UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE ENSINO - PROEN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO – BIGUAÇU DOAÇÃO DE ASCENDENTE A DESCENDENTE E AO CÔNJUGE FRENTE O INSTITUTO DA COLAÇÃO DE BENS ROQUE JUNKES Biguaçu (SC) junho de 2008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE ENSINO - PROEN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO – BIGUAÇU DOAÇÃO DE ASCENDENTE A DESCENDENTE E AO CÔNJUGE FRENTE O INSTITUTO DA COLAÇÃO DE BENS ROQUE JUNKES Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Msc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Biguaçu (SC), junho de 2008 AGRADECIMENTOS Acima de tudo a Deus por ter me confiado à vida e estar permanentemente presente. A minha esposa Lídia Iolanda Junkes, meus filhos Marlon Junkes e Renan Junkes pela compreensão e apoio durante este período difícil e de limitações. Aos meus ex-colegas de trabalho pelo apoio e incentivo para mais esta conquista. Aos meus professores e funcionários que fizeram parte da minha vida acadêmica. A todos os companheiros e amigos conquistados ao longo da jornada. A minha orientadora, Professora Msc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica, pela orientação, sugestões e incentivo durante a elaboração deste estudo. A memória de meus pais José Junkes e Regina Gorges Junkes dedico este humilde trabalho. FRASE Transformar o medo em respeito, o respeito em confiança, descobrir como é bom chegar quando se tem paciência, e para se chegar onde quer que seja não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer. (Amyr Klink) SUMÁRIO RESUMO............................................................................................. viii ABSTRACT ........................................................................................... ix INTRODUÇÃO .......................................................................................1 1 SUCESSÃO EM GERAL.....................................................................4 1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO SUCESSÓRIO.............. 4 1.2 SUCESSÃO ............................................................................................... 10 1.3 ESPÉCIES DE SUCESSÕES ..................................................................... 18 1.3.1 Herança legítima....................................................................21 1.3.1.1 Herdeiros necessários .......................................................23 1.3.1.2 Porção legítima da herança ...............................................25 1.3.1.3 Sucessões de descendentes ...............................................26 2 CONTRATO DE DOAÇÃO ...............................................................31 2.1 CONTRATO.............................................................................................. 31 2.2 CONTRATO DE DOAÇÃO ...................................................................... 31 2.3 RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE DOAR ............................................... 36 2.3.1 Doação de Todos os Bens do Doador ......................................36 2.3.2 Doação da Parte Inoficiosa .....................................................37 2.3.3 Doação de Onde Resulta Prejuízo para os Credores do Doador..38 2.3.4 Doação do Cônjuge Adúltero a seu Cúmplice ..........................38 2.4 PROMESSA DE DOAÇÃO ....................................................................... 39 2.4.1 Espécies de doação ................................................................40 2.5 REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO................................................................... 45 2.5.1 Por motivos comuns a todos os contratos .................................45 2.5.2 Por ser resolúvel o negócio .....................................................46 2.5.3 Por descumprimento do encargo .............................................46 2.5.4 Por motivos de Ingratidão do Donatário...................................47 3 INSTITUTO DA COLAÇÃO...............................................................49 3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS .................................................................... 49 3.2 MOMENTO DA COLAÇÃO E PROCEDIMENTOS ................................ 54 3.3 HERDEIROS SUCESSÍVEIS A COLAÇÃO ............................................. 56 3.4 BENS SUJEITOS A COLAÇÃO ............................................................... 59 vii 3.5 REDUÇÃO DAS LIBERALIDADES ........................................................ 62 3.6 DISPENSA DA COLAÇÃO ...................................................................... 65 3.7 A TEORIA DA DISREGARD NA SUCESSÃO LEGÍTIMA...................... 67 3.8 A OBRIGAÇÃO DE COLACIONAR DO CÔNJUGE SUPERSTÍTE........ 68 CONCLUSÃO.......................................................................................70 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .............................................73 RESUMO A presente monografia foi realizada com base em pesquisa científica, com interpretação doutrinária, e tendo como objeto a doação de ascendente a descendente frente o instituto da colação de bens. Destaca-se a importância do estudo do tema escolhido, pois o instituto da colação precisa muito ainda ser aperfeiçoado, bem como questões ainda não exauridas, ou seja, os doutrinadores não tem se preocupado muito sobre o estudo do tema em epígrafe. A elaboração desta monografia está composta por três capítulos, assim distribuídos a seguir: no primeiro capítulo trata-se da sucessão em geral, onde serão analisados as considerações históricos do direito sucessório, sucessão, espécies de sucessões, herança legítima, herdeiros necessários, porção legítima da herança, sucessões de descendentes. No segundo capítulo a abordagem será sobre o contrato de doação, analisando o contrato, contrato de doação, restrições à liberdade de doar, doação de todos os bens do doador, doação da parte inoficiosa, doação de onde resulta prejuízo para os credores do doador, doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice, será analisado também a promessa de doação, espécies de doação, revogação da doação, por motivos comuns a todos os contratos, por ser resolúvel o negócio, por descumprimento do encargo, por motivos de ingratidão do donatário. O terceiro capítulo será destinado ao instituto da colação, onde serão abordados as considerações gerais, momento da colação e procedimentos, herdeiros sucessíveis a colação, bens sujeitos a colação, redução das liberalidades, dispensa da colação, a teoria da disregard na sucessão legítima e finalmente a obrigação de colacionar do cônjuge supérstite. Na pesquisa para elaboração deste trabalho monográfico, verificou-se que o assunto ainda tem muito a ser explorado pelos doutrinadores. Palavras chave: doação; ascendentes; descendentes; colação; bens; cônjuge; doador; donatário; ABSTRACT The present monograph was based on scientific research, with doctrinal interpretation, and having as subject the donation of ascending to descending front of the Office of collating property. The relevance of the study of the chosen theme, because the Office of collating needs much more to be improved, as well as issues not yet expended, ie doctrinators has not been very concerned about the study of the subject. The development of this monograph is composed of three chapters, thus distributed as follows: in the first chapter dealing with the succession in general, which will be examined historical considerations of the law of succession, succession, species of succession, legitimate inheritance, necessary inheritors, legitimate portion of inheritance, succession of descendants. On the second chapter the approach will be about donation contract, reviewing the contract, contract for the donation, restrictions on freedom of donation, donation of all goods from the donor, inoficious part of the donation, donation which results injury to the creditors of the donor, donation of spouse adulterer with his accomplice, it will also be analyzed the promise of donation, donation of species, revocation of the donation, for reasons common to all contracts, be resolved by the deal, for breach of charge, for reasons of ingratitude of the donee. The third chapter will be destined for the Office of collation, which will deal with general considerations, collation moment and procedures, successive inheritors for the collation, goods subject to collation, reduction in donations, exemption of collation, disregard theory on the legitimate succession and finally the obligation to collation of spouse supérstite. In the search to elaborate this monograph, it was found that it still has much to be exploited by doctrinators. Key words: donation; ascendants; descendants; collation; goods; espouser; donator; donee; INTRODUÇÃO Tem a presente Monografia, como base a pesquisa científica, sob o prisma de interpretação doutrinária, e tem como objeto de estudo a doação de ascendente a descendente e ao cônjuge frente o instituto da colação de bens. O estudo do tema em questão será de grande importância, pois trata-se de matéria de grande relevância no direito sucessório. A doutrina ainda deixa muitas lacunas ao discutir a matéria, além de não ser unânime. Ressalta-se que esta pesquisa tem por objetivo institucional a produção de Monografia para fins de obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Como objetivos investigatórios, em termos gerais, propõe-se analisar o Instituto da Colação de bens previsto no Código Civil Brasileiro de 2002 em seu Livro V, Titulo I, Capitulo IV dos artigos 2002 a 2012, o entendimento doutrinário e jurisprudencial aplicado no Direito Brasileiro. A presente monografia tem os seguintes objetivos específicos: a) Realizar um estudo acerca do assunto na lei, doutrina e jurisprudência. b) Verificar quais as conseqüências da colação para o patrimônio a ser inventariado. c) Verificar quem tem que colacionar os bens recebidos em doação. d) Verificar quais os bens devem ser colacionados. e) Verificar a legalidade da remuneração acima do valor de mercado de ascendente para descendente. Para a elaboração da presente monografia foram levantados os seguintes problemas e suas hipóteses; Doando o ascendente à parte disponível de seu patrimônio a um descendente em detrimento aos demais descendentes, deverá esta fazer parte da colação? 2 A luz do Art. 5º, caput da CRFB/1988 todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Partindo do princípio Constitucional, não deverá haver tratamento diferenciado entre descendentes quanto à participação nos bens dos ascendentes, seja por doação ou por partilha de herança. Os bens doados pelo ascendente a descendente utilizando-se de terceiros, devem estes ser colacionados? Os bens transferidos a terceiros para posteriormente serem entregues a descendentes devem vir a serem colacionados no momento da partilha dos bens do de cujus, por se tratar de um artifício fraudulento contra os demais descendentes, utilizando o ascendente de terceira pessoa para celebrar contrato simulado de transferência de bens em benefício de determinado herdeiro necessário em prejuízo aos demais herdeiros necessários. Quando o descendente prestar serviços remuneratórios ao ascendente e for remunerado com pagamento superior ao praticado no mercado, o valor excedente deverá ser considerado como doação para fins de colação? Na possibilidade de um descendente prestar serviços remunerados ao ascendente e sendo remunerado com valor acima do praticado pelo mercado, deverá ser considerado como doação, pois assim não sendo, pode o ascendente constituir uma micro empresa e empregar um descendente o qual queira beneficiar em relação a outro, pagando-lhe uma remuneração vantajosa. Para uma melhor compreensão, este estudo monográfico será dividido em três capítulos. O primeiro capítulo tratará da sucessão em geral, composto por considerações históricas do direito sucessório, sucessão, espécies de sucessões, herança legítima, herdeiros necessários, porção legítima da herança, sucessões de descendentes. No segundo capítulo será abordado o contrato de doação, tratando do: contrato, contrato de doação, restrições à liberdade de doar, doação de todos os bens do doador, doação da parte inoficiosa, espécies de doação, revogação da doação, por motivos comuns a todos os contratos, por ser resolúvel o negócio, por descumprimento do encargo, por motivos de ingratidão do donatário. 3 No terceiro capítulo tratar-se-á do instituto da colação no ordenamento jurídico brasileiro, abordando-se as considerações gerais, momento da colação e procedimentos, herdeiros sucessíveis a colação, bens sujeitos a colação, redução das liberalidades, dispensa da colação, teoria da disregard na sucessão legítima e finalizando com a obrigação de colacionar do cônjuge supérstite. Encerra-se o presente relatório de pesquisa com a conclusão, na qual serão apresentados os resultados obtidos com esta pesquisa monográfica a qual se propôs, seguidos de estímulo à continuidade de pesquisas e reflexões sobre o instituto da colação de bens no ordenamento jurídico brasileiro. O Método utilizado na fase de Investigação é o Dedutivo, sendo acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica. 1 SUCESSÃO EM GERAL Para tratar do ponto nuclear da presente pesquisa – a colação de bens quando da doação de ascendente para descendente – faz-se necessário iniciar-se pela conceituação, origem, espécies e demais elementos referentes à sucessão como forma de pontuar os principais aspectos limítrofes do tema. 1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO SUCESSÓRIO Para uma melhor compreensão do direito sucessório, faz-se necessário uma retrospectiva na história do mundo antigo, antes da era cristã. Os povos primitivos viviam segundo a sua crença religiosa. A transmissão de bens por morte aos seus sucessores remonta desde a antigüidade, de antes da era cristã. A instituição da transmissão dos bens era pautada na continuidade do culto familiar, a sucessão religiosa era mais importante que a sucessão patrimonial, pois era o primogênito varão, o responsável pela continuidade do culto familiar. Ensina Rodrigues1: [...] a íntima conexão entre o direito hereditário e o culto familial nas sociedades mais antigas. O culto dos antepassados constitui o centro da vida religiosa nas antiqüíssimas civilizações, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar quem lhe cultue o altar doméstico, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto. Assim sendo, a propriedade familial a ele se transmite, automaticamente, como corolário do fato de ser o continuador do culto familial. Essa a razão por que a sucessão, a esse tempo e durante séculos, transmite-se apenas pela linha masculina, ou seja, aos agnados, 1 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 7 v. 26 ed. 2003, p. 4. 5 pois, como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é ele, e não sua irmã, quem recebe o patrimônio da família. Aí, portanto, a explicação da regra segundo a qual a herança se transmite ao primogênito varão. Na antigüidade, tanto a propriedade quanto a religião eram transmitidas de pai para filho, o homem morre, mas seu culto e a propriedade permanecem, como salienta Coulanges2: O direito de propriedade, tendo-se estabelecido para a perpetuação de um culto hereditário, não podia desaparecer ao longo da existência de um indivíduo. O homem morre, o culto permanece; o fogo sagrado nunca deve extinguir-se nem o túmulo ficar abandonado. Com a continuação religiosa doméstica, o direito de propriedade permanece. Duas coisas vivem intimamente vinculadas entre si, tanto nas crenças como nas leis dos antigos: o culto e a propriedade da família. Assim sendo, verificamos ser regra sem exceção, tanto no direito grego como no romano, não se adquirir a propriedade isoladamente do culto, nem o culto sem a propriedade. [...]. O culto religioso era transmitido entre os homens, igualmente também era a propriedade, o culto religioso e a propriedade não se desvinculavam, como o filho era o continuador do culto do pai, era ele também o herdeiro da propriedade. Ensina Coulanges3 que: Deste princípio originaram-se todas as regras do direito de sucessão entre os antigos. A primeira, consiste em que sendo, como já vimos, a religião doméstica hereditária, de varão para varão, a propriedade igualmente o era. Assim como o filho é o natural e obrigatório continuador do culto, da mesma forma herda também os bens. Assim é que surgiu o princípio da hereditariedade; esta não é a conseqüência da simples convenção 2 COULANGES, Fustal de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da grécia e de roma. 12 ed. 1996, p. 58-59. 3 COULANGES, Fustal de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da grécia e de roma. p. 58-59. 