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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PSICOLOGIA
FERNANDA SOARES JUSTINO
ASPECTOS EMOCIONAIS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
CRICIÚMA, JULHO DE 2010
FERNANDA SOARES JUSTINO
ASPECTOS EMOCIONAIS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
para obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia no curso de Psicologia da
Universidade do Extremo Sul Catarinense,
UNESC.
Orientador (a): Prof.º MSc. João Luiz Brunel
CRICIÚMA, JULHO DE 2010
FERNANDA SOARES JUSTINO
ASPECTOS EMOCIONAIS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela
Banca Examinadora para obtenção do Grau de
Bacharel em Psicologia, no Curso de Psicologia
da Universidade do Extremo Sul Catarinense,
UNESC, com Linha de Pesquisa em
Integralidade do Cuidado à Saúde.
Criciúma, 01 de julho de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Prof. João Luiz Brunél - Mestre - (UNESC) - Orientador
Prof. Schirley dos Santos Garcia - Mestre - (UNESC)
Prof. Myrta Carlota Glauche Juroszewski - Especialista - (UNESC)
3
Dedico
esse
trabalho
aos
meus
pais,
Conceição e Waldir, minhas razões de viver.
4
AGRADECIMENTOS
Á Deus, pelo milagre da vida, pelas bênçãos e a coragem concedida em
todos os desafios e adversidades, fortalecendo-me diariamente...
Aos meus pais, pois sem eles esta etapa da minha vida não estaria sendo
concluída. Muito obrigada pelo apoio incondicional em todos os momentos,
salientando a cada dia mais sua importância em meus caminhos e justificando a
razão do meu viver!
À toda a minha família, verdadeiros anjos em minha vida, pelo constante
apoio e incentivo nessa caminhada, em especial aos meus avós, ao meu irmão
Thiago e à minha prima Claudia.
À todos os meus amigos, grandes presentes de Deus.
Aos colegas acadêmicos do curso de Psicologia da Unesc, pelo
maravilhoso convívio e experiências trocadas.
Ao meu professor orientador, João Luiz Brunel, pela paciência em todos
os momentos e sua sabedoria compartilhada, facilitando e encurtando caminhos
para a conclusão deste trabalho.
À toda à equipe da Associação Cidadania em Ação, em especial à
Naiany, Beth e Guimarães, verdadeiros guerreiros e vitoriosos, pelo auxílio em todos
os momentos solicitados.
À todas as crianças, peças fundamentais neste processo, pela confiança,
participação e receptividade, tornando possível o cumprimento de todos os objetivos
propostos nessa pesquisa.
Em especial, ao meu namorado Rauster, pela paciência e compreensão
em todas as ausências.
Todos contribuíram à sua maneira para que esse estudo fosse
concretizado... À Todos Vocês, o Meu Muito Obrigada!
5
“Dentre todas as criaturas da terra, somente
os seres humanos podem mudar de padrão.
Só o homem é o arquiteto do próprio
destino... Os seres humanos, mediante a
mudança das atitudes interiores da mente,
podem mudar os aspectos exteriores da
própria vida.”
(Willian James)
6
RESUMO
Esse estudo tem como objetivo compreender a relação entre os fatores sóciofamiliares e os aspectos emocionais de crianças em situação de vulnerabilidade
social. Caracteriza-se como um estudo de caso, realizado no projeto sócio-educativo
denominado Associação Cidadania em Ação, sendo que os sujeitos da pesquisa
foram cinco crianças, com idades entre oito e onze anos e, ainda cinco voluntários
que participam dessa instituição. Os dados foram obtidos através de uma entrevista
semi-estruturada, sendo que com uma análise da configuração familiar dessas
crianças e da identificação do seu contexto social, foi possível avaliar as reações
emocionais das mesmas a esses fatores. Foi analisado ainda, o papel do projeto
sócio-educativo no desenvolvimento psicossocial das crianças. Os resultados
mostraram que apesar de existirem alguns fatores no contexto social que são
considerados como risco, tais como uso de substâncias psicoativas, violência e
dificuldades sócio-econômicas, as crianças entrevistadas não demonstraram
grandes prejuízos no seu desenvolvimento emocional devido a esses eventos.
Todas parecem possuir um bom vínculo familiar, originando sentimentos de
segurança e apoio que superam os fatores que podem ser prejudiciais ao seu
desenvolvimento. Elas podem ainda, possuir uma capacidade de resiliência muito
forte, o que permite enfrentar as adversidades sociais e superá-las. Quanto à função
do projeto sócio-educativo, o mesmo parece estar auxiliando no desenvolvimento
psicossocial das crianças, atuando como um fator de proteção, onde elas têm
oportunidade de evoluir em seu comportamento, socialização e ainda ter acesso à
recursos tecnológicos e culturais.
Palavras-chave: Crianças, Vulnerabilidade social, Projeto sócio-educativo.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 DESENVOLVIMENTO INFANTIL .......................................................................... 11
2.1 Desenvolvimento Físico e Motor ..................................................................... 13
2.2 Desenvolvimento Intelectual ............................................................................ 14
2.3 Desenvolvimento Afetivo-emocional ............................................................... 16
2.4 Desenvolvimento Social ................................................................................... 18
2.5 Aprendizagem .................................................................................................... 19
3 FATORES SOCIAIS E FAMILIARES .................................................................... 21
3.1 Fatores Sociais .................................................................................................. 21
3.1.1 Vulnerabilidade e Risco social ...................................................................... 23
3.1.2 Projetos Sócio-educativos ............................................................................ 25
3.2 Fatores Familiares ............................................................................................. 27
4 ASPECTOS EMOCIONAIS NA INFÂNCIA ........................................................... 30
4.1 Afetividade ......................................................................................................... 30
4.2 Auto-estima........................................................................................................ 32
4.3 Distúrbios emocionais ...................................................................................... 36
4.3.1 Transtornos de ansiedade ............................................................................. 37
4.3.2 Depressão Infantil .......................................................................................... 39
4.3.3 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade..................................... 41
4.3.4 Transtornos de Conduta ................................................................................ 42
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS....................................................... 45
5.1 Configuração familiar das crianças ................................................................. 45
5.2 Aspectos sociais que podem se apresentar como fatores de risco............. 47
5.3 Reações emocionais das crianças ao contexto social e familiar ................. 48
5.4 O papel do projeto sócio-educativo no desenvolvimento psicossocial das
crianças .................................................................................................................... 52
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 60
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62
APÊNDICE ................................................................................................................ 67
ANEXO ..................................................................................................................... 70
8
1 INTRODUÇÃO
O interesse em desenvolver este estudo surgiu da necessidade de
conhecer a construção do ser humano através do seu contexto social e familiar,
verificando assim fatores determinantes ao seu desenvolvimento. Especificamente,
foram analisadas as crianças que freqüentam um projeto sócio-educativo
denominado Cidadania em Ação que se localiza na cidade de Criciúma - SC.
Essa instituição funciona como uma organização não-governamental,
formada por educadores totalmente voluntários e proporciona ações de melhoria no
processo de desenvolvimento humano, através da inclusão social de crianças e
adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social e que são
atendidas em período contrário ao da escola.
A situação de vulnerabilidade social refere-se a sujeitos com vínculos
familiares e comunitários fragilizados, porém ainda não rompidos. Esses indivíduos
possuem condições de privação relacionadas à ausência de renda ou de acesso aos
serviços públicos e a fragilização de vínculos afetivos.
Visando responder o problema da pesquisa que investiga qual a relação
existente entre os fatores sócio-familiares e os aspectos emocionais de crianças em
situação de vulnerabilidade social, foram estabelecidos quatro objetivos específicos:
Analisar
a
configuração
familiar
das
crianças
em
situação
de
vulnerabilidade social;
Investigar os aspectos sociais que podem se apresentar como fatores de
risco;
Avaliar as reações emocionais das crianças ao contexto social e familiar
em que vivem;
Identificar o papel do projeto sócio-educativo no desenvolvimento
psicossocial dessas crianças.
Na Associação Cidadania em Ação foram definidos os sujeitos da
pesquisa, que abrangeu alguns educadores e algumas crianças que freqüentam o
local. Os educadores entrevistados participam da Associação há mais de um ano e
podem ser divididos em três do sexo masculino e dois do sexo feminino, que
9
participam no período matutino e possuem idades entre vinte e cinqüenta e seis
anos.
Quanto
às
crianças,
o
critério
de
inclusão
observou
algumas
características, como a faixa etária entre oito e onze anos, a freqüência na instituição
no período matutino e por no mínimo um ano. Desta forma, a amostra seria formada
por onze crianças, que preenchiam todos os critérios para participação no estudo.
Porém, devido às constantes faltas das mesmas durante o período de coleta de
dados, a pesquisa foi efetuada com cinco crianças, sendo quatro do sexo masculino
e uma do sexo feminino.
Como técnica para a coleta de dados foi efetuada a entrevista semiestruturada que, de acordo com Alves (2007), nesse procedimento existe um
inventário de perguntas básicas, mas a entrevista pode tornar-se mais flexível.
Para a análise dos dados foi efetuada a transcrição das entrevistas e de
todas as informações disponíveis. Posteriormente, seguiu-se para a classificação
das informações, organização e, conseqüentemente, a interpretação dos dados.
Sabe-se que a infância por si só, é uma etapa marcada por inúmeros
desafios, pois nesse período a criança está em busca de constantes superações e
descobertas. Assim sendo, é importante analisar como as crianças estão se
desenvolvendo em meio a todas as dificuldades em que vivem.
O fato de estarem vivendo em situação de vulnerabilidade social pode
gerar em cada criança efeitos psicológicos extremamente negativos e que, se não
identificados precocemente, poderão dificultar o seu desenvolvimento. Os distúrbios
emocionais na infância possuem forte impacto na criança e em sua família e se não
tratados
adequadamente,
podem
gerar
problemas
psiquiátricos
e
sociais
futuramente.
Todas as experiências a que os sujeitos estão expostos em seu contexto
familiar e social podem contribuir em sua formação enquanto adulto. Nesses
âmbitos, ele irá passar por experiências relacionadas a afeto, dor, medo, raiva e
muitas outras emoções que irão lhe gerar um aprendizado fundamental para o seu
futuro. (PRATTA & SANTOS, 2007)
Assim sendo, ressalta-se que esse estudo visa ampliar os conhecimentos
acerca dos aspectos envolvidos no contexto da vulnerabilidade social, bem como
das reações emocionais e do desenvolvimento psicossocial das crianças que
convivem com essa realidade.
10
O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: inicia-se com a
fundamentação teórica abordando em seu primeiro capítulo o desenvolvimento
infantil e seus diversos aspectos. O segundo capítulo refere-se aos fatores sociais,
definindo a situação de vulnerabilidade social, expondo breves informações sobre
projetos sócio-educativos e ainda apresentando os fatores familiares. Já no último
capítulo, são abordados os aspectos emocionais na infância, definindo conceitos
essenciais como afetividade e auto-estima e ainda, comentando os principais
distúrbios emocionais na infância. Posteriormente, encontra-se a apresentação e
análise dos dados obtidos. Ao término do trabalho está a conclusão e suas
referências.
