Uma discussão sobre a teoria do direito

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FILOSOFIA E DIREITO
Joseph Raz
Robert Alexy
Eugenio Bulygin
Uma discussão
sobre a teoria do direito
JOSEPH RAZ
ROBERT ALEXY
EUGENIO BULYGIN
UMA DISCUSSÃO SOBRE A
TEORIA DO DIREITO
Edição e estudo preliminar de
Hernán Bouvier
Paula Gaido
Rodrigo Sánchez Brigido
Tradução
Sheila Stolz
Marcial Pons
MADRI | BARCELONA | BUENOS AIRES | São Paulo
2012
Sumário
ESTUDO PRELIMINAR
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAL – Hernán Bouvier,
Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido. ............................................ 9
1. Ideias e conceitos................................................................................... 11
2. Conceitos: ontologia .............................................................................. 13
3. A estrutura dos conceitos....................................................................... 20
4. A discussão entre Raz, Alexy e Bulygin................................................ 30
Bibliografia citada ...................................................................................... 34
CAPÍTULO 1
PODE HAVER UMA TEORIA DO DIREITO? – Joseph Raz.................. 39
1. Essência e conceito ................................................................................ 40
2. O direito pode mudar sua natureza?....................................................... 46
3. O direito tem propriedades essenciais?.................................................. 48
4. Local ou universal?................................................................................ 53
5. Pode haver direito sem o conceito de direito? ....................................... 58
6. Sobre a suposta impossibilidade de compreender culturas estranhas.... 63
Bibliografia citada ...................................................................................... 68
8
JOSEPH RAZ, ROBERT ALEXY e EUGENIO BULYGIN
CAPÍTULO 2
SOBRE DUAS JUSTAPOSIÇÕES: CONCEITO E NATUREZA, DIREITO E FILOSOFIA. ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE «PODE
HAVER UMA TEORIA DO DIREITO?» DE JOSEPH RAZ – Robert
Alexy ..................................................................................................... 70
1. Conceito e natureza ............................................................................... 71
2. Direito e filosofia ................................................................................... 75
Bibliografia citada ...................................................................................... 78
CAPÍTULO 3
RAZ E A TEORIA DO DIREITO. COMENTÁRIOS SOBRE «PODE
HAVER UMA TEORIA DO DIREITO?» DE JOSEPH RAZ, Eugenio
Bulygin................................................................................................... 79
1. Conceitos e essências ............................................................................ 80
2. Que classe de necessidade?.................................................................... 82
3. Análise conceitual e explicação do direito ............................................ 82
4. Um ou vários conceitos de direito? ....................................................... 84
5. É a teoria do direito valorativa ou descritiva.......................................... 86
6.Conclusões ............................................................................................ 87
Bibliografia citada ...................................................................................... 87
CAPÍTULO 4
TEORIA E CONCEITOS. RÉPLICA À ALEXY E BULYGIN – Joseph
Raz ......................................................................................................... 88
Bibliografia citada ...................................................................................... 95
ESTUDO PRELIMINAR
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAL
Hernán Bouvier, Paula Gaido e
Rodrigo Sánchez Brigido1
A possibilidade de construir uma teoria sobre um objeto está intimamente relacionada com a possibilidade de identificar e explicar o que faz esse
objeto e nenhum outro. Para isso, é necessário que as condições sob as quais
o objeto pode ser identificado não entrem em choque, em todos os casos, com
as crenças (ou pareceres) que os sujeitos têm sobre o mesmo. Um cenário tal
equivaleria a sustentar que não existe uma coisa como um objeto independente
a ser identificado ou analisado. Equivale a sustentar, de forma definitiva, que
não é possível uma análise objetiva. Então, uma pré-condição básica para a
construção de uma teoria é a possibilidade de sustentar que o objeto analisado,
embora pudesse depender de algumas crenças, não é dependente sempre e em
todos os casos dos pareceres dos indivíduos, através de diferentes cenários
ou mundos possíveis. Dito de outra maneira, as crenças podem determinar
um objeto, com a condição de que o objeto não equivalha a nenhuma crença
que se tenha sobre o mesmo.2 Em algumas áreas do conhecimento humano
(p. ex., as ciências empíricas ou matemáticas), o caminho até a identificação
do objeto, e, portanto, o caminho até a construção de uma teoria sobre dito
objeto, acaba sendo, prima facie, mais simples. Existe consenso sobre onde
1
Queremos expressar nosso agradecimento a Carolina Scotto pela sua orientação e sugestões
na redação deste trabalho.
2
Esse é o caso, por exemplo, quando se analisa ou teoriza sobre dinheiro ou inflação. A
existência de tais fenômenos ou objetos depende das crenças dos indivíduos. Mas não depende
de qualquer crença (não entra em choque com elas). Dentro de um mesmo grupo há práticas de
correção de crenças. Neste caso, sustenta-se, o objeto não depende de qualquer crença através
de cenários possíveis. As próprias práticas constituem um padrão de correção de crenças.
