aprendizagem e desenvolvimento docente em movimento

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APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DOCENTE EM
MOVIMENTO: EXPERIÊNCIAS DE UMA FORMAÇÃO
CONTINUADA NO CONTEXTO DA TEORIA HISTÓRICOCULTURAL
Erika Germanos1 - UniCEUB-DF
Leandro Montandon de Araújo Souza2 - UFU
Viviane Pena Carvalho Costa3 - EEALB
Bianca Carvalho Ferola4 - UFU
Caroliny Ferreira de Souza5 - UFU
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: CNPq; FAPEMIG e CAPES/OBEDUC6
Resumo
Os estudos de Vigotski e colaboradores revolucionaram a compreensão dos processos
psicológicos humanos. Essa investigação avalia um processo de formação continuada na
educação básica com professores de uma escola pública de Uberlândia/MG. A intervenção
buscou embasar-se filosófico e epistemologicamente na psicologia histórico-cultural. Para
tanto, a escolha de sua metodologia teve como objetivo a superação da realidade pelo
exercício da práxis. Os docentes envolvidos foram considerados corresponsáveis pela
intervenção educativa, de modo que o estabelecimento de um coletivo possibilitou o
confronto dos conhecimentos e saberes, valorizando os envolvidos em uma forma co-design
de trabalho. Os instrumentos escolhidos para a coleta de dados envolveram entrevistas
realizadas com os professores, memórias dos encontros formativos, gravações de áudio,
planejamentos de ensino dos professores e diários de campo da pesquisadora. Inicialmente, os
dados acumulados foram analisados pela pesquisadora e agrupados em três temas: 1) as bases
epistemológicas, 2) a identidade profissional docente e 3) a intencionalidade no planejamento.
O diagnóstico contínuo permitiu desvelar as necessidades dos professores e possibilitou a
1
Mestre em Biodiversidade, Doutoranda em Educação: Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professora
do Centro Universitário de Brasília-UniCEUB-DF. E-mail: [email protected]
2
Graduado em Ciências Sociais, Mestrando em Educação: Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Professor
na Escola Estadual Antônio Luis Bastos. E-mail: [email protected]
3
Graduada em Ciências Biológicas. Professora na Escola Estadual Antônio Luis Bastos. E-mail:
[email protected]
4
Graduanda em Ciências Biológicas: Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]
5
Graduanda
em
Ciências
Biológicas:
Universidade
Federal
de
Uberlândia.
E-mail:
[email protected]
6
A professora Andréa Maturano Longarezi faz parte do trabalho na qualidade de orientadora, entretanto não
consta como coautora devido ao limite de cinco autores definido pelas normas do evento.
ISSN 2176-1396
42653
organização de uma instrumentalização teórico-metodológica para a realidade concreta. Os
resultados evidenciaram que o conjunto de ações do processo formativo como as discussões,
reflexões, intervenções, entre outras, possibilitaram uma série de mudanças quantitativas que
culminaram em uma mudança qualitativa da atividade docente. Assim, se constatou uma
verdadeira transformação das práticas dos professores que pode ser evidenciada na
ressignificação da profissão docente e a forma de exercício de suas atividades, bem como na
transformação dos planejamentos de aula, a exigência de uma maior participação dos
estudantes em sala de aula e a inserção em um movimento contínuo de estudo. As
possibilidades de transformação na essência só foram possíveis, pois o processo formativo
fundou-se nos pressupostos vigotskianos que considera a cultura, o material e o social para a
constituição humana em um entendimento dialético da realidade.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Aprendizagem. Práxis. Formação. Docência.
Introdução
Este trabalho apresenta os resultados de um esforço de formação continuada com
professores da educação básica em uma escola pública estadual na cidade de Uberlândia/MG.