11
2 DESENVOLVIMENTO INFANTIL
De acordo com Bock et. al. (2002), as crianças possuem traços próprios
de sua faixa etária, por isso ao estudar o desenvolvimento humano é possível
conhecer essas características existentes em cada período da infância e ainda
reconhecer as individualidades de cada uma.
Segundo Teles (2001), o conceito de desenvolvimento envolve todas as
transformações que um organismo sofre, desde o momento em que é concebido, até
a morte. O crescimento possui uma definição mais limitada, geralmente está
relacionado ao aumento da massa corporal e é concebido pelo desenvolvimento.
Para a autora, esse processo de desenvolvimento possui determinantes muito
relevantes, como a maturação, a aprendizagem, a hereditariedade e o ambiente.
Acerca desses fatores, Teles (2001, p. 78) afirma que:
Maturação e aprendizagem estão intimamente ligadas. É praticamente
impossível isolar a influência de um fator sobre outro. Maturação significa o
desenvolvimento do organismo como função do tempo ou idade. É o estágio
de desenvolvimento estrutural necessário para o aparecimento de
determinado comportamento. Abrange todas as transformações
neurofisiológicas e bioquímicas que se dão no organismo. Já a
aprendizagem significa a mudança no comportamento, como resultado da
experiência.
Portanto, esses dois fatores estão interligados, sendo até mesmo
impossível de separá-los, pois para que um indivíduo obtenha sucesso em seu
processo de aprendizagem, é necessário que ele tenha alcançado um determinado
grau de maturação.
Para Teles (2001), a hereditariedade pode ser definida como a totalidade
dos genes que o sujeito recebe dos pais em sua concepção. Já o ambiente, significa
a soma de todos os estímulos – que causam determinada reação nos campos físico,
psíquico e social – e, portanto, interferem no sujeito.
Os fatores hereditariedade e ambiente também se encontram integrados,
conforme segue: “Desde o momento da concepção, o organismo passa a sofrer
influencias ambientais, e forma-se, portanto, não apenas de acordo com a direção
apontada pelos genes, mas também com as possibilidades e pressões apresentadas
pelos fatores ambientais.” (TELES, 2001, p. 78).
12
Apesar de
a hereditariedade, possuir determinados
padrões
de
desenvolvimento, eles só irão evoluir, adequadamente, se as condições ambientais,
também permanecerem adequadas. Dessa forma, é possível verificar que o
desenvolvimento humano depende da influência de todos esses fatores, visto que o
processo de desenvolvimento utiliza-se da hereditariedade (com a maturação) e dos
fatores ambientais (com a aprendizagem).
Sobre um conceito de desenvolvimento da criança, Vigotski (1998, p. 96),
afirma que: “é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade,
desigualdade
no
desenvolvimento
de diferentes funções, metamorfose ou
transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos
e externos”. [...]
Para Vigotski (apud BOCK et. al., 2002), o homem é um ser ativo, que
atua sobre o mundo através de suas relações sociais e altera essas ações para que
estabeleçam o funcionamento de um plano interno. Desta forma, é nas relações
sociais que se originam as “formas superiores de comportamento consciente”
(pensamento, memória, atenção voluntária...), ou seja, as características que
diferenciam o homem dos outros animais.
Seguindo seu enfoque interacionista do desenvolvimento humano,
Vigotski (apud BOCK et. al., 2002, p. 109), afirma que:
O desenvolvimento está, pois, alicerçado sobre o plano das interações. O
sujeito faz sua uma ação que tem, inicialmente, um significado partilhado.
Assim, a criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos
de alcançá-lo, e esses movimentos são interpretados pelo adulto como
“desejo de obtê-lo”, e então lhe dá o objeto. Os movimentos da criança
afetam o adulto e não o objeto diretamente; e a interpretação do movimento
pelo adulto permite que a criança transforme o movimento de agarrar em
gesto de apontar.
Portanto, esses movimentos da criança são criados através de sua
interação social, sendo que os seus gestos afetam diretamente os seres adultos que
a cercam. Esses sujeitos irão interpretar as expressões da criança e respondê-la
através de ações e/ou falas. Consequentemente, por meio do plano intersubjetivo,
nas trocas entre as pessoas, é que se originam as chamadas funções mentais
superiores.
13
De acordo com Bock et. al. (2002), o estudo do desenvolvimento humano
pode ser abordado a partir de quatro aspectos: físico-motor (crescimento,
maturação, manipulação de objetos e do próprio corpo), intelectual (pensamento e
raciocínio), afetivo-emocional (forma individual de interpretar suas vivências) e social
(reações do indivíduo quando no convívio com outras pessoas).
2.1 Desenvolvimento Físico e Motor
Segundo Bee (1986), durante os dois primeiros anos de idade ocorrem
mudanças rápidas na altura dos bebês, porém, após esse período há apenas um
aumento gradual até a adolescência, quando ocorre o chamado segundo “estirão do
crescimento”.
Já para Teles (2001), após os dois anos de idade, o processo de
desenvolvimento torna-se mais estável, o crescimento das partes superiores do
corpo diminui, mas as partes inferiores continuam crescendo rapidamente durante o
período pré-escolar.
Sobre o ritmo de crescimento e ainda sobre as diferenças físicas entre os
sexos, Teles (2001, p. 82) nos esclarece dizendo que:
Depois de 6 anos, o crescimento progride, por algum tempo, num ritmo
relativamente lento. Até os 10 anos, os meninos são, em média, mais altos
e mais pesados do que as meninas; mas, entre os 10 e 15 anos, as
meninas vão estar adiante dos meninos em altura e peso. As meninas estão
aptas a ganhar altura a um ritmo rápido entre os 9 e 12 anos, enquanto aos
meninos sucede o mesmo dos 11 aos 14. Um pouco antes da adolescência
começa um “surto de crescimento”. Após este período, porém, o ritmo de
crescimento abranda consideravelmente, até a altura final ser atingida, ao
fim da adolescência.
De acordo com Bee (1986), é imprescindível analisar as características do
crescimento e desenvolvimento físico das crianças, porque a sua evolução física, ou
a falta da mesma, podem originar limites em sua interação com o ambiente e assim,
consequentemente, afetar os seus sentimentos sobre si mesma.
Desse modo, o desenvolvimento físico pode afetar a auto-imagem da
criança. “O fato de a criança ser pequena ou grande para sua idade, ou dela entrar
14
cedo ou tarde na puberdade, pode afetar o modo como ela pensa sobre si própria.”
(BEE, 1986, p. 88).
Durante os 15 primeiros meses de vida, a criança desenvolve
gradualmente suas capacidades motoras, sendo que nesse período há um
progresso importante no qual o bebê que antes só permanecia deitado, inicia outros
processos como, sentar, ficar de pé, andar e correr. (BEE, 1986, p. 100)
O desenvolvimento motor na segunda e terceira infância continua
aumentando, as crianças aperfeiçoam suas habilidades motoras, tornando-se mais
fortes, mais rápidas e muito mais coordenadas.
Devido ao melhor desenvolvimento motor na terceira infância, as crianças
desta fase podem praticar mais atividades motoras do que os pré-escolares. As
capacidades motoras mais complexas como andar de bicicleta e agarrar uma bola,
se desenvolvem apenas no período escolar. (BEE, 1986, p. 113)
De acordo com Teles (2001), a coordenação motora da criança
apresenta-se inteiramente desenvolvida aos nove anos de idade, porém, devido ao
crescimento desordenado no início da adolescência, o indivíduo pode perder a
correta coordenação motora que havia adquirido. Contudo, com o passar do tempo
ele consegue restabelecê-la, sendo que os meninos ganham mais agilidade e força,
e as meninas mais harmonia e requinte nos movimentos.
“A coordenação neuromuscular é uma conquista árdua que a criança
adquire, gradativamente, através dos anos e de treino intensivo.” (TELES, 2001, p.
83)
Portanto, pode-se afirmar que o desenvolvimento físico-motor não ocorre
de forma instantânea, mas sim, após muitos períodos de treinamento, dedicação,
empenho e incentivo por parte da criança e também dos adultos que com ela
convivem.
2.2 Desenvolvimento Intelectual
Segundo Bee (1986), a teoria que mais influenciou no estudo do
desenvolvimento cognitivo é a do teórico Jean Piaget. Em seus estudos, ele
enfatizou o desenvolvimento intelectual e dividiu os períodos do desenvolvimento
15
humano em quatro estágios: sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2 a 6
anos), operações concretas (6 a 12 anos) e operações formais (12 anos em diante).
No estágio sensório-motor, a criança começa a apresentar aspectos de
intencionalidades e representação interna, ainda que de forma muito primitiva. Ela
evolui gradativamente, a partir de movimentos reflexos até seus comportamentos
intencionais.
Durante o estágio pré-operatório, o que ocorre de mais importante é o
desenvolvimento da linguagem, que surge através de uma maior interação e
comunicação com outras pessoas. Também há uma evolução nas formas iniciais de
raciocínio, uma fase de egocentrismo (tendência a estar centrada em si mesmo) e
uma determinada habilidade primitiva de ver as coisas no ponto de vista dos outros.
No estágio de pensamento operacional concreto, a criança encontra-se
em idade escolar e assim, compreende as tarefas relacionadas à memória e a
matemática (consegue efetuar operações mentais complexas, como adição e
subtração). Nesta fase, ainda há a ligação ao concreto e o raciocínio ainda é
principalmente indutivo.
No estágio de pensamento operacional formal, é possível a manipulação
de idéias e objetos. Surge a lógica dedutiva (envolve uma relação se – então; partir
de uma teoria para uma experiência que possa testá-la) e a solução sistemática de
problemas (busca de respostas para um problema de forma organizada).
“Todos os indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa
seqüência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das
características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais.” (BOCK et.
al., 2002, p. 101).
Portanto, esse processo de desenvolvimento cognitivo ocorre de forma
gradual e a divisão dos estágios em faixas etárias não deve ser considerada uma
norma rígida, mas sim, apenas uma referência. Cada uma dessas etapas são
caracterizadas pelo que de melhor o indivíduo consegue efetuar em sua faixa etária.
Ao avaliar o desempenho de crianças em testes de inteligência, é preciso
considerar as influências que podem afetar a melhor execução de cada uma. Entre
os fatores que podem interferir no desempenho, é possível citar os aspectos
ambientais, como a estrutura familiar, a condição socioeconômica, a origem étnica e
a escolaridade. (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006).