10
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
(em que parte do mundo) procurar um objeto determinado, e existem métodos
para determinar se dito objeto existe ou é fruto da imaginação ou conjectura
humana. Em outras áreas do conhecimento, ao contrário, não fica claro de
maneira nenhuma onde se teria que procurar os objetos de interesse, nem o
método que teria que ser empregado para identificá-los e analisá-los, nem
muito menos o método para concluir que a procura é infrutífera ou que não há
nada no mundo que possa ser considerado como tal.3 Dito de forma breve, em
algumas áreas do conhecimento, a pergunta por determinados objetos parece
indicar o tipo de método a utilizar, o lugar onde procurá-los e as condições
para determinar se essa procura foi bem-sucedida. Esse não parece ser o caso
na área da filosofia nem, por caráter transitivo, na filosofia do direito.4 Tal dificuldade levou alguns pensadores a sustentar que os objetos da filosofia (seja
essa teórica ou prática) ou bem constituem uma falta de sentido e seu estudo
é infrutífero, ou bem podem ser analisados, com a condição de que a tarefa
filosófica se adapte às condições e análise prescritas pelas ciências empíricas
ou pelas disciplinas formais.5 De fato, há os que consideram que a atividade
filosófica não teve nenhum êxito na tarefa de conservar um lugar próprio. A
proposta mais radical dentro dessa linha sujeita, pura e simplesmente, a atividade filosófica à científica.6 Essa linha de pensamento foi rejeitada por aqueles
que crêem que a filosofia possui um campo exclusivo de incidência que não
pode ser reduzido aos limites antes descritos. Verifica-se, nesse sentido, uma
forte resistência a reduzir a filosofia a um departamento ou setor da ciência.7
3
O ponto é relevante, já que existem enfoques no campo da análise conceitual que sustentam
que a análise de um objeto pode incluir, ao menos, dois passos: a) identificar as propriedades
que deve ter o objeto ou a ideia para qualificá-los como tal; b) corroborar se tais propriedades
são instanciadas por algum objeto no mundo atual. A respeito, Jackson, 1998: 47-51, no terreno
da metaética Smith, 1994, em especial cap. III, seção 2, «Rationalism as a Conceitual Claim vs.
Rationalism as Substantive Claim», e Mackie, 1977, cap. I.
4
Sobre essa dificuldade intrínseca do labor filosófico e a razão pela qual –– em contraste com
as ciências empíricas e as disciplinas formais (p.ex. matemática) –– as perguntas no terreno
filosófico não indicam aonde procurar o objeto de análise ou como determinar sua existência,
ver Berlin, 1978: 1-11.
5
Desde o ponto de vista histórico, por exemplo, é possível conceber as correntes da filosofia
analítica e da fenomenologia como tentativas de dar resposta ao mesmo problema: como
encontrar um lugar para a filosofia em meio ao contundente sucesso das explicações no terreno
das ciências naturais. A filosofia analítica e a fenomenologia podem ser concebidas, sob este
ponto de vista, como uma resposta ao expansionismo cientificista no terreno da filosofia. As
tentativas de Frege e Husserl (entre outros) em rejeitar o psicologismo podem ser lidas neste
sentido. A respeito, ver Thomasson, em imprensa.
6
Dentro dela podem ser distinguidas duas linhas principais. A primeira sustenta que a
filosofia pode aspirar a um terreno próprio se, e somente se, adapta sua metodologia a critérios
empíricos e/ou formais, e tem seu representante mais proeminente no positivismo lógico. A
segunda sustenta que a filosofia está unida –– ou sujeita –– à ciência, e se conhece como a
corrente naturalista. Ambas correntes serão analisadas mais adiante.
7
Ver Williams, 1978: xi-xviii (texto incluído como introdução ao livro de Berlin, Concepts
and Categories...).
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAl
11
Segundo essa forma de ver as coisas, existe um território próprio da atividade
filosófica que consiste na análise das ideias ou conceitos sobre determinados
objetos. As perguntas que se impõem são, portanto, o que se entende por ideia
ou conceito e o que poderia ser considerado como a análise de um conceito.
1. Ideias e conceitos
Na história da filosofia, as noções de ideia e conceito se encontram estreitamente ligadas.8 De forma um tanto informal, pode-se dizer que ambas as
noções são, ao menos até o final do século XIX, intercambiáveis. Por um lado,
a tradição denominada platônica situa as ideias ou conceitos em um reino
desvinculado do mundo empírico. Para Platão, uma ideia é um elemento
abstrato e arquetípico que é integrado de maneira imperfeita nos objetos do
mundo físico.
De acordo com essa concepção, os homens somente têm acesso às
sombras ou cópias defeituosas das ideias, seja através da experiência ou
pelo exercício de uma certa capacidade pré-natal de evocar ou se conectar
com tais entidades. Essa noção básica de conceito como elemento abstrato,
desconectado do fluxo causal, não acessível através dos sentidos, costuma
ser denominada em termos genéricos como platonismo. Esse rótulo cumpre,
como será visto, um papel determinante nas discussões contemporâneas que
versam sobre as noções de significado, conceito e mente.9 Em contraste, está
a tradição antiplatônica, para a qual os conceitos se situam em um plano
não ideal, vinculado ao fluxo causal com o mundo. Para Aristóteles, por
exemplo, o lugar próprio dos conceitos está na linguagem e no estado de coisas
ao qual eles se referem. Em outras palavras, os conceitos jazem entre nós,
entre as palavras que usamos e o mundo sensível ao qual fazemos menção.