Diferente das intervenções no ambiente escolar, marcadas frequentemente pela execução de
projetos pedagógicos que recortam no tempo seu período de atuação e analisam os
professores apenas nos espaços das salas de aula, a investigação considerou as atividades em
que os indivíduos estão envolvidos como um todo. Tem em sua essência uma orientação
pautada no pensamento de Vigotski (1984) que apontou como a psicologia tradicional separou
aspectos afetivos e intelectuais da pessoa, e, ao fazê-lo, separou o pensamento "a partir da
perspectiva da vida como um todo” dos motivos de vida, interesses, necessidades do
indivíduo. Assim, na investigação sobre professores e ensino, o "desenvolvimento
profissional" tende a ser considerado independente de tudo o mais na vida de quem ensina.
Vale ressaltar que numa abordagem histórico-social, todas as diferentes atividades em que
uma pessoa se engaja no curso da vida seja familiar, de lazer, ou políticas afetam todas as
outras partes/áreas da vida do indivíduo (LEONTIEV, 1978). Este processo de formação
continuada se caracterizou pelo esforço de um movimento de estudo alicerçado nos
referenciais teóricos oriundos da psicologia russa, nos trabalhos de Lev Semyonovich
Vigotski (1896-1934) que constituíram um marco na história da ciência psicológica tomando
como estimativas os processos evolutivos e históricos para a compreensão da formação e
desenvolvimento do homem superando as concepções predominantes na época.
Aplicando a filosofia marxista à psicologia, Vigotski, de forma brilhante e criativa,
formula um conjunto de teses sobre o desenvolvimento ontogenético histórico e social do
42654
homem, que se opunha aos biologistas e as correntes dominantes idealistas da psicologia,
assim como aqueles pontos de vista de que o desenvolvimento da cultura ocorre
independentemente da história da sociedade. A psicologia dialética parte antes de tudo da
unidade dos processos mentais e fisiológicos.
Para compreender cientificamente as leis sobre a origem e o desenvolvimento do
homem no contexto da Teoria Histórico Cultural, é fundamental que a análise seja dirigida ao
todo concreto, e em um determinado momento histórico. Assumindo esta perspectiva,
Vigotski (2000) rompe definitivamente com a interpretação tradicional posta pela psicologia
de sua época. Dessa forma, os homens são entendidos como uma formação histórica e cultural
que interagem, criados pela própria atividade de produção e transformação da sua realidade.
Assim, na Teoria Histórico Cultural a história, ou seja o historicismo, é o que organiza e gera
todos os outros conceitos da espiral dialética.
Para Vigotski (1987), em primeiro lugar, os processos psicológicos devem ser
estudados durante o desenvolvimento do indivíduo. Em segundo, este desenvolvimento é
considerado um salto revolucionário, por meio de uma mudança qualitativa. Em terceiro, é
necessário combinar os enfoques na análise do desenvolvimento, daí a razão da análise
proposta ultrapassar as tradicionais considerações filogenéticas. Para ele, as funções mentais
superiores são eminentemente de natureza e origem social. O papel central que a sociedade
tem sobre o comportamento humano se caracteriza por ferramentas psicológicas que podem
ser usadas para monitorar a atividade. Além disso, essas ferramentas são essenciais para
compreender os fenômenos que influenciaram as mudanças qualitativas. Esta abordagem tem
uma ênfase no desenvolvimento do próprio sujeito e com os outros, no contexto das
atividades sociais.
Neste sentido é na cultura, como um registro de sistemas simbólicos criados
socialmente, que se encontram os significados das experiências vividas pelos diferentes
sujeitos. Portanto, presume-se que a experiência em si só é relevante para a aprendizagem
quando entendida como relação prática e dinâmica entre o homem e o ambiente natural e
social. Isto significa dizer que o conhecimento, diferentemente da experiência sensorial que é
formada por meio da experiência prática, é formado pelo universo material e humano, sendo
que a ideia é a expressão teórica do mundo. Note que o posicionamento aqui ocorre
diferentemente do construtivismo que entende o conhecimento como a ciência das ideias
(CARRETERO, 1997). Como frisado por Palangana (2001), os homens são em sua atividade
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concreta o ponto de partida para a formulação do conhecimento, a ciência real, a formação
dos conceitos, aprendizagem e desenvolvimento da personalidade começam na vida real, na
atividade prática. E a prática é a própria ação guiada e mediada pela teoria, que é concebida
como aquisição histórica, construída e produzida na interação que se estabelece entre os
homens e o mundo.