6 oficializada entre homens; provém de suas crenças e religião, do que há de mais poderoso sobre as almas. O que leva o filho a herdar não é a vontade egoísta do pai. O pai não tem obrigação de fazer testamento; o filho herda de pleno direito, ipso jure heres exsistit, conforme diz o jurisconsulto. É herdeiro forçado, heres necessarius. (grifo no original) Na antigüidade, o direito grego não permitia ao herdeiro renunciar a herança, pois era para ele uma obrigação dar seqüência a propriedade bem como o culto do pai. Conforme Coulanges4, o filho já era considerado co-proprietário dos bens do pai enquanto ele vivia: O filho não deve aceitar nem recusar a herança. A seqüência da propriedade, como a do culto, é para o filho uma obrigação tanto como um direito. Queira ou não queira, cabe-lhe a sucessão, qualquer que esta possa ser, mesmo com obrigações e dívidas. O benefício de inventário e o benefício de desistência não são admitidos para os filhos no direito grego, e só muito tarde foram introduzidos no direito romano. A linguagem jurídica de Roma denominava ao filho heres suus, como se dissesse heres sui ipsius. Com efeito, o filho só herda de si próprio. Entre o pai e ele não existe nem doação, nem legado, nem mudança de propriedade. Há simplesmente continuação, morte parentis continuatur dominium. Enquanto o pai vivia, o filho era co-proprietário do campo e da casa, vivo quoque patre dominus existimatur. (grifo no original) O direito sucessório está regulamentado no Código de Manu, onde os bens são transmitidos aos filhos após a morte do pai e da mãe, privilegiando o irmão mais velho, como ensina Altavila5: Art. 516 – Depois da morte do pai e da mãe, que os irmãos, tendo-se reunido, partilhem entre si igualmente os bens de seus 4 COULANGES, Fustal de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da grécia e de roma. p. 59. 5 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 10 ed. São Paulo: Ícone, 2004, p. 75. 7 pais, quando o irmão mais velho renuncia a seu direito; eles não são donos de tais bens durante a vida daquelas duas pessoas, salvo se o pai mesmo tenha preferido partilhar esses bens. Apesar de a herança ser transmitida em sua totalidade ao filho primogênito, os irmãos não ficavam desamparados, o Código de Manu previa em seu artigo 517, escreve Altavila6 que: Art. 517 – Mas, o mais velho, quando ele é eminentemente virtuoso, pode tomar posse do patrimônio em totalidade e os outros irmãos devem viver sob sua tutela, como viviam sob a do pai. A história do início sucessório perde se no tempo, na mais profunda antiguidade, e afirma Monteiro 7, que até os dias atuais, o direito sucessório sofreu profunda modificação em sua aplicabilidade: O direto sucessório remonta à mais alta antigüidade. Perde-se sua origem na noite dos tempos, parecendo que se prende à comunidade da família, de que constituiria prolongamento natural. Sua fisionomia atual, todavia, em nada se parece à primitiva. Sem receio de errar, pode se afirmar que, de todos os ramos do direito civil, o direito das sucessões foi aquele que mais se transformou. Com efeito, originariamente, existia direito sucessório preferencial em beneficio dos varões. Se o finado deixava simultaneamente filhos e filhas, estas não herdavam. Sua exclusão era ditada ou porque a lei assim determinava, ou em virtude de renúncia, que se lhes impunha, forçadas à aceitação de um simples dote. A Lei Sálica, que apenas contemplava os varões na distribuição da propriedade imobiliária, constituía típico exemplo dessa injustiça social. Assim também a Lei Vocônia, inspirada por Catão no intento de colocar um freio à dissipação e à independência das mulheres e que vigorou em 6 7 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos, p. 76. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 33 ed. 1999, p. 2. 8 certo período do direito romano, as privava de capacidade testamentária passiva; mas, essa lei, que contrariava a eqüidade e a própria natureza, logo foi revogada. Na lição de Coulanges8, no direito sucessório antigo, somente o filho tinha o direito de herdar, a filha não era considerada apta a dar continuidade à religião do pai: A regra estatuída para o culto é a de que o mesmo se transmita de varão para varão; a regra para a herança é que esteja em conformidade com o culto. A filha não se considera apta para dar seqüência à religião paterna, pois casa, e casando-se, renuncia ao culto de seu pai para adotar o do esposo: não tem, pois, nenhum direito à herança. Se por acaso um pai deixasse os bens à filha, a propriedade ficaria divorciada do culto, o que não é admissível. A filha não poderia nem mesmo cumprir o primeiro dever do herdeiro, ou seja, o de continuar a série dos banquetes fúnebres, pois só aos ancestrais de seu marido poderá oferecer os sacrifícios. A religião proíbe-lhe, pois, receber herança de seu pai. Ao longo do tempo, até os dias atuais, o direito sucessório sofreu muitas modificações conforme leciona Gomes9: O sistema foi substituído pelo direito pretoriano, que admitiu quatro ordens de sucessíveis: liberi, legítimi, cognati e cônjuge sobrevivente. A primeira classe compreendia os sui heredes e os emancipati. A segunda, os consanguinei e os agnati. A terceira, todos os parentes até o sexto grau. E a quarta, o marido, ou a mulher. No direito justinianeu a sucessão legítima passa a se fundar no parentesco natural, como destaca Gomes10: A ordem da vocação hereditária era: 1 – descendentes; 8 COULANGES, Fustal de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da grécia e de roma. p. 59. 9 GOMES, Orlando. Sucessões. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense: 2004, p. 3-4. 10 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 4. 9 2 - ascendentes, juntamente com irmãos bilaterais; 3 - irmãos consangüíneos ou uterinos; 4 - outros parentes colaterais. Os parentes mais próximos excluíam os mais remotos. A viúva pobre, por sucessão irregular introduzida pela Novela 117, recolhida a herança se faltassem todos os herdeiros. A lex Julia et Papia Poppea prescrevera o direito do Estado ‘a sucessão, quando ocorresse a vacantia. No direito germânico primitivo a sucessão baseava-se na compropriedade familiar, vindo, em primeiro lugar, os filhos varões e, em seguida, os irmãos do defunto, tios paternos e maternos. (grifo no original) Inicialmente o direito brasileiro recepcionou as ordenações portuguesas, até o advindo da lei n° 1.839 de 1907. Com a edição da Lei nº 1.839 de 1907, a vocação hereditária sofreu considerável modificação, conforme lembra Gomes11: No direito pátrio, a ordem de vocação hereditária foi, até 1907, a seguinte: 1 - descendentes; 2 - ascendentes; 3 - colaterais até o décimo grau; 4 - cônjuge sobrevivo; 5 - Fisco. A Lei n° 1.839, desse ano, alterou-a, trazendo para o terceiro grau o cônjuge supérstite e limitando o parentesco transversal ao sexto grau. (grifo no original) Do ano de 1907 até o ano de 1.946, o direito sucessório colateral se estendia até o sexto grau. Com o advento da Lei 9.461/1946, que alterou o artigo 1.612 do Código Civil de 1.916, e passou a determinar que, na ausência de cônjuge sobrevivente, passariam a chamar a sucessão os parentes colaterais até o quarto grau e não mais até o sexto grau. Em 1.962 a Lei 4.121 acrescentou ao Artigo 1.611 do Código Civil, os Parágrafos 1º e 2º, em relação ao cônjuge sobrevivente. Instituindo em seu Parágrafo primeiro que, não sendo casados no regime da comunhão universal de bens, o cônjuge viúvo terá direito, enquanto durar o estado de 11 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 4. 10 viúves, o usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, havendo filhos próprios ou do casal, não havendo filhos terá direito à metade dos bens, mesmo com ascendentes vivos. O Parágrafo segundo, assegura ao cônjuge sobrevivente, casado no regime da comunhão universal de bens, enquanto viver e permanecer viúvo, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado a residência da família, sendo este o único imóvel desta natureza, sem prejuízo da parte que lhe caiba na herança. 1.2 SUCESSÃO A sucessão é a continuidade dos direitos e obrigações patrimoniais de alguém por outrem, “a idéia de sucessão sugere, genericamente, a transmissão de bens, pois implica a existência de um adquirente de valores, que substitui o antigo titular”12. No mesmo sentido leciona Monteiro13: Acepções da palavra sucessão – num sentido amplo, a palavra sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe cometiam. Nesse sentido se diz, por exemplo, que o comprador sucede ao vendedor no que concerne à propriedade da coisa vendida. De forma idêntica, ao cedente sucede o cessionário, o mesmo acontecendo em todos os modos derivados de adquirir o domínio do direito. No direito das sucessões, entretanto, emprega-se o vocábulo num sentido mais restrito, para designar tão-somente a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento (hereditas nihil aliud quam successio in univesus jus, quod defunctus habuit). A sucessão é regida por normas que disciplinam a transmissão do patrimônio do de cujus, sendo por lei ou por ultima vontade. 12 13 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 3. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. p. 1. 11 No entendimento de Diniz14: o sucessor do de cujus assume a posição jurídica que, até então lhe cabia sobre todo o patrimônio. O direito das sucessões vem a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento CC, (art. 1.786). Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro. Com a morte do autor da herança o sucessor passa a ter a posição jurídica do finado, sem que haja qualquer alteração na relação de direito, que permanece a mesma, apesar da mudança de sujeito. Deveras, ressalvado o sujeito, mantêm-se todos os outros elementos dessa relação: o título, o conteúdo e o objeto. Dessa forma, o herdeiro insere-se na titularidade de uma relação jurídica eu lhe advém do de cujus. [...]. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, tida como a “Constituição Cidadã” traz, dentre outras garantias fundamentais, o direito de herança e a igualdade entre os filhos, no artigo 5°, inciso XXX, a garantia do direito de herança, e ainda no artigo 227, parágrafo 6° a igualdade entre os filhos havidos do casamento ou fora dele, bem como os por adoção. Em relação à União Estável, o então denominado concubinato, esta fora disciplinada pela lei 8.971/1994, que criou em favor do companheiro sobrevivente, o direito à sucessão do de cujus, na totalidade da herança, desde que houvesse ausência de descendentes ou ascendentes. A Lei 9.278/1996 que regula o parágrafo 3º do Artigo 226 CRFB/88, dispõe em seu Artigo 1º, sobre a união estável entre homem e mulher, reconhecendo como entidade familiar. No direito da sucessão, determina em seu Artigo 7º, Parágrafo Único, que com a morte de um dos conviventes é garantido o direito real de habitação do sobrevivente, 14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 6 v. 20 ed. 2006, p. 3. 12 enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, sobre o imóvel de uso residencial da família. Foi acrescentado pela Lei 10.050 de 2.000 o Parágrafo 3º ao Artigo 1.611 do código Civil, que, na falta do pai ou da mãe, estende ao filho deficiente físico incapacitado para o trabalho, o direito do Parágrafo 2º deste artigo, “o direito real de habitação”, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança. Atualmente a sucessão hereditária esta disciplinada no Código Civil Brasileiro, lei 10.406/2002. E tem como inovação a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário, artigo 1.845 “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. No artigo 1.829, dita a ordem sucessória. Artigo 1.829 – A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente IV – aos colaterais. O direito a sucessão é garantido constitucionalmente no Direito Brasileiro no artigo 5º, inciso XXX da CRFB/88, que explicitamente determina ser “garantido o direito de herança”. A partir desta garantia constitucional é que vários doutrinadores dedicam-se ao estudo do tema partindo, sempre, da inicial conceituação de herança. Conforme Venosa15, herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem a uma ou mais pessoas sobreviventes, em decorrência da morte de outra. O termo herança é exclusivo do direito que ora estudamos. Daí entender-se herança como o conjunto de direitos e obrigações 15 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. 7 v. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 22. 13 que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas, que sobreviveram ao falecido. Falecendo o titular de direitos e obrigações, estes se transmitem aos herdeiros em toda sua plenitude, como acima citado por Venosa. Herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações pertencentes ao falecido. Este conjunto se transmite aos herdeiros do de cujus na sua totalidade, ficando as obrigações limitadas aos bens e direitos. O passivo que exceder o ativo não é transmissível aos herdeiros, conforme ensina o artigo 1.997 CC/2002: “A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.” Assim pode ser entendida a herança como o patrimônio deixado pelo de cujus abrangendo os direitos reais e obrigacionais pertencentes ao falecido, denominado autor da herança. O patrimônio transmissível pode conter bens materiais ou imateriais, avaliáveis economicamente.16 Não são transmissíveis direitos e obrigações pessoais do falecido.17 Os herdeiros recebem a herança como um todo, sem individualização dos bens do patrimônio do falecido o que ocorrerá somente na partilha, mesmo quando agraciado por testamento, diferentemente do legatário que recebe a coisa determinada já no testamento. Pontua Venosa18 que: A compreensão da herança é de uma universalidade. O herdeiro recebe a herança toda ou uma quota-fração dela, sem determinação de bens, o que ocorrerá somente na partilha. O herdeiro pode ganhar essa condição por estar colocado na ordem de vocação hereditária (art. 1.829; antigo, art. 1.603) ou por ter sido aquinhoado com uma fração da herança por testamento. A figura do legatário só pode derivar do testamento. O legatário recebe coisa ou coisas determinadas do monte hereditário. Por isso o herdeiro é sucessor universal do de cujus; o legatário é sucessor singular. 16 17 18 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 23. Direitos e obrigações pessoais são personalíssimos, portanto intransmissíveis a terceiros. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 23. 14 A herança transfere-se como um todo, a abertura da sucessão, a transmissão do patrimônio aos herdeiros ocorrem no mesmo momento da morte do titular, por força do princípio da saisine. Prescreve o artigo 1.784 CC/2002 que a herança se transmite aos herdeiros legítimos e testamentários, na abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do titular da herança. Ensina Diniz19, que a transmissão do patrimônio do de cujus se dá no exato momento da morte, sem a necessidade de qualquer formalidade. [...] Adota, assim, nosso Código Civil o droit de saisine (direito de saisina), de origens obscuras, ante a necessidade de não se dar ao acervo hereditário a natureza de res derelicta ou res nullius, sujeita a dominação do primeiro ocupante. O princípio da saisine, introduzido no direito português pelo alvará de 9 de novembro de 1754, donde passou para o direito das sucessões pátrio, determina que a transmissão do domínio e da posse da herança ao herdeiro se dê no mesmo momento da morte do de cujus independentemente de qualquer formalidades. [...]. A legislação aplicável à sucessão é a vigente na data do óbito do autor da herança (artigo 1.787 CC/2002). “[...] O art.1.787 (antigo, art. 1.577) regula de forma tradicional o fenômeno, determinando que se aplique a lei vigente ao tempo da morte, a sucessão e a legitimação para suceder.”20. No mesmo sentido decidiu o STJ REsp. 205517/SP de 01/04/2003, 3ª Turma – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, “no direito das sucessões aplica-se a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.” Falecendo o autor da herança, o sucessor universal continua no direito da posse que era do de cujus, não havendo qualquer interrupção, e ao sucessor singular lhe é permitido que una sua posse ao a do antecessor. 19 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 25. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 24. 15 Leciona Diniz 21, que o sucessor conserva as mesmas características da posse do antecessor, pois a transmissão se da por completo. A norma do art. 1.784 deve ser entendida com base no art. 1.207 do Código Civil, que dispõe: “O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”, uma vez que o herdeiro se sub-roga, no que concerne à posse da herança, na situação desfrutada pelo de cujus. Assim, o que se transmite é o direito de continuar a posse do de cujus, de maneira que o herdeiro ou o legatário a adquire, por sucessão legal, com os caracteres da posse anterior, tendo-se em vista o princípio geral sobre o caráter da posse, firmado no art. 1.203 do Código Civil: “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”. Aberta a sucessão e vindo o herdeiro a falecer, todos os seus direitos sucessórios transmite-se aos seus sucessores. Tendo o de cujus vários herdeiros, a herança se transfere como um todo unitário aos herdeiros22, sendo o direito dos co-herdeiros em relação à propriedade e posse da herança indivisível, “[...] regulando-se pelas normas relativas ao condomínio (CC, art. 1.791 e parágrafo único).”23. Assim entende Venosa24: Durante o período em que a herança tem existência, o patrimônio hereditário possui o caráter de indiviso, como conseqüência da universalidade que é. Cada herdeiro se porta como condômino da herança. 21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 26. Sendo a herança transmitida na sua integralidade a todos os herdeiros por igual, não pode um herdeiro querer vantagem sobre os demais, pois seria enriquecimento sem causa. A lei expressa claramente (art.1.791 CC/2002) que enquanto a herança permanecer indivisa se comportará como condomínio, e todos se portarão como condôminos, tendo todos, igual direito. 