Os conceitos não estão em um mundo desvinculado do nosso, mas melhor
dizendo in rebus.10 Essa concepção marca uma direção clara no que se refere
à análise dos conceitos. Se os conceitos ou ideias jazem na linguagem e no
estado de coisas ao qual nos referimos com ela, uma análise adequada imporá
mergulhar tanto na análise da linguagem como no componente mundano ou
empírico que, com essa ferramenta, se pretende classificar ou explicar. É essa
noção dos conceitos que explica, em Aristóteles, a ênfase posta na análise
dos componentes das orações, suas relações lógicas e o mundo sensível.11
8
Sobre as diferentes noções de conceito ao largo da história da filosofia desde o período
pré-socrático até Kant, pode-se ver Horn, 1932.
9
Mais adiante indicaremos sucintamente como a concepção platônica se conecta com a noção
fregeana de sentido e esta, por sua vez, com a noção de conceito.
10
Horn, 1932: 12.
11
Sobre a ênfase de Aristóteles na análise da linguagem e sua estrutura lógica: Menne, 2001:
23 e 24. Sobre as razões pelas quais Platão resistia em situar as ideias no mundo sensível,
Aristóteles sustenta que isso podia ser devido à influência recebida de Heráclito (além de
12
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
Na modernidade, é a tradição empirista, e mais precisamente Locke,
quem pretende abolir o realismo abstrato dos conceitos amparado pelas teorias
de perfil platônico.12 Locke introduz na cena teórica uma noção que mais
tarde terá forte influência na filosofia contemporânea: a ideia segundo a qual
a mente é uma tábula rasa onde se imprimem, via sensações, representações
dos estados de coisas que logo serão consultadas pelo intelecto.13 Uma noção
similar se encontra na teoria de Hume.14 Essa tradição será de vital importância
para o surgimento da filosofia analítica e mais precisamente do positivismo
lógico. Para ser mais preciso, haver-se-ia que sublinhar que a concepção de
ideia ou conceito como um elemento do foro interno que se aloja na mente, e
que é observado por esta, é um produto da conjunção da tradição lockeana com
outras tradições.15 Essa noção de ideia como elemento do foro interno somada
à afirmação de que as ideias representam o mundo sensível é o que deu origem
à concepção da filosofia (e da mente) como espelho da natureza.16 Em todo
caso, é claro que as noções representacionalistas dos conceitos devem sua
origem, em um sentido importante, ao empirismo inglês. De acordo com essa
vertente, as ideias mais complexas podem ser desagregadas em ideias mais
simples. Estas, por sua vez, ocupam o lugar de uma sensação ou percepção
que, uma vez impressa na mente, pode ser consultada por meio da atividade
intelectual.17
A apresentação que aqui se realiza com respeito à noção de conceito
é deliberadamente esquemática, e deixa de lado numerosas contribuições
Sócrates) para quem, na ordem do sensível, não podia existir nada estático ou imutável. Ver
Metafísica, 987b: 5-10.
12
Grande parte da artilharia teórica de Locke está dirigida, basicamente, contra a noção de
ideias abstratas e inatas, sem correlação com a experiência. A teoria de Locke questiona os
enfoques platônicos sobre os conceitos, embora resulte duvidoso sustentar que, na montagem
de sua concepção, Locke estivesse pensando diretamente em Platão. Suas obsessões teóricas
com respeito às noções inatistas devem ser lidas como uma resposta direta a certos problemas
locais em termos históricos. Mais precisamente, uma resposta aos enfoques religiosos em
matéria de ideias e conhecimento. O ataque às ideias inatas se encontra em Locke, 1999, livro
primeiro, cap. II. Sobre a ênfase em atacar essas noções e sua relação com o momento histórico
em que escreve Locke, ver Robles e Silva, «Ensayo sobre el “Ensayo”», no prólogo ao livro
citado, xxi-xxii.
13
Horn, 1932: 33. A noção de ideia (simples e complexa) e sua relação com a representação
se encontra em Locke, 1999, livro segundo, caps. I-III e VIII, §§ 15-17. Sobre a ideia de
representação em Locke e os problemas que uma tal noção acarreta, v. Robles e Silva «Ensayo
sobre o “Ensayo”», op. cit., xxxv.
14
Hume entende as ideias como cópias das sensações. Para sermos mais estritos, distingue entre
ideias ou impressões mais intensas (derivadas da experiência imediata) e ideias ou impressões
mais débeis que são cópias das primeiras. Hume, 2005: 41-47.
15
Existe no positivismo lógico e na filosofia analítica clássica uma forte influência da noção de
mente cartesiana.
16
Rorty, 2001. Sobre a interseção entre Locke e descartes neste ponto, 34, 35, 51, 53 e 54.
Também Orlando, 1999: 102 e 103.
17
Ver o eco dessa concepção em Russell, 2001: 32-39.
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAl
13
realizadas neste campo ao longo da história. Entretanto, serve para marcar a
grosso modo os enfoques de importância central: aquele que situa os conceitos
numa ordem abstrata e ideal, desvinculado do mundo causal, versus aquele
que indica que os conceitos devem ser procurados numa ordem não ideal,
conectada ao mundo causal (entre as palavras que usamos e o mundo sensível
ao que fazemos menção, como no caso de Aristóteles; ou nas representações que geram na mente esse mundo, como sustenta a tradição empirista).