Na Teoria Histórico Cultural a aprendizagem constitui uma atividade social e não
apenas um processo de realização individual, uma atividade de produção e reprodução de
conhecimento, de forma que o sujeito interioriza os modos sociais de ação e interação. Na
verdade, o conceito de aprendizagem se situa no centro de atenção do sujeito ativo em sua
interação com os outros e com os objetos, que funcionam como os elementos que permitem as
transformações internas, as modificações psíquicas e físicas. Há um processo de apropriação
da cultura por meio da internalização (reconstrução interna de uma operação externa) dos
conteúdos sociais mediados por instrumentos e signos que permitem a transição do plano
interpsicológico para o plano intrapsicológico, a partir do qual os sujeitos reconstroem o
conteúdo social com um sentido pessoal. É por meio deste mecanismo ativo de interiorização
da consciência social que se desenvolve a consciência individual (VIGOTSKI, 1998).
Só é possível a compreensão do sentido que a categoria aprendizagem recebe em
Vigotski quando se considera este processo de internalização. A realidade social é elevada
dessa forma à condição de fundamento dos significados que serão elaborados pelos indivíduos
ao longo deste processo.
“Daí está claro, porque necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores
ter sido externo: isto é, ter sido para os outros, aquilo que agora é para si. Isto é o
centro de todo o problema do interno e do externo. (...) Para nós, falar sobre
processo externo significa falar social. Qualquer função psicológica superior foi
externa – significa que ela foi social; antes de se tornar função, ela foi uma relação
social entre duas pessoas. (VIGOTSKI, 2000, p. 24)
Nos trabalhos de Vigotski, ele atribuiu importância central para a relação entre
desenvolvimento e aprendizagem e sobre o impacto que esta questão tem sobre o diagnóstico
da capacidade intelectual dos indivíduos. E assim, desenvolveu uma teoria de ensino. Para
ele, o que as pessoas podem fazer com a ajuda de outras pessoas pode ser um pouco mais
indicativo do seu estado de desenvolvimento mental do que aquilo que elas podem fazer por
si mesmas. Assim, é considerado por ele que não se limite a simplesmente determinar os
níveis de desenvolvimento aparente, mas descobrir as possíveis relações desse processo
evolutivo com as potencialidades de aprendizagem do sujeito. Diante do exposto, ele assumiu
42656
uma nova posição em relação à educação e ao desenvolvimento. Ao contrário das tendências
dominantes do seu tempo que dicotomizavam a relação entre desenvolvimento e
aprendizagem nas quais o desenvolvimento era considerado espontâneo, ontológico,
biológico, Vigotski apontou que o ensino tem papel de liderança, que precede e conduz o
desenvolvimento mental do sujeito, enfatizando que a educação é desenvolvedora apenas
quando considerada força motriz do desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 1998).
Aprendizagem da docência para além da formação acadêmica
Dentro desse contexto, compreende-se a docência como uma ação intencional que
possibilita a construção de conhecimento com o outro, e assim torna possível a apropriação e
produção de cultura contemplando a dimensão humanizadora do desenvolvimento do docente.
A aprendizagem faz parte do ofício do professor, todavia é também mister que seja
fundamento da ação profissional e como toda atividade humana precisa ser aprendida
(ALVARADO PRADA; LONGAREZI, 2008).
A aprendizagem docente encarada como mola propulsora do desenvolvimento
profissional precisa, no entanto, se fundamentar nas situações concretas do ofício. O docente
possui uma bagagem rica de conhecimento autogerada que o situa como protagonista de sua
própria história e de sua identidade. O reconhecimento de sua identidade enquanto educador
faz parte da construção da autonomia profissional, porém com o entendimento de que a
autonomia não é um isolamento, pelo contrário, só é possível se houver intercâmbio, apoio,
relação. É na própria práxis que o professor conhece seu ofício em si, em constante
movimento atuando e tomando decisões regularmente, ora de forma intencional e em outros
momentos não intencionalmente.
O ponto de fragilidade se encontra na falta de intencionalidade, e na alienação.
