, exige-se também dos demais envolvidos na investigação. Cada um dos participantes não pode ser apenas considerado como mais um dado, uma informação estéril, totalmente neutra. Na verdade os envolvidos estão intimamente ligados a pesquisa por meio do compromisso feito com o investigador, e com a pesquisa em si, para responder as questões propostas em uma determinada busca científica. A metodologia de pesquisa na área de educação tem gerado no Brasil uma série de discussões em relação as concepções epistemológicas, aos procedimentos, aos instrumentos, etc., como já dito por Demo (1995) e 42659 Gatti (2001, 2002) há alguns anos. O panorama nesses últimos anos no que diz respeito ao ensino e a formação para o ensino pouco tem avançado, como descrito por Gatti e Barretto (2009); Libâneo (2010); Sguarezi (2010) há, no máximo, um discreto crescimento consistente na área. No Brasil observa-se uma vasta literatura que trata de diagnósticos e panoramas da educação brasileira (LONGAREZI e PUENTES, 2010; LONGAREZI e PUENTES, 2011), mas pouco ainda há de proposições e intervenções nas escolas. Acredita-se que em virtude disso o caminho metodológico para as pesquisas na esfera do ensino, na área de formação para o ensino, principalmente no que envolve o “como” e “o que” ensinar, ainda seja um nó. Destaca-se a seguir, no contexto da abordagem dialética, mais aspectos que nortearam a escolha metodológica praticada na presente pesquisa que teve como meta de trabalho a superação da realidade. A identidade dos contrários é inerente as análises, portanto, sem que haja a exclusão, mas a unidade entre o objetivo e o subjetivo, qualitativo e o quantitativo, o interno e o externo, o individual e o social. O cuidado de não colocar toda a carga de resposta nos dados empíricos, sem que esses sejam analisados no todo de seu contextos. Em busca de respostas para as questões da pesquisa procurou-se atrelar os dados a análise da essência do fenômeno que não está na pseudoconcreticidade(concreticidade aparente), ou seja, não se revela de forma imediata, no entanto, por meio do desvelamento das contradições internas inerentes a coisa (KOSIK, 1976). Para conhecer e poder intervir no fenômeno em si deve-se conhecer a sua essência, na interdependência entre forma e conteúdo. Portanto, para este entendimento não é suficiente o que é aparente, o empírico visível, mas sim o considerar do fenômeno na sua unidade e na sua processualidade. A compreensão dos fenômenos foi inspirada nos pressupostos do método dialético buscando-se conceber um processo de pesquisa que envolvesse a todos como corresponsáveis num movimento de co-design do processo de intervenção formativa. Desta forma, evitou-se que os professores envolvidos na pesquisa fossem considerados apenas como objeto de estudo. Os docentes, postos como participantes do processo de compreensão da realidade, tem mais chances de elevar sua consciência em relação aos fenômenos que os cercam. Dessa forma, juntos conceberíamos transformações práticas da realidade pedagógica em rumo a concepção de práxis. Cabe lembrar, no entanto, que existe o papel da pesquisadora que planeja, analisa e direciona os movimentos da investigação científica orientando o processo de intervenção didático formativo. Trabalhou-se ao longo dos encontros perseguindo e conhecendo as contradições 42660 internas existentes nos fatos, historicamente contextualizados objetivando entender a essência daquilo que fora apresentado e desvelado durante todo o período de trabalho. O coletivo na escola, os instrumentos e os procedimentos Para o desenvolvimento da pesquisa pensando a formação como um processo que ocorresse na escola composto por professores do ensino médio que tivessem interesse no desenvolvimento profissional docente. Buscou-se a constituição de um pequeno coletivo que pudesse discutir a sua própria prática pedagógica e a escola com um todo. Esse coletivo foi idealizado a partir das concepções discutidas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente. O trabalho coletivo proposto define-se como um conjunto de pessoas que estão sujeitas a mudanças constantes, e para tanto é necessário levar em consideração as características individuais, as heterogeneidades, as relações estabelecidas entre elas em um determinado contexto de espaço e tempo. O princípio desse elemento orientador procedimental, “trabalho coletivo”, está imbuído da ideologia socialista e que teve grande contribuição de Anton SemiónovitchMakarenko (1985) na Rússia, nas primeiras décadas do século XX. O trabalho coletivo se baseia nessas características específicas e para o desenvolvimento do trabalho os conhecimentos são construídos coletivamente mediante a troca, no confronto dos vários conhecimentos e saberes de cada membro do coletivo com os dos outros participantes, de maneira que todos sejam valorizados igualmente e considerados da mesma forma para o trabalho de “co-design” do processo de intervenção. Cada coletivo é único expressando uma dinâmica singular da totalidade a que pertence. No coletivo a comunicação entre os sujeitos possibilita construção de identidades que se pertencem, e ao mesmo tempo, que se transformam. Esse princípio orientador procedimental nos remete a uma outra ideia central de Vigotski (2010) sobre a