16
De acordo com Newcombe (1999), em alguns estudos realizados com
testes de inteligência e desempenho, as crianças com QIs elevados e altos níveis de
aproveitamento tinham pais afetuosos que evitavam restrições e punições. O afeto
dos pais pode também ampliar a competência social da criança e sua aspiração para
explorar e se arriscar mais. Vários aspectos do ambiente familiar podem contribuir
para as diferenças nesses testes, como as características do ambiente físico e
social.
Ainda segundo a autora, pode-se afirmar que as maiores influências
sobre o desenvolvimento intelectual da criança referem-se a sua constituição, com
seus aspectos genéticos e biológicos e ao ambiente. Dessa forma, há uma complexa
interação entre organismo e ambiente, onde ambos tornam-se extremamente
importantes para a evolução cognitiva da criança.
2.3 Desenvolvimento Afetivo-emocional
Segundo Bock et. al. (2002), esse aspecto do desenvolvimento envolve
os sentimentos da criança, seu modo particular de integrar suas experiências.
O relacionamento da criança com os pais e com outras crianças, bem
como a constituição das ligações afetivas é de profunda significância para o
processo de desenvolvimento infantil. A ligação afetiva pode ser definida como um
vínculo fundamental entre duas pessoas e o comportamento afetivo é o modo pelo
qual esse vínculo é expresso em comportamentos notáveis. (BEE, 1986).
A respeito das duas etapas de ligação afetiva criada pelos pais para com
os filhos, Bee (1986, p. 297), afirma que elas podem ser divididas em: “(1) um forte
vínculo inicial que pode formar-se nas primeiras horas de vida da criança. (2) Um
crescimento da ligação afetiva que resulta da repetição dos comportamentos de
ligação mutuamente reforçados.”
Já a respeito dos comportamentos de ligação afetiva, pode-se verificar
que o bebê responde afetivamente através de sorrisos, aquietamento, choros e olhar
mútuo. Os pais poderão respondê-lo através de ações como pegar no colo, sorrir e
olhar.
17
Segundo Bee (1986), quando as crianças crescem, as ligações afetivas
permanecem, porém os comportamentos se modificam. Elas se tornam mais
independente devido ao surgimento da linguagem e do pensamento, mas podem
regredir em algumas ocasiões de tensão, retornar aos estágios anteriores e, depois
de resolver a situação temida, voltam a sua relação de independência.
A partir de 1 a 2 anos de idade, as crianças tornam-se mais sociáveis e
passam a ampliar seu relacionamento com outras crianças. Aos 3 ou 4 anos, elas já
podem formar vínculos individuais com seus companheiros. Posteriormente, quando
em idade pré-escolar e escolar elas começam a construir ligações afetivas com seus
colegas de forma grupal ou ainda através de amizades individuais. (BEE, 1986).
De acordo com Teles (2001), durante a primeira infância a criança possui
reações emocionais egoístas e suas atitudes prevalentes são a agressividade, a
ansiedade e a ira. Tais atitudes são causadas pela sua impotência perante o mundo,
dependência, proibições e castigos dos adultos. Aos 3 anos, a criança já encontrou
sua auto-identidade e também à existência dos dois sexos, o que pode gerar
grandes repercussões emocionais.
O surgimento do complexo de Édipo (amor pela mãe) nos meninos – ou
Electra (amor pelo pai) nas meninas – inicia-se na segunda infância, juntamente com
o complexo de Caim (ciúme entre irmãos).
Acerca do desenvolvimento afetivo na terceira infância, Teles (2001, p.
84), afirma que:
Na terceira infância, o desenvolvimento social e intelectual eclipsam, um
pouco, os fenômenos afetivos. Os acontecimentos principais, na esfera
emocional, são a reabsorção do Èdipo (resolução de conflito, através da
identificação com o pai), a desmama afetiva e a afeição por outros membros
do grupo social, fora da família.
Assim, nesse período do desenvolvimento o aspecto emocional encontrase menos prevalente, dando lugar a socialização da criança, onde ela adquire
afeição por outras pessoas além do seu círculo familiar.
18
2.4 Desenvolvimento Social
Nesse aspecto, é possível verificar a forma como a criança reage perante
situações que envolvem outras pessoas, sendo que o relacionamento com adultos é
extremamente significante em seu processo de desenvolvimento.
Através das relações sociais as crianças podem começar a descobrir suas
características subjetivas. “No grupo as crianças exercem papéis diferentes e
percebe-se a existência de diversos tipos de liderança”. (TELES, 2001, p. 85).
Segundo Teles (2001), durante os primeiros meses de vida, a criança
reconhece apenas a figura da mãe e suas primeiras reações sociais ocorrem através
de sorrisos e balbucios. Por volta dos seis e sete meses, o bebê começa a
reconhecer conhecidos e estranhos e tenta chamar a atenção dos adultos. Já a
partir dos quatorze meses, surgem as relações com outras crianças.
Durante o período escolar, inicia-se a formação de grupos, com amizades
mais estáveis, intensas e influentes que no período pré-escolar. A partir dos 10 aos
14 anos, originam-se os grupos estruturados e com influências transcendentes.
A partir dos 3 ou 4 anos de idade, a brincadeira com outras crianças que
antes era paralela, torna-se cooperativa. Já a partir da idade escolar, as crianças
começam a construir amizades individuais, sem deixar de brincar em grupos. Nessa
fase, esses agrupamentos geralmente são constituídos por sujeitos do mesmo sexo,
porém, a partir da adolescência, os grupos se tornam heterossexuais. (BEE, 1986).
A respeito das brincadeiras e seu aspecto social, Teles (2001, p. 119),
nos esclarece dizendo que:
Segundo o conteúdo social, podemos falar em brincadeira solitária, quando
a criança brinca sozinha; brincadeira observativa, ela observa apenas;
brincadeira paralela, brinca ao lado de outra criança; brincadeira
associativa, brinca com outra; e brincadeira cooperativa em que uma
criança coopera com outra para alguma realização, para a consecução de
algum objetivo.
Contudo, essas formas de brincadeira variam, principalmente, de acordo
com a idade e com o temperamento da criança. A arte de brincar possui para ela, o
mesmo sentido que o trabalho para o adulto, pois é brincando que a criança se
19
prepara para a vida e para o futuro, aprendendo a competir e vencer suas
dificuldades.
2.5 Aprendizagem
A aprendizagem pode ser definida como: “um comportamento novo que
aparece como conseqüência da experiência”. (TELES, 2001, p. 180)
De acordo com Teles (2001), existem cinco formas básicas pelas quais
ocorre a aprendizagem. A imitação (repetição do comportamento de um outro
indivíduo); o ensaio e erro (diversas tentativas até alcançar o objetivo desejado); o
condicionamento (estímulo – resposta); o insight (mudança de percepção e
descoberta da solução para algum problema) e o raciocínio (levantamento de
hipóteses e deduções).
Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), uma característica marcante
das crianças com faixa etária entre 06 e 12 anos é o fato de estarem em idade
escolar, sendo que este período do desenvolvimento humano é conhecido como a
terceira infância.
A respeito da escolarização, pode-se verificar que o processo escolar é
cumulativo, por isso a base que a criança recebe na primeira série torna-se de
extrema importância. Os pais exercem uma ampla influência no aprendizado dos
filhos, motivando-os a aprender, transmitindo conhecimentos e atitudes relacionadas
ao aprendizado.
No âmbito escolar, existem diversos fatores que podem interferir na
aprendizagem, dificultando-a ou facilitando-a. “Com relação ao aluno, são
importantes: o seu grau de inteligência, o estado emocional, a saúde, a alimentação,
o interesse pelo assunto e sua relação com o professor.” (TELES, 2001, p. 182)
A condição socioeconômica pode ter diversas conseqüências sobre o
desempenho escolar, mas ela não define a atuação das crianças na escola. Acerca
desse aspecto, pode-se citar uma pesquisa realizada por Brody, Stoneman e Flor
(apud PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006, p. 384):
20
Em um estudo com 90 famílias afro-americanas rurais com primogênitos de
9 e 12 anos, os pais com maior nível de instrução tendiam a ter rendas mais
altas e a se envolver mais na escolarização da criança. As famílias de renda
mais alta também tendiam a dar mais apoio e a ser mais harmoniosas.
Crianças que cresciam em uma atmosfera familiar positiva, cujas mães
estavam envolvidas em sua vida escolar, tendiam a desenvolver melhor
auto-regulação e a se sair melhor na escola.
Portanto, um fator extremamente importante para o melhor desempenho
das crianças na escola é a influência positiva dos pais, que devem valorizar a
educação, auxiliando seus filhos a fazer os deveres de casa e assim, superar os
obstáculos que surgirem pelo caminho.
21
3 FATORES SOCIAIS E FAMILIARES
3.1 Fatores Sociais
De acordo com Barrigüete (2007, p. 174), as relações que a criança
constitui com seu meio dependem de suas características individuais e dos seus
agentes sociais, que ela divide em três segmentos, a família, a escola e a sociedade.
“As influências transmitidas pela família, pela escola e pela sociedade são básicas
para que o sujeito alcance uma estabilidade comportamental e um nível de
maturidade adequado que o torna um ser autônomo e responsável.”
Uma relação familiar estável e equilibrada pode definir o clima afetivo que
irá determinar o processo de socialização infantil, de forma a estimular a adaptação
da criança à sua fase escolar. Esses vínculos familiares adequados podem auxiliar
ainda no desenvolvimento da motivação interior da criança, para que ela seja
sempre encorajada a enfrentar novos desafios e conquistas. (BARRIGÜETE, 2007)
Em estudo realizado por Harland et al. (apud HALPERN & FIGUEIRAS
2004), foi enfatizada a relação entre os aspectos familiares e o risco de problemas
emocionais e de comportamento nas crianças em situação de vulnerabilidade e
risco. Segundo ele, o desemprego na família e a separação dos pais são alguns dos
fatores importantes tratando-se do aumento da probabilidade de aparecimento de
problemas de saúde mental na infância.
Sobre a escola como agente social na vida da criança, Barrigüete (2007,
p. 175), afirma que:
A escola não interfere apenas na transmissão do saber científico,
culturalmente organizado, mas influi na socialização e individualização da
criança desenvolvendo as relações afetivas, a habilidade para participar nas
situações sociais (brincadeiras, trabalho em grupo, etc.), as destrezas de
comunicação, o papel sexual, as condutas pré-sociais e a própria identidade
pessoal (autoconceito, auto-estima, autonomia).
Desta forma, quando a criança sente-se “aceita” no ambiente escolar, ela
pode reafirmar sua auto-estima através dos conceitos que as pessoas terão dela. A
fase escolar pode ainda, contribuir para o desenvolvimento intelectual da criança,
22
pois nesse período ela recebe avaliações dos professores, colega e pais que podem
influenciar em seu autoconceito e na forma que ela compreende seu próprio
processo de aprendizagem. (BARRIGÜETE, 2007)
Para Barrigüete (2007), a criança é um ser social desde o seu nascimento
e a relação que ela forma com seu meio não é passiva, pois ela irá transmitir o seu
modo de pensar e agir ao seu grupo social. Porém, o grupo também pode exercer
influência em algumas atitudes da criança, como responsabilidade e solidariedade.