Ressalta-se que a formação do docente não se resume ao período de sua graduação. Muito
antes de seu ingresso na universidade o futuro professor cria suas concepções e percepções
sobre a prática docente ao longo de sua vida escolar, enquanto aluno e observador da prática
de seus antigos professores como demonstrado pelo trabalho de Souza (2011). Estas
concepções surgem e alicerçam uma ideia sobre a identidade e prática docente mesmo que
racionalmente desconsideradas por eles próprios e pelos formadores de professores.
De acordo com o percurso histórico da educação brasileira pode-se observar que o
lugar social do professor é frequentemente desqualificado. Marcado por momentos em que a
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docência era entendida como uma ocupação e não uma profissão e essencialmente exercida
por mulheres (PIMENTA, 2010). Outra marca diferencial é o tecnicismo, reforçado pelo
Estado, e a cultura “do novo” que por adesão e sem postura crítica (CONTRERAS, 2002)
foram incorporadas pela educação brasileira. Todos estes fenômenos influem ativamente na
estruturação das concepções citadas acima.
Existe, portanto uma necessidade urgente de ruptura com estas pré-concepções que
atreladas à lógica mercadológica e utilitarista do conhecimento da sociedade de classes, torna
turva a percepção do que é, e como é composta a profissão docente. Para que estas rupturas
ocorram é fundamental localizar a realidade do professor também no centro dos desafios da
sociedade contemporânea marcados pela competição, pelo produtivismo, pela mudança e pela
exigência do “novo”. Esta exigência de “novas” práticas pedagógicas, tão reivindicadas em
diversos processos de formação continuada, torna os professores vítimas de processos alheios
aos seus reais objetivos e necessidades.
Processos formativos que desconsideram as necessidades e objetivos das pessoas reais
(em oposição a um idealismo da concepção do ser professor que o reduz a um conceito vazio
e inexistente na realidade concreta) são vividos pelo docente como algo externo a ele, ou seja,
não se objetiva na sua realidade e perde o sentido.
Este modelo de formação em serviço
criticado, é desenvolvido apenas como um modo de sobrevivência para atender as conjunturas
e assim sendo não promovem as transformações efetivas. Tornam-se na verdade meros
treinamentos sem apreensão de conhecimento e sem uma real transformação das práticas
pedagógicas e das condições sociais do trabalho.
Uma verdadeira transformação da prática docente deve ser entendida como um
movimento de apropriação e incorporação de conhecimentos sobre o fazer pedagógico
objetivados em sua realidade, nos seus processos históricos e nas suas projeções de vida
conforme discutido por Alvarado Prada e Longarezi (2008).
Quando esta transformação não
ocorre, significa que o professor não aprendeu, apenas reproduziu técnicas, modelos e
conceitos para satisfazer as exigências institucionais e de mercado não sendo capazes de
adicionar valores e sentido ao seu trabalho. Estes eventos de formação que mantém a
condição alienante são tão sérios que mesmo em condições de remuneração, tempo e espaço
para formação continuada atendendo a reivindicações comuns feitas pelos professores os
processos de formação caem no vazio, e/ou não tem adesão como apontado por Franco
(2009).
42658
Assim, a partir da concepção de que aprender integra a atividade do professor, os
espaços de formação em serviço precisam colocar em evidência de forma significativa que a
aprendizagem docente está ligada diretamente a práxis como cerne do desenvolvimento do
docente na sua integralidade. Pode-se dizer, portanto que o docente aprende por meio da
docência, na práxis. Práxis “implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para
transformá-lo” (Freire, 1988, p. 67). Aprender deve ser concebido como atividade objeto dos
profissionais da educação. A aprendizagem da docência se dá no confronto de saberes do
sujeito com o próprio sujeito, e do sujeito com outros sujeitos. Para tanto, é preciso que o
professor passe a se objetivar na sua realidade para colocar em prática novas ações, e se
objetivar teoricamente com base em suas instrumentalizações para promover o seu
crescimento profissional. Podemos dizer que o docente precisa operar mentalmente com base
nos princípios teóricos, o agir teórico é um processo que acontece simultaneamente, pois sem
pensamento teórico não há um agir teórico e estes são interdependentes. Esta é a essência da
práxis defendida. O conhecimento teórico não é mais importante que o conhecimento prático
e vice-versa, mas a síntese é que possibilitará que o professor se desenvolva, no que se refere
à formação de funções psicológicas superiores, ou seja, transformar em real o potencial
cognitivo, desenvolver o sujeito na sua integralidade. Pensar na atividade da docência
enquanto práxis contempla a docência em todas as dimensões experienciais, teóricas,
científicas etc.