23 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 23. 24 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 23-24. 22 16 Embora a herança seja uma unidade abstrata, ideal, que pode até mesmo prescindir da existência de bens materiais, não se deve acreditar, de plano, que seja indivisível. Quando existem vários herdeiros chamados a suceder o de cujus, divide-se entre eles em partes ideais, fracionárias, de metade, um terço, um quarto etc. desse modo, a unidade da universalidade concilia-se com a coexistência de vários herdeiros, porque cada um deles tem direito a uma quota-parte ou porção ideal da universalidade. A idéia é de condomínio, como já dito. Disso decorrem muitas conseqüências, como se pode prever. Cada um dos herdeiros é potencialmente proprietário do todo, embora seu direito seja limitado pela fração ideal. A idéia de indivisibilidade da herança não é permanente, desaparecendo quando da partilha, onde cada herdeiro ou legatário recebe o seu quinhão. Pois “[...] Com a partilha, atribuem-se os bens aos herdeiros e legatários, desaparece a herança, desaparecendo a indivisibilidade.”25: No entendimento de Diniz26, é necessário que se tenha fixado o momento exato da morte do autor da herança, porque a transmissão acontece no exato momento do falecimento. [...] o momento da transmissão da herança é o da morte do de cujus; daí a importância da exata fixação do dia da hora do óbito, uma vez em uma precedência qualquer, mesmo de segundos, influi na transmissão do acervo hereditário. Com o falecimento do de cujus a herança é oferecida a quem possa adquiri-la, o que envolve a questão da prova da morte, que é feita pela certidão de óbito passada pelo oficial do Registro, devendo, na sua falta, o interessado lançar mão de outros meios admissíveis juridicamente, como, p. ex., o levantamento pericial, a prova testemunhal etc. O domínio dos bens da herança transfere-se portanto, ao herdeiro do de cujus automaticamente no momento do passamento, e não no instante da transcrição da partilha feita 25 26 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 59. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 31-32. 17 no inventário, de modo que o fisco só poderá cobrar o imposto causa mortis nos valores do instante do óbito. Leciona Wald27, que a herança também pode ser denominada de espólio ou monte, pois todos os bens do falecido são transmitidos aos herdeiros, simultaneamente com a morte do autor, como um único patrimônio. Permanecendo o patrimônio indiviso até a partilha, quando cada herdeiro receberá seu quinhão. O patrimônio a ser dividido entre os sucessores é o resultante dos bens menos as dívidas do de cujus. Para ser apurado o patrimônio deixado pelo de cujus, é necessário que se proceda ao inventário dos seus bens, que nada mais é do que a identificação individualizada de todo o acervo pertencente ao falecido, compreendendo o ativo e o passivo. Assim o entendimento de Diniz28: Em razão do fim da personalidade jurídica do de cujus, em conseqüência de sua morte, surgindo o direito à herança (CF, art. 5°, XXX), desloca-se a propriedade de seu patrimônio para os seus herdeiros no instante do falecimento. Com isso, é imprescindível legalizar a disponibilidade da herança, para que os herdeiros possam alienar ou gravar os bens que compõem o acervo hereditário. Tal legalização é feita pelo Poder Judiciário, inventariando os bens do de cujus. O processo de inventário tem por escopo descrever e apurar os bens deixados pelo falecido, a fim de que se proceda oportunamente à sua partilha entre os herdeiros. O processo de inventário cessa, portanto, com a partilha. Com a inscrição do formal de partilha no Registro de Imóveis, dar-se-à a mudança do nome do falecido para os dos herdeiros, embora estes já tivessem o domínio desde o momento do óbito do de cujus. Assinala Wald 29, que na inexistência de herdeiros conhecidos, ou os conhecidos renunciarem, e na ausência de testamento deixado pelo falecido, ocorre a herança jacente, 27 WALD,Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. V v. 11 ed. ver. ampl. atual. São Pulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 21. 28 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 32. 29 WALD,Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 44-46. 18 onde o juiz nomeará um curador para proteger o patrimônio, aguardando o aparecimento de herdeiro. Confirmando-se a inexistência de herdeiros legítimos ou testamentários, será a herança declarada vacante e entregue ao poder público para ser incorporado ao patrimônio dos Municípios, Distrito Federal, ou a União casos que se localizam nos Territórios. Em todo o período da existência da herança, o patrimônio deixado pelo de cujus permanece indiviso, ou seja, cada herdeiro usufrui o patrimônio como um todo, e se porta como condômino. Observa Rodrigues30, que o inventário tem o objetivo de fazer o levantamento do patrimônio do falecido, de apurar os bens e vantagens, as dívidas e obrigações deixadas pelo autor da herança. Antes da divisão dos bens, devem ser pagas as dívidas, pois a herança é que por elas responde. 1.3 ESPÉCIES DE SUCESSÕES Como será abordado neste item, sucessão pode se dar, por lei (legítima) ou por disposição de última vontade (testamentária) (artigo 1.786 CC/2002 ), sendo a legítima a descrita em lei (artigo 1.829 CC/2002). A sucessão pode ainda ser classificada de universal e singular, conforme orienta 31 Cahali . Na sucessão a titulo universal, a transmissão do patrimônio do de cujus dar-se-á como um todo aos sucessores, e em partes iguais, tanto na sucessão legítima como na sucessão testamentária. Na sucessão a titulo singular, a transferência do patrimônio se da por bens determinados a pessoas determinadas. Esta espécie de sucessão, só é possível na sucessão testamentária. O bem deixado por testamento denomina-se de legado e a pessoa beneficiada é denominada de legatário, pois sucede o falecido apenas na coisa a ele destinado. A transmissão hereditária pode se dar por lei ou de última vontade através de testamento. Na existência de testamento, atende-se a vontade do testador no que for aplicável, segundo a legislação que rege a sucessão testamentária (artigo 1.786 CC/2002). 30 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 26. CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 2 ed., 2003, p. 53. 31 19 Na ausência de testamento segue-se à vocação hereditária conforme estabelecido em lei (artigos 1.798 e 1.829 CC/2002), é a denominada sucessão ab intestato32. Venosa33, e Rodrigues têm a mesma percepção acerca da classificação do direito das sucessões. A herança dá-se por lei ou por disposição de última vontade (art. 1.786, antigo, art.1.573). O testamento traduz esta última vontade, como veremos. Quando houver testamento, atende-se, no que couber, segundo as regras hereditárias, a vontade do testador. Quando não houver testamento ou no que sobejar dele, segue-se a ordem de vocação hereditária legítima, isto é, estabelecida em lei. Entre nós, portanto, podem conviver as duas modalidades de sucessão, o que não ocorria no velho Direito Romano. A vocação legítima prevalece quando não houve ou não puder ser cumprido o testamento. A sucessão pode ser legítima e testamentária, como entende Rodrigues34: A sucessão é simultaneamente legítima e testamentária quando o testamento do defunto não abrange todos os seus bens [...]. Em ocorrendo o caso, os bens referidos no testamento se transmitem aos herdeiros testamentários e aos legatários. Os bens restantes são deferidos aos herdeiros legítimos, na ordem de vocação hereditária. Entende Rodrigues35: A sucessão legítima se dá quando a pessoa morre sem deixar testamento, ou quando o testamento caducar ou for julgado nulo, pois nesses casos deixa de haver disposição de ultima vontade e é a lei que determina o destino dos bens do finado (CC, art. 1.788). Já Diniz36, entende que o direito brasileiro admite a possibilidade da simultaneidade da sucessão legítima e testamentária. 32 33 34 35 Quando o falecido não tem deixado testamento. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 24. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 17. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 17. 20 A sucessão legítima ou ab intestato, resulta de lei nos casos de ausência, nulidade, anulabilidade ou caducidade de testamento (CC, arts. 1.786 e 1.788). Deveras, se o de cujus não fizer testamento, a sucessão será legítima, passando o patrimônio do falecido às pessoas indicadas pela lei, obedecendo-se à ordem de vocação hereditária (CC, 1.829) [...]. O direito brasileiro admite, ainda, a possibilidade de existência simultânea dessas duas espécies de sucessão, pois, pelo Código Civil, art. 1.788, 2ª parte, se o testamento não abranger a totalidade dos bens do falecido, a parte de seu patrimônio não mencionada no ato de última vontade é deferida aos herdeiros legítimos, na ordem da vocação hereditária. Os bens mencionados no testamento são transmitidos aos herdeiros testamentários e aos legatários. Igualmente prescreve o Código Civil, no art. 1.966, que quando o testador só dispõe de parte de sua metade disponível, entende-se que institui os herdeiros legítimos no remanescente. Se não houver herdeiro legítimo, arrecadar-se-á como herança jacente a fração da quota disponível não distribuída no testamento (CC, art. 1.819). Na sucessão legítima há, ainda, herdeiros denominados “herdeiros necessários”. Tais herdeiros elencados no artigo 1.845 CC/2002 são os descendentes, ascendentes e o cônjuge. Estes herdeiros têm direito a uma porção a eles reservada denominada “porção legítima da herança”. Adiante, nos artigos 1.846 e 1.847 CC/2002, há disposição acerca do calculo desta porção que deverá ser respeitado sob pena de se proceder a redução das disposições testamentárias. Prescreve o artigo 1.846 CC/2002, que o valor da porção legítima da herança deve corresponder a metade do patrimônio do autor da herança. O artigo 1.847 CC/2002, dispõe sobre o calculo da legítima, ou seja, 50% do patrimônio do autor da herança, deduzido o passivo para que expresse somente os bens e valores que efetivamente serão transmitidos via sucessão. 36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 18 e 20. 21 Não deixando o falecido testamento ou herdeiros legítimos conhecidos, serão os bens arrecadados, ficando sob guarda e administração de curador, até que entregues a sucessor habilitado, ou declarado a sua vacância (artigo 1.819 CC/2002). Não aparecendo herdeiros legalmente habilitados no prazo de 5 (cinco) anos após a abertura da sucessão, os bens arrecadados serão incorporados ao patrimônio do Município, Distrito Federal ou da União se localizados em Território federal (artigo 1.822 CC/2002). A sucessão testamentária ou de última vontade dar-se á de acordo com o estabelecido no testamento, previsto no artigo 1.857 e SS do CC/2002. Entende Diniz37 A sucessão testamentária, oriunda de testamento válido ou de disposição de última vontade. Todavia, ante o sistema da liberalidade de testar limitada, adotado pela lei pátria, se o testador tiver herdeiros necessários, ou seja, cônjuge supérstite, descendentes e ascendentes sucessíveis (CC, arts. 1.845 e 1.846), só poderá dispor de metade de seus bens (CC art.1.789), uma vez que a outra metade constitui a legítima daqueles herdeiros. Segundo Venosa38, não existindo herdeiros tem-se herança jacente. Existe jacência, pois quando em síntese, não se sabe de herdeiros: ou porque não existem, ou porque não se sabe de sua existência, ou porque os herdeiros eventualmente conhecidos renunciaram à herança. 1.3.1 Herança legítima De forma inicial o ordenamento jurídico pátrio prevê no Código Civil a sucessão legítima trazendo conceituações e disciplinamentos a ela atinentes caracterizadores da sucessão reservada àqueles que, por laços de parentesco consangüíneo recebem tratamento 37 38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 17. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 85. 22 diferenciado de tal forma que sejam reconhecidos seus direitos quando da abertura da sucessão. A herança legítima, é defina em lei, segundo o artigo 1.829 CC/2002 é composta por: Descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais. No entendimento de Gomes39: A sucessão ab intestato deriva imediatamente da lei, ao contrário da sucessão testamentária que resulta, consoante permissão legal, de uma disposição de última vontade, denominada testamento. Por ter na lei sua fonte imediata, chama-se sucessão legítima ou, também, sucessão legal. Ocorre quando o falecido não houver disposto, no todo ou em parte, dos bens, em testamento válido, ou quando não pode dispor de parte desses bens por ter herdeiros necessários. Na segunda hipótese, dá-se inevitavelmente. Denomina-se sucessão legítima. Em suma, há sucessão legítima quando: a) tem o autor da herança herdeiros que, de pleno direito, fazem jus a recolher uma parte dos bens; b) o testador não dispõe de todos os bens; c) o testamento caduca; d) o testamento é declarado inválido. A existência de testamento não exclui, portanto, a sucessão legítima, porquanto, ainda sendo válido e eficaz, se dará havendo herdeiros obrigatórios ou havendo bens excedentes das disposições testamentárias. [...]. Só existe herança legítima, se existirem herdeiros necessários, como ensina 40 Gomes : 39 40 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 39. GOMES, Orlando. Sucessões. p. 41. 23 Em resumo: havendo herdeiros necessários, a liberdade de testar é restrita à metade disponível; havendo somente herdeiros facultativos, é plena. Todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário. 1.3.1.1 Herdeiros necessários São herdeiros necessários de acordo com o artigo 1.845 CC/2002, os descendentes, ascendentes e o cônjuge, os quais a lei determina como herdeiros obrigatórios. Entende Rodrigues41: Herdeiros necessários, segundo o art. 1.845 do Código Civil, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Fazem jus a tal denominação em virtude de não poderem ser afastados, inteiramente, da sucessão, a não ser nas hipóteses excepcionais de deserdação ou indignidade. Na lição de Gomes42: Herdeiro necessário é o parente e o cônjuge com direito a uma quota-parte da herança, da qual não pode ser privado. A parte reservada aos herdeiros legitimados chama-se legítima. Constitui-se, entre nós, da metade dos bens do falecido. A esses sucessores, o Código Civil em seu artigo 1.846 confere o direito à metade dos bens da herança, a qual constitui a parte legítima. Destaca Rodrigues43: Realmente, a lei impede o testador, que tiver descendente, ascendente, ou cônjuge, de dispor, por testamento, de mais da metade de seus bens, pois, tendo em vista a proteção daqueles parentes e do cônjuge, defere-lhes, de pleno direito, a outra metade, que se denomina reserva ou legítima desses herdeiros (CC, art. 1.846). 41 42 43 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 123. GOMES, Orlando. Sucessões. p. 40. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 123. 24 Entende Venosa44: [...] havendo herdeiros necessários, o patrimônio do morto deve ser considerado em duas porções, uma porção disponível e uma porção indisponível. Se o testador não esgotar toda parte disponível de seu patrimônio, o remanescente se acresce à legítima dos herdeiros necessários. Essas duas parcelas da herança devem ser vistas por dois ângulos. A porção que se denomina “legítima” está ligada ao direito do herdeiro. A parcela “disponível” é ligada ao ato do testador, aquela metade do patrimônio de que ele pode dispor. A legislação veda o testador de preterir ou prejudicar os herdeiros necessários em ato de ultima vontade. No dizer de Monteiro45: Ao mesmo tempo em que o legislador se preocupa em arrolar pessoas impedidas de suceder, em virtude das mais diversas circunstâncias, ao tratar da ordem de vocação hereditária indica quem a lei chama a recolher a herança, sucessivamente, referindo em seguida as que o testador não pode preteri nem prejudicar no ato de última vontade, isto é, os herdeiros necessários, assim chamados porque constituem sucessores obrigatórios, embora contra a vontade do de cujus. Entender ainda Monteiro46, que os herdeiros necessários não se confundem com herdeiros legítimos; O direito positivo brasileiro empresta, porém, a essa expressão sentido específico e técnico: herdeiro necessário vem a ser o descendente, ascendente ou cônjuge sucessível (art. 1.845). Sua compreensão difere bastante da de herdeiro legítimo, indicada no art. 1.829 do Código Civil. Todo herdeiro necessário é legítimo, 44 45 46 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 126. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 35 ed. p. 107. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. p. 107 - 108. 25 mas nem todo herdeiro legítimo é necessário, também designado como legitimário, reservatório, obrigatório ou forçado. 