Sobre a atuação da sociedade na constituição da criança, Barrigüete
(2007, p. 177) nos esclarece dizendo que: “A forma como esses agentes atuam
depende de fatores contextuais, como a classe social, o país, a região geográfica
onde a criança nasce e vive, e de fatores pessoais, como o sexo, as aptidões físicas,
psicológicas, etc.”
Considerando-se que o meio social pode ser modificado pelo homem para
satisfazer as suas necessidades, ele pode criar formas de amenizar as “pressões do
ambiente”, tais como aglomerações, fome e pobreza. Essas pressões podem possuir
efeitos diversos nos indivíduos, pois alguns desenvolvem comportamentos
adaptativos para conter esse meio aparentemente inóspito enquanto outros
desenvolvem comportamentos de rejeição ao meio e não se adaptam ao mesmo.
(BARRIGÜETE, 2007)
Acerca da relação entre os fatores sócio-ambientais e os aspectos
emocionais das crianças, Halpern & Figueiras (2004), afirmam que os resultados
negativos no desenvolvimento das crianças são produzidos pela junção de fatores
de risco genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais. Porém, os aspectos que
possuem maior ligação com a saúde mental da criança estão relacionados ao
ambiente social e psicológico, que podem influenciar mais do que as características
intrínsecas do indivíduo.
Segundo a Secretaria Nacional de Assistência Social (2005), pode-se
entender por proteção social, as formas que as sociedades encontram de proteger
os seus membros. A assistência social é um direito do cidadão e uma obrigação do
Estado, pois ela possui como um de seus objetivos à garantia de atendimento as
necessidades básicas dos sujeitos.
Esse tipo de proteção social deve assegurar a segurança de
sobrevivência
(rendimentos
e
autonomia),
acolhida
e
convívio
familiar.
Primeiramente, a segurança de rendimentos indica que todos os sujeitos tenham
23
condições financeiras para garantir a sua sobrevivência e sua autonomia. Já a
segurança de acolhida refere-se ao suprimento de necessidades básicas, como
alimentação, vestuário e abrigo. E por fim, a segurança de vivência familiar
menciona as relações sociais como fundamentais para o desenvolvimento da
identidade
e
da
subjetividade
do
sujeito.
(SECRETARIA
NACIONAL
DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005)
Sobre a segurança de acolhida, há ainda, determinadas situações
especiais onde é preciso desconstituir a família por diversas razões, como violência
familiar, uso de substâncias psicoativas, alcoolismo, desemprego e criminalidades,
além de acidentes naturais ou desastres.
3.1.1 Vulnerabilidade e Risco social
De acordo com a Secretaria Nacional de Assistência Social (2005), a
situação de vulnerabilidade social refere-se a sujeitos com vínculos familiares e
comunitários fragilizados, porém ainda não rompidos. Possuem condições de
privação relacionadas a ausência de renda ou de acesso aos serviços públicos e a
fortes condições de pobreza.
Já a situação de risco social, refere-se aos sujeitos que tiveram seus
direitos violados e/ou ameaçados, cujos vínculos familiares encontram-se rompidos
e sua convivência com a família de origem pode ser prejudicial ao seu
desenvolvimento. (SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005)
Sobre um conceito de vulnerabilidade social, ABRAMOVAY et. al. (2002,
p. 34), nos esclarece dizendo que:
(...) o conceito de vulnerabilidade ao tratar da insegurança, incerteza e
exposição a riscos provocados por eventos socioeconômicos ou ao nãoacesso a insumos estratégicos apresenta uma visão integral sobre as
condições de vida dos pobres, ao mesmo tempo que considera a
disponibilidade de recursos e estratégias para que estes indivíduos
enfrentem as dificuldades que lhes afetam.
24
Portanto, é preciso analisar a condição de vulnerabilidade social de forma
ampla, além dos seus fatores socioeconômicos, pois os sujeitos que vivem sob essa
condição encontram-se inseguros e expostos a diversos problemas e riscos.
Segundo Alves et. al. (apud PETERSEN & KOLLER, 2006), crianças e
adolescentes em situação de risco social podem ser definidos como sujeitos que
podem apresentar defasagem em seu desenvolvimento devido ao fato de estarem
expostos a condições de adversidade econômica e/ou afetiva.
Acerca da vulnerabilidade social em uma abordagem analítica, Vignoli;
Filgueira (apud ABRAMOVAY et. al., 2002, p. 29) afirmam que:
(...) tem situado a vulnerabilidade social como o resultado negativo da
relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos
atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de
oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêem do Estado, do
mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou
desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores.
Desta forma, o fato de não ter um perfeito acesso a determinados direitos,
diminui consequentemente as oportunidades de os indivíduos adquirirem e
aperfeiçoarem seus recursos para ascenderem socialmente.
Segundo um estudo realizado por ABRAMOVAY et. al. (2002), as ações
de violência possuem forte ligação com a situação de vulnerabilidade social. Essa
condição refere-se à dificuldade de acesso aos campos de saúde, educação,
trabalho,
lazer
e
cultura.
A
vulnerabilidade
social
aliada
as
incertezas
socioeconômicas pode ampliar os números de violência e criminalidade.
Para Gomes & Pereira (2005), no Brasil os termos inclusão e exclusão
social estão relacionados à situação de pobreza, pois os sujeitos nessa condição
econômica encontram-se em vulnerabilidade e risco social, já que não possuem o
devido acesso as políticas sociais básicas, como saúde, educação, habitação e
alimentação.
A
respeito
dos
fatores
sociais
de
risco
para
indivíduos
em
desenvolvimento, Petersen & Koller (2006), afirmam que no Brasil, a privação
econômica tem sido considerada uma das principais fontes de fatores de risco
social. Em pesquisa realizada por Amparo et. al. (2008) o principal fator de risco para
os sujeitos entrevistados foi a baixa condição econômica, rupturas na família,
uso/tráfico de drogas e em alguns casos vivências de violência.
25
Segundo Amparo et. al. (2008,), ao falar de fatores de risco, é preciso
levar em consideração os fatores de proteção para o indivíduo, como os citados a
seguir:
(1) Fatores individuais, tais como auto-estima positiva, autocontrole,
autonomia, características de temperamento afetuoso e flexível; (2) fatores
familiares, como coesão, estabilidade, respeito mútuo, apoio/suporte; e, (3)
fatores relacionados ao apoio do meio ambiente, como um bom
relacionamento com amigos, professores ou pessoas significativas que
assumam papel de referencia segura à criança e a faça sentir querida e
amada. (BRANDEN, apud AMPARO et. al., 2008, p.168)
Esses fatores de proteção podem auxiliar no processo de resiliência, onde
os sujeitos conseguem superar as adversidades, sem submeter-se às mesmas.
(AMPARO et. al., 2008)
Segundo uma análise ecológica efetuada por McLoyd (apud PAPALIA,
OLDS
&
FELDMAN,
2006)
sobre
os
efeitos
da
pobreza,
esse
estado
socioeconômico pode levar a um sofrimento psicológico no adulto, acarretando em
efeitos negativos na criação dos filhos e, consequentemente, em problemas
emocionais e de comportamento nas crianças, pois os pais vivem constantemente
preocupados, ansiosos e podem se tornar menos afetuosos com os filhos.
3.1.2 Projetos Sócio-educativos
Considerando-se que o ambiente pode interferir imensamente no
desenvolvimento de diversas habilidades das crianças, é preciso desenvolver
programas para intervenção precoce, visando à melhoria dessas habilidades. A
participação das crianças em projetos educacionais precoces pode gerar benefícios
duradouros tanto no ambiente familiar como nas próprias crianças desprivilegiadas
economicamente. Os pais ou responsáveis das crianças que participam desses
programas parecem aprender novas formas de compartilhar aptidões e de encorajar
seus filhos. (KLAUS & GRAY; SEITX & APFEL; apud, NEWCOMBE, 1999).
De acordo com a Secretaria Nacional de Assistência Social (2005, p. 34),
os projetos de intervenção psicossocial devem atender as seguintes características:
26
Os serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica
deverão se articular com as demais políticas públicas locais, de forma a
garantir a sustentabilidade das ações desenvolvidas e o protagonismo das
famílias e indivíduos atendidos, de forma a superar as condições de
vulnerabilidade e a prevenir as situações que indicam risco potencial.
Deverão, ainda, se articular aos serviços de proteção especial, garantindo a
efetivação dos encaminhamentos necessários.
Portanto, as famílias atendidas pelos projetos devem ser consideradas
protagonistas nesse processo e poderão ser atendidos os grupos familiares que se
encontram em situação de vulnerabilidade, para que consigam aprimorar suas
condições de vida ou ainda prevenir futuras dificuldades.
Neste trabalho de proteção básica, a família deve ser compreendida em
seus diversos padrões atuais (não apenas a família nuclear) e deve-se levar em
consideração os papéis essenciais das famílias, como proteger e socializar seus
membros, construir referências morais, de identidade grupal e fortalecer vínculos
afetivos e sociais. (SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005)
Segundo Petersen & Koller (2006), deve-se valorizar os projetos de
intervenção psicossocial, juntamente com os programas de avaliação de resultados.
Através dessas avaliações, pode ser possível verificar se os sujeitos que participam
de projetos preventivos, teriam ativos seus esquemas de proteção aos riscos,
minimizando futuros efeitos negativos.
Um estudo realizado por Klaus & Gray; Seitx & Apfel, (apud,
NEWCOMBE, 1999, p. 298), nos remete a um exemplo acerca desse contexto:
(...) no estudo de acompanhamento de Lazar e Darlington (1982), as mães
de crianças que tinham participado em programas de intervenção precoce
tinham aspirações mais elevadas para seus filhos e eram mais positivas
sobre o desempenho escolar da criança do que as mães no grupo-controle.
Programas que ensinam as mães a dar estímulo cognitivo a seus filhos
também têm efeitos sobre os irmãos mais novos das crianças,
presumivelmente porque as mães usam as habilidades que aprenderam nos
programas.
Portanto, a intervenção deve ser realizada de forma precoce, com as
crianças e seus pais a partir da primeira infância. Estudos mostram que a
participação das crianças em situação de vulnerabilidade e risco em um projeto
sócio-educativo, pode aprimorar o desenvolvimento intelectual das mesmas.
(NEWCOMBE, 1999)
27
Segundo Monteiro (2002), é de extrema importância analisar os
fenômenos sociais e o comportamento dos sujeitos, pois as atividades cotidianas
repercutem no desenvolvimento dos comportamentos individuais e coletivos.