Desenvolvimento
Caminhos percorridos durante a pesquisa
A pesquisa é um processo. O caminho é de fato desconhecido, por mais que se planeje
e se antecipe as condições encontradas no meio exigem muito do pesquisador e, no caso da
pesquisa na área de educação, exige-se também dos demais envolvidos na investigação. Cada
um dos participantes não pode ser apenas considerado como mais um dado, uma informação
estéril, totalmente neutra. Na verdade os envolvidos estão intimamente ligados a pesquisa por
meio do compromisso feito com o investigador, e com a pesquisa em si, para responder as
questões propostas em uma determinada busca científica. A metodologia de pesquisa na área
de educação tem gerado no Brasil uma série de discussões em relação as concepções
epistemológicas, aos procedimentos, aos instrumentos, etc., como já dito por Demo (1995) e
42659
Gatti (2001, 2002) há alguns anos. O panorama nesses últimos anos no que diz respeito ao
ensino e a formação para o ensino pouco tem avançado, como descrito por Gatti e Barretto
(2009); Libâneo (2010); Sguarezi (2010) há, no máximo, um discreto crescimento consistente
na área.
No Brasil observa-se uma vasta literatura que trata de diagnósticos e panoramas da
educação brasileira (LONGAREZI e PUENTES, 2010; LONGAREZI e PUENTES, 2011),
mas pouco ainda há de proposições e intervenções nas escolas. Acredita-se que em virtude
disso o caminho metodológico para as pesquisas na esfera do ensino, na área de formação
para o ensino, principalmente no que envolve o “como” e “o que” ensinar, ainda seja um nó.
Destaca-se a seguir, no contexto da abordagem dialética, mais aspectos que nortearam
a escolha metodológica praticada na presente pesquisa que teve como meta de trabalho a
superação da realidade. A identidade dos contrários é inerente as análises, portanto, sem que
haja a exclusão, mas a unidade entre o objetivo e o subjetivo, qualitativo e o quantitativo, o
interno e o externo, o individual e o social. O cuidado de não colocar toda a carga de resposta
nos dados empíricos, sem que esses sejam analisados no todo de seu contextos. Em busca de
respostas para as questões da pesquisa procurou-se atrelar os dados a análise da essência do
fenômeno que não está na pseudoconcreticidade(concreticidade aparente), ou seja, não se
revela de forma imediata, no entanto, por meio do desvelamento das contradições internas
inerentes a coisa (KOSIK, 1976). Para conhecer e poder intervir no fenômeno em si deve-se
conhecer a sua essência, na interdependência entre forma e conteúdo. Portanto, para este
entendimento não é suficiente o que é aparente, o empírico visível, mas sim o considerar do
fenômeno na sua unidade e na sua processualidade. A compreensão dos fenômenos foi
inspirada nos pressupostos do método dialético buscando-se conceber um processo de
pesquisa que envolvesse a todos como corresponsáveis num movimento de co-design do
processo de intervenção formativa. Desta forma, evitou-se que os professores envolvidos na
pesquisa fossem considerados apenas como objeto de estudo. Os docentes, postos como
participantes do processo de compreensão da realidade, tem mais chances de elevar sua
consciência em relação aos fenômenos que os cercam. Dessa forma, juntos conceberíamos
transformações práticas da realidade pedagógica em rumo a concepção de práxis. Cabe
lembrar, no entanto, que existe o papel da pesquisadora que planeja, analisa e direciona os
movimentos da investigação científica orientando o processo de intervenção didático
formativo. Trabalhou-se ao longo dos encontros perseguindo e conhecendo as contradições
42660
internas existentes nos fatos, historicamente contextualizados objetivando entender a essência
daquilo que fora apresentado e desvelado durante todo o período de trabalho.