Os representantes extremos dessas correntes defendem, então, ou bem uma
caracterização extremamente intelectualizada e abstrata dos objetos em termo
dos conceitos, ou bem uma caracterização fortemente empírica ou reificada
dos conceitos, em termo dos objetos sensíveis. Atribui-se a Kant a tentativa
mais forte de conjugar essas duas posições. Através de um poderoso aparato
analítico que pretende esclarecer a adequada relação entre os conceitos e os
objetos aos quais eles se referem, Kant crê encontrar o exato ponto médio
entre uma indevida intelectualização das sensações e uma extrema reificação
sensível dos conceitos.18
Os dois enfoques mencionados dão um forte indício sobre onde se encontram os conceitos (em uma ordem ideal desconectada do fluxo causal com o
mundo versus uma ordem não ideal vinculada ao fluxo causal com o mundo).
Entretanto, não lançam muita luz sobre o que são exatamente os conceitos e
quais suas estruturas.
2. CONCEITOS: ONTOLOGIA
A pergunta sobre de que classe de objetos são os conceitos costuma ser
respondida, ao menos, de três formas:19
a) Os conceitos são representações mentais.
b) Os conceitos são habilidades.
c) Os conceitos são sentidos fregeanos.
Sustentar que os conceitos são representações mentais implica assumir
que são entidades especificamente psicológicas situadas em um lugar particular. Os primeiros representantes dessa postura são, como vimos, Locke
e Hume. As ideias ou conceitos são classes especiais de imagens mentais
relacionadas de maneira estreita com as percepções. Sustentar que essas
imagens mentais estão estreitamente ligadas com as percepções, entretanto,
não equivale a sustentar que estejam diretamente relacionadas com o mundo
externo ou aquilo que causa essas impressões. Esses autores propõem uma
imagem mediada do acesso ao mundo (i. e., o que causa as ideias) que gera
Baghramian, 1998: 287-306.
Margolis e Laurence, 2006.
18
19
14
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
numerosos problemas dentro da teoria. Em primeiro lugar, põe em cheque a
noção mesma que se pretende defender: que as ideias ou conceitos só representam objetos do mundo empírico.20 Em segundo lugar, ao postular a noção
de conceito como imagem-retrato da realidade de caráter estático, situado em
um meio físico (o cérebro) e causado por fatos físicos individuais (este ou
aquele evento localizado espaço-temporalmente e somente por este ou aquele
evento) são suscitados diversos problemas sobre como explicar uma característica central dos conceitos: o fato de que possam ser aplicados à inumeráveis
situações, diversas daquelas geradas pela impressão inicial. Por último, se a
imagem ou ideia que é consultada pelo intelecto é, por sua vez, outro fato, fica
sem resposta o que une o fato representado a uma representação determinada
e não a qualquer outra (e vice-versa).21 As propostas mais modernas nessa
linha abandonam a noção de imagens mentais e propõem que o sistema de
representação consiste, ao contrário, em símbolos ou porções sintáticas representativas, com um papel semelhante ao das palavras na linguagem natural.
Defende-se aqui a ideia segundo a qual existe uma linguagem de tipo especial,
diferente à natural, própria da ordem do pensamento.22
Tanto essa variante sofisticada como a mais rudimentar costumam ser
atacadas por quem sustenta que não existe nenhuma necessidade de postular
uma entidade mental na hora de dar conta dos conceitos e sua utilização por
parte dos agentes. É possível sustentar que um sujeito possui um conceito
embora careça de qualquer imagem ou representação mental. Não faria falta
postular nenhuma entidade mediadora estranha, na hora de dar conta dos
conceitos e seus usos. Os conceitos, sustentam os objetores, são habilidades.
20
Sobre como essas ideias implicam um acesso mediado ao mundo e os problemas que geram
no programa lockeano-humeano inteiro, ver Orlando, 1999, cap. II. Também Rorty, (2001:
35, 74 e ss.), põe ênfase especial no problema da mente como foro interno e o conhecido véu
das ideias.
21
Essas são, de maneira muito esquemática, algumas das críticas centrais dirigidas às representações como conceitos (ou significados) de Locke. O pai dessa crítica é, como se sabe, o segundo
Wittgenstein. Sobre os pontos da teoria de Wittgenstein que debilitam diretamente a teoria
de Locke neste aspecto, ver García Carpintero, 1996, caps. IV, V e XI. em Wittgenstein,
2002, §§ 20, 22, 33, 35, 50, 53, 56, 139 a e b, 140, 151, 152, 179, 258, 322, 329 e 370. Também
Scotto, 2002: 171-186, rotulando como «intelectualista» a noção que Wittgenstein pretende
atacar.
22
Essa variante é conhecida como a language of thought hipothesis (Fodor). Ao final do
presente trabalho não acrescenta muito considerar os pormenores de dita teoria. Ficam dúvidas,
não obstante, sobre o poder explicativo de teorias que, tentando evitar os problemas das
imagens mentais, propõem em seu lugar «palavras», «símbolos» ou «linguagens mentais»
com capacidade de representar. Nesse sentido, propostas deste tipo parecem aproveitar uma
metáfora: a das imagens linguísticas. Não se vê muito bem como isso não faz retroceder o
problema ao ponto de partida inicial. Em todo caso, o locus classicus aqui, segundo indica a
literatura, é Fodor, 1975. Uma explicação superficial do que pode significar «símbolos que
representam» neste sentido (sem cair na noção de imagem ou picture) encontra-se em Fodor,
1999: 513-524, em especial 515 e 516.