1.3.1.2 Porção legítima da herança A porção legítima da herança é a parte que o testador não pode dispor em testamento. A parte legítima já era prevista no Alcorão conforme afirma Altavila47: O Alcorão, estabelecendo o direito de herança, fixa uma percentagem para os herdeiros necessários. Deve o cádi atribuí-la no momento da partilha, levando em consideração a qualidade dos bens. A porção legítima da herança é constituída pela metade dos bens da herança existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas fúnebres, (artigo 1.846 e SS CC/2002). A legítima é a parte dos bens do falecido reservada aos herdeiros necessários, da qual o autor da herança não dispõe. Assim entende Monteiro48: Da legítima e da porção disponível – Legítima vem a ser a porção de bens que a lei reserva ao herdeiro necessário. Essa legítima, tão combatida por LE PLAY e seus sequazes, porque contrária à ilimitada liberdade de testar, é fixa em face do nosso direito, ao inverso do que sucede em outras legislações como a francesa, a italiana e a portuguesa, em que varia de acordo com o número das pessoas sucessíveis, e é sagrada, nesse sentido de que não pode, sob pretexto algum, ser desfalcada ou reduzida pelo testador (art.1.967). Não se pode privar da legítima o herdeiro necessário, salvo nos casos restritos de deserdação ou indignidade. Este é herdeiro forçado, imposto obrigatoriamente pela lei. Ex lege o herdeiro necessário não pode ser excluído ou arredado pelo testador. 47 48 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. p. 139. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. p. 108. 26 Para se calcular a porção legítima, ou seja, a parte reservada aos herdeiros necessários, que é a metade dos bens deixados pelo de cujus, artigo 1.846 CC/2002, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se em seguida o valor dos bens que devem vir à colação de acordo com o artigo 1.847 CC/2002. Ensina Monteiro 49: As dívidas do extinto correspondem a quantidades negativas, sendo por isso deduzidas do monte. Herança não é outra coisa senão o que deixa o de cujus, depois de satisfeitos seus credores; [...]. Se os débitos absorvem todo o acervo não há herança; constitui princípio dominante, fora de qualquer controvérsia, que não existe herança, desde que as dívidas consomem todos os haveres do extinto. Os herdeiros respondem pelas dívidas até a força de seus quinhões (art. 1.792). Descontam-se ainda do valor dos bens existentes na abertura da sucessão as despesas de funeral, consideradas dispêndios da herança e atendidas de preferência aos herdeiros e legatários, por evidentes razões sociais e morais. [...]. Feita a dedução das duas parcelas (dívidas do de cujus e despesas funerárias), adiciona-se o valor dos bens que devem ser trazidos a colação. Divide-se então o total apurado em duas metades; uma delas corresponderá “a legítima e a outra, à porção disponível [...]. 1.3.1.3 Sucessões de descendentes Na abertura da sucessão, são chamados a suceder o de cujus, os herdeiros legítimos, e na ordem da sucessão, são os descendentes herdeiros por excelência, pois, são eles herdeiros necessários, e pertence a eles de pleno direito, a metade da herança (artigos 1.845 e 1.846 CC/2002). Assim entende Gomes50, a sucessão de descendentes: 49 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. p. 109. 27 Os descendentes sucedem, necessariamente, sem distinção de leito, sexo ou primogenitura, mas uns precedem os outros. Por ordem de preferência exclusiva, herdam, em primeiro lugar, os filhos; seguidamente os netos, depois os bisnetos, e assim por diante. Segundo Diniz51 os descendentes são herdeiros com privilégio sobre qualquer outros, mesmo sobre última vontade do falecido. Com a abertura da sucessão legítima, os descendentes do de cujus são herdeiros por excelência, pois são chamados em primeiro lugar, adquirindo os bens por direito próprio (CC, arts. 1.829, I). E, além disso, são herdeiros necessários (CC arts. 1.845 e 1.846), de forma que o autor da herança não poderá dispor, em testamento ou doação, mais da metade de seus bens, sob pena de se reduzirem as disposições de última vontade e de se obrigar o donatário a trazer à colação os bens doados. Esses herdeiros sucessíveis da primeira classe constituem-se pelos filhos, netos, bisnetos, trinetos, tetranetos etc., excluindo os demais de outras classes, e sucedem ad infinitum, sem distinção de sexo ou idade, desaparecendo o privilégio da varonia ou da primogenitura. Todos herdam em igualdade de condições (CF, art. 227, § 6°). A sucessão, na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça e em igualdade, enquanto os demais descendentes, filhos de filho falecido do de cujus sucedem por cabeça ou por estirpe, dependendo em que grau se encontram. Se todos estiverem no mesmo grau, herdam por cabeça, estando em grau diferente, os mais próximos herdam por cabeça, direito próprio e os demais herdam por representação, ou seja, por estirpe, dividindo entre eles o quinhão que herdaria por cabeça o seu antecessor (artigos 1.833 a 1.835 CC/2002). Assim entende Rodrigues52: Quando todos os descendentes estão no mesmo grau, a sucessão se processa por cabeça, isto é, a herança se divide em tantas 50 51 52 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 54. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 6 v. 18 ed. p. 104-105. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 99. 28 partes quantos forem os herdeiros, independentemente do sexo ou da ordem de nascimento. Assim, se o finado deixou três filhos, a herança se divide em três partes iguais, cabendo uma a cada filho. Se deixou apenas netos, por haverem os filhos prémorridos, a herança se divide pelo número de netos, porque se trata de descendentes que se encontram em igualdade de graus (CC, art. 1.835). Entende Rodrigues53, que quando o autor da herança falece e têm filhos vivos e prémortos, o monte se divide em tantas partes quantos filhos tiver, ou seja, pela soma dos filhos vivos mais os pré-mortos que tenha descendentes. Se a herança concorrerem descendentes de graus diversos, a sucessão se processa por estirpe. Assim, por exemplo, se o de cujus, ao morrer, tinha dois filhos vivos e netos havidos de um filho pré-morto, a herança se divide em três partes, referentes às três estirpes: as duas primeiras cabem, respectivamente, aos dois filhos vivos do de cujus, que herdam por direito próprio; a terceira pertence aos netos, aos filhos do filho pré-morto, que dividem o referido quinhão entre si, e que sucedem representando seu pai falecido. Cabe a cada estirpe aquilo que herdaria o representado respectivo, se vivo fosse. Os netos do hereditando, portanto, poderão receber quinhão maior ou menor na sucessão do avô, conforme herdem por direito próprio (por cabeça) ou por representação (por estirpe) [...]. No entendimento de Diniz54, a sucessão se da de acordo com o grau de parentesco entre o de cujus e os sucessores, os parentes mais distantes só serão chamados à sucessão na ausência dos mais próximos. Ante o princípio de que dentro da mesma classe, ou melhor, do mesmo grau, os mais próximos excluem os mais remotos, os filhos serão chamados à sucessão ab intestato do pai, recebendo 53 54 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 99. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 105. 29 cada um (sucessão por cabeça) quota igual da herança (CC, art. 1834), excluindo-se os demais descendentes, embora não obste a convocação dos filhos de filho falecido do de cujus (sucessão por estirpe), por direito de representação (CC, art. 1.833). Assim, se os descendentes do auctor successionis estão todos no mesmo grau, a sucessão será por direito próprio e por cabeça, recebendo cada um uma quota calculada pela divisão do montemor pelo número de herdeiros individualmente considerados, ou seja, quando a herança é dividida em tantas partes iguais quantos são os herdeiros que concorrem a ela, em igualdade de grau de parentesco, desde o momento da abertura da sucessão. P. ex., se deixou dois filhos, a herança será dividida em duas partes iguais, ficando uma com cada filho; se tem apenas três netos, por haverem seus filhos anteriormente falecidos, o acervo hereditário será dividido pelo número de netos, recebendo cada um quota idêntica, já que se encontram no mesmo grau. Não é só pela morte do descendente de primeiro grau do de cujus que o direito de suceder por representação é invocado pela legislação pátria. Em caso de indignidade do descendente em relação ao ascendente, a legislação sucessória considera o indigno como morto, chamando a sucessão os descendentes do indigno para sucederem por representação. No entendimento de Monteiro 55: Dos requisitos do direito de representação - Constituem requisitos do direito de representação: a) que o representado seja falecido, salvo hipótese do indigno, que, para efeitos sucessórios se equipara ao morto [...]. Necessário se torna, portanto, em primeiro lugar, que o representado haja falecido. Não se representa pessoa viva, de acordo com o brocardo viventis non datur repraesentatio. O caso único de representantes sucessórios sem morte é o indigno [...]. 55 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. p. 84. 30 Alem da indignidade do descendente, podem os descendentes do herdeiro do de cujus vir a serem chamados à sucessão, o artigo 1.811 CC/2002 prevê que, se o herdeiro de primeiro grau na linha descendente renunciar a herança, e sendo ele o único herdeiro ou se todos os demais da mesma classe renunciarem, podem os filhos suceder por direito próprio, e por cabeça, o renunciante não pode ser representado, pois é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro. Leciona o parágrafo único do artigo 1.804 CC/2002, que não se verifica a transmissão quando o herdeiro renunciar a herança. Entende Diniz56: Entretanto, a representação pode aparecer quando houver indignidade, pois o indigno é tido como morto (CC, art. 1.816), de modo que o seu representante participa da herança, desde que seja da linha reta descendente; logo, o excluído da sucessão por indignidade não poderá ser sucedido pelos ascendentes ou colaterais. “Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porem, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça” (CC, art. 1.811). Se o herdeiro renunciar o seu direito à herança, o seu representante não o sucede, porque o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro (CC, arts. 1.811 e 1.804, parágrafo único). Isto posto, passa-se para o segundo capítulo, onde será abordado o contrato e suas espécies, contrato de doação, conceito e suas características, restrições à liberdade de doar, promessa de doação e revogação da doação. 56 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 6 v. 20 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, p. 159. 2 CONTRATO DE DOAÇÃO Adentrando um dos focos principais do trabalho, qual seja, o contrato de doação, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre o contrato em geral. 2.1 CONTRATO Contrato é a convenção ou acordo de determinadas condições fixadas entre as partes contratantes. Convenção ou acordo pode ser representado por instrumento público ou particular sendo admitido até mesmo verbalmente. Convenção ou contrato é o ato jurídico onde duas ou mais pessoas, por consentimento recíproco se obrigam, a dar, fazer ou deixar de fazer algo.57 A validade jurídica do contrato depende de três fatores previstos no artigo 104 CC/2002 que são: “I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defeso em lei”. Na lição de Monteiro58, Venosa, Costa, Gonçalves e Diniz, os contratos são classificados em várias espécies, tendo como os mais importantes os unilaterais, bilaterais, gratuitos e onerosos. Esclarecem os doutrinadores que os contratos unilaterais são aqueles que somente uma das partes assume obrigação em relação à outra. Os bilaterais são aqueles em que ambas as partes tem obrigações e benefícios recíprocas. Os gratuitos são aqueles em que apenas uma das partes usufrui benefícios e a outra só tem obrigações, tendo como exemplo a doação. E os onerosos são aqueles que ambas as partes tem benefícios e obrigações. 2.2 CONTRATO DE DOAÇÃO O contrato de doação é o compromisso que uma pessoa assume de passar para outra, parte ou todo seu patrimônio, que pode ser por instrumento público ou particular.59 O transmitente denominado doador e o beneficiado denominado donatário. 57 COSTA, Wagner Veneziani. JUNQUEIRA, Gabriel J. P. Contratos: manual prático e teórico. 1996, p. 21. 58 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. p. 24. 59 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 258. 32 Doação é um contrato pelo qual uma pessoa assume o compromisso de entregar a outra, a título gratuito, um bem de sua propriedade, e que por esta é aceito.60 A doação é de natureza contratual, conforme prescreve o artigo 538 CC/2002: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. O artigo 1.165 CC/1916, vinculava a efetivação da doação à vontade do donatário em aceitar ou não a doação: Art. 1.165. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita. Diante da redação do Código Civil de 2.002 artigo 538, surge a dúvida acerca da manifestação de vontade do donatário o direito à aceitação.61 Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Neste sentido esclarece Diniz62 que: [...] Logo, não é com o mero consentimento unilateral de uma das partes que surge o contrato perfeito e acabado. É indispensável o encontro de vontades que tendem ao mesmo fim. É necessário que as vontades de duas ou mais pessoas, isoladas, sejam convergentes e se encontrem para, com uma conciliação de interesses, poderem atingir o objetivo a que se propõem [...]. No contrato de doação não basta a vontade generosa do doador para se ter o contrato como realizado, é, também, elemento fundamental a vontade do donatário em recolher a liberalidade. Assim entende Monteiro63: 60 LISBOA, Roberto Senise, Manual elementar de direito civil, 2002, p 193. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 199. 62 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 41. 63 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. p. 135. 61 33 [...] necessária é a aceitação do donatário, pois o contrato não se perfaz enquanto aquele não manifesta o intento de recolher a liberalidade. Há, portanto, necessariamente, em toda doação, dupla manifestação de vontade: doador, ao fazer a munificência, e do donatário, ao aceitá-la. Desde que não houve aceitação, é de se declarar ineficaz a liberalidade. A doação é um contrato gratuito, ao donatário não é imposto qualquer ônus ou encargo sobre o bem doado. Por ser um contrato gratuito, pode parecer unilateral, pois impõe obrigações apenas à parte doadora que assume liberadamente a obrigação de entregar algo que lhe pertence à outra parte, apesar da liberalidade necessita da aquiescência do beneficiário, constituindo assim um contrato bilateral. Entende Diniz64 que: [...] A doação acarreta unicamente a obrigação do doador de entregar, gratuitamente, a coisa doada ao donatário. Serve de títulos adquirendi, pois o domínio só se transmitirá por tradição, se móvel o bem doado, e pelo registro, se imóvel. Deveras, antes da entrega da coisa doada, o donatário só terá direitos pessoais contra o doador, não podendo invocar nenhum direito contra terceiro em ação deste contra o mesmo doador [...]. Por exigência do artigo 541 CC/2002, o contrato de doação é formal exigindo escritura pública ou instrumento particular quando se tratar de bens imóveis e móveis de expressivo valor. Permite o parágrafo único do mesmo artigo que seja verbal tratando se de bens móveis de pequeno valor. Assim reza o artigo 541: Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. 64 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 210. 34 Para configurar a doação, mister se faz que o doador a faça por livre e espontânea vontade como esclarece Gonçalves65: “A liberalidade ou animus donandi é elemento essencial para a configuração da doação, tendo o significado de ação desinteressada de dar a outrem, sem estar obrigado, parte do próprio patrimônio [...]”. Entende Gonçalves66, que o donatário não deverá enriquecer desproporcionalmente em relação ao empobrecimento do doador, já que se trata de transferência de patrimônio, o que diminui do acervo de um deverá acrescer o do outro. O elemento objetivo da doação é a transferência de bens ou vantagens de um patrimônio para o outro. A vantagem há de ser de natureza patrimonial, bem como deve haver ainda um aumento de um patrimônio à custa de outro. É necessário que haja uma relação de causalidade entre o empobrecimento, por liberalidade, e o enriquecimento [...]. O doador não pode dispor de todos os seus bens e direitos para transferir aos donatários, estas restrições serão tratadas no item 2.3 “Restrições à liberdade de doar”. Para que o contrato de doação surta seus efeitos, indispensável é a aceitação por parte do donatário, apesar de parecer um contrato unilateral. Conforme explica Diniz67: [...] Sendo a doação um contrato, requer para a sua formação o consentimento das partes; assim, de um lado ter-se-á o animus donandi, isto é, a vontade do doador de beneficiar o donatário e, de outro, a aceitação do donatário, que é a sua manifestação de vontade consentindo na liberalidade do doador [...]. A aceitação da doação por parte do donatário é característica indispensável para que a liberalidade se concretize, e pode ser expressa, tácita, presumida ou ficta. A expressa geralmente é manifestada no próprio instrumento, comparecendo o donatário no instrumento que formaliza a doação para declarar a aceitação. Não é imprescindível que a manifestação seja simultânea a liberalidade, podendo ser posteriormente. Tácita é quando o comportamento do doador se manifesta favorável a doação e passa a fazer uso do bem 65 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 255. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 256. 