O coletivo na escola, os instrumentos e os procedimentos
Para o desenvolvimento da pesquisa pensando a formação como um processo que
ocorresse na escola composto por professores do ensino médio que tivessem interesse no
desenvolvimento profissional docente. Buscou-se a constituição de um pequeno coletivo que
pudesse discutir a sua própria prática pedagógica e a escola com um todo. Esse coletivo foi
idealizado a partir das concepções discutidas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente. O trabalho coletivo proposto define-se como
um conjunto de pessoas que estão sujeitas a mudanças constantes, e para tanto é necessário
levar em consideração as características individuais, as heterogeneidades, as relações
estabelecidas entre elas em um determinado contexto de espaço e tempo. O princípio desse
elemento orientador procedimental, “trabalho coletivo”, está imbuído da ideologia socialista e
que teve grande contribuição de Anton SemiónovitchMakarenko (1985) na Rússia, nas
primeiras décadas do século XX.
O trabalho coletivo se baseia nessas características específicas e para o
desenvolvimento do trabalho os conhecimentos são construídos coletivamente mediante a
troca, no confronto dos vários conhecimentos e saberes de cada membro do coletivo com os
dos outros participantes, de maneira que todos sejam valorizados igualmente e considerados
da mesma forma para o trabalho de “co-design” do processo de intervenção.
Cada coletivo é único expressando uma dinâmica singular da totalidade a que
pertence. No coletivo a comunicação entre os sujeitos possibilita construção de identidades
que se pertencem, e ao mesmo tempo, que se transformam. Esse princípio orientador
procedimental nos remete a uma outra ideia central de Vigotski (2010) sobre a formação das
funções especificamente humanas como processo em movimento interpsicológico e
intrapsicológico, “a primeira, nas atividades coletivas, nas atividades sociais[...] a segunda,
nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento”.
Especificamente na escola, o coletivo fora formado pelos professores de biologia e
sociologia, pela pesquisadora e por uma aluna de iniciação científica. Criado na Escola
Estadual Antônio Luis Bastos, se formou efetivamente em Fevereiro de 2013. O convite aos
professores para participarem dessa pesquisa aconteceu após aproximadamente 4 meses de
42661
convivência com a professora de biologia, a acompanhando na escola e nas reuniões que ela
realizava com graduandos do PIBID UFU Biologia. Nesse período a professora manifestou
seu interesse acerca da profissionalização docente e as necessidades de formação continuada.
Destes diálogos manifestou constantemente sua vontade de permanecer em movimento de
estudo e formação, desejo esse que era compartilhado por alguns de seus colegas de trabalho
na escola.
Os Instrumentos
Os instrumentos escolhidos para registro dos dados da pesquisa foram: entrevistas
realizadas com os professores compostas por questões discutidas coletivamente nas reuniões
do grupo GEPEDI – UFU e esse movimento de discussão sobre as questões, o ir e vir
dialogados, significaram um movimento de amadurecimento nas elaborações na troca de
experiências dentro do grupo e tendo como resultado uma entrevista melhor estruturada, o que
foi confirmado ao longo da escrita desse texto. As memórias de cada um dos encontros
formativos foram elaboradas ao longo dos encontros por meio de anotações realizadas pela
pesquisadora e pela aluna de iniciação científica. Durante os encontros formativos e em
conversas individuais com os professores foram realizadas gravações de áudio. Essas
gravações foram transcritas e somadas aos demais instrumentos para as análises do processo
dialético de formação. Os planejamentos de ensino dos professores do ano de 2013 que
haviam sido elaborados anteriormente ao início do processo de formação serviram tanto para
diagnóstico inicial como para confrontar ao longo do processo com aquilo que fora revelado,
discutido e provocado sobre a prática pedagógica dos professores. Foram incluídos nas
análises do processo dialético tanto os planejamentos que foram reelaborados pelos
professores ao longo do ano de 2013 como os planejamentos coletivos utilizados em aulas
piloto realizadas no final do mesmo ano durante o processo de formação. As gravações de
áudios das reuniões e das aulas que foram observadas serviram como complementos e como
elucidação de detalhes das memórias no ir e vir das análises dos dados. Os diários de campo
da pesquisadora funcionaram como notas adicionais no qual foi possível registrar
comportamentos, posturas corporais, mapas de salas de aulas por meio de desenhos e
esquemas tentando caracterizar as turmas, detalhes sobre os comportamentos dos professores,
da aluna de iniciação científica e dos alunos de ensino médio que não estariam presentes nas
memórias e não estariam perceptíveis em áudios.
42662
Os procedimentos
Como procedimentos foram utilizados dois aspectos interconectados: o primeiro
aspecto levado em consideração foram os encontros formativos que propiciaram a
instrumentalização teórico-metodológica por meio de estudo conceitual, análise dos
planejamentos de ensino e análises das ações realizadas ao longo do processo. E o segundo
aspecto considerado foram as observações das aulas dos professores, tanto para o diagnóstico
quanto para formulação dos resultados da instrumentalização teórico-metodológica, do
processo como um todo.
Uma vez que a formação foi fundamentada na lógica dialética a dinâmica idealizada
foi trabalhada por meio de movimentos, totalizando cinco movimentos realizados ao longo
do ano de 2013: o primeiro movimento (Diagnóstico e formação do coletivo); O segundo
movimento (A formação para docência como processo científico); O terceiro movimento
(Rupturas); O quarto movimento (Discutindo a prática social); A preparação e realização
dessas “aulas piloto” constituíram o quinto movimento (Ação orientada, a práxis
transformadora na escola). Os movimentos não foram pré-definidos antes da execução e
não foram separados de forma estanque ou temporal. Eles são fluidos, com marcos tênues de
finalização para marcar passagens dentro de um continuun no processo formativo.
Temas e as ações de formação
As ações foram preparadas a partir das demandas dos próprios professores, dos
confrontos dialogados sobre suas necessidades pedagógicas objetivando a aprendizagem da
docência, o desenvolvimento profissional docente, e a aprendizagem e o desenvolvimento dos
estudantes do ensino médio.
Primeiro foi realizada uma leitura flutuante, intuitiva, aberta a reflexões e hipóteses,
para apropriação do conteúdo dos textos dinamicamente, com idas e vindas sucessivas,
passando por todos os instrumentos de coleta, até que começassem a emergir dos dados as
primeiras unidades de sentido que compuseram as categorias. A escolha criteriosa das
categorias ofereceram uma maior definição e ordenação dos dados, evitando que as
perspectivas, a ideologia e a subjetividade da investigadora influíssem na organização,
sistematização, objetividade e generalização do material obtido.
42663
Estas categorias (BARDIN,1977) foram definidas a posterioriao longo do processo
delimitadas pela dimensão da análise do material compilado e agrupadas em três temas,
ressaltando que a escolha desses agrupamentos é uma decisão da pesquisadora: 1) as bases
epistemológicas, 2) a identidade profissional docente e 3) a intencionalidade no planejamento.
Uma vez definidos os temas a pesquisadora selecionou literatura e definiu as estratégias para
debater essas temáticas nos encontros formativos. Isso permitiu a imersão dos professores na
instrumentalização teórico-metodológica necessária para o atendimento de suas ansiedades
reveladas.
Avanços
Em linhas gerais é correto se afirmar que os resultados podem ser observados, de
acordo com os fundamentos epistemológicos propostos, a partir de transformações que se
deram nas práticas pedagógicas dos professores que compunham o coletivo da escola. Em
uma perspectiva histórico-cultural os estudos, discussões, reflexões, intervenções, entre outros
processos, compõe um conjunto de mudanças quantitativas que culminaram em uma mudança
qualitativa de suas atividades. Dito de outra forma, significa dizer que se constatou uma
verdadeira transformação das práticas dos professores que pode ser evidenciada nos modos
como os novos saberes interiorizados influenciaram os significados e objetivos que os
professores davam a suas práticas assim como as formas pelas quais exercem suas atividades.
A título de apontamentos, as principais transformações destas práticas que podem ser
apresentadas são:
a) Transformação dos planejamentos de aula que antes eram marcados por um foco
exclusivo nas práticas relativas ao ensino e passaram a considerar os processos de
aprendizagem pelos quais passam os discentes. Isto significa que o desenvolvimento do
estudante é elevado a condição de objetivo concreto o que implica que estes planejamentos
prevejam estratégias de diagnóstico deste desenvolvimento que anteriormente eram
inexistentes.
b)Uma vez que a prática pedagógica tinha como elemento central o foco em ações de
ensino, ao longo deste processo de transformação foi possível constatar uma reorientação
destas práticas que passaram a exigir maior participação dos estudantes que agora participam
ativamente da aula e cuja participação permite o diagnóstico anteriormente citado.
42664
c) Formação de um movimento de estudo sustentado por um desejo de
aperfeiçoamento contínuo.
d) Para professora de biologia, por exemplo, se fez notório e crescente ao longo do
processo as transformações do entendimento teórico em sua formação. Para ela, ocorreu uma
mudança significativa no entender o planejamento, não mais como um pressuposto
programático e conteudista, como outrora era percebido pela mesma, mas, como uma
ferramenta a serviço do desenvolvimento integral do aluno. Ao planejar com vistas nos
pressupostos da Teoria Histórico Cultural, ocorreu o entendimento do fazer pedagógico tendo
o aluno como sujeito direto da ação mediada e preparada para possibilitar o ensino e a
aprendizagem voltados para o desenvolvimento. A participação voluntária nas aulas também
cresceu muito após as mudanças na forma de abordar o conteúdo que agora ocorre de maneira
intencionada e pensada com problematização dos temas propostos. Segundo relatos da
professora, o formato da formação continuada escolhido pela pesquisadora contribuiu muito
para o crescimento do problematização dos temas propostos, bem como para o
estabelecimento e crescimento de um verdadeiro coletivo, uma vez que estabeleceu relações
horizontais, respeitando os diferentes saberes, sem que houvesse a sobreposição ou valoração
de uns sobre os outros, mas uma contínua formação.
Considerações Finais
O objetivo de promover um processo de formação continuada que, considerando a
totalidade cognitiva afetiva humana, mergulha na essência da realidade concreta dos
professores para promover o desenvolvimento integral docente, demandou da pesquisadora o
empenho de um projeto a longo prazo. Por mais de dois anos buscou-se consolidar um
verdadeiro coletivo, estabelecer interações sociais e comunicação, promover indas e vindas
teórico e práticas para a consolidação da práxis. Estabelecer uma ruptura com processos
formativos estanques e estéreis significaria materializar uma relação social que possibilitasse
o acúmulo de mudanças quantitativas ao longo do tempo que culminasse em uma profunda
transformação qualitativa.
A imersão da pesquisadora, dos professores e da aluna de iniciação científica nesse
intenso movimento de ensino, aprendizagem, desenvolvimento geraram resultados que
ultrapassam as barreiras quantitativas. A tomada de consciência acerca da docência
impulsionaram os professores nesse movimento contínuo de estudo, inclusive ao ingresso de
42665
um dos professores em uma pós graduação stricto sensu. As possibilidades de uma
transformação em essência só foram possíveis, pois fundaram-se em uma perspectiva que
considera a cultura, o material e o social para a constituição humana em uma compreensão
dialética da realidade.
REFERÊNCIAS
ALVARADO PRADA, Luis Eduardo; LONGAREZI, Andrea Maturano. Aprendizagem
docente na formação de professores em serviço. In: GALVÃO, Afonso; SANTOS, Gilberto
Lacerda dos. (Org). História e pensamento educacional, formação de educadores,
políticas públicas e gestão da educação. Brasília: líber Livro, 2008.
BARDIN, Laurence.
. isboa Edições 70, 1977.
CARRETERO, Mario. Construtivismo e Educação. Trad.: Jussara Haubert Rodrigues. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
CONTRERAS, José. Autonomia de professores. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
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