formação das funções especificamente humanas como processo em movimento interpsicológico e intrapsicológico, “a primeira, nas atividades coletivas, nas atividades sociais[...] a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento”. Especificamente na escola, o coletivo fora formado pelos professores de biologia e sociologia, pela pesquisadora e por uma aluna de iniciação científica. Criado na Escola Estadual Antônio Luis Bastos, se formou efetivamente em Fevereiro de 2013. O convite aos professores para participarem dessa pesquisa aconteceu após aproximadamente 4 meses de 42661 convivência com a professora de biologia, a acompanhando na escola e nas reuniões que ela realizava com graduandos do PIBID UFU Biologia. Nesse período a professora manifestou seu interesse acerca da profissionalização docente e as necessidades de formação continuada. Destes diálogos manifestou constantemente sua vontade de permanecer em movimento de estudo e formação, desejo esse que era compartilhado por alguns de seus colegas de trabalho na escola. Os Instrumentos Os instrumentos escolhidos para registro dos dados da pesquisa foram: entrevistas realizadas com os professores compostas por questões discutidas coletivamente nas reuniões do grupo GEPEDI – UFU e esse movimento de discussão sobre as questões, o ir e vir dialogados, significaram um movimento de amadurecimento nas elaborações na troca de experiências dentro do grupo e tendo como resultado uma entrevista melhor estruturada, o que foi confirmado ao longo da escrita desse texto. As memórias de cada um dos encontros formativos foram elaboradas ao longo dos encontros por meio de anotações realizadas pela pesquisadora e pela aluna de iniciação científica. Durante os encontros formativos e em conversas individuais com os professores foram realizadas gravações de áudio. Essas gravações foram transcritas e somadas aos demais instrumentos para as análises do processo dialético de formação. Os planejamentos de ensino dos professores do ano de 2013 que haviam sido elaborados anteriormente ao início do processo de formação serviram tanto para diagnóstico inicial como para confrontar ao longo do processo com aquilo que fora revelado, discutido e provocado sobre a prática pedagógica dos professores. Foram incluídos nas análises do processo dialético tanto os planejamentos que foram reelaborados pelos professores ao longo do ano de 2013 como os planejamentos coletivos utilizados em aulas piloto realizadas no final do mesmo ano durante o processo de formação. As gravações de áudios das reuniões e das aulas que foram observadas serviram como complementos e como elucidação de detalhes das memórias no ir e vir das análises dos dados. Os diários de campo da pesquisadora funcionaram como notas adicionais no qual foi possível registrar comportamentos, posturas corporais, mapas de salas de aulas por meio de desenhos e esquemas tentando caracterizar as turmas, detalhes sobre os comportamentos dos professores, da aluna de iniciação científica e dos alunos de ensino médio que não estariam presentes nas memórias e não estariam perceptíveis em áudios. 42662 Os procedimentos Como procedimentos foram utilizados dois aspectos interconectados: o primeiro aspecto levado em consideração foram os encontros formativos que propiciaram a instrumentalização teórico-metodológica por meio de estudo conceitual, análise dos planejamentos de ensino e análises das ações realizadas ao longo do processo. E o segundo aspecto considerado foram as observações das aulas dos professores, tanto para o diagnóstico quanto para formulação dos resultados da instrumentalização teórico-metodológica, do processo como um todo. Uma vez que a formação foi fundamentada na lógica dialética a dinâmica idealizada foi trabalhada por meio de movimentos, totalizando cinco movimentos realizados ao longo do ano de 2013: o primeiro movimento (Diagnóstico e formação do coletivo); O segundo movimento (A formação para docência como processo científico); O terceiro movimento (Rupturas); O quarto movimento (Discutindo a prática social); A preparação e realização dessas “aulas piloto” constituíram o quinto movimento (Ação orientada, a práxis transformadora na escola). Os movimentos não foram pré-definidos antes da execução e não foram separados de forma estanque ou temporal. Eles são fluidos, com marcos tênues de finalização para marcar passagens dentro de um continuun no processo formativo. Temas e as ações de formação As ações foram preparadas a partir das demandas dos próprios professores, dos confrontos dialogados sobre suas necessidades pedagógicas objetivando a aprendizagem da docência, o desenvolvimento profissional docente, e a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes do ensino médio. Primeiro foi realizada uma leitura flutuante, intuitiva, aberta a reflexões e hipóteses, para apropriação do conteúdo dos textos dinamicamente, com idas e vindas sucessivas, passando por todos os instrumentos de coleta, até que começassem a emergir dos dados as primeiras unidades de sentido que compuseram as categorias. A escolha criteriosa das categorias ofereceram uma maior definição e ordenação dos dados, evitando que as perspectivas, a ideologia e a subjetividade da investigadora influíssem na organização, sistematização, objetividade e generalização do material obtido. 