A PROIBIÇÃO DO ABORTO E A LAICIDADE BRASILEIRA Luiz Augusto Mugnai Vieira Jr1 Yonissa Marmitt Wadi2 1. INTRODUÇÃO Neste contexto da não legalização do aborto em algumas sociedades, como a brasileira, a qual se encontra a nossa discussão, analisaremos a questão da lei da laicidade do estado brasileiro junto com seus dispositivos da sua Constituição. Puxando o fio condutor “proibição do aborto” dessa discussão, notaremos que nesse fio condutor estão presentes outros fios “amarrados”, que também estão envolvidos nele. Para isso, partiremos de um raciocínio reflexivo de que a proibição do aborto, a laicidade e as políticas públicas de saúde (alguns desses fios “amarrados”) estão intrinsecamente envolvidas e nos traz a seguinte indagação: Se o Brasil é um país laico, por que existem questões religiosas envolvidas na não legalização da prática do aborto? Assim, reconhece-se que a falta de uma discussão aberta, da resolução deste grave problema de saúde pública que é o aborto, possuiria a sua não legalidade prática uma relação estreita com pressões religiosas? Para isso analisaremos por meio da leitura do preâmbulo da Constituição de 1988 para refletirmos tal indagação: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 1 Mestrando do curso de História – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Contato: email: [email protected]. 2 Doutora em História / Pesquisadora do CNPq / Professora Adjunta da UNIOESTE. 1 A Constituição brasileira segue em princípio o modelo de separação de Estado e Igreja, mas o que verifica é uma neutralidade que configura em uma "neutralidade" benevolente, provida de simpatia à religião e às igrejas. Segundo Santos (2007) isso é observado nas normas adiante assinaladas: 1) A Constituição não é atéia. Invoca no Preâmbulo o nome de Deus, pedindolhe a proteção. 2) Aceita como absoluta a liberdade de crença (art. 5º, VI). 3) Consagra a separação entre Igreja e Estado (art. 19, I). 4) Admite, porém, a "colaboração de interesse público" (art. 19, I, in fine). 5) Assegura a liberdade de culto (art. 5º, VI) Ressalta Soriano (2002) que houve desde a primeira Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891 até a Constituição atual, promulgada em 05 de outubro de 1988, algumas alterações significativas no que se refere ao modelo de separação. Aqui no Brasil o tratamento da questão da laicidade caminha aparentemente na contramão da tendência que tem sido registrada na Europa que consiste em um distanciamento cada vez maior entre a organização política e as organizações religiosas. Em um primeiro momento podemos afirmar que o estado brasileiro é laico, assim sendo estaria desvinculado da igreja ou de qualquer religião. Portanto, ser um estado laico o que conta, mais do que dogmas ou crenças, é o direito civil. O estado laico tem como farol a ciência, que dá os subsídios para a confecção de leis que visam ampliar o espaço democrático e os direitos individuais. Mas, segundo Santos (2007) existem dois modelos básicos de laicidade estatal que seriam um mais aberto e outro mais fechado à invasão de fatores religiosos no espaço público. A atual Constituição Federal do Brasil segue um modelo de laicidade que favorece os aspectos religiosos e, no particular, ainda é mais aberto para a incursão da religião no espaço público. O princípio da separação estado e religião dependem das particularidades históricas de cada país que o adotou afirma Santos (2007), de uma precedência histórica de uma intenção sobre a outra, seja capaz de atender a ambos os interesses. Nos Estados Unidos, por exemplo, vê-se claramente que a intenção inicialmente dos constitucionalistas foi trazer uma proteção às igrejas da interferência governamental, 2 garantindo assim também uma proteção ao pluralismo religioso que marcou a história norte-americana desde os seus primórdios. Questionando se de fato a laicidade se cumpre no Estado brasileiro, se há de fato separação entre Estado e Igreja, percebe-se então que entre os dois modelos básicos de laicidade estatal: um mais aberto e outro mais fechado, existe no Brasil um modelo mais aberto à incursão do fenômeno religioso no espaço público. Neste sentido, pretende-se discutir, neste artigo, numa ótica histórica antropológica, o posicionamento imposto pelas leis que delimitam (proibindo e criminalizando) o lugar do aborto na sociedade brasileira. Para Capez (2006) “considera-se aborto a interrupção da gravidez, com a conseqüente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida uterina”. Porém, segundo Bitencourt (2004) de maneira geral, os códigos penais não definem em o que consiste o aborto, trazendo a dúvida sobre “se é suficiente a expulsão do feto ou se é necessária a ocorrência da morte para caracterizá-lo”. De acordo com o autor, o nosso atual Código Penal não o define, tornando assim limitado a uma fórmula neutra e indeterminado, porém mesmo assim o artigo 124 do Código Penal prevê detenção de um a três anos para a gestante que provocar o aborto em si mesma ou consentir que o outro o faça. O aborto inseguro é reconhecido pela comunidade internacional como um grave problema de saúde pública desde a década de 1990. O termo “inseguro” é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como procedimento para interromper a gravidez não desejada realizada em ambientes e condições inadequadas através de pessoas sem habilidades necessárias. Reunidos em uma mesa-redonda organizada pela Casa Brasil cientistas promoveram uma discussão tendo o tema à importância de se descriminalizar o aborto não somente em casos de anencefalia, mas em condições normais de saúde do feto e a defesa de um Estado laico, no qual questões religiosas não determinem políticas. Segundo o professor Ivo Pitanguy presente na mesa redonda, destacou que as mulheres devem ter o direito de decidir se querem ou não reproduzir, e que o aborto inseguro é um problema grave de saúde pública, elevou-se a um debate sobre a interrupção da gravidez a um novo patamar que deverá trazer mudanças na legislação brasileira e no Código de Ética Médica. 3 Portanto, a polêmica do aborto traz em cena diferentes atores que reivindicam um poder de decisão sobre a vida, trata-se de médicos, dos governos e de poder judiciário. Para Foucault (1979) trata-se de um biopoder, um poder que necessita de mecanismos contínuos, reguladores e corretores da vida. Nessa disputa entre esses atores na qual o aborto é objeto de discussão na sociedade, dos fatos "da vida de todos os dias" estão ligados, sobretudo às disputas jurídicas. Focault (1979) afirma que as sociedades contemporâneas são caracterizadas por um poder político que se convenciona na tarefa de gerenciar a vida, pois na sociedade moderna essa vida é um tema de disputa diferentemente das épocas onde um soberano possuía o direito de matar ou de deixar viver. Ao falar da proibição do aborto, fio condutor da nossa discussão aqui, não se pode deixar de mencionar e ressaltar, a questão da mulher, já que essa seria também um fio de grande importância o qual estaria também amarrado aos demais fios mencionados inicialmente para entendermos a não legalização da tal prática. Esse poder de mecanismos contínuos, reguladores e corretores da vida utilizam-se de acordo com Eluf (1993) uma ótica exclusivamente masculina da sexualidade humana, imposta durante séculos, trouxe imensos prejuízos à saúde física e mental da mulher, dentre os quais se destaca a proibição legal do aborto, por vontade da gestante, ainda presente na lei penal brasileira. Obviamente a reprodução resulta do instinto, da atração que a mulher sente pelo homem, do impulso sexual que ela está biologicamente programada para sentir e da satisfação da sua afetividade, que não está diretamente ligada à vontade de procriar. Muito ao contrário, aliás: no mais das vezes o sexo tem uma função que se esgota em si mesma, por isso a necessidade dos anticoncepcionais. Embora evidente, hoje, ter a mulher pleno direito ao exercício da sexualidade, tanto como os homens, cabe ressaltar que essa realidade está indissociavelmente à atualidade não podendo ser estendida ao passado. O poder de decidir sobre o corpo é conquista feminina recente, ainda em processo de solidificação no Brasil, embora já bastante avançada nos países do primeiro Mundo. Por meio de uma breve retrospectiva histórica, é possível visualizar a evolução da condição legal feminina no Brasil. Até 1934, a mulher brasileira não tinha direito sequer de votar ou ser votada. O conceito de “mulher honesta” foi sustentado até o começo do século XXI, com a manutenção do Código Penal de 1940 que vigorou até 4 2004. Na década de 60, comumentemente associada às transformações e a efervescia cultural, foi criado o estatuto da Mulher Casada, Lei n.4121, de 27/01/1962, a mulher era: Considerada relativamente incapaz pela Lei Civil, equiparada às crianças e aos silvícolas, numa condição de extrema humilhação, só recentemente reparada. A mulher “direita”, “de família” ou outros adjetivos similares, era aquela que se transformava num objeto a mercê de seu proprietário (pai ou marido) e, após o casamento, servia de receptáculo do sêmen do marido, com o fim de procriar. Desprovida de vontade, estava condicionada aos desígnios incontornáveis da maternidade que, mais do que uma função biológica, representava sua única contribuição social possível (ELUF, 1993, P.89). Não podemos deixar de ressaltar também a influência da Igreja, do poder papal, das religiões cristãs que, de certa forma, se deparam com a prática ou não do aborto como já mencionamos no início desse artigo e assim como também da uma construção da imagem de “ser mulher” a ser seguida e aceita. O cristianismo, com o culto à Virgem Maria, acentua e reforça a importância da maternidade, de acordo com Hurst (1992). Para Nunes (2007) a Igreja proclama sua concepção imaculada e a torna um dogma de fé, isto é, define Maria como a única criatura humana a conceber sem pecado, reafirmando o modelo cristão de mulher submissa, pura, virgem e, ao mesmo tempo, mãe. Por essa razão, em nossa cultura, ser mãe tem um “peso” maior do que ser pai. A representação social do papel da mãe e do pai apresenta significativa diferença no que tange a responsabilidade sobre o filho. Não assumir a paternidade, ou o abandono dos filhos pelo pai, acarreta um impacto menor do que o não exercício da maternidade. Tido invariavelmente como polêmico, o aborto há muito vem sendo discutido, ora apontado como problema, ora como solução. Uma breve observação histórica verá que tal prática teve diferentes olhares, posicionamentos e valores conforme as sociedades, períodos históricos e traços culturais. Gregos, romanos, estóicos e cínicos, segundo Martielo (1994), chegavam aconselhar a prática ilimitada do aborto. Grandes pensadores como Aristóteles e Platão pregavam a utilidade do aborto, como meio de conter o aumento populacional, que acreditavam ser a fonte inesgotável da miséria humana. Já Sócrates admitia o aborto como a própria liberdade de opção pela interrupção da gravidez. Porém, na época da República Romana, o aborto foi considerado algo imoral, entretanto, teve larga utilização entre as mulheres que se preocupavam com aparência física e que nesse período assumiram grande importância 5 no meio social romano. Devido ao aumento do aborto por tal motivo, houve a necessidade de considerá-lo crime previsto em lei. É interessante ressaltar que os persas, segundo o autor, adotavam um sistema de repressão à mãe e ao pai, colocando ambos como responsáveis pelo aborto. Eram, em conjunto, submetidos à execração pública e, por fim, executados. Portanto, somente com o surgimento do Cristianismo alterou-se profundamente a visão que se tinha a respeito do aborto, haja vista o aparecimento da crença de que o homem possuía uma alma imortal, bem como a figura de um Deus onipresente que provinha e que somente a Ele era cabível o poder da vida e da morte. Em suma, o Cristianismo, dentro da sua estrutura dogmática, jamais deixou de ser contrário ao aborto, estabelecendo discussão entre os filósofos, com divergências que residiam na questão de o feto possuir ou não uma alma dada por Deus, herança histórica ainda presente nas discussões cientificas, religiosas e de senso comum. Por isso, o aborto é um ato ainda tão polêmico e traz à tona, em sua não legalização, toda a forma de pensar, costumes, regras, poderes político e econômico e diversos fatores de uma determinada sociedade. Esse pensamento se coaduna perfeitamente com a proposição da feminista Beverly W. Harrison, também teóloga: a coerção das mulheres, pela esterilização forçada ou por uma gravidez forçada, legitima o poder injusto sobre relações humanas de intimidade e ferem o coração da nossa capacidade de relações sociais morais. Assim, segundo Muraro (2001), impor a qualquer mulher, mesmo seguidora de um credo religioso, uma norma que restringe sua liberdade, é impedi-la de exercer sua capacidade moral de julgamento e decisão. É negar-lhe sua humanidade. Aparentemente, a Igreja ainda exerce influência como exemplificação, podemos citar os quinze países católicos da América Latina, que continuam mantendo uma rígida legislação contra o aborto. Se a mulher é católica, que ela assuma as responsabilidades perante sua religião e não faça aborto. Mas e todas aquelas que não são ligadas a essa religião e que são punidas por uma lei claramente influenciada pela posição do catolicismo? Observa-se que essa definição varia culturalmente entre as sociedades, pois em algumas não existe nem mesmo uma aceitação em caso de riscos de vida da mãe por causa da gravidez, em casos de estupros, de acordo com a legislação e valores de certos países e também havendo uma variação na permissão do tempo de vida do feto a ser 6 abortado. Com o aborto legalizado a sociedade seria menos hipócrita e morreriam menos mulheres, de acordo com Muraro (2001). Nota-se que o aborto envolve polêmica em sua legalização e indagações são colocadas cada vez mais em pauta e recentemente a mídia tem dado uma repercussão a