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAl
15
Vincular os conceitos com as às habilidades e ao desprezo por perguntas de
perfil mentalista e essencialista se deve, em parte, ao segundo Wittgenstein.
Concorrem a configurar essa teoria sobre os conceitos e a linguagem autores
da que se conhece como a Oxford Linguistic Philosophy. Em especial, integram esse grupo J. L. Austin, com ênfase na análise da linguagem ordinária,
e G. Ryle, quem, no capítulo 2 de seu The Concept of Mind introduz uma
noção de vital importância para essa corrente: a distinção entre saber teórico e
saber prático ou knowing that versus knowing how.23 O giro fundamental aqui
consiste em deixar de perguntar onde estão os conceitos e como inspecionálos, e passar a analisar o que se está fazendo quando se invoca um termo ou
utiliza-se um conceito. O importante é dar conta das habilidades discriminatórias que detêm os agentes quando o utilizam. A análise do uso e as habilidades
no manejo de um conceito são vistos aqui como necessários e suficientes para
dar conta dos conceitos.
Essa concepção, como se verá mais adiante, possui uma forte influência
nas explicações atuais dos conceitos. Embora se rejeite que um enfoque como
tal possa explicar todos e cada um dos fenômenos relativos aos conceitos,
admite-se que dar conta das habilidades no seu manejo constitui, ao menos,
uma condição necessária para uma boa explicação. Explicar o que é um
conceito implica, necessariamente, mostrar que tipos de habilidades estão
implícitas em seu manejo ou domínio.24 Essa vertente compartilha sua hostilidade frente às versões mentalistas ou psicologicistas dos conceitos com
a terceira concepção sobre a ontologia dos mesmos: aquela que defende a
estreita relação entre conceitos e sentidos fregeanos. Não pretendemos entrar
aqui nos pormenores da teoria dos conceitos e da linguagem de Frege. No
entanto, resulta útil destacar de maneira esquemática o seguinte:
a) a noção de significado fregeana está composta por dois elementos, o
sentido e a referência. O primeiro acaba sendo central em sua teoria.
b) O sentido (Sinn) é uma entidade abstrata (não mental, não psicológica)
que determina as propriedades que deve ter um objeto para ser qualificado
como tal. Consiste basicamente em um conjunto de propriedades descritivas
que servem aos falantes para determinar o referente.
c) O sentido inclui uma peculiar forma de ver ou caracterizar um objeto.
É isso o que se conhece como modo de apresentação.
d) Estes sentidos equivalem aos conceitos.
Uma excelente análise das ideias centrais de Ryle se encontra em Soames, 2003: 92-114.
Provam o peso destas considerações nas teorias mais recentes: a ênfase posta por Jackson
na relevância da análise da folk theory, a relevância que Putnam outorga aos estereótipos
e o destaque de Peackocke no que se refere às condições de possessão de um conceito.
Jackson, 1998: 31, 33, 43, 37-39 e 43. Peackocke, 1998: 1-28 (em especial 4 com referência a
Wittgenstein), e Peackocke, 1999: 335-338.
23
24
16
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
e) Apesar de que os sentidos ou conceitos são entidades abstratas,
cumprem um papel epistêmico dado que contêm as propriedades que servem
para situar e determinar a que objeto o conceito se refere. Dito de outra
maneira, os sentidos possuem um peso ou valor cognitivo.
f) O valor ou peso cognitivo serve para traçar a diferença entre sentidos
co-referenciais. Intuitivamente, a informação ou valor cognitivo de «triângulo equilátero» difere da de «triângulo equiângulo», apesar de que ambos se
referem ao mesmo objeto;
g) Não pode ser certo que um mesmo sentido se refira a dois objetos
diferentes. Dois sentidos diferentes podem determinar o mesmo referente,
mas dois referentes diversos implicam dois sentidos. Dito de outra maneira,
o mesmo sentido não pode determinar duas referências diferentes, mas duas
referências distintas implicam em dois sentidos diferentes.
h) Os conceitos assim entendidos fazem a mediação entre o pensamento
e a linguagem, por um lado, e o referente, pelo outro.
Os pontos são de vital importância por inúmeras razões.
Em primeiro lugar, a teoria de Frege está dirigida primordialmente à
explicação do significado de termos da linguagem (pelo geral lógico, mas
também extensível ao natural). Nesse programa, propõe-se um elemento, o
sentido, capaz de dar conta da seguinte intuição: um e o mesmo objeto pode
ser visto ou classificado de duas formas diversas, não contraditórias. Dito
de forma mais direta: há objetos que se apresentam de múltiplas formas. As
formas ou modos de apresentação incluídos no sentido são um conjunto de
propriedades descritivas que o pensamento consulta, e através do qual chega
ao referente (se o mesmo existe). É este tipo de enfoque sobre os conceitos
como elementos abstratos que recebe o rótulo pejorativo de platonismo.
Por outra parte, embora os conceitos sejam apresentados como categorias
abstratas, o destaque é posto no serviço epistêmico que proporcionam ao
falante as propriedades que o conceito inclui, i. e., a utilidade que apresentam
quando são consultadas pelo pensamento.25
Em segundo lugar, a concepção fregeana marca o início de uma tradição
importante no tema que nos ocupa. Aquela segundo a qual analisar os
conceitos é analisar o significado das palavras. É usual encontrar na literatura
sobre conceitos uma alusão indistinta a significados e conceitos.26 Entretanto,
sustentar que os conceitos são significados só nos compromete a sustentar que
os conceitos são sentidos caso se possua uma teoria do significado como a
fregeana, onde é este elemento o que joga o papel central. Devido à multiplici A respeito: Stroll, 2000: 229-232. Também Orlando, 1999: 42.
Ver, p. ex., Yehezkel, 2005: 668-687. Também Macià, (1998: 75-185), embora criticando a
outro autor por exagerar a analogia entre sentidos ou significados e conceitos.
25
26
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAl
17
dade de teorias da linguagem, identificar conceitos com significados torna-se,
prima facie, inócuo.27
Em terceiro lugar, serve para não perder o rastro na evolução das discussões sobre os conceitos e a linguagem. Com efeito, teorias como a fregeana
abrem na discussão contemporânea duas frentes de críticas: a já citada ao
platonismo e a crítica às concepções descritivas dos conceitos.
A primeira crítica permite entender o surgimento da vertente naturalista
na filosofia da mente e da linguagem.28 A doutrina naturalista sustenta, em
sentido ontológico, que tudo aquilo do qual se pode predicar existência forma
parte de um sistema espaço-temporal causalmente fechado. Qualquer teoria
que proponha ou sustente a existência de um elemento não localizável nesta
região torna-se deficitária na hora de explicar como é possível entrar em contato
cognoscitivo com ele. Esse seria, então, o déficit dos conceitos fregeanos. A
incapacidade de mostrar como agentes finitos podem adquirir conceitos sem
nenhuma propriedade física. Portanto, ou bem se mostra como os conceitos
e significados podem estar implicados nas transações causais com o mundo
empírico ou bem se aceita que a teoria em questão carece de potência explicativa.29 Volta à roda a pugna indicada ao princípio deste trabalho: filosofia
versus ciência.30
A segunda crítica situa a noção fregeana no grupo das chamadas, indistintamente, teorias descritivistas, tradicionais, criteriais ou clássicas.31 O núcleo
dessas críticas está concentrado no que se conhece como as semânticas K-P,
em referência a Kripke-Putnam.32
Para as semânticas K-P, as teorias descritivistas apresentam duas frentes
frágeis. Por um lado, a de sustentar, como no caso de Frege, que o sentido
determina a referência. No caso das teorias descritivistas em geral, que o
27
O que não torna-se inócuo, como se verá, é sustentar que analisar um conceito é analisar o
significado de um termo.
28
Um excelente mapa sobre o nascimento e desenvolvimento desta teoria se encontra em
Acero, 1997: 217-261. Quanto aos impactos do naturalismo nas diversas áreas da filosofia
teórica e prática pode-se ver Pérez, 2002.
29
Acero, 1997: 221-226.
30
O problema é muito mais complexo, embora isso seja definitivamente, um elemento importante
para entender o progresso da discussão. A corrente naturalista não só tem repercussões na área
da filosofia estritamente teórica, como também na prática. Uma análise destas repercussões no
âmbito das discussões morais se encontra Rivera López, (2002: 47-66), com uma interessante
distinção entre naturalismo metodológico e tradicional. No terreno da teoria do direito foi Brian
Leiter, 2002, quem tentou mostrar como esta corrente poderia revitalizar as teorias do direito
de perfil realista.
31
Devido a que, no próximo capítulo utilizaremos o rótulo «teoria clássica dos conceitos» para
indicar uma concepção relacionada com a teoria fregeana, mas não equivalente, continuaremos
aqui com o rótulo «teoria descritiva».
32
A origem dessas ideias se remonta a Kripke e Putnam, 2001: 72-89 e 90-96, respectivamente.
18
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
conceito designa qualquer objeto que satisfaça as propriedades associadas
e ele. Pelo outro, o de defender que o conhecimento de um significado ou
conceito equivale a se encontrar em um certo estado psicológico com respeito
ao conjunto de propriedades que integram esse conceito, que é completamente
independente do mundo externo. Dito de outra forma, os conceitos são dependentes da mente [mind dependent] e nada mais que da mente.33
A primeira fragilidade da noção de sentido fregeana pretende ser
mostrada com vários argumentos. Um deles tem a seguinte forma: i) o sentido
(ou conceito) é um conjunto de propriedades associadas ao objeto; ii) a posse
do mesmo conceito por duas pessoas deve dar lugar ao mesmo referente (i. e.,
à igual intenção, igual extensão); iii) é possível imaginar (via, por exemplo, o
experimento das terras gêmeas) duas pessoas que associam o mesmo tipo de
propriedades a um conceito, e que essas propriedades determinam diferentes
referências; iv) portanto, o modelo das teorias descritivistas não se sustenta.
Outro dos argumentos em questão sustenta que, se o conceito é igual a
um conjunto de critérios, e os critérios determinam o objeto, então, mudar de
critérios implica necessariamente mudar de objeto. No entanto, a história das
ideias parece indicar que duas pessoas que não compartilham critérios sobre
um conceito podem estar considerando o mesmo objeto.34
Foi sustentado também, que é possível mostrar exemplos nos quais
pessoas que carecem de conceitos em termos descritivistas ou criteriais são
capazes de identificar o referente com sucesso. Quer dizer, parecem possuir o
conceito sobre um determinado objeto e são capazes de identificar a referência
desse conceito, embora careçam de um conjunto de crenças mais ou menos
definidas.35
33
O problema aqui é como propriedades puramente conceituais (em termos mentais) se
relacionam com os objetos. A respeito, Orlando, 1999: 42 e 71, e Stavropoulos, 1996: 17, 20,
21, 26.
34
Ver a referência de Hilary Putnam, 1983, aos conceitos de energia cinética; geometria
euclidiana e não euclidiana e força. Para aceitar uma noção criterial para estes conceitos se
teria que concluir, pura e evidentemente, que os físicos pré-Einstein, para citar só um caso, não
estavam equivocados (simplesmente tinham outro conceito). A noção criterial ou descritivista
termina por transformar as discussões entre teóricos em pseudo-discussões. Simplesmente,
cada um tem um conceito diferente, i. e.: associa diferentes propriedades ao objeto em questão.
Uma análise detalhada destes argumentos de Putnam, partindo do período de «o analítico e o
sintético» até chegar ao experimento das terras gêmeas, encontra-se em Ebbs, 1997, cap. VI.
Sobre a discordância ver o § 78. Fica claro que aqui são assentadas as bases teóricas do que
atualmente o direito denomina o «semantic swing», i. e.: uma concepção que impediria dar
conta das discordâncias entre falantes sobre um mesmo conceito. Se um conceito equivale a
um conjunto de critérios, no sentido especificado, uma discordância nos critérios implicaria na
possessão de diferentes conceitos. Mas, se se aceita isso, é impossível atribuir erro (ver o § 83
de Ebbs).
35
Esse problema se denomina o da ignorância. Ver Margolis e Laurence, 1999: 21.
TEORIA DO DIREITO E ANÁLISE CONCEITUAl
19
Argumenta-se, além do mais, que, no caso dos avanços científicos, a
pressuposição é de que o conceito a abandonar se refere ao mesmo objeto referido pelo nosso novo conceito. Quer dizer, o conceito anterior e o atual versam
sobre o mesmo objeto. Não há lugar na teoria descritivista para dar conta
dessa intuição. Dado que, para a teoria descritivista, o objeto vem determinado
pelas propriedades que lhe são associadas, o novo conceito simplesmente está
fazendo referência a outro objeto. Parece ser impugnada, definitivamente, a
possibilidade de atribuir erro sobre o objeto ao que se refere o conceito.
Finalmente, argumentou-se que, se somos capazes de seguir falando do
mesmo objeto apesar de mudar drasticamente as propriedades que associamos
ao objeto, então é plausível sustentar uma posição essencialista sobre certos
objetos e conceitos. A essa ideia se deve a revitalização no âmbito analítico da
noção de essência e necessidade.36
A segunda frente frágil da teoria fregeana (enquanto teoria descritivista) consiste em indicar, como se disse, que possuir um conceito ou captar
um significado implica estar em um certo estado psicológico. Uma pergunta
sensata com respeito a essa reconstrução de Frege é a seguinte: como é que
uma teoria desenhada para evitar os problemas do psicologismo pode ser
reconstruída como uma teoria segundo a qual o conceito cumpre uma função
epistêmico-psicológica capaz de identificar um referente? Como se sabe, o que
explica a ênfase que põe Frege nessas entidades abstratas, externas à mente, é
sua tentativa de evitar reduções fisicalistas ou psicologistas dos conceitos e o
significado. Dummett, por exemplo, descreveu essa tarefa como a expulsão dos
pensamentos da mente.37 Alguém poderia perguntar: Como, então, encontra-se
Frege no bando de teóricos que sustentam que o significado e os conceitos
têm a ver, primordialmente, com o cérebro? A resposta é mais ou menos
simples. Frege lhe outorga um conteúdo mentalista aos conceitos, ao assumir
que o conceito deve passar pela mente para logo chegar ao referente. Ter um
conceito, então, é estar em um certo estado psicológico intimamente associado
ao conjunto de propriedades do conceito que, como se disse, determinam a
extensão. O conceito pode ser uma entidade abstrata (como em Platão,
Carnap), mas a atividade de captação [grasping] é um ato do tipo mental.38
Em face do fato de que o que se capta é um sentido ou intenção, e dado que a
intenção determina a referência, esse tipo de esquemas obrigaria a dizer, por
um lado, que duas pessoas não podem haver captado o mesmo conceito e estar
em distintos estados mentais e, por outro, que estar no mesmo estado mental
implica na determinação do mesmo referente. Ambas afirmações são desafiadas
pelo experimento das terras gêmeas. Parte da identidade de um conceito, para
36
Há de haver algo que faz com que esse objeto seja o que é em todos os mundos em que este
objeto existe e que não depende das propriedades associadas a ele. Ver Kripke, 1980.