42663 Estas categorias (BARDIN,1977) foram definidas a posterioriao longo do processo delimitadas pela dimensão da análise do material compilado e agrupadas em três temas, ressaltando que a escolha desses agrupamentos é uma decisão da pesquisadora: 1) as bases epistemológicas, 2) a identidade profissional docente e 3) a intencionalidade no planejamento. Uma vez definidos os temas a pesquisadora selecionou literatura e definiu as estratégias para debater essas temáticas nos encontros formativos. Isso permitiu a imersão dos professores na instrumentalização teórico-metodológica necessária para o atendimento de suas ansiedades reveladas. Avanços Em linhas gerais é correto se afirmar que os resultados podem ser observados, de acordo com os fundamentos epistemológicos propostos, a partir de transformações que se deram nas práticas pedagógicas dos professores que compunham o coletivo da escola. Em uma perspectiva histórico-cultural os estudos, discussões, reflexões, intervenções, entre outros processos, compõe um conjunto de mudanças quantitativas que culminaram em uma mudança qualitativa de suas atividades. Dito de outra forma, significa dizer que se constatou uma verdadeira transformação das práticas dos professores que pode ser evidenciada nos modos como os novos saberes interiorizados influenciaram os significados e objetivos que os professores davam a suas práticas assim como as formas pelas quais exercem suas atividades. A título de apontamentos, as principais transformações destas práticas que podem ser apresentadas são: a) Transformação dos planejamentos de aula que antes eram marcados por um foco exclusivo nas práticas relativas ao ensino e passaram a considerar os processos de aprendizagem pelos quais passam os discentes. Isto significa que o desenvolvimento do estudante é elevado a condição de objetivo concreto o que implica que estes planejamentos prevejam estratégias de diagnóstico deste desenvolvimento que anteriormente eram inexistentes. b)Uma vez que a prática pedagógica tinha como elemento central o foco em ações de ensino, ao longo deste processo de transformação foi possível constatar uma reorientação destas práticas que passaram a exigir maior participação dos estudantes que agora participam ativamente da aula e cuja participação permite o diagnóstico anteriormente citado. 42664 c) Formação de um movimento de estudo sustentado por um desejo de aperfeiçoamento contínuo. d) Para professora de biologia, por exemplo, se fez notório e crescente ao longo do processo as transformações do entendimento teórico em sua formação. Para ela, ocorreu uma mudança significativa no entender o planejamento, não mais como um pressuposto programático e conteudista, como outrora era percebido pela mesma, mas, como uma ferramenta a serviço do desenvolvimento integral do aluno. Ao planejar com vistas nos pressupostos da Teoria Histórico Cultural, ocorreu o entendimento do fazer pedagógico tendo o aluno como sujeito direto da ação mediada e preparada para possibilitar o ensino e a aprendizagem voltados para o desenvolvimento. A participação voluntária nas aulas também cresceu muito após as mudanças na forma de abordar o conteúdo que agora ocorre de maneira intencionada e pensada com problematização dos temas propostos. Segundo relatos da professora, o formato da formação continuada escolhido pela pesquisadora contribuiu muito para o crescimento do problematização dos temas propostos, bem como para o estabelecimento e crescimento de um verdadeiro coletivo, uma vez que estabeleceu relações horizontais, respeitando os diferentes saberes, sem que houvesse a sobreposição ou valoração de uns sobre os outros, mas uma contínua formação. Considerações Finais O objetivo de promover um processo de formação continuada que, considerando a totalidade cognitiva afetiva humana, mergulha na essência da realidade concreta dos professores para promover o desenvolvimento integral docente, demandou da pesquisadora o empenho de um projeto a longo prazo. Por mais de dois anos buscou-se consolidar um verdadeiro coletivo, estabelecer interações sociais e comunicação, promover indas e vindas teórico e práticas para a consolidação da práxis. Estabelecer uma ruptura com processos formativos estanques e estéreis significaria materializar uma relação social que possibilitasse o acúmulo de mudanças quantitativas ao longo do tempo que culminasse em uma profunda transformação qualitativa. A imersão da pesquisadora, dos professores e da aluna de iniciação científica nesse intenso movimento de ensino, aprendizagem, desenvolvimento geraram resultados que ultrapassam as barreiras quantitativas. A tomada de consciência acerca da docência impulsionaram os professores nesse movimento contínuo de estudo, inclusive ao ingresso de 42665 um dos professores em uma pós graduação stricto sensu. As possibilidades de uma transformação em essência só foram possíveis, pois fundaram-se em uma perspectiva que considera a cultura, o material e o social para a constituição humana em uma compreensão dialética da realidade. REFERÊNCIAS ALVARADO PRADA, Luis Eduardo; LONGAREZI, Andrea Maturano. Aprendizagem docente na formação de professores em serviço. 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