essa questão. Por que o aborto no Brasil não é legalizado, sendo-o em outros países, como grande parte da Europa, EUA e, recentemente, até Portugal e México, países predominantemente católicos? O ministro da Saúde, José Temporão, disse para redação do site Terra que a proibição do aborto no País tem um viés machista e que o tema é, antes de tudo, de saúde pública e não apenas "religiosa, ética, filosófica ou fundamentalista”. Temporão afirmou que gostaria de ouvir as mulheres. Para ele as manifestações são majoritariamente compostas por homens. E observou que, infelizmente, os homens não engravidam. Se engravidassem, essa questão já estaria resolvida há muito tempo. E acrescenta que “as mulheres é que sofrem e se vêem sozinhas e as leis são feitas pelos homens", argumentou. Para ele, a sociedade brasileira evoluiu bastante nos últimos anos e a discussão sobre aborto não pode mais ser considerada apenas do ponto de vista religioso ou ético e sim do prisma da saúde pública. "Eu tenho tentado há muito tempo tirar essa discussão da questão ética, religiosa, filosófica e do fundamentalismo e trazêla para o campo real da dor, da morte e do sofrimento", comentou o ministro. A polêmica sobre a liberação do aborto no Brasil (e no mundo) é antiga, mas reacendeu com a chegada do papa Bento XVI ao Brasil, no ano de 2007. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em entrevista às redes católicas de rádio e TV, que é pessoalmente contra o aborto, mas que o governo tem que tratar o tema no âmbito da saúde pública. Esse tipo de abordagem vai contra os interesses da Igreja, que pretende manter a proibição para a prática no Brasil. Segundo Temporão, um estudo norteamericano apontou que no Brasil são feitos cerca de um milhão de abortos clandestinos por ano. "Quem sofre mais são as mulheres pobres. As mulheres de classe média ou alta podem recorrer a clínicas clandestinas com alguma segurança", salienta. Rose Marie Muraro concorda: “Sou a favor da descriminalização do aborto em qualquer caso, principalmente por causa das mulheres de baixa renda. As mulheres de classe média pagam o aborto e não sofrem tanto. Já as mulheres mais pobres, muitas vezes são obrigadas a manter relações sexuais com os maridos sem preservativo. Ficam sujeitas ao 7 aborto porque não conhecem os métodos anticoncepcionais. O único método é fazer o aborto em más condições.” Portanto, o interesse deste artigo foi desenvolver uma reflexão sobre até que ponto a influência religiosa sobre o estado brasileiro mesmo sendo laico acaba delimitando a legalização do aborto na sociedade brasileira. Para isso, é de grande importância para análise a lei da laicidade brasileira, pois através da lei percebemos não somente os valores, os costumes, as crenças de uma sociedade refletida como também as possíveis colisões com moral estabelecida nela. A lei acaba sendo, assim podemos dizer uma narrativa mestra da nação, e disso deriva a luta para inscrever uma posição nela e obter legitimidade e audibilidade dentro dessa narrativa. Para Bourdieu (1989), trata-se de verdadeiras e importantes lutas simbólicas. Exemplos como a luta em torno da questão do aborto e do casamento gay são particularmente reveladores, pois neles se encontra em jogo não meramente a legislação sobre tais práticas, já que essas encontram caminho com ou sem a lei, mas o próprio status de existência e legitimidade, na nação, das comunidades morais que as aceitam reconhecendo-as. Discursando sobre a historicidade e a expansão dos direitos, Bobbio (1991) nos coloca: [...] os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra abundantemente. A lista dos direitos do homem modificou-se e continua a se modificar com a mudança das condições históricas, ou seja, das necessidades, dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para sua realização, das transformações técnicas etc. [...] Direitos que tinham sido declarados absolutos em fins do século XVIII, como a propriedade sacré et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII sequer mencionavam, como os direitos sociais, estão proclamados com grande ostentação em todas as declarações recentes. Não é difícil prever que no futuro poderão surgir novas exigências que agora nem conseguimos vislumbrar (ênfase minha) [...] (Bobbio 1991:56-57). Neste sentido acredita-se que novos estudos possam ser realizados a partir das questões abordadas inicialmente, por ser de grande importância e complexidade a temática aqui apresentada, possibilitando uma melhor compreensão para teóricos, profissionais e também pessoas interessadas sobre o assunto que, de certa forma, compartilham deste universo. 