37
Dummett, 1993: 22.
38
Ver as próprias palavras de Putnam na Introdução à Pessin e Goldberg, 1996.
20
Hernán Bouvier, Paula Gaido e Rodrigo Sánchez Brigido
os críticos da teoria descritivista, vem da relação do agente com um objeto
do mundo e não por qualquer objeto que o sujeito associe com o conceito. Os
conceitos, nesse sentido, são em parte «mind independent».39
A discussão teórica a partir daqui, torna-se muito mais sofisticada, dando
lugar à diversas ramificações em filosofia da mente que não correspondem diretamente ao esquema que se pretende apresentar. O importante a reter é que as
teorias criteriais de Frege foram criticadas em dois aspectos importantes. Por
um lado, critica-se o fato de identificar conceito com propriedades abstratas
desconectadas do circuito espaço-tempo. Pelo outro, objeta-se-lhes o assimilar,
o ter ou captar um conceito com possuir critérios completos de identificação que
implicam, por sua vez, encontrar-se em um certo estado psicológico independente ou desconectado do mundo externo. Quem sustenta esse segundo ponto,
assim mesmo, defende uma noção de conceito individualista. O conceito, sob
a ótica individualista, é uma certa relação entre estados mentais do indivíduo
sem necessidade de pressupor nada mais que esses mesmos estados mentais
internos. Não há conexão alguma com o mundo externo.40
A ontologia dos conceitos aqui apresentada se vincula estreitamente com
a forma de entender a estrutura dos conceitos. Especificar que estrutura os
conceitos têm é o passo necessário para compreender que tipos de análise
conceitual podem acabar sendo plausíveis.
3. A ESTRUTURA DOS CONCEITOS
Existe uma teoria clássica que adscreve aos conceitos uma estrutura
definicional, i. e. um conceito é um conjunto de propriedades necessárias e
39
Discute-se se as teorias K-P implicam que o conceito é completamente independente da
mente ou se depende da mente só em parte. Não entraremos neste debate. A disputa versa sobre
se os significados e os conceitos não estão na cabeça ou não estão somente na cabeça. Em todo
caso, fica claro que a ênfase está colocada em mostrar que o conceito não se esgota no que
mentalmente o sujeito associa ao objeto, e sim que também se introduz no conceito certa relação
apropriada com o objeto do mundo externo, independente das propriedades associadas.
40
Para ser mais preciso, cabe dizer o seguinte: aqui, mundo «externo» se refere a duas coisas.
Por um lado, aos objetos do mundo (existam ou não outros falantes). Neste sentido, a teoria
de Frege é internalista. Na relação entre sujeito e mundo, sob esta noção de «externo», não
há nada mais além que a mente do sujeito. Pelo outro, «externo» se refere a um conjunto
de indivíduos ou grupo social. Nesse sentido de «externo», ressalta-se que, enquanto a teoria
de Frege (junto com outras) faz alusão a um sujeito ou falante em termos individuais (sem
pressupor um grupo social), as teorias anti-individualistas consideram o grupo social como
indispensável. Portanto, uma teoria como a descrita seria internalista (não há mundo externo
fora da mente do indivíduo) e individualista (não fazem falta outros sujeitos para dar conta
de conceitos e a linguagem). No corpo do texto fizemos alusão a estas duas questões sob um
mesmo rótulo: interno/externo. A razão é que sustentar que não há mundo externo à mente
implica sustentar que não há nem objetos nem sujeitos externos a ela. A literatura a respeito,
no entanto, reserva o rótulo «internalista/externalista» para se referir ao mundo dos objetos, e
«individualista/anti-individualista» para se referir à relação entre falantes.
Sobre os Autores
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Joseph
Raz
bibliografia
Professor de Filosofia do Direito da Universidade de Oxford e Columbia. Autor de vários
livros e artigos publicados nas mais importantes revistas de filosofia analítica do direito.
Entre seus textos mais importantes estão: Practical Reason and Norms, The Morality of
Freedom, Ethics in the Public Domain, The Practice of Value, Engaging Reason e Value,
Respect and Attachment.
Robert Alexy
Catedrático de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade Christian Albrecht
de Kiel (Alemanha). É autor da Teoria da Argumentação Jurídica e da Teoria dos Direitos
Fundamentais. Entre 1994 e 1998 foi presidente da seção alemã da Associação Internacional de Filosofia do Direito e Filosofia Social (IVR). Em 1992 publicou a obra O Conceito
e a Validade do Direito. A partir de 2002 passou a ser membro da Academia de Ciência
de Göttingen na categoria de filologia e história.
Eugenio Bulygin
Professor Emérito da Universidade de Buenos Aires. Foi presidente da Associação Internacional de Filosofia do Direito e Filosofia Social (IVR) de 1999 a 2003. É autor de Norme,
Validitá, Sistemi Normativi (1995), e coautor de Normative Systems e Análisis Lógico y
Derecho (1971 e 1991, respectivamente, com Carlos E. Alchourrón), de Validez y eficacia
del derecho (2005, com Hans Kelsen e Robert Walter) e de Las lagunas en el derecho
(2005, com Fernando Atria, José Juan Moreso, Pablo E. Navarro, Jorge L. Rodríguez e Juan
Ruiz Manero).
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