67 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 213. 66 35 doado. Por exemplo, não declara expressamente a aceitação da doação de um veículo, mas passa a fazer uso dele e regulariza a documentação em seu nome. A aceitação presumida está prevista em lei, quando o doador fixa prazo para que o donatário se manifeste se aceita ou não. Estando o donatário ciente do prazo, e não se manifesta dentro do mesmo, entendese que a aceitou, nos ditames do artigo 539 CC/2002, esta presunção só é valida para as doações sem encargos para o donatário. Presume-se também, aceitas as doações feitas em contemplação de casamento futuro, com pessoa determinada e este se realiza. A celebração presume a aceitação, artigo 546 CC/2002. A aceitação é ficta quando o donatário for incapaz, dispensando-se a aceitação, desde que o donatário for absolutamente incapaz e se tratar de doação pura, artigo 543 CC/2002.68 A doação é um ato que só é possível entre pessoas vivas, é um ato inter vivos, pois precisa existir a vontade de doar parte de seu patrimônio a outra pessoa, elemento inexistente pós morte. Dando-se a transferência por ato de ultima vontade, não pode se falar em doação e sim em legado. Assim se expressa Gonçalves69: A doação constitui ato inter vivos. O nosso ordenamento jurídico desconhece doações causa mortis, admitidas no direito précodificado, pois lhes falta o caráter de irrevogabilidade, que é inerente às liberalidades. Somente não produzirão efeito, porém, as liberalidades ou legados que realmente se façam causa mortis, se não observarem as normas próprias das declarações de última vontade, não se enquadrando nessa hipótese “a fixação do dia da morte do doador como termo inicial da doação, ficando até esse momento suspenso o exercício do direito do donatário”. (grifo original). As doações de pais para filhos não são portadoras de peculiaridades, mas são meras liberalidades, e o que as diferencia das demais doações é o fato do artigo 544 CC/2002 considerá-las adiantamento de herança. A lei assim se expressa para garantir a igualdade dos quinhões entre os herdeiros descendentes. As doações feitas pelos pais em vida aos 68 69 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 256-257. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 258-259. 36 filhos devem ser conferidas na sucessão do doador. Querendo beneficiar um filho em detrimento dos outros, deverá o doador a incluir em sua quota disponível, expressando que o donatário fica dispensado da colação. Caso contrário a doação é adiantamento daquilo que receberia por ocasião da morte do doador.70 A doação de um cônjuge para outro, segundo o artigo 544 CC/2002 segue as mesmas regras da doação de pais para filhos. Assim reza o referido artigo: “A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.” 2.3 RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE DOAR A legislação pátria prevê limitações quanto a liberalidade do doador, preservando o interesse das partes ou de terceiros, preocupando-se também com o caráter moral, bem como em defesa do interesse social. As restrições são quanto a: “A) doação de todos os bens do doador; B) doação da parte inoficiosa; C) doação de onde resulta prejuízo para os credores do doador; D) doação do cônjuge adúltero a seu cumplice.71 2.3.1 Doação de Todos os Bens do Doador Determina o artigo 548 CC/2002 que: “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” Tem este artigo o propósito de proteger o doador, em não permitir que por sua leviandade ou imprevidência, caia em penúria. Tem também o objetivo de proteger a sociedade, evitando a prestação de assistência por parte do Estado a mais um abandonado. Esta proibição pode ser ilidida se o doador se reserva o usufruto da totalidade dos bens doados, ou parte deles, sendo o suficiente para que possa sobreviver com os rendimentos deles extraídos, não se tornando assim um encargo para os parentes ou para o Estado.72 70 71 72 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 205-206. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 206. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 206-207. 37 Acrescenta Gonçalves73 que: “[...] Não basta que o donatário se comprometa a assisti-lo, moral e materialmente. A nulidade recai sobre a totalidade dos bens, mesmo que o doador seja rico e a nulidade de uma parte baste para que viva bem.” Diante da imprevisão dos dias futuros, leciona Monteiro 74 que: O legislador não permite, pois, doação universal (omnium bonorum), compreensiva de todos os bens do doador; este há de reservar parte deles, ou, ao menos, de suas rendas, para garantir a respectiva manutenção. Procura assim o Código Civil de 2002 pô-lo a salvo de qualquer imprevidência, fraqueza de ânimo ou excesso de generosidade; o art. 548 contém prudente medida de proteção aos doadores, com o fito de evitar liberalidades excessivas, realizadas sem pleno conhecimento do ato e previsão dos dias futuros [...]. 2.3.2 Doação da Parte Inoficiosa Ao impor restrições ao doador quanto a liberdade de testar, o legislador preocupouse em proteger os herdeiros necessários, ou seja, os descendentes, ascendentes e cônjuge. Pertence de pleno direito a estes herdeiros a metade dos bens do doador, ou seja, não pode dispor, causa mortis, da totalidade dos seus bens, tendo disponibilidade de somente da metade dos bens.75 Assim dispõe o artigo 549 CC/2002: “Nula é também a doação quanto a parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.” A pessoa que não possui herdeiros necessários tem total liberdade de doar ou testar, exceto na impossibilidade da doação de todos os seus bens. Tendo o doador herdeiros necessários, o montante de calcular a disponibilidade é o momento da liberalidade. Não seria justo calcular a disponibilidade no momento da sucessão, pois, poderia o doador ter 73 74 75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 274. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. p. 143. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 207-208. 38 feito uso de pequena parte de seu patrimônio no momento da liberalidade, e ter empobrecido posteriormente.76 Prevê também o artigo 1.789 CC/2002, existindo herdeiros necessários não pode o testador dispor do seu patrimônio a seu bel prazer. Diz o artigo 1.789 CC/2002: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.” 2.3.3 Doação de Onde Resulta Prejuízo para os Credores do Doador Na visão de Gonçalves77, o doador já insolvente não pode doar seus bens ou parte deles, pois, estaria doando o que não lhe pertence, configurando fraude contra credores, a validade desta doação é impugnável por meio de ação pauliana, mesmo não ficando comprovado o conluio (consilium fraudis) entre o doador e o donatário. A mesma restrição se aplica quando a doação leva o doador ao estado de insolvência. A restrição de doar pelo devedor insolvente ou que o reduza a insolvência, visa proteger os credores do doador. Neste sentido reza o artigo 158 CC/2002 que: Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. 2.3.4 Doação do Cônjuge Adúltero a seu Cúmplice A doação feita por cônjuge adúltero a seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou pelos seus herdeiros necessários, dentro do prazo de dois anos após a dissolução da sociedade conjugal. A lei proíbe tal liberalidade com o propósito de proteger a família, e coibir a afronta à moral e aos bons costumes.78 76 77 78 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 208. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 273 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 274. 39 Neste sentido dispõe o artigo 550 CC/2002 que, “a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.” 2.4 PROMESSA DE DOAÇÃO Assim como pode haver promessa de compra e venda, também pode haver promessa de doação, apesar de existir controvérsias quanto a exigibilidade de cumprimento. Neste sentido afirma Gonçalves79, citando Caio Mário: [...] Caio Mário sustenta ser inexigível o cumprimento de promessa de doação pura, porque esta representa uma liberalidade plena. Não cumprida a promessa, haveria uma execução coativa ou poderia o promitente-doador ser responsabilizado por perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil – o que se mostra incompatível com a gratuidade do ato. Tal óbice não existe, contudo, na doação onerosa, porque o encargo imposto ao donatário estabelece um dever exigível do doador. Continua Gonçalves, que para outra corrente é no momento da promessa da liberalidade que o doador assume o compromisso da doação: [...] a intenção de praticar a liberalidade manifesta-se no momento da celebração da promessa. A sentença proferida na ação movida pelo promitente-donatário nada mais faz do que cumprir o que foi convencionado. Nem faltaria, in casu, a espontaneidade, pois se ninguém pode ser compelido a praticar uma liberalidade, pode, contudo, assumir voluntariamente a obrigação de praticá-la. Esta corrente admite promessa de doação entre cônjuges, celebrada em separação judicial consensual, e em favor de filhos do casal, cujo cumprimento, em caso de inadimplemento, pode ser exigido com base no art. 639 do Código de Processo Civil. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 260 - 261. 40 No entendimento de Rodrigues80, a promessa de doação feita por um cônjuge a outro no momento da separação amigável, não é uma promessa de doação, mas sim, uma promessa de pagamento. 2.4.1 Espécies de doação Entre os doutrinadores que tratam das espécies optou-se pela classificação de Carlos Roberto Gonçalves, a saber: a) Pura e simples - quando o beneficiário não é compelido de qualquer restrição ou encargo pelo doador, e nem sua eficácia fica subordinada a qualquer condição.81 Na doação pura e simples fica dispensada a manifestação da aceitação quando o donatário for absolutamente incapaz, artigo 543 CC/2002. No entendimento de Rodrigues82: a doação pura é um mero benefício onde o doador é movido pelo espírito de liberalidade. b) Onerosa - quando o doador impõe alguma obrigação ao donatário. De acordo com o artigo 136 CC/2002, o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, o que não ocorre na condição suspensiva, onde a liberalidade fica subordinada a efeito futuro e incerto conforme o artigo 121 CC/2002, este não se verificando o donatário não adquirirá o direito. O encargo pose ser estipulado em favor do próprio donatário ou em favor de terceiro ou até mesmo em interesse geral, artigo 553 CC/2002. Não sendo o encargo em favor do próprio doador, pode ser exigido judicialmente em caso de mora. Neste caso tem legitimidade para exigir, o doador e o terceiro (em geral alguma entidade), o Ministério Público quando o encargo for estipulado em favor do interesse geral, e o doador for falecido sem tê-lo feito conforme parágrafo único do artigo 553 CC/2002. Preceitua o artigo 137 CC/2002 que, o encargo ilícito ou impossível não se considera escrito, salvo se for este o motivo da liberalidade, e neste caso invalida o negócio jurídico.83 c) Remuneratória - é aquela em troca de serviços prestados pelo donatário, onde não pode ser exigido o pagamento por parte desse. É o caso do pagamento de serviços 80 81 82 83 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 213. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 262. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 203. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 262 - 263. 41 prestados, quando a ação de cobrança já havia prescrita. Sendo a remuneração exigível, a remuneração é de pagamento, ou doação em pagamento se a coisa devida for substituída por outra, e se assim não for, é doação remuneratória. O valor da doação que exceder os serviços prestados é mera liberalidade, ou seja, doação pura. Não há como o donatário exigir juridicamente do doador a doação remuneratória, pois constitui mero sentimento moral em remunerar o serviço prestado pelo donatário, que por razões pessoais não exigiu o pagamento ou a ele renunciou.84 d) Mista - é uma espécie de contrato oneroso, onde se procura beneficiar o comprador através de preço vil ou irrisório, onde na verdade o valor não pago, nada mais é que doação feita pelo vendedor ao comprador. Pode também em sentido inverso, beneficiar o vendedor pagando preço superior ao que na realidade vale a aquisição, neste caso, o valor pago além do que vale a aquisição, na mais é que doação do comprador ao vendedor.85 No mesmo raciocínio acrescenta Venosa86: que são exemplos típicos, “[...] a remissão de dívida, o pagamento de débito alheio, o contrato em favor de terceiro, entre outros. [...].” e) Em contemplação do merecimento do donatário (contemplativa ou meritória) - é quando expressamente o doador menciona o porquê da liberalidade, podendo ser porque o donatário tem notável virtude, por laços de amizade, por ser renomado cientista. Não tem a doação caráter de recompensa de favor ou serviço recebido, conforme dispõe o artigo 540 CC/2002 primeira parte.87 f) Feita ao nascituro - é a doação feita em favor de quem ainda não nasceu, esta doação para ser válida deverá ser aceita pelo seu representante legal, conforme prevê o artigo 542 CC/2002, esta doação está amparada pelo artigo 2º CC/2002, que, “a lei pôe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” O contrato de doação feito ao nascituro, não se torna definitivamente válido pela aceitação do seu representante legal, devendo a 84 85 86 87 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 263 - 264. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 264. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 119. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 264. 42 validade ser entendida nos limites do direito expectativo, pois está condicionado ao nascimento com vida.88 g) Em forma de subvenção periódica – é uma doação em forma de pensão, caracterizado como favor pessoal do doador ao donatário, e seu pagamento termina com a morte do doador, esta obrigação não é transferida aos herdeiros, salvo se o contrário houver sido estipulado pelo doador. Neste caso, dispõe o artigo 545 CC/2002, que não poderá ultrapassar a vida do donatário. A obrigação se transferindo aos herdeiros, esta, não ultrapassará os limites da herança.89 h) Em contemplamento de casamento futuro (donatio propter nuptias) – é a liberalidade do doador em beneficiar o donatário em consideração as suas núpcias com determinada pessoa, em um determinado tempo. Prescreve o artigo 546 CC/2002 que só não terá efeito se o casamento não se realizar. Esta doação está sob efeito suspensivo, condicionado as núpcias e sua aceitação se presume com a realização da celebração do casamento. Esta espécie de doação tanto pode ocorrer pelos nubentes entre si, quanto por terceiro para um ou ambos os nubentes, ou ainda, aos filhos que possam vir a ter entre eles. Neste ultimo caso, a doação está sob duas condições suspensivas, a realização do casamento e o nascimento dos filhos com vida. A doação feita a futura prole, não é passível de revogação por ingratidão dos futuros pais. Não se realizando o casamento ou não nascer a futura prole, o nubente deverá devolver a coisa doada. A doação propter nuptias não pode ser reivindicada pelo doador por motivo de separação ou enviúves do donatário e ter contraído novas núpcias.90 i) Entre cônjuges – A doação feita entre cônjuges importa em adiantamento do que lhe cabe na herança, conforme prevê o artigo 544 CC/2002. Esta hipótese se aplica nos casos em que o cônjuge donatário participa da sucessão do cônjuge doador na qualidade de herdeiro, em concorrência com descendentes, previsto no artigo 1.829 CC/2002. Esta doação versará sobre os bens particulares de cada cônjuge. Não se aplica no regime da comunhão universal de bens, pois o patrimônio é comum a ambos, independentemente em 88 89 90 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 265. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 265. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 265-266. 43 nome de quem se encontra, e no regime da comunhão parcial dos bens adquiridos na constancia do casamento de acordo com o artigo 1.658 CC/2002.91 j) Em comum a mais de uma pessoa (conjuntiva) – é a doação feita a várias pessoas distribuída por igual entre os donatários, salvo disposto em contrário conforme previsto no artigo 551 CC/2002. De acordo com o artigo 1.411 CC/2002 pode o doador dispor que a parte de quem falecer acresça á do que sobrevier. Sendo a doação feita a marido e mulher, subsistirá a totalidade ao cônjuge sobrevivo, não passando a parte do falecido aos seus herdeiros, parágrafo único do artigo 551 CC/2002.92 k) De ascendentes a descendentes – Determina o artigo 544 CC/2002 que, “importa em adiantamento do que lhes cabem por herança” as doações feitas por ascendentes a descendentes. Desta forma estão eles obrigados a conferir os bens recebidos, no momento do inventário do doador, através do instituto da colação de bens, pelo valor atribuído no ato da liberalidade ou pelo valor estimado na época da doação, previsto no artigo 2.004, § 1º CC/2002. Isto, para igualar os quinhões dos herdeiros necessários, salvo se o doador expressamente dispensou a exigência da colação, determinando que os bens doados ao descendente saiam de sua metade, ou seja, da parte disponível, desde que não a exceda, considerando o valor na época da liberalidade, conforme prescrevem os artigos 2.002 e 2005 CC/2002. A doação de avô para neto, por exemplo, não importa em adiantamento, se somente os filhos do doador concorrerem a herança, inclusive o pai do donatário, o neto só é obrigado a colacionar se vier a suceder o doador no lugar do pai, por estirpe ou representação.93 l) Inoficiosa – é a parte que excede que o doador poderia dispor em testamento no momento da liberalidade. A parte que exceder tal limite é declarada nula pelo artigo 549 CC/2002 “Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”. De acordo com este artigo, é nula, somente a parte que excede a metade do que o doador dispõe, porque a outra metade pertence de pleno direito aos herdeiros necessários artigo 1.846 CC/2002 “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a 91 92 93 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 266-267. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 267. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 268. 44 legítima.” Só quem não tem herdeiros necessários, ou seja, descendentes, ascendentes ou cônjuge têm plena liberdade de testar ou doar seu patrimônio. Apesar da Lei não especificar, alguns doutrinadores defendem que o companheiro se equipara ao cônjuge quanto da legítima, vez que o artigo 226 parágrafo 3º da CRFB considerar a união estável entidade familiar, e o artigo 1.790 CC/2002 estabelecer a sucessão obrigatória do companheiro.94 m) Com cláusula de retorno ou reversão – no ato da liberalidade, pode o doador estipular que os bens doados retornem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário, artigo 547 CC/2002 “O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.” Na ausência dessa cláusula que é resolutiva, passariam os bens doados aos herdeiros do donatário. Com a cláusula de retorno, o doador expressa nitidamente o desejo de beneficiar exclusivamente o donatário e não seus herdeiros, intuitu personae. Não sobrevivendo o doador ao donatário, a cláusula de retorno perde sua eficácia, e os bens se incorporam ao patrimônio do beneficiário e conseqüentemente aos seus herdeiros quando da sua morte. Sendo a condição resolutiva, e não suspensiva, pode o donatário dispor livremente da coisa, vendendo-a, doando-a ou dando-a em pagamento, sendo resolúvel a propriedade do adquirente. Com a resolução, resolvem-se também todos os direitos reais por ele estabelecidos, conforme artigo 1.359 CC/2002. Ocorrendo morte simultânea do doador e donatário, quando aplicada a comoriência do artgo 8º CC/2002, não prevalece de retorno, pois não houve a sobrevivência do doador sobre o donatário, transferindo-se os bens doados aos herdeiros deste.95 n) Manual – entende-se por doação manual a doação verbal de bens móveis de pequeno valor, e será valida “se lhe seguir incontinenti a tradição” artigo 541 parágrafo único CC/2002. Em regra a doação é contrato formal, sendo a doação objeto imóvel, a lei exige a forma pública, e por instrumento particular quando versa sobre bens móveis de grande valor, “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular” artigo 541 caput CC/2002, independentemente da entrega da coisa. A manual que pode ser feita verbalmente considera-se realizada quando da entrega do bem doado, que geralmente se constitui de presente, de homenagem ou de demonstração de estima. Difícil é aferir o 94 95 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 269. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 271-272. 45 pequeno valor, pois a lei não define até quanto pode ser considerado como de pequeno valor.96 Certamente o pequeno valor tem conotação diferente tratando-se de pessoas pobres e ricas, o que é de pequeno valor para o rico, pode ser o patrimônio intero da pessoa pobre. o) Feita a entidade futura – permite o artigo 554 CC/2002 a doação a entidade futura, portanto caducará se, em dois anos a entidade não for constituída legalmente. Com a existência da entidade donatária, presume-se aceita a doação. O prazo de dois anos para sua constituição é decadencial, portanto não se prorroga e nem se interrompe. Considera-se a entidade existente legalmente, a partir da inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.97 2.5 REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO Prevê o Código Civil Brasileiro em seu artigo 555, a possibilidade da revogação da doação, por ingratidão do donatário,que serão tratados no item 2.5.4 “por motivos de Ingratidão do Donatário” ou por inexecução do encargo, que veremos no item 2.5.3 “por descumprimento do encargo” alem do citado artigo pode ainda ser revogada pelos modos comuns a todos os contratos.98 2.5.1 Por motivos comuns a todos os contratos Tendo a doação natureza contratual, pode ser contaminada de todos os vícios do negócio jurídico, previstos no artigo 171 CC/2002, tais como incapacidade, erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, o negócio jurídico contaminado pode ser anulado através de ação anulatória, previsto no caput do mesmo artigo.99 Alem das possibilidades previstas no artigo 171, podem as doações serem declaradas nulas, se o agente for absolutamente incapaz, ser o objeto ilícito, ser impossível ou indeterminável, ou ainda não ser observada a forma prescrita no artigo 541 CC/2002, conforme previsto no artigo 166 CC/2002, revogam-se também as doações com vícios peculiares e exclusivos, como as doações inoficiosas as que excedem a parte que o doador 96 97 98 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 272. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 273. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 276. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 276. 46 poderia dispor em testamento, previsto no artigo 549 CC/2002, é também nula a doação de todos os bens do doador sem reserva de parte, ou renda suficiente para sua subsistência, artigo 458 CC/2002.100 2.5.2 Por ser resolúvel o negócio Segundo o artigo 547 CC/2002, pode o doador estipular no contrato de doação que os bens doados voltem ao seu patrimônio caso sobreviva ao donatário. A transferência do domínio por força da transcrição do instrumento de doação, não impede a resolução do negócio, pois depende a condição resolutiva,101 qual seja, o óbito do donatário. 2.5.3 Por descumprimento do encargo A revogação do contrato, nada mais é que a anulação, rescisão ou resolução, não ocorre por simples vontade do doador, e sim mediante prova em juízo pelo doador do não cumprimento do encargo imposto ao donatário, e este se encontrar em mora, artigo 562 CC/2002.102 Artigo 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida. Fixando o doador prazo para o cumprimento da obrigação, a mora se dá automaticamente quando do seu vencimento. Não havendo termo, a mora se inicia quando da interpelação judicial ou extrajudicial, conforme artigo 397 CC/2002 parágrafo único “não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.” Neste caso deverá o doador fixar prazo razoável para que o donatário possa cumprir com a obrigação que lhe foi imposta, depois de esgotado o prazo concedido, inicia o lapso prescricional para que o doador proponha ação revogatória da doação. Se o descumprimento da obrigação se deu por força maior, está afastada a possibilidade da 100 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 276. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. p. 214. 102 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 277. 101 47 revogação da doação, pois não existe o fator culpa que é elementar para a revogação. Existindo a revogação, ela se dará de toda a doação, pois não há distinção entre a parte não onerosa e a parte onerosa. O artigo 540 CC/2002 define apenas como sendo de liberalidade o que exceder a parte sobre a qual pese o ônus do encargo.103 O encargo sobre a doação pode ser tanto em benefício do doador como de terceiro ou do interesse geral, como prevê o artigo 553 CC/2002. O cumprimento do encargo pode ser exigido pelo doador, pelo terceiro ou em geral uma entidade, no caso de entidade, pode o Ministério Público o exigir se o doador já tenha falecido sem o ter feito, parágrafo único do citado artigo. Toda revogação só pode ser pleiteada em juízo.104 Se, por exemplo, múltiplos os donatários, e indivisível o encargo, o seu descumprimento será considerado na sua totalidade, mesmo o inadimplemento ocorrer por parte de apenas um donatário. Sendo divisível, a revogação se dará somente da parte pertencente ao descumprimento da obrigação, pois pode ser cumprida separadamente por cada donatário, e assim não sendo justo ser penalizado quem cumpriu sua obrigação. Sendo múltiplos os doadores e um só donatário, o não cumprimento da obrigação, não leva a revogação de toda a doação, e sim a parte quota de quem pleitear a revogação, se esta não for a vontade de todos os doadores.105 2.5.4 Por motivos de Ingratidão do Donatário O artigo 557 CC/2002 elenca os motivos que autorizam a revogação da doação por ingratidão do donatário. Artigo 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações: I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; II – se cometeu contra ele ofensa física; III – se o injuriou gravemente ou o caluniou; IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava. 103 104 105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 277. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 277 - 278. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 278. 48 O artigo 564 CC/2002 enumera as doações que não se revogam por ingratidão. Artigo 564. Não se revogam por ingratidão: I – as doações puramente remuneratórias; II – as oneradas com encargo já cumprido; III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; IV – as feitas para determinado casamento. O artigo 558 CC/2002 também autoriza a revogação das doações pelos motivos elencados no artigo 557 CC/2002, quando o ofendido “for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.” O direito de revogação só pode ser invocado se a ingratidão for praticada pelo próprio donatário, não ensejará a revogação se o atentado for praticado por filho ou cônjuge do donatário, por falta de previsão legal. 106 Isto posto, passa-se para o terceiro capítulo, onde será abordado a colação de bens doados pelo autor da herança, em vida a descendentes, suas características e especialidades. 106 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, p. 278. 3 INSTITUTO DA COLAÇÃO Instituto da colação é o instrumento pelo qual os herdeiros descendentes e o cônjuge supérstite do de cujus que concorrem à sucessão, devem declarar no inventário, as doações que receberam do autor da herança em vida, conforme expuser-se-á ao longo deste terceiro e último capitulo. 3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS O direito sucessório é regido pelo princípio da igualdade dos quinhões, divide-se o monte partível em tantos quinhões quantos forem os herdeiros. A doação do ascendente à descendente altera essa proporção ocasionando prejuízo aos descendentes, ainda que não tenha ultrapassado a metade disponível da herança. Para corrigir tais distorções surge no mundo jurídico o instituto da colação, com o intuito de restabelecer a igualdade que fora rompida, presumindo-se que a liberalidade nada mais foi que uma antecipação da herança. A colação tem por fim igualar as legítimas dos descendentes que efetivamente receberam bens a título sucessório, conforme prevêem os artigos 2.002 e 2.003 CC/2002. Devem ser colacionados, dentre outros, as doações feitas entre cônjuges com a mesma finalidade de igualar as legítimas. A colação é dever imposto aos herdeiros descendentes e cônjuge sobrevivente, pois a doação do ascendente à descendente ou cônjuge, importa em adiantamento de herança, como reza o artigo 544 CC/2002: Na lição de Diniz107: A colação é uma conferência dos bens da herança com outros transferidos pelo de cujus, em vida, aos seus descendentes quando concorrerem à sucessão do ascendente comum, e ao cônjuge sobrevivente, quando concorrer com descendente do de cujus, promovendo o retorno ao monte das liberalidades feitas pelo autor da herança antes de finar, para uma equitativa apuração das quotas hereditárias dos sucessores legitimários. Os descendentes que, por exemplo, receberam liberalidades em vida do ator da herança têm a obrigação de conferi-las após a abertura 107 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 405 e 406. 50 da sucessão, no curso do inventário (CPC, arts. 1.014 e 1.016), sob pena de serem sonegadores (CC, art. 2.002). Colação é o retorno das liberalidades feitas pelo ascendente a descendentes e ao cônjuge sobrevivente. Conceitua Rodrigues108: Da-se o nome colação ao ato de retorno ao monte partível das liberalidades feitas pelo de cujus, antes de sua morte, a seus descendentes. Seu fim é igualar a legítima desses herdeiros e do cônjuge sobrevivente. Cahali109 entende que, a lei determina que os bens recebidos pelos descendentes por doação do ascendente, voltem ao acervo para que os que não tenham sido beneficiados pela liberalidade do de cujus, ou em menor medida, possam receber igual quota, a fim de desfazer a desproporcionalidade. Continua Cahali110: Os bens trazidos à colação não têm o condão de aumentar a parte disponível do acervo hereditário, pelo que não vão beneficiar os herdeiros testamentários, mas apenas os sucessores legítimos. A parte disponível é calculada tendo-se em conta o patrimônio do morto no momento mesmo de seu falecimento. Nesse momento estará determinada a parte atribuível a eventuais herdeiros instituídos pela última vontade. Os bens colacionados acrescem a parte legitimária dessa forma determinada, de modo a que se possa igualar a parte de cada herdeiro legítimo descendente. A “desproporção” entre a parte disponível e a indisponível assim obtida não implica injustiça (CC, art. 2.002, parágrafo único). Reza o artigo 2.003 CC/2002, que o instituto da colação tem por finalidade, corrigir as desigualdades ocasionadas pelas doações dos ascendentes feitas em vida aos descendentes. 108 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 307. CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 2 ed. p. 480. 110 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 480. 109 51 Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados. Entende Monteiro 111, que a colação não aumenta a parte disponível, mas tão somente para igualar as legítimas dos herdeiros, recompondo o acervo para posteriormente partilhar entre os herdeiros. A colação tem por fim igualar as legítimas dos herdeiros. Os bens conferidos não aumentam a metade disponível (arts. 1.846 e 1.847). Assim dispõe o art. 2.002, parágrafo único, do Código Civil. O que os sucessores receberam em vida de seus ascendentes, direta ou indiretamente, se devolve ao acervo, que assim se recompõe, para depois partilhar-se novamente entre os herdeiros. A colação consiste, pois, num acrescentamento à massa sucessória, tornando comuns os bens conferidos. Por outras palavras, vem a ser a restituição ao acervo hereditário dos valores recebidos pelos herdeiros, a título de doação, para subseqüente inclusão na partilha, a fim de que esta se realize com igualdade. A exigência legal da colação é justificada por diversos fundamentos doutrinários segundo Gomes112, são eles: a) a vontade presumida do ascendente; b) a igualdade entre os descendentes; c) a compropriedade famíliar; d) a antecipação da herança; e) o interesse superior da família. Estes fundamentos não têm a unanimidade dos doutrinadores, defende Gomes113 que: ‘dessas teorias, melhor servem ao nosso direito positivo a da igualdade entre os descendentes e a da antecipação da herança’. Neste mesmo raciocínio esclarece Ferreira114: 111 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 35 ed. p. 309. GOMES, Orlando. Sucessões. p. 286. 113 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 286. 112 52 Procurando os doutrinadores do direito, em suas constantes pesquisas, subsídios válidos para mostrarem o fundamento ou natureza jurídica do instituto colação, respeitabilíssima corrente, constituída de renomados mestres, adotam a teoria denominada de antecipação da herança. Para esta teoria, o fundamento da colação assenta-se na idéia de que, quando, o autor de uma herança, em vida, fez uma doação em favor de um herdeiro descendente necessário (como ocorre no nosso Código Civil de 1916, e no Código Civil de 20020), o fez presumindo que estava antecipando, no todo ou em parte, o que lhe corresponderia como herança. No entendimento de Gomes115, devem ser rejeitadas as teorias: a vontade presumida do ascendente, a compropriedade familiar e o interesse superior da família. Gomes defende que a teoria da vontade presumida não deve prosperar por se atritar com a disciplina legal do instituto, bem como, por efeito técnico. A presunção é fator subjetivo, pois, não é mais possível conferir a subjetividade do doador. A conferência das doações ao acervo foi instituída por lei e não da vontade presumida. [...]. Choca-se, realmente, com a norma que faculta ao ascendente dispensar a colação. Tecnicamente, as regras que estabelecem presunção não criam, como na hipótese, direitos substantivos nem constituem obrigações, limitando-se ao impor ao juiz o dever de considerar provado determinado fato jurídico [...]. Continua Gomes, que a compropriedade familiar é da mesma forma inaceitável por se sustentar numa ficção. Durante a vida do ascendente os descendentes têm apenas expectativa de que um dia participarão por igualdade do patrimônio. [...]. Durante a vida do ascendente, tem os descendentes apenas mera expectativa a igual participação no patrimônio que se tornará 114 herança. Essa expectativa não converte FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. 1. ed. 2002, p. 56. 115 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 286. em 53 compropriedade esse patrimônio de que é exclusivo titular o ascendente com liberalidade de dispor, ainda limitado. Segue Gomes afirmando que invocando o interesse superior da família é desviar-se da colação, pois este é o interesse da sucessão legítima. Buscar, finalmente, o fundamento da obrigação de conferir doações no interesse superior da família é fugir ao problema, pois esse interesse se invoca como a razão de ser da sucessão legítima, tendo, assim, cunho genérico impróprio à fundamentação de instituto especial. Entende Gomes116, que a teoria da igualdade entre descendentes foi a que inspirou o legislador na regulamentação do instituto. A teoria da igualdade entre descendentes inspirou o legislador pátrio na regulamentação do instituto. Os descendentes são herdeiros obrigatórios. Pertence-lhes, de pleno direito, a metade dos bens do ascendente. Esta parte da herança tem de ser dividida em frações iguais. Quando o ascendente contempla, em vida, um deles, revogaria o princípio da igualdade das legítimas se o bem doado não tivesse de ser conferido para constituição da metade indispensável. Os demais herdeiros seriam prejudicados, porque, alem do que receberá gratuitamente antes da abertura da sucessão, o favorecido herdaria igual quota. Leciona Gomes 117, que a colação tende a alienar a desigualdade entre herdeiros necessários descendentes e o cônjuge. Tende, pois, a colação a alienar a desigualdade entre herdeiros necessários da categoria de descendentes e o cônjuge, quanto às suas legítimas. Não objetiva igualdade absoluta, porquanto pode o autor da herança dispor livremente da outra metade, deixando-a para um, ou alguns, de seus descendentes ou, ainda, para o cônjuge, bem como imputar a doação nessa parte disponível, dispensando a colação. 116 117 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 287. GOMES, Orlando. Sucessões. p. 287. 54 Defende Gomes118, que em o ascendente doar parte de seus bens a descendentes, tem ele a intenção de antecipar parte da herança que no futuro lhe couber. A justificativa desse instituto emana ainda da presunção de que, ao doar bem a um dos seus descendentes ou ao cônjuge, tem o ascendente ou o consorte a intenção de lhe antecipar parte da herança. Diz, com efeito, o artigo 544 que tal doação constitui adiantamento de legítima. O direito do donatário de renunciar à herança não contradiz a tese, pois, ainda assim, o herdeiro favorecido está obrigado a conferir a doação para fim de repor a parte excedente da legítima e mais a metade disponível. 3.2 MOMENTO DA COLAÇÃO E PROCEDIMENTOS Procede-se a colação com reunião ficta do que foi anteriormente doado pelo de cujus ao descendente. Os valores apurados são considerados para a contagem do total herança deixado pelo falecido. Caso o donatário não sendo mais possuidor do bem, o seu valor será apurado com base ao tempo da liberalidade. Possuindo o donatário bens suficientes em seu acervo, eles serão computados em espécie. 119 Segundo o artigo 1.014 CPC, o momento da colação é o prazo estabelecido no artigo 1.000 CPC que é de dez dias a contar da conclusão das citações, sendo este prazo comum a todos os herdeiros, isto é, o prazo para manifestação sobre as primeiras declarações. Existindo arrolamento, este será feito juntamente com as declarações iniciais. Caso não o faça, este deverá fazê-lo imediatamente ao ser intimado para tal procedimento. Caso sendo o herdeiro intimado dentro do inventário para tal, negar o recebimento ou a obrigação de conferi-los, deverá o juiz de plano decidir, apos ouvidos as partes, conforme prevê o artigo 1.016 CPC. Julgando procedente o pedido de colação, mandará seqüestrar os bens para integrarem a partilha, não estando o bem em posse do donatário, mandará o juiz imputar o valor respectivo. Não podendo o juiz decidir com base nos documentos inclusos nos autos por necessitar de outras provas, remeterá as partes as vias ordinárias. Não 118 119 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 287. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 385. 55 podendo neste caso, o herdeiro apontado receber seu quinhão hereditário enquanto perdurar a demanda. 120 Cabe ao espólio a propositura da ação de colação. Não é negado ao herdeiro interessado figurar como assistente na demanda. Pode, no entanto, o donatário adiantar-se propondo ação declaratória negativa, para que seja fixado o seu direito de não colacionar. Omitido-se o inventariante quanto do pedido de colação, pode qualquer interessado pedir sua remoção por faltar com seus deveres. “O herdeiro que não apresentar espontaneamente o bem, intimado a fazê-lo, pode incorrer também na pena de sonegados.”121122 Ao colacionar o bem, procede-se a lavratura de termo no inventário, e concordando os interessados com o valor colacionado, dispensa-se a avaliação, sendo todos os herdeiros capazes. Assim entende Venosa123: Quando colacionado o bem, é lavrado um termo no inventário. Podem as partes interessadas concordar com o valor apresentado, dispensando-se a avaliação, se todos forem capazes. Pode ocorrer que só após a partilha se descubra que existia bem colacionável. A qualquer momento, enquanto não prescrever a ação de petição de herança, pode ser proposta a ação para o herdeiro colacionar, acertando-se, então, a partilha. A ação beneficia a todos os demais herdeiros necessários participantes. A doação ao descendente será considerada inoficiosa quando for superior a sua parte legítima, mais a parte disponível. A invalidade não é total, só que suplantar esse cálculo aritmético. Nesse caso, é feita a redução até caber nesse limite. Os 120 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 385. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 386. 122 O herdeiro que não colacionar os bens recebidos do autor da herança em vida, pode incorrer nas seguintes penalidades: a perda do direito que lhe cabia sobre os bens sonegados (artigo 1.992 CC/2002), sendo o sonegador o próprio inventariante, além da pena do artigo 1.992, remover-se-á os bens sonegados se provado a sonegação ou negando ele a existência dos bens indicados (artigo 1.993 CC/2002. Pode ainda o sonegador incorrer nas penalidades do artigo 168 do Código Penal. Segundo Orlando Gomes, em seu livro sucessões 2004 página 302, incorre “no pagamento do valor dos bens ocultados, mais as perdas e danos, se não mais os tiver em seu poder.” 123 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 385. 121 56 sucessores nomeados no testamento só recebem se sobrar patrimônio após tais reduções. 3.3 HERDEIROS SUCESSÍVEIS A COLAÇÃO São herdeiros sujeitos a colação, os descendentes que concorrem à sucessão como prevê o artigo 2.002 e o cônjuge de acordo com disposto no a artigo 544 do CC/2002 como explicitado no item 3.8 a seguir. Os descendentes beneficiados por doações têm por obrigação de colacionar os bens dos quais foram agraciados, bem como é de direito dos demais descendentes na condição de herdeiros exigirem dos agraciados a conferência dos bens recebidos. Afirma Cahali124: A lei restringe o instituto da colação à sucessão pelos descendentes, diferentemente de outros sistemas jurídicos, que entendem ser o instituto aplicável até mesmo no caso de sucessores instituídos por testamento. Ainda assim nosso sistema restringe os descendentes obrigados a colacionar, que são apenas aqueles que participam da sucessão por direito próprio, daí por que o representante que tenha sido donatário não está obrigado a colacionar, eis que a lei presume que a doação por ele recebida saiu da parte disponível do patrimônio do doador (CC. Art. 2.005, parágrafo único). Diferentemente, se participar da sucessão em representação de seu ascendente, este sim donatário do de cujus, aplicável será a determinação legal, ainda que o bem doado já não mais esteja no patrimônio do donatário ao tempo da abertura de sua secessão, acarretando a não herdade pelo representante (CC, art. 2.009). Verifica-se uma nítida contradição entre os artigos 2.002 e 2.003 CC/2002, a respeito da obrigatoriedade ou não da colação por parte do cônjuge supérstite. Reza o artigo 2.002 CC/2002 que são obrigados a colacionar, os descendentes, e o artigo 2.003 CC/2002 124 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 2 ed., p. 480 – 481. 57 entende que a colação tem por fim igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente. Gomes125, assim entende: Nada nos permite detectar uma intenção de excluir o cônjuge da colação. A lacuna preenche-se nos termos gerais do direito. Neste caso, por analogia, uma vez que se verifica, perante o cônjuge, que há as mesmas razões de decidir. Isso não tira que todo o articulado sobre colação tenha sido traçado tendo em vista os descendentes apenas. Haverá agora que fazer as adaptações necessárias para integrar também o cônjuge. O cônjuge só esta sujeito à colação quando concorre com os descendentes. Não está quando intervém sozinho, pois não teria sentido, nem quando concorre com ascendentes, pois estes também não estão. No Direito vigente, havendo restrição quanto ao regime de bens, o cônjuge sobrevivente só deverá colacionar os bens recebidos por doação de seu consorte quando concorrer à sucessão, nos casos previstos no artigo 1.832. Reza o artigo 1.832 CC/2002 que, se o cônjuge concorrer com os descendentes de acordo com o inciso I do artigo 1.829 CC/2002, caber-lhe-á quinhão igual aos que sucederem por cabeça, não podendo ser inferior à quarta parte da herança, se os herdeiros com quem concorrer, forem também seus descendentes Sendo assim, a necessidade de colacionar, aplica-se também ao cônjuge sobrevivente. Assim ensina Rodrigues126: Os descendentes são obrigados a conferir, na sucessão dos ascendentes, as doações destes recebidas. Numa interpretação sistemática, para dar sentido e aplicação ao art. 544 do Código Civil, o cônjuge deve conferir o que recebeu, por doação, do outro cônjuge. 125 126 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 289 - 290. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 315. 58 Os netos quando chamados a representar seus pais na herança do avô, terão que colacionar o mesmo que seriam obrigados os seus pais se vivos fossem. Sendo ele donatários do avô, não está sujeito a colação, salvo se concorrer somente com netos do doador (descendentes do mesmo grau), terá que colacionar, pois concorre em igual condição, ou seja, por cabeça (direito próprio). Neste sentido escreve Venosa127: Os netos devem colacionar,quando representarem seus pais, na herança do avô, o mesmo que seus pais teriam de conferir (art. 2.009). Isso porque o representante receberia tudo que receberia o representado. Contudo, não está o neto obrigado a colacionar o que recebeu de seu avô, sendo herdeiro seu pai, e não havendo representação. Quando o herdeiro-pai falecer, não haverá dever do neto colacionar, porque recebeu herança do ascendente-avô, e não de seu pai. Se só concorrerem, porém, netos a uma herança (sucessão por cabeça), descendentes do mesmo grau, portanto, terão o dever de colaciona. Aí eles concorrem à herança por direito próprio.128 O herdeiro descendente e cônjuge indigno e o renunciante apesar de não constarem no formal de partilha e ou não receberem quinhões hereditários, também tem a obrigação de colacionar, pois pode ter recebido doação de vulto tal que absorva grande parte da herança ou mesmo a totalidade dos demais herdeiros. A renúncia e a indignidade não podem vir em prejuízo dos demais, a doação da parte oficiosa não sofrerá perda, pois a colação não tem a finalidade de revogar a liberalidade. Neste caso proceder-se-á apenas a redução correspondente a parte inoficiosa.129. No mesmo sentido leciona Gomes130: Os herdeiros excluídos por indignidade, ou deserdação, assim como os que renunciarem à herança devem conferir as doações recebidas, para reposição da parte inoficiosa. No caso de 127 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 384. Os descendentes que não sucederem o de cujus ficam dispensados da colação. 129 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 384. 130 GOMES, Orlando. Sucessões. 2004, p. 290. 128 59 exclusão, seus descendentes tomam-lhe o lugar, beneficiando-se igualmente com a parte excedente. No caso de renúncia, acresce à legítima dos co-herdeiros. O herdeiro excluído não perde a parte oficiosa, que constituiria bem da legítima. A exclusão não é ato revogatório da liberalidade. Segundo Venosa131, todo filho que concorrer à herança tem o dever de colacionar, sendo ele natural ou adotivo. Também tem o dever de colacionar os cessionários dos direitos destes herdeiros, assim como, têm eles o direito de pedir a colação. Se o descendente beneficiado com a doação for casado perante o regime da comunhão de bem, fica ele obrigado a colacionar todo o bem, exceto se a doação foi metade ao descendente e outra metade ao cônjuge, neste caso, só o descendente tem o dever de colacionar, entendendo-se que a parte doada ao cônjuge saiu da parte legítima. Continua Venosa que, os credores do espólio podem exigir que os herdeiros obrigados a colacionarem as doações o façam, caso a doação constitui fraude a credores. 3.4 BENS SUJEITOS A COLAÇÃO Em regra, todas as doações feitas pelo de cujus em vida a descendentes chamados a sucessão, devem colacionar os bens recebidos, não mais os tendo devem colacionar o valor correspondente ao tempo da liberalidade. Artigo 2.003, parágrafo único, CC/2002. No ensinamento de Diniz132, todas as liberalidades recebidas pelo herdeiro do de cujus em vida deverão ser colacionadas, tais como: 1º) doações constituídas pelo ascendente; 2º) doação dos avós aos netos, quando eles concorrerem à herança com tios, primos; 3º) doações recebidas pelos pais, quando estes falecerem antes do doador e forem representados pelo sucessor; 4º) doações verbais de coisa de pequeno valor, embora não seja de uso de tal colação; 131 132 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 384 - 385. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 410 e 411. 60 5º) venda de bens ou doação feita por interposta pessoa, com o intuito de prejudicar a legítima dos herdeiros do autor da herança; 6º) recursos fornecidos pelo ascendente, para que o descendente pudesse adquirir bens; 7º) dinheiro colocado a juros pelo ascendente em nome do descendente; 8º) quantias desembolsadas pelo pai para pagar débito do filho; 9º) valor da dívida do descendente, remitida pelo pai; 10º) gastos de sustento feitos com filhos anteriores; 11º) montante de empréstimos feitos pelo ascendente ao descendente, sem jamais exigir reembolso; 12º) doações feitas por ambos os cônjuges deverá ser conferida por metade no inventário de cada um, ante a presunção de que cada um dos doadores efetuou a liberalidade meio a meio. No caso do nº 12, acima citado, continua Diniz que, da parte sucessível, sendo casado, somente o herdeiro está sujeito a conferir. Salvo se a doação foi feita a ambos, devendo então ser conferido o bem pela metade que é a parte do herdeiro. Das liberalidades já descritas, Venosa133 acrescenta que também devem ser colacionados: rendimentos dos bens do pai desfrutados pelo filho; quantias pagas pelo ascendente para pensão, dote, seguro de vida ou da coisa pertencente ao descendente; somas não módicas dadas de presente; perdas e danos, multas, indenizações em geral pagas pelo pai por atos do filho. Continua o doutrinador que: [...]. Como vemos, existe um alargamento do conceito legal de doação no art. 2.002. Entender-se restritivamente dispositivo seria anular o sentido da lei. Percebemos, também, que o filho que permaneceu em convivência com o ascendente autor da herança terá tido sempre maiores possibilidades de ter recebido doações. No conceito legal, entram as doações feitas por via indireta, o que deve ser examinado em cada caso concreto. 133 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 387. 61 A doação feita por ambos os cônjuges, será conferida por metade no inventário de cada ascendente, por presunção de que cada um era proprietário da metade. Venosa assim ensina 134: Se a doação houver sido feita por amos os cônjuges, no inventário de cada um se conferirá por metade (art. 2.012; antigo, art. 1.795). Entende-se que cada cônjuge era proprietário de metade da coisa doada. É uma presunção relativa que pode ser elidida no caso concreto. [...]. Caso o descendente for agraciado pelo ascendente por um montante superior ao qual teria direito na herança, para satisfazer a colação, poderá ele escolher entre os bens doados, tantos quantos necessitarem ou pelo seu valor quando o bem não comportar divisão cômoda. Neste norte nos ensina Venosa135: Se o donatário recebeu mais do que lhe cabia, por força da herança, poderá escolher, entre os bens doados, tantos quantos bastem para perfazer a legítima e a metade disponível, entrando para a partilha o excedente para ser dividido entre os demais herdeiros (art. 1.015, § 1º, do CPC). Se a parte inoficiosa recair sobre bem imóvel, que não comporte divisão cômoda, o juiz determinará uma licitação entre os herdeiros. O donatário terá preferência em ficar com o bem se apresentar condições iguais aos demais herdeiros (§ 2º). Nada impede que as partes transijam, com reposições em dinheiro ou em outros bens. [...]. A colação pode ser em espécie, ou em valor pelo tempo da liberalidade se o donatário já não mais os possuir. Assim reza o artigo 2.003, parágrafo único, CC/2002: Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim 134 135 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 388. VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões, p. 388 – 389. 62 doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade. Na lição de Rodrigues136, tem-se que o bem não é objeto de devolução para ser partilhado entre os herdeiros, mas, sim, o seu valor. [...] conferir um bem não significa devolve-lo ao monte, para ser partilhado, mas devolver o seu valor, pois a liberalidade, levada a efeito no passado, constitui ato jurídico perfeito e acabado, que já produziu efeito jurídico. 3.5 REDUÇÃO DAS LIBERALIDADES A redução das liberalidades tem por função, trazer ao monte partível do de cujus o excesso das liberalidades feitas pelo ascendente em vida, ou seja, o que excedeu a metade do patrimônio do ascendente. A redução das liberalidades está disciplinada no Artigo 2.007 CC/2002: Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade. § 1.º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade. § 2.º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a redução será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias. § 3.º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível. 136 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 316. 63 § 4.º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso. Diferencia a redução da colação, no aspecto de que a colação independe se a doação ultrapassou ou não a metade disponível, ao passo que a redução é para integralizar a parte indisponível, reduzindo-se as doações em porção suficiente para integralizar a parte indisponível. Assim ensina Venosa137: A redução de doação inoficiosa ou deixa testamentária excessiva tem por fito defender a porção legítima do herdeiro necessário e só se possibilita quando um desses atos atinge essa porção. Já a colação ocorre mesmo que a legítima não tenha sido afetada, visando tão-só manter a igualdade entre os vários herdeiros. Somente existe redução das doações feitas pelo de cujus em vida, se houve excesso quanto ao que poderia dispor no momento da liberalidade, a este excesso será atribuído valor ao bem doado quando da liberalidade. Diniz assim entende138: São sujeitas a redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade. Tal excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham no momento da liberalidade. A redução da liberalidade far-se-á, em espécie, pela restituição ao monte do excesso assim apurado; ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observando-se, no que forem aplicáveis, as normas sobre redução das disposições testamentárias (arts. 1.966 a 1.968) [...]. 137 138 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 382. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 409. 64 A redução da parte inoficiosa, não depende da vontade do doador, não pode ele privar o herdeiro necessário de sua parte legítima, ao contrário da colação que pode ser dispensada pelo doador. Venosa assim entende139: A redução da parte inoficiosa ocorre mesmo contra a vontade do disponente, porque o herdeiro forçoso não pode ser privado de sua legítima, enquanto a colação pode ser dispensada pelo doador, como vimos. Não podendo a questão ser decidida de plano no inventário, será levada para a ação de redução. Por outro lado, enquanto com a redução se traz para o monte o bem ou o valor excedente, com a colação não se traz bem algum: apenas se confere um valor que integrará a porção do donatário, preferentemente. As reduções testamentárias, dar-se-ão somente quando as doações avançarem a quota indisponível do testador, quota esta que pertence aos herdeiros necessários.140 Por conseguinte, dá-se a redução das disposições testamentárias quando estas excederem a quota disponível do testador. O testador, intencional ou inadvertidamente, dispôs por testamento de mais da metade de seus bens, afetando, assim, a legítima de seus herdeiros necessários. A estes herdeiros, e através da ação adequada, abre-se o direito de pleitear a redução das disposições testamentárias, até se integrar a legítima desfalcada. Não é nulo o testamento no qual o doador doou mais do que lhe era disponível no momento da liberalidade, mas tão somente volta ao monte da herança os bens ou os valores dos bens que excederam a sua metade. Se os herdeiros anuírem em receber menos do que lhes é de direito, prevalece a vontade exorbitante do de cujus, cumprindo-se assim o testamento, pois não há nada que o invalide.141 139 VENOSA, Sílvio de Savo. Direito civil: direito das sucessões. p. 382. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 231 – 232. 141 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 232. 140 65 3.6 DISPENSA DA COLAÇÃO Estão dispensados de colacionar, os herdeiros descendentes que recebem doações da parte disponível do doador, a parte que o doador podia dispor livremente, desde que o doador dispensa o donatário do dever de colacionar, e determine que os bens doados saiam da parte disponível, ou seja, que a doação não ultrapasse a metade do patrimônio do doador. Também não estão incluídos na obrigação de colacionar, os herdeiros testamentários e os legatários, bem como os demais herdeiros. No entendimento de Diniz142: O doador pode dispensar da colação a doação que saia de sua meação disponível, desde que não a exceda, computado seu valor ao tempo da doação. “Presuma-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário” (CC, art. 2.005, parágrafo único). Assim, p. ex., presumir-se-á que doação feita por avô a neto, cujo pai está vivo, saia da parte disponível do falecido doador, visto que o donatário não será chamado à sucessão de seu avô, estando liberado da colação [...]. As despesas do ascendente com o descendente enquanto menor, também não estão sujeitas a colação. Assim reza o artigo 2.010 CC/2002: Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento ou as feitas no interesse de sua defesa em processo crime. Ensina Monteiro, que tais gastos ordinários não devem ser entendidos como liberalidade, mas sim, como um dever.143 Tais dispêndios não constituem liberalidade, mas cumprimento de um dever; não se acham destarte sujeitos a colação. Todavia, a dispensa só se verificará na hipótese em que o beneficiado seja 142 143 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. p. 414. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 35 ed. p. 315. 66 menor. Se ele atingiu a maioridade, o ato configura verdadeira doação, suscetível, pois, de oportuna conferência. O artigo 2.011 CC/2002, dispensa da colação as doações remuneratórias por serviços prestados ao ascendente.144 Monteiro entende que tais doações devem ser entendidas como de natureza remuneratória, pois se trata de retribuição a serviços prestados ao doador.145 Não estão igualmente sujeitas à colação as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente (art. 2.011). Doações dessa natureza não constituem liberalidade propriamente dita, mas retribuição de serviços prestados ao doador. Assim como não se revogam por ingratidão do donatário (art. 564, n. I), também isenta o beneficiário da colação respectiva. Reza o Artigo 564 CC/2002: Art. 564. Não se revogam por ingratidão: I – as doações puramente remuneratórias; II – as oneradas com encargo já cumprido; III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; IV – as feitas para determinado casamento. Na colação é observada a lei vigente no momento da sucessão e não a lei vigente na época da liberalidade, conforme ensina Cahali146: Regem-se as colações pela lei vigente no momento da abertura da sucessão, posto ser esta a lei que determina os sucessíveis, traçando-lhes seu estatuto jurídico, seus direitos, seus deveres, suas restrições. 144 As doações por serviços prestados ao ascendente, podem ser entendidas como pagamento do esforço do descendente em favor do ascendente, pelo qual não estipulou qualquer quantia remuneratória. E o ascendente entende por bem, gratificá-lo em certa quantia ou com um certo bem. 145 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 35 ed. p. 315. 146 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 2 ed., p. 487. 67 3.7 A TEORIA DA DISREGARD NA SUCESSÃO LEGÍTIMA A teoria da disregard trata da tentativa do autor da herança em burlar a lei e os demais herdeiros, constituindo uma pessoa jurídica, com fins lucrativos, composta pelo autor da herança e um ou mais de seus herdeiros, onde ao passar do tempo o autor passa a transferir suas quotas aos demais sócios, afastando-se assim da sociedade, deixando parecer que todo o negócio jurídico obedeceu aos ditames da lei. Cahali147, assim se manifesta: O problema reside, então, no fato de o transcurso do tempo apagar a forma pela qual a sociedade majoritariamente pertencente ao ascendente veio, ao depois, a passar para o controle dos sócios descendentes. Uma tal situação acaba por camuflar uma transferência patrimonial sob forma outra que não a doação, mas que traz em si o desequilíbrio das quotas dos herdeiros descendentes sócios e não sócios. Neste caso, continua Cahali que, deve o juiz ater-se em evitar o odioso desequilíbrio entre a legítima, aplicar a teoria da desconstituição da pessoa jurídica, e trazendo ao inventário o patrimônio da empresa como se fosse um bem colacionável. A transferência camuflada do patrimônio do de cujus a um descendente pode se dar de outra forma aparentemente legal148, que desta forma estará amparada pelo artigo 2.011 CC/2002, que diz sendo as doações por serviços prestados não virão a colação. 147 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 6 v. 2 ed., p. 485. 148 Na possibilidade de um descendente prestar serviços remunerados ao ascendente e sendo remunerado com valor acima do praticado pelo mercado, por não ser considerado como doação, pode o ascendente constituir uma empresa e empregar um descendente o qual queira beneficiar em relação aos outros, pagando-lhe uma remuneração vantajosa. Tendo o ascendente um patrimônio de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e pagando uma remuneração de R$ 3.000,00 (três mil reais) mês, enquanto o mercado remunera a mesma função em R$ 1.000,00 (um mil reais) mês, proporcionando assim uma diferença de R$ 2.000,00 (dois mil reais) mês, se com a remuneração de mercado a empresa teria um lucro de R$ 1.000,00 (um mil reais) mês, com a remuneração de R$ 3.000,00 (três mil reais) a empresa passaria a ter um prejuízo de R$ 1.000,00 (um mil reais) mês, com este resultado a parte disponível do patrimônio do ascendente desapareceria em menos de 5 (cinco) anos, beneficiando um descendente em relação a outros, e consumaria todo o patrimônio do de cujus em menos de 10 (dez) anos. 68 3.8 A OBRIGAÇÃO DE COLACIONAR DO CÔNJUGE SUPERSTÍTE O artigo 2.002 CC/2002 diz que somente os descendentes estão obrigados a conferir os bens recebidos do ascendente enquanto vivo, para igualar à legítima. Já o artigo 2.003 CC/2002, explica que a colação tem por finalidade igualar as legítimas dos descendentes e cônjuge sobrevivente, apesar de o artigo 2.002 do mesmo Código afirmar que somente estão obrigados a conferir os bens doados os descendentes, ficando por este artigo o cônjuge livre de colacionar as doações recebidas do cônjuge falecido. O artigo 544 CC/2002, é taxativo em dizer que doação feita de ascendentes a descendentes, ou de cônjuge a outro cônjuge ser adiantamento do que lhes cabe na herança, o artigo 2.002 CC/2002 que trata de quem deve colacionar, somente se refere ao descendente, e na seqüência o artigo 2.003 diz que a colação é para igualar a legítima dos descendentes e cônjuge, que combinado com o artigo 544 CC/2002 estão em flagrante conflito com o artigo 2.002 CC/2002. Explica Rodrigues149: Se a doação de um cônjuge importa adiantamento de legítima, o donatário, logicamente, deve trazer o valor do bem doado à colação. O novo Código Civil, art. 544, então, estaria o cônjuge obrigado a conferir. Mas ao art. 2.002 diz que só os descendentes têm essa obrigação. Evidentemente, esses dois artigos estão em franco conflito; há contradição entre as normas dos arts. 544 e 2.002 do Código Civil brasileiro. E para dar sentido ao disposto no art. 544, sendo a doação de um cônjuge a outro considerada adiantamento da legítima, não há como fugir da conclusão, numa interpretação sistemática, compreensiva, que o cônjuge deve trazer à colação o valor da doação que, em vida, recebeu do outro cônjuge. É notório o conflito entre os artigos mencionados, e que o legislador pátrio perdeu a oportunidade de regulamentar no mesmo artigo em que regulamentou a colação dos descendentes, a necessidade do cônjuge de colacionar as doações recebidas do outro cônjuge. Quem tem o direito de exigir, nada mais justo que ter a obrigação de cumprir. 149 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 311. 69 O cônjuge casado pelo regime de bens que não o inclua como herdeiro necessário, não pode ser obrigado a colacionar, por motivo de não participar da partilha entre os herdeiros. CONCLUSÃO A presente monografia teve como objeto de estudo a Doação de Ascendente a Descendente e ao Cônjuge Frente o Instituto da Colação de Bens. Para alcançar seu objetivo, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, tratou-se da sucessão em geral, com uma breve consideração histórica do direito sucessório, abordando a evolução histórica do direito das sucessões até a atualidade. Abordando ainda a sucessão como um todo, e as espécies de sucessão, sendo elas, herança legítima, herdeiros necessários, porção legítima da herança, sucessão de descendentes. No segundo capítulo, tratou-se do contrato de doação com abordagem sobre contrato, contrato de doação, restrições à liberdade de doar e suas espécies como, doação de todos os bens do doador, doação da parte inoficiosa, doação de onde resulta prejuízo para credores do doador, doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice, abordando também a promessa de doação e suas espécies, abordou-se ainda sobre a revogação da doação e seus motivos como, por motivos comuns a todos os contratos, por ser resolúvel o negócio, por descumprimento do encargo, por motivos de ingratidão do donatário. A abordagem do terceiro capítulo foi sobre o instituto da colação, tecendo-se alguns comentários sobre considerações gerais a respeito do instituto, o momento da colação e procedimentos, herdeiros sucessíveis a colação, bens sujeitos a colação, redução das liberalidades, dispensa da colação, a teoria da disregard na sucessão legítima, e finalmente a obrigação de colacionar do cônjuge supérstite. Na seqüência serão transcritos os problemas com suas hipóteses conforme apresentados na introdução deste trabalho, seguindo-se a respectiva análise das hipóteses apresentadas, segundo o resultado da pesquisa durante o desenvolvimento desta monografia. Primeiro problema: Doando o ascendente à parte disponível de seu patrimônio a um descendente em detrimento aos demais descendentes, deverá esta fazer parte da colação? 71 Hipótese: A luz do Art. 5º, caput da CRFB/1988 todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Partindo do princípio Constitucional, não deverá haver tratamento diferenciado entre descendentes quanto à participação nos bens dos ascendentes, seja por doação ou por partilha de herança. Análise da hipótese: A análise restou confirmada, pois a doação é uma antecipação da herança, salvo o doador se manifestar expressamente que a doação saia da parte disponível. Segundo problema: Os bens doados pelo ascendente a descendente utilizando-se de terceiros, devem estes ser colacionados? Hipótese: Os bens transferidos a terceiros para posteriormente serem entregues a descendentes devem vir a serem colacionados no momento da partilha dos bens do de cujus, por se tratar de um artifício fraudulento contra os demais descendentes, utilizando o ascendente de terceira pessoa para celebrar contrato simulado de transferência de bens em benefício de determinado herdeiro necessário em prejuízo aos demais herdeiros necessários. Análise da hipótese: A análise foi confirmada, caso o doador utilizar-se de pessoa jurídica para mascar a doação, deve o patrimônio da pessoa jurídica virem a colação. Terceiro problema: Quando o descendente prestar serviços remuneratórios ao ascendente e for remunerado com pagamento superior ao praticado no mercado, o valor excedente deverá ser considerado como doação para fins de colação? Hipótese: Na possibilidade de um descendente prestar serviços remunerados ao ascendente e sendo remunerado com valor acima do praticado pelo mercado, deverá ser considerado 72 como doação, pois assim não sendo, pode o ascendente constituir uma empresa e empregar um descendente o qual queira beneficiar em relação a outro, pagando-lhe uma remuneração vantajosa. Análise da hipótese: Esta hipótese não foi confirmada pela doutrina pátria, pois nada se verificou na pesquisa a respeito. Por fim, esta monografia atingiu seu propósito investigatório, analisando cientificamente as hipóteses relacionadas aos problemas anteriormente mencionados. Durante a pesquisa constatou-se que o estudo sobre o assunto é de extrema importância, pois a matéria não encontra unanimidade entre os doutrinadores. Finalizando, a pesquisa deste trabalho, é um mero estímulo para a continuidade do tema que tem muito a ser aperfeiçoado. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALTAVILA, Jayme de. 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