8 2. OBJETIVOS Analisar a questão da lei da laicidade do estado brasileiro junto com seus dispositivos da sua Constituição frente à proibição do aborto no Brasil. 2.1 Objetivos específicos Mostrar se ou como os fatores religiosos e políticos influenciam na questão da proibição do aborto Verificar a construção da representação da mulher na sociedade brasileira. 3. METODOLOGIA Num primeiro momento foi realizado um levantamento bibliográfico sobre aborto e a laicidade brasileira. Este estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa de campo exploratória, com abordagem qualitativa, tendo em vista a intenção de compreender as questões da proibição do aborto, frente a esse processo, que envolve também outras questões como jurídicas, religiosas e de saúde pública. A pesquisa exploratória é uma categoria que tem por objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, tendo em vista torná-lo mais explicito ou aproximar idéias (GIL, 1995). Segundo Minayo (1994, p.21), a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, preocupando-se com o nível da realidade que não pode ser qualificada, trabalhando com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais aprofundado da relação dos processos e dos fenômenos que não pode ser reduzido à operacionalização. Foi também um estudo descritivo, pois a pesquisa descritiva verifica se o pesquisador já vivenciou a primeira aproximação, que é a exploratória e, num segundo momento, levanta as características conhecidas, componentes do fato, fenômeno ou processo, podendo ser realizado também com observação sistemática (FLEMING, 2005). 9 Após a pesquisa bibliográfica e as questões norteadoras que objetiva delimitar o objeto de análise foi iniciado por meio de coleta de dados que consistiram na lei da laicidade do estado brasileiro junto com seus dispositivos da sua Constituição, as leis e artigos, informações, dados sobre a prática abortiva. Posteriormente, da conclusão das pesquisas bibliográficas e do levantamento das leis foi desenvolvido uma análise sob o viés da história antropológica com o propósito de se investigar a possível existência de elementos de influência religiosa na lei da laicidade do estado brasileiro que pode assim levar a não legalização do aborto no Brasil. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, na difícil tarefa de abordar o assunto que consiste o aborto, existe uma tentativa de analisar os fios que estão amarrados e envolvidos, fios que são as questões de saúde pública, das mulheres, dos âmbitos jurídicos e das religiões nesse fio condutor “proibição do aborto” discutido no presente artigo e perceber que a legalização ou não da tal prática é uma disputa de poderes. Observamos através da discussão sobre a laicidade que não existe apenas um modelo universal de Estado Laico que se pode aplicar indistintamente a todos os países que adotam o regime de separação entre o Estado e as Igrejas. Existem sim dois modelos básicos de laicidade estatal que consiste em um mais aberto e outro mais fechado à incursão do fenômeno religioso no espaço público. Assim, a atual Constituição Federal do Brasil sufraga um modelo de laicidade que favorece o fenômeno religioso e nela se encontra elementos que levam a uma abertura maior para a incursão da religião no espaço público. A aplicação e a interpretação do direito e dos fatos relacionados com o exercício da liberdade religiosa visto sob um viés histórico antropológico nos traz como a sociedade se comporta diante de tal procedimento, seus tabus e suas questões morais, culturais e religiosas frente a prática do aborto. Frente a tudo isso, nota-se que o tabu do aborto está longe de ser solucionado seja no campo moral ou na prática social, porém a sua discussão e reflexão não podem ser silenciadas. Portanto, a pesquisa deve ser vista como um procedimento formal, um método de pensamento reflexivo, de tratamento científico. Desta forma, a pesquisa possui a tarefa de contribuir para o conhecimento da realidade ou das verdades parciais. Enfim, a 10 pesquisa busca respostas num determinado universo para comprovações de diversas questões, como é o caso deste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004. BOBBIO, Norberto. Sobre el fundamento de los derechos del hombre. In: El tiempo de los derechos. Madrid: Editorial Sistema, 1991. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da republica federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. São Paulo: Saraiva, 2006. CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da Historia: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. ELUF, Luiza Nagib. O aborto e o Código Penal in: PINSKY, Jaime. 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