Em seu espaço de convivência diária, através das relações grupais os
sujeitos expressam sua subjetividade, constroem sua identidade e podem identificarse ou diferenciar-se dos outros sujeitos. (LANE apud CAMPOS, 1996)
Para Sawaia (2006), a psicologia comunitária deve atuar nos locais que o
indivíduo freqüenta e convive com seus semelhantes diariamente. A intervenção do
psicólogo nessas localidades pode ajudar o sujeito a prevenir e superar o sofrimento
psicossocial, fazendo com que ele reflita sobre seus atributos e potencialize seus
sentimentos e desejos em ações.
3.2 Fatores Familiares
Nas últimas décadas, a forma de estrutura familiar e os papéis entre os
membros sofreram grandes variações. O momento histórico e a sociedade em que a
família convive podem exercer grande influência em sua composição familiar, assim
como diversos outros fatores ambientais, sociais, econômicos, culturais, políticos,
religiosos e históricos. (PRATTA & SANTOS, 2007).
Consequentemente, a família pode ser definida como um grupo social que
se encontra em constante interação com o contexto social no qual está inserida. Os
grupos familiares são considerados organizações complexas e de forte influência
perante os seus membros.
Até meados dos anos 60, o modelo de família que predominava era a
“hierárquica” ou “tradicional”, onde o homem era o provedor financeiro da família,
exercendo autoridade e poder sobre a mulher e os filhos. À mulher, cabia o trabalho
doméstico e o cuidado com o marido e os filhos. Após a segunda metade do século
XX, a família começou a passar por imensas alterações. Começaram a surgir as
famílias “igualitárias”, onde homens e mulheres estão atuando de forma parecida no
mercado de trabalho, dividindo as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos.
Como conseqüência dessas transformações, atualmente, é possível verificar na
realidade brasileira o aumento dos grupos familiares chefiados por mulheres
28
(monoparentais) e de famílias reconstituídas (originadas a partir de novas uniões de
um ou dos dois cônjuges que se separaram. (PRATTA & SANTOS, 2007).
A estrutura das famílias passa por transformações ao longo da história da
humanidade, pois as condições históricas e as variações sociais definem o modo
como o grupo familiar deve se constituir para exercer seu papel social.
A
respeito
da função social conferida as organizações familiares, Bock et. al. (2002, p. 249),
afirma que:
A função social atribuída à família é transmitir os valores que constituem a
cultura, as idéias dominantes em determinado momento histórico, isto é,
educar as novas gerações segundo padrões dominantes e hegemônicos de
valores e de condutas. Neste sentido, revela-se o caráter conservador e de
manutenção social que lhe é atribuído: sua função social.
Desta forma, pode-se afirmar que a família possui uma função essencial
perante a sociedade em geral, já que ela é considerada uma grande transmissora de
valores ideológicos. No grupo familiar, acontecem as primeiras experiências das
crianças que se transformam em amplos aprendizados sobre os hábitos e tradições
de sua cultura.
Seguindo o ponto de vista da abordagem sistêmica, a família é vista como
um sistema ativo em constante evolução que se move através de ciclos. Os
membros desse sistema possuem uma história em comum e convivem
compartilhando regras e comportamentos. (CARRANZA & PEDRÃO, apud PRATTA
& SANTOS, 2007)
Adotando esse parâmetro, é possível analisar a instituição familiar como
“um todo complexo e integrado, dentro do qual os membros são interdependentes e
exercem influências recíprocas uns nos outros.” (SUDBRACK, apud PRATTA &
SANTOS, 2007, p. 08)
Na ausência de um grupo familiar biológico que o receba, a criança
precisa de uma “família substituta” ou de um abrigo em instituições que
desempenhem os papéis de cuidado e de transmissão de valores. (BOCK et. al.,
2002)
Para Osório (apud PRATTA & SANTOS, 2007), a instituição familiar
exerce plena influência no desenvolvimento psicossocial dos sujeitos e possui três
funções básicas que se encontram interligadas: função biológica (garantir a
29
sobrevivência dos seus membros, através de cuidados indispensáveis as crianças);
função psicológica (proporcionar afeto ao recém-nascido, servir de base para auxiliar
durante as ansiedades existenciais e as crises vitais dos sujeitos – como a
adolescência – e auxiliar em seu processo de aprendizagem empírica) e a função
social (auxiliar na transmissão da cultura e dos valores humanos).
Conforme Drummond & Drummond Filho (apud PRATTA & SANTOS,
2007, p. 03), a família exerce influência na constituição dos sujeitos: [...] “sendo
importante na determinação e na organização da personalidade, além de influenciar
significativamente no comportamento individual através das ações e medidas
educativas tomadas no âmbito familiar.”
A família e os seres adultos possuem certo domínio sobre a conduta da
criança, já que ela depende deles para sua sobrevivência. Sobre tal aspecto, Bock
et. al. (2002, p. 251), argumenta que:
As crianças encontram nos pais os modelos de como os adultos
comportam-se – como atendem ao telefone e às visitas; como se portam à
mesa, resolvem conflitos e lidam com a dor; o que pensam sobre os
acontecimentos do mundo, etc. os pais são os primeiros modelos de como é
ser homem e ser mulher: padrões de conduta que, em nossa cultura, são
marcadamente diferentes.
Ao tentar compreender a criança na família, é necessário analisar o seu
ambiente familiar, ou seja, sua atmosfera e estrutura. Segundo a teoria de
Bronfenbrenner citada por Papalia, Olds e Feldman (2006, p. 404):
[...] “níveis adicionais de influência – incluindo o emprego e a situação
socioeconômica dos pais e tendências sociais, como urbanização,
alterações no tamanho da família, divórcio e novo casamento – ajudam a
formar o ambiente familiar e, consequentemente, o desenvolvimento das
crianças”.
De acordo com Einsenberg (apud PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006),
as formas como os pais e as crianças resolvem conflitos podem ser mais
importantes do que os resultados em si. É através do conflito familiar que a criança
aprende sobre regras e padrões de comportamento e ainda sobre questões as quais
vale a pena debater e quais estratégias são mais eficazes.
30
4 ASPECTOS EMOCIONAIS NA INFÂNCIA
4.1 Afetividade
De acordo com Bock et. al. (2002), a afetividade é parte integrante da
subjetividade de cada indivíduo. Para compreender o ser humano em sua totalidade
é preciso avaliar os aspectos que o constituem, ou seja, a sua vida afetiva, cognitiva
e racional. Desta forma, não é possível analisar as expressões sem considerar os
afetos que as acompanham.
Acerca da origem dos afetos, Bock et. al. (2002, p. 192), afirma que:
Os afetos podem ser produzidos fora do indivíduo, isto é, a partir de um
estímulo externo – do meio físico ou social - ao qual se atribui um
significado com tonalidade afetiva: agradável ou desagradável, por exemplo.
A origem dos afetos pode também nascer, surgir do interior do indivíduo.
Ainda sobre os afetos originários, a autora salienta duas matrizes
psíquicas, o prazer e a dor. Entre eles existem várias intensidades de afetos, às
vezes indefinidos e difíceis até mesmo de discriminar.
Os afetos podem ser expressos de diversas maneiras, dependendo do
comportamento de cada sujeito. O amor e o ódio são dois afetos que compõem a
vida afetiva e encontram-se presentes na psique juntamente com os pensamentos,
fantasias e sonhos. (BOCK et. al., 2002)
Os afetos podem funcionar como critérios de valor positivo ou negativo
para as situações da vida, ou seja, através deles é possível analisar as
circunstâncias que ocorrem no cotidiano e consequentemente planejar as reações a
cada acontecimento.
Para Bock et. al. (2002, p. 193), além desta função adaptativa, citada
anteriormente, os afetos ainda possuem outra função: [...] “eles estão ligados à
consciência, o que nos permite dizer ao outro o que sentimos, expressando, através
da linguagem, nossas emoções.” Porém, existem razões dos afetos que vão além do
campo da consciência, onde os mesmos parecem algumas vezes inadequados e
“fora do lugar”.
31
Segundo Bock (2002), ao pesquisar a afetividade humana, é preciso
inicialmente fazer uma distinção entre os seguintes termos: emoção, vista como uma
condição aguda e temporária; e sentimento, como uma condição mais serena e
durável.
As emoções ocorrem em resposta a um evento imprevisto ou muito
esperado, possuem reações agudas momentâneas e são acompanhadas de
alterações somáticas. [...] “são expressões afetivas acompanhadas de reações
intensas e breves do organismo.” (BOCK et. al., 2002, p. 194)
Durante uma reação emocional, é comum o sujeito apresentar uma
diversidade de reações orgânicas, consequência da relação entre os afetos e a
organização corporal. Essas expressões orgânicas que acompanham as emoções
podem ocorrer de diferentes formas, como sudorese, tremores, risos, choros,
lágrimas, distúrbios gastrointestinais e cardiorrespiratórios, entre outros.
Bock et. al. (2002, p. 196), define as reações emocionais orgânicas como:
[...] “importantes descargas de tensão do organismo emocionado, pois as emoções
são momentos de tensão em um organismo, e as reações orgânicas são descargas
emocionais.”
Ainda sobre essas reações orgânicas as emoções, Bock et. al. (2002, p.
196), salienta que:
[...] as reações emocionais orgânicas são, até certo ponto, aprendidas, ou
seja, nosso organismo pode responder de diversas maneiras a uma
situação, mas a cultura “escolhe” algumas formas como sendo mais
adequadas a determinadas situações ou tipos de pessoas (por exemplo, de
acordo com a idade, o sexo ou a posição social). Durante nossa
socialização, aprendemos essas formas de expressão das emoções aceitas
pelo grupo a que pertencemos.
Portanto, pode-se perceber a forte influência do fator cultural sobre as
expressões das emoções. Ao mesmo tempo em que ela pode estimular algumas
emoções, ela pode reprimir outras. Mas não é possível exercer controle sobre essas
reações emocionais, pois apesar de em determinados momentos o indivíduo
conseguir disfarçar suas emoções, ele está sendo bombardeado internamente por
essas reações.
As emoções podem ser consideradas um tipo de linguagem utilizada pelo
ser humano para expressar suas percepções interiores. Elas ocorrem geralmente
32
devido a fatores externos e não são imutáveis, pois algo que emociona um indivíduo
hoje poderá não emocioná-lo mais amanhã. (BOCK et. al., 2002)
Os sentimentos diferem das emoções por serem mais duradouros e por
não ter como consequência as reações orgânicas intensas. São estados afetivos
estáveis e menos intensos.
Eles podem ser classificados em diversas categorias, como tristeza,
alegria, agressividade, atração pelo outro, associado ao perigo e sentimento
narcísico.
Esses dois componentes da afetividade são de extrema importância para
a constituição do ser humano, servem de “alimento” ao psiquismo e estão inseridos
em todas as manifestações da vida. (BOCK et. al., 2002)
4.2 Auto-estima
A auto-estima refere-se a forma como um sujeito se sente em relação a si
mesmo, a avaliação que ele faz de si e o quanto ele gosta de si próprio. “É um
sentimento calmo de auto-respeito, um sentimento do próprio valor. Quando a
sentimos interiormente ficamos satisfeitos em sermos nós mesmos.” (BRIGGS,
2002, p. 05)
Pode-se compreender auto-estima como um sentimento de aprovação ou
repulsa de si mesmo, é o juízo pessoal que expressa valor ou não, através das
atitudes que o sujeito tem consigo mesmo.
Para esclarecer melhor o que é a auto-estima e como ela é formada,
Branden (2003, p. 9), argumenta que:
Ela tem dois componentes: o sentimento de competência pessoal e o
sentimento de valor pessoal. Em outras palavras, a auto-estima é a soma da
autoconfiança com o auto-respeito. Ela reflete o julgamento implícito da
nossa capacidade de lidar com os desafios da vida (entender e dominar os
problemas) e o direito de ser feliz (respeitar e defender os próprios
interesses e necessidades.
Portanto, o modo como um sujeito se sente a respeito de si mesmo é algo
que afeta todos os aspectos de sua vida, desde a sua forma de atuar no trabalho, no
33
amor e no sexo até a maneira de atuar como pai. A auto-estima pode ser a chave
para o sucesso ou para o fracasso, pois as reações do indivíduo aos fatos diários
são determinadas pelo que ele pensa que é.
Segundo Newcombe (1999, p. 309), é preciso diferenciar os termos
autoconceito e auto-estima, que se encontram interligados: “A auto-estima se
diferencia do autoconceito porque envolve avaliação. O autoconceito pode ser um
conjunto de idéias sobre si próprio que é descritivo, mas não implica julgamento.”
Consequentemente, depois de formados os autoconceitos, o sujeito avalia-se e dá a
si mesmo valores positivos ou negativos.
Para medir o autoconceito pode-se fazer descrições de suas próprias
características ou definições dos fatores que tornam o indivíduo diferente dos outros.
Segundo relatos de pesquisas recentes, crianças em idade pré-escolar já começam
a desenvolver traços de um autoconceito, porém têm dificuldades para divulgá-los
em suas falas espontâneas. (NEWCOMBE, 1999)
Sobre
a
avaliação
da
auto-estima
em
crianças,
Harter
(apud
NEWCOMBE, 1999, p. 310) nos esclarece dizendo que:
Quando crianças com menos de 7 anos são questionadas sobre quanto
elas gostam de si próprias ou como avaliam suas capacidades, elas quase
sempre respondem que estão satisfeitas e felizes consigo mesmas,
acompanhando seus comentários com um olhar que reflete um pouco de
incompreensão. Aos 9 e 10 anos, as crianças fazem auto-avaliações
negativas mais vezes e provavelmente têm um senso mais claramente
formulado de seu valor e competência em diferentes áreas.
Portanto, medir a auto-estima de crianças com menos de sete anos é
extremamente complicado devido a diversos fatores, incluindo a incompreensão das
mesmas sobre a questão. E até em crianças um pouco maiores, essa avaliação
torna-se imprecisa.
Nas crianças em idade escolar, geralmente seu autoconceito está
relacionado aos traços físicos e as atividades concretas. A partir da adolescência
eles começam a atribuir o autoconceito a fatores mais abstratos, com crenças e
atitudes. (BEE, 1986)
As auto-avaliações das crianças são distintas em campos diferentes. Por
isso, é preciso ajudá-las ressaltando as áreas nas quais elas são competentes,
desenvolvendo autoconfiança nestas áreas. Porém, essas avaliações positivas em
uma área não serão transferidas diretamente para outras. (NEWCOMBE, 1999)
34
Segundo
Bee
(1986),
quanto
mais
a
criança
evolui
em
seu
desenvolvimento cognitivo, mais ela vai criando conceitos mais complexos e
consequentemente, seus autoconceitos também devem tornar-se mais complexos.
Nesse autoconceito há uma característica afetiva que se refere ao valor que a
criança dá aos seus atributos, ou seja, após formar seus autoconceitos, ela organiza
sua auto-estima. “Uma criança com “auto-estima alta” coloca um valor positivo nas
características que pensa possuir; uma criança com “auto-estima baixa” dá um valor
neutro ou negativo às suas características”. (BEE, 1986, p. 301)
De acordo com Briggs (2002, p. 05), [...] “a auto-estima é a mola que
impulsiona a criança para o êxito ou fracasso como ser humano”. Esse sentimento
da criança se é ou não amada pode afetar a forma como ela irá se desenvolver.
Entre os conceitos de ser amado e sentir-se amado há uma grande
diferença, pois muitas vezes os pais acham que o fato de amar seus filhos e achar
que são valorizados irá garantir a auto-estima deles elevada. Entretanto, é preciso
saber transmitir essa afeição às crianças, para que elas percebam o carinho dos
pais e entendam como algo positivo para sua auto-estima. (BRIGGS, 2002)
Conforme afirma Harter (apud PAPALIA, 2006), um grande fator
determinante para auto-estima ou valor pessoal das crianças é o apoio social
primeiramente dos pais e dos colegas, depois dos amigos e dos professores. Para
alcançar uma auto-estima elevada, a criança precisa sentir-se valorizada pelas
pessoas importantes de sua vida.
Acerca da influência das pessoas próximas a criança em sua auto-estima,
Briggs (2002, p. 18) alega que:
[...] Qualquer pessoa que passe longos períodos com eles afeta a sua autoimagem. Pouco importa se essa pessoa é parente, vizinho, babá ou
empregada. Os professores contribuem muito para a imagem que a criança
faz de si mesma, já que há um contato constante e também por exercerem
acentuado poder sobre ela. Irmãos e irmãs são outros espelhos. Embora a
criança não dependa deles para as suas necessidades físicas e emocionais,
eles oferecem estímulo social, competição e são parte íntima da sua vida
cotidiana. Reagem continuamente a ela enquanto pessoa.
Portanto, mesmo que a criança não dependa diretamente dessas
pessoas, tudo o que as pessoas que a cercam fizerem ou falarem poderá servir
como estímulo positivo ou negativo para sua auto-estima.
35
As crianças que são socialmente retraídas ou isoladas podem preocuparse demais com seu desempenho em eventos sociais. Elas podem atribuir a rejeição
a suas próprias falhas de personalidade e ao invés de tentar novas maneiras de
obter aprovação podem repetir estratégias malsucedidas ou simplesmente desistir.
De acordo com Bee (1986), as crianças com pais afetivos e carinhosos
que impõem limites e regras, de forma explicativa, teriam mais chances de
apresentar uma auto-estima elevada. Já as crianças que não recebem estímulos e
ainda têm suas fragilidades ressaltadas pelas pessoas significativas em sua vida,
tendem a incorporar essas características negativas em sua percepção individual.
Em cada fase da infância, a criança terá relacionamentos e atividades que
ela irá considerar importantes e sua auto-estima dependerá muito de seu sucesso ou
fracasso nessas áreas. Portanto, a auto-imagem da criança não é algo estável, ela
pode ser alterada de acordo com cada período de seu desenvolvimento. (BEE,
1986)
Alguns estudos mostram que as crianças com auto-estima alta tendem a
se sair melhor na escola e aquelas com baixa auto-estima tendem a ter mais
fracasso nas atividades escolares. Isso pode ocorrer devido ao fato de que as
crianças com auto-estima alta encaram as atividades da escola como mais um
desafio e sentem-se mais motivadas para enfrentá-lo e obter sucesso, o que reforça
sua auto-imagem positiva. Já as crianças com auto-estima baixa, poderão encarar
as atividades como coisas difíceis, achando que não irão conseguir fazer, sem ao
menos esforçar-se para resolvê-los, gerando assim mais um reforço a auto-imagem
negativa da criança. (BEE, 1986)
Sobre o valor da auto-estima no cotidiano do sujeito, Branden (2003, p.
14), afirma que:
A importância da auto-estima saudável está no fato de que ela é o
fundamento da nossa capacidade de reagir ativa e positivamente às
oportunidades da vida – no trabalho, no amor e no lazer. A auto-estima
saudável é também o fundamento da serenidade de espírito que torna
possível desfrutar a vida.
Deste modo, uma grande característica do sujeito com uma autoestima saudável refere-se ao fato de que ele está em paz consigo mesmo e com os
outros. A auto-estima somente pode ser encontrada dentro do próprio indivíduo e
ninguém pode motivar essa experiência a não ser ele mesmo.
36
As crenças que a criança desenvolve a partir de seus autoconceitos
podem influenciar em diversos campos de sua vida. [...] “o autoconceito da criança
parece ser uma variável mediadora altamente significativa. Suas crenças a respeito
de si mesma e sobre suas capacidades colorem quase todas as suas ações e
interações.” (BEE, 1986, p. 312)
A auto-estima seja qual for o nível, é uma experiência íntima, ou seja, ela
é construída individualmente e diz respeito ao que o indivíduo pensa sobre si mesmo
e não o que os outros pensam sobre ele. Uma pessoa pode ser admirada por todas
as outras ao seu redor, preenchendo todas as expectativas dos outros, porém
falhando em relação às suas expectativas pessoais.
4.3 Distúrbios emocionais
Os transtornos mentais estão associados à capacidade de lidar com a
demanda do mundo externo, à sua competência social. A relação da criança com
seus colegas na escola e o seu desempenho acadêmico são as demonstrações
mais relevantes da competência social de uma criança. Uma criança considerada
pouco competente socialmente convive com sérias dificuldades para interagir com
os
outros e
com seu
ambiente, possibilitando diversos
danos em
seu
desenvolvimento. As condições socioeconômicas mais incertas, a depressão
materna e a ocorrência de maus-tratos têm sido fatores aliados à menor
competência social e problemas de saúde mental nas crianças. (ASSIS, AVANCI &
OLIVEIRA, 2009)
Com relação aos transtornos emocionais na infância, pesquisas
demonstram que as relações insatisfatórias com os pais e irmãos são aspectos
comuns nessas crianças. Quando um dos pais também tem um transtorno afetivo,
essas desordens sociais na criança são ainda mais freqüentes. (GARFINKEL,
CARLSON & WELLER, 1992).
Segundo o estudo de Ferrioli, Marturano e Puntel (2007), os problemas
emocionais mais freqüentes na infância incluem transtornos de conduta, de atenção
e hiperatividade e afetivos. Acerca dos fatores de risco para esses transtornos, as
autoras afirmam que a disfunção conjugal, ruptura da família, história psiquiátrica
37
dos pais e estresse familiar, são os principais fatores para os transtornos de déficit
de atenção e hiperatividade. Para o transtorno de conduta, o principal fator seria o
baixo nível socioeconômico da família. Da mesma forma, os fatores de risco para os
transtornos emocionais seriam os acúmulos de acontecimentos atribulados na vida,
a exposição a ambientes incontroláveis e ter um genitor com o referido transtorno.
Acerca da origem dos distúrbios na criança, James Anthony (apud BEE,
1986, p. 368), afirma que: “Um problema de comportamento surge em qualquer
criança quando há algum acúmulo de risco ou tensão acima da capacidade que a
criança possui de suportá-los.”
Segundo os estudos realizados, em famílias que ocorriam mais de uma
situação de tensão ao mesmo tempo, a probabilidade de haver transtornos no
comportamento da criança aumentava. Porém, a presença dos sintomas pode
sugerir apenas um excesso de conflitos, já que quando o nível de tensão baixa, o
sintoma frequentemente desaparece. (JAMES ANTHONY apud BEE, 1986, p. 368)
De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), os distúrbios emocionais
mais comuns na infância podem ser classificados em três tipos: transtornos de
ansiedade (fobia escolar, transtorno de ansiedade de separação e fobia social),
depressão infantil e transtornos de comportamento destrutivo (inclui transtorno de
conduta e transtorno desafiador opositivo).
4.3.1 Transtornos de ansiedade
Segundo Ferreira (1997), a ansiedade quando ocorre de forma exagerada
pode ser distinguida como algo extenso, flutuante e sem origem conhecida. Ela é,
ainda, uma forma de reagir ao medo ou preocupação.
Acerca dos distúrbios de ansiedade em crianças, pesquisas mostram que
crianças com pais ansiosos possuem maior probabilidade de desenvolver o
transtorno. As crianças muito ansiosas se preocupam excessivamente com
possibilidades que não são reais. Elas podem ainda ter queixas físicas, parecer
tensas e com muitos problemas para relaxar. (NEWCOMBE, 1999)
Sobre os sintomas da ansiedade e as futuras dificuldades que ela pode
causar, Ferreira (1997) alega que:
38
Apresenta-se acompanhada por inquietação, falta de atenção,
hiperatividade, compulsões e vergonha. Pode, portanto, afetar múltiplas
áreas do funcionamento afetivo, social e cognitivo. As complicações da
ansiedade estão relacionadas ao envolvimento com exames e
procedimentos médicos, elaborados e desnecessários, devido às queixas
somáticas. Recusa escolar, dificuldades acadêmicas e evitação social,
incapacidade de formar vínculos sociais fora da família e sentimento de
isolamento também impedem um bom desenvolvimento.
Portanto, pode-se concluir que esse transtorno, dependendo da
intensidade dos seus sintomas, pode comprometer a criança em diversas áreas do
seu desenvolvimento, ocasionando graves conseqüências.
O transtorno de ansiedade na infância pode se manifestar através da
fobia escolar, onde a criança possui um medo de ir a escola. Essa fobia pode ser
uma forma de transtorno de ansiedade de separação (ansiedade excessiva
associada ao afastamento de casa ou com as pessoas as quais a criança é
apegada) ou de fobia social (medo extremo de situações sociais ou evitação das
mesmas). (PAPALIA, 2006)
Para Ferreira (1997, p. 140), o distúrbio mais comum em crianças na fase
pré-escolar e escolar é a ansiedade de separação. “Envolve excessiva ansiedade
relacionada à separação das pessoas às quais a criança está ligada”. Geralmente,
elas se preocupam muito com possíveis males e desastres que podem ocorrer com
esses sujeitos, apresentando medo de ir à escola e de dormir fora de casa,
pesadelos recorrentes contendo ocorrências de separação.
Ao deparar-se com essas temidas circunstâncias de separação, a criança
pode reagir de diversas maneiras: fazendo súplicas, birras, desesperando-se e
reclamando de dores de cabeça, náuseas e vômitos. (FERREIRA, 1997, p. 140)
A criança pode ter pensamentos envolvendo tragédias e calamidades
com a pessoa querida, imaginando que ela nunca mais irá voltar. Para não ter que
encarar a separação, a criança pode querer não ir à escola e se recusar a dormir
fora de casa.
39
4.3.2 Depressão Infantil
Segundo Newcombe (1999), os distúrbios depressivos podem variar
desde condições passageiras e suaves de tristeza até uma perturbação grave,
envolvendo desordens cognitivas e afetivas.
A depressão tanto infantil como adulta é dividida em dois tipos. A
depressão maior é ocasionada por episódios depressivos que podem ser
recorrentes, com duração de mais de duas semanas e mais grave que o outro tipo
de depressão. A distimia tem como característica os sintomas menos intensos que a
depressão maior e presentes por no mínimo um ano. (SALLE, SEGAL &
SUKIENNIK, 2000)
De acordo com Fichtner (1997), crianças em idade escolar podem
apresentar um distúrbio depressivo de diversas formas, como depressão situacional,
síndrome orgânica depressiva, depressão infantil primária, distimia e depressão
mascarada.
Na síndrome orgânica depressiva, a criança demonstra sintomas
depressivos como uma reação à determinada doença orgânica. A distimia deve ser
ponderada quando a criança tem um humor deprimido ou irritável, com duração de
no mínimo um ano, sendo que esse quadro pode evoluir para depressão maior. Já a
depressão mascarada, manifesta-se por meio da expressão corporal, ou seja,
através de problemas psicossomáticos (diarréia, dor de cabeça, anorexia) ou através
da enurese, encoprese, fobias, recusa escolar, entre outros, sendo muitas vezes
manifestações de co-morbidade. (FICHTNER, 1997)
Ainda segundo o autor, na depressão situacional o transtorno pode
começar devido a situações de estresse ou por perdas expressivas na vida da
criança. A separação dos pais, o nascimento de um irmão, as mudanças de cidade
ou de escola e a morte de alguém querido podem ser fatores de risco para essa
depressão. Como sintomas, a criança pode apresentar dificuldades para dormir e se
alimentar, somatizações e falta de vontade para estudar. Já na depressão infantil
primária ou depressão maior, o distúrbio da criança caracteriza-se por diversos
sintomas, entre eles, a tristeza, falta de expectativas, irritabilidade, perda do
interesse pelas coisas que lhe davam prazer e autodepreciação. Geralmente, a
criança
demonstra
baixa
auto-estima,
sentimentos
de
culpa,
exclusão
e
40
desvalorização. Podem ser muito distraídas, não ter amigos, não se comunicar de
forma adequada com a família e ter uma conduta agressiva.
De acordo com Salle, Segal & Sukiennik (2000), os sintomas da
depressão infantil podem ser os seguintes: piora no rendimento escolar, humor
deprimido ou irritável, problemas na concentração e muito cansaço, alterações no
sono e apetite, auto-estima baixa e sentimentos de culpa e reclamações somáticas
(geralmente dores abdominais e dores de cabeça).
Sobre as conseqüências desse transtorno, Fichtner (1997, p. 101),
alega que: [...] “as depressões infantis poderão trazer prejuízo no desenvolvimento
infantil seja em nível físico, psicomotor, cognitivo, psicossocial, prejudicando
inclusive as habilidades necessárias para a aprendizagem”.
Quando se trata dos sintomas e dos fatores que podem levar a
depressão, esse transtorno torna-se semelhante em crianças e adultos, pois muitos
são iguais para ambas as faixas etárias. Pode-se citar os elevados níveis de
estresse e acontecimentos negativos, como dificuldades para lidar com os eventos e
atribuir seus fracassos a si mesmo. (NEWCOMBE, 1999)
Sobre os fatores de risco para a depressão, Fichtner (1997), sugere que:
Do ponto de vista sócio-familiar, lares perturbados pelo abandono, pela
ausência dos pais, separação do casal e conflitos permanentes se
constituem em fatores de risco para as manifestações depressivas na
infância. São lares que não se constituem numa base segura na qual a
criança possa receber apoio e ajuda por parte de seus pais, caso necessite.
Conseqüentemente, as crianças que convivem nesse tipo de lar, não têm
supridas as suas necessidades básicas (afeição, regras e segurança), já que não
recebem a devida atenção que necessitam para se desenvolver de forma sadia.
Ao orientar os pais de crianças depressivas, é preciso sugerir que os
mesmos passem a incentivar seus filhos em todas as atividades em que eles
obtenham sucesso, para que se sintam mais valorizados e competentes. Os pais
também devem respeitar o nível funcional das crianças, ajudando-os para que
consigam melhorar sua auto-estima e competência social. (FICHTNER, 1997)
41
4.3.3 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
Para Newcombe (1999, p. 462), os transtornos de hiperatividade e déficit
de atenção (TDAH) são mais comuns entre os meninos do que as meninas e
descrevem as crianças como “fisicamente inquietas, que têm dificuldade para prestar
atenção em tarefas e para terminá-las e que agem impulsivamente”.
As crianças com TDAH costumam apresentar falta de perseverança em
atividades que precisam de agilidades cognitivas e tendem a desistir das tarefas sem
chegar
a
completá-las,
passando
a
iniciar
outras
logo
em
seguida.
(SCHWARTZMAN, 2000)
Segundo o referencial diagnóstico CID-10 – Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamento (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993), o
TDAH é denominado transtorno hipercinético e possui como algumas de suas
características o início precoce, o comportamento hiperativo, a desatenção
acentuada e a falta de persistência nas tarefas a serem realizadas.
As crianças com o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
possuem
manifestações
comportamentais
(impulsividade,
atividade
motora
excessiva e agressividade, etc.), cognitivas (déficit de atenção de diversas formas) e
emocionais (baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração e dificuldades nos
relacionamentos, etc.). (ORJALES, 2007)
Apesar de os estudos mostrarem diversos fatores (neurológicos,
bioquímicos, sociais e cognitivos) como originários do TDAH, as causas para esse
distúrbio ainda não são bem definidas. (NEWCOMBE, 1999)
Sobre os fatores de risco para o transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, Rohde & Ketzer (1997) apontam os fatores genéticos e familiares, as
atribulações biológicas (problemas durante o parto ou a gravidez) e adversidades
psicossociais (pobreza, conflitos entre os pais, pouca harmonia familiar, exposição à
psicopatologia de um dos pais ou ambos).
Esse transtorno costuma ser diagnosticado pela primeira vez na idade
escolar, durante as primeiras séries, quando a criança não consegue se adaptar à
escola. Na maioria dos casos, os sintomas de TDAH diminuem no final da
adolescência e idade adulta, apesar de alguns indivíduos apresentarem o transtorno
até os anos intermediários da fase adulta. (DSM-IV, 2002)
42
Acerca das características descritivas e os transtornos associados, o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV (2002, p.115),
nos mostra que:
Uma proporção substancial (aproximadamente a metade) das crianças
encaminhadas
por
causa
do
Transtorno
de
Déficit
de
Atenção/Hiperatividade também tem Transtorno Desafiador de Oposição ou
Transtorno da Conduta. As taxas de concordância do Transtorno de Déficit
de
Atenção/Hiperatividade
com
estes
outros
Transtornos
do
Comportamento Diruptivo são mais altas do que com outros transtornos
mentais, e esta concordância é mais provável nos dois subtipos marcados
por hiperatividade – impulsividade (Tipos Predominantemente Hiperativo –
Impulsivo e Tipo Combinado).
Desta forma, há uma grande prevalência do transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade acompanhado por um transtorno de conduta ou desafiador
de oposição. Consequentemente, torna-se de extrema importância uma avaliação
detalhada de cada caso clínico, para então efetuar um correto diagnóstico.
Quando o diagnóstico da criança for positivo com relação ao transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade, é preciso avaliar a necessidade do uso de
medicamentos psicoativos. Porém, essa não deve ser a única medida adotada para
o tratamento desse transtorno, que deve incluir ainda o apoio psicopedagógico e
psicológico. (SCHWARTZMAN, 2000)
4.3.4 Transtornos de Conduta
Acerca das diretrizes diagnósticas para o transtorno de conduta, podemse citar os exemplos descritos na Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento CID-10 – (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993, p. 260):
Exemplos de comportamentos nos quais o diagnóstico está baseado
incluem os seguintes: níveis excessivos de brigas ou intimidação; crueldade
com animais ou outras pessoas; destruição grave de propriedades;
comportamento incendiário; roubo; mentiras repetidas; cabular aulas ou
fugir de casa; ataques de birra inusualmente freqüentes e graves;
comportamento provocativo desafiador e desobediência grave e persistente.
Cabe salientar, que trata-se de um padrão de comportamento persistente
e repetitivo, que causa prejuízo no funcionamento social e acadêmico do indivíduo.
43
Esse transtorno de conduta pode estar presente em diversos lugares, como em casa
ou na escola e costuma ser identificado na infância ou adolescência, mas pode
ocorrer também em sujeitos com mais de 18 anos.
As crianças com esse transtorno de conduta exibem comportamento antisocial, com ou sem a presença de leis contrárias a esse comportamento. Os critérios
mais comuns para diagnóstico desse transtorno compreendem cometer atos antisociais como roubo, incêndio criminoso, destruição de propriedade ou brigas físicas
constantes. (NEWCOMBE, 1999).
Sobre os fatores de risco para o comportamento anti-social, Dodge, Pettit
e Bates (apud PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006, p. 407), nos esclarecem dizendo
que:
O comportamento anti-social tende a ser gerado na segunda infância pela
combinação de diversos fatores: atmosfera doméstica estressante e
desestimulante, disciplina severa, falta de afetividade e de apoio social
maternos, exposição a adultos agressivos e à violência na comunidade e
grupos de amigos transitórios, o que impossibilita o desenvolvimento de
amizades estáveis. Através dessas experiências de socialização negativas,
as crianças que crescem em ambientes pobres e de alto risco podem
absorver atitudes anti-sociais, às vezes a despeito dos melhores esforços
dos pais.
Portanto, os fatores desencadeadores desse transtorno podem ser bem
distintos, incluindo a desestruturação familiar, os fatores genéticos e problemas
cognitivos da própria criança.
Segundo Bee (1986), as crianças que apresentam transtornos em sua
conduta geralmente possuem pais arbitrários, que as castigam fisicamente, brigam
entre si, evidenciam hostilidade e rejeição e não são muito amorosos com seus
filhos. A maioria das crianças que convive diariamente com pessoas agressivas,
principalmente os pais, tende a aprender esse padrão agressivo para si e passá-lo
adiante com os outros.
A respeito da influência da estrutura das famílias no transtorno de
conduta, Rojas (1997, p. 128), garante que:
(...) os filhos podem estar atuando a destrutividade reprimida de um ou
ambos os pais, podem estar descontrolados em meio de discórdia parental
ou incoerência dos discursos materno e paterno, ou ainda podem estar
“aprontando” para manter o grupo unido em torno do filho problema, não
tendo que se deparar com outras dificuldades vinculares.
44
Deste modo, as crianças podem manifestar os comportamentos que os
pais sempre reprimiram em si próprios. Ou podem ainda algumas vezes, agir de
forma estratégica para chamar a atenção e manter a união da família.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais – DSM-IV (1995), a auto-estima dos sujeitos com transtorno da conduta
costuma ser baixa, apesar de geralmente eles projetarem uma imagem oposta a
essa. Sobre algumas características e conseqüências desse transtorno é possível
alegar que: “O Transtorno da Conduta frequentemente está associado com um início
precoce de comportamento sexual, consumo de drogas, uso de substâncias ilícitas e
atos imprudentes e arriscados.” (DSM-IV, 1995, p. 86)
Ainda segundo esse manual, o transtorno da conduta com início precoce
(na infância) pode expressar um pior prognóstico e um maior risco de se transformar
em um Transtorno da Personalidade Anti-Social e Transtornos Relacionados a
Substâncias na fase adulta.
45
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Com o intuito de investigar os objetivos deste estudo, foram entrevistadas
cinco crianças, com faixa etária entre oito e onze anos, que freqüentam a
Associação Cidadania em Ação no período matutino e por no mínimo um ano.
As crianças foram questionadas sobre sua configuração familiar, como
está constituída sua família e seus sentimentos com relação à mesma. Em seguida,
foram interrogadas sobre sua comunidade, quais os possíveis problemas existentes
e se isso as afeta de alguma forma. Ao fim, as crianças responderam a perguntas
relacionadas ao projeto sócio-educativo.
Visando alcançar o último objetivo dessa pesquisa, foi aplicada uma
entrevista com cinco voluntários que atuam desde o início da Associação Cidadania
em Ação. Todos foram questionados sobre as principais dificuldades das crianças
assim que entraram no projeto, quais as mudanças ao longo do tempo e como elas
estão atualmente. Já as cinco crianças entrevistadas foram questionadas para
avaliar a satisfação das mesmas com o projeto.
5.1 Configuração familiar das crianças
Sobre a configuração familiar das crianças em situação de vulnerabilidade
social, os dados obtidos proporcionaram informações distintas. Conseqüentemente,
foram encontrados diferentes “modelos” de constituição familiar, classificados de
acordo com Pratta & Santos (2007).
Através da primeira criança entrevistada (G. S. M.), que mora com os pais
e dois irmãos, foi possível verificar um modelo de família onde homens e mulheres
trabalham,
sendo
denominada
família
“igualitária”.
Posteriormente,
foram
entrevistados dois irmãos, uma menina (G. S. S. 1) e um menino (G. S. S. 2) que
vivem em uma família designada como “monoparental”, pois moram com a mãe e
mais dois irmãos menores, sendo que a mãe das crianças é a “chefe da casa”,
trabalhando para sustentar seus filhos. A outra criança entrevistada nos traz um
modelo de família “reconstituída”, pois F. E. mora com a mãe e o padrasto,
46
evidenciando as famílias geradas a partir de uma nova união de um dos cônjuges.
Já a última criança (W. B. S.) mora com o pai, mãe e irmãos e possui um modelo de
família “tradicional” ou “hierárquica”, onde o pai é o provedor financeiro e a mãe
cuida do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos.
Todas as crianças alegaram que se sentem bem em suas famílias.
Apenas uma delas afirmou que não se sente sempre assim: “Às vezes não é muito
legal, porque a minha mãe trabalha o dia todo e não fica com a agente.” (G. S. S. 2)
Duas delas disseram gostar quando os pais ajudam a fazer as tarefas:
“Me sinto bem legal, porque eles são bem legal pra mim. Eles até me
ajudam nos meus deveres, eles me ajudam na tabuada...” (F. E. )
[...] “eles me dão comida, ajudam a fazer tarefas... (W. B. S.)
Acerca da influência dos pais sobre o desempenho escolar das crianças,
Cooper et. al. (apud PAPALIA et. al., 2006, p. 383), afirma que: “As atitudes dos pais
sobre os deveres de casa influenciam diretamente a vontade das crianças de fazêlo. À medida que as crianças ganham idade, a responsabilidade de conferir se os
deveres de casa foram feitos passa dos pais para a criança.”
Desta forma, essas crianças sentem-se encorajadas e motivadas a fazer
os deveres e consequentemente, dedicar-se aos estudos. Elas tendem a apreender
para si a importância do dever de casa que foi repassada pelos pais.
Ao serem questionadas sobre as dificuldades que poderiam existir em
suas famílias, as informações obtidas foram distintas, pois as crianças citaram
fatores como brigas familiares, separação dos pais e falta de comida em casa.
“Ás vezes o pai e a mãe brigam.” (G. S. M.)
“É que a minha mãe e o meu pai se separaram.” [...] “Desde quando eu
era bebê.” (G. S. S. 1)
“É que falta comida, né, quando falta...” [...] “De vez em quando... Toda
semana né. O pai recebe só sexta, aí às vezes falta comida.” (W. B. S.)
“De vez em quando tem brigas lá do meu tio, né. O meu tio e o meu outro
tio. Eles moram na casa da minha vó.” (W. B. S.)
De acordo com Bardagi et. al. (2005), os principais fatores de risco
relacionados aos aspectos familiares são os seguintes: grande número de sujeitos
na composição familiar; nível socioeconômico baixo; ocupação de baixo status dos
pais; separação; desemprego; morte de familiares próximos; baixa escolaridade dos
47
pais ou dos filhos; conflitos familiares; violência psicológica, física ou sexual;
psicopatologia na família.
Esses fatores denominados de risco se relacionam a todos os eventos
negativos que aumentam a probabilidade de o sujeito apresentar problemas físicos,
sociais ou emocionais. Vale ressaltar que esses fatores apenas ampliam a
probabilidade de ocorrerem dificuldades, mas não as originam por si só. (YUNES &
SZYMANSKI apud BARDAGI et. al., 2005)
5.2 Aspectos sociais que podem se apresentar como fatores de risco
Para desvendar os aspectos sociais que podem representar fatores de
risco para as crianças, elas foram questionadas sobre os principais “problemas” que
poderiam existir na comunidade.
Uma delas afirmou prontamente: “Nossa! Tem de tudo, tudo...” [...] “Ah, é
tráfico de drogas, tudo... De armas, tudo.” (G. S. M.)
Outra criança relatou acontecimentos relacionados a roubos em sua casa
e de outras pessoas: “Tem muito ladrão. Já entraram na minha vizinha... Já entrou lá
em casa, quando a gente tava tudo dormindo, aí a mãe escutou um barulho... Entrou
também na casa da minha tia.” (G. S. S. 1)
Três “problemas” foram relatados por uma única criança: “Alagamentos.
Lá onde eu moro não dá pra sair porque assim oh, lá no lado tem uma descidinha, lá
do outro lado também, aí quando chove não da prá sair, aí a gente fica trancado,
tem que esperar a água descer. E tem muito tiro. De vez em quando. Ah, e esse
problema eu não podia esquecer... O meu vizinho ele fica bêbado todo dia, aí ele
chega em casa cantando, gritando pra todo mundo” [...] (F. E.)
O uso de substâncias psicoativas foi citado novamente por outra criança,
que ainda falou mais uma vez sobre as brigas em sua família: “Bastante brigas... Os
meus tios né. Eles brigam muito, aí a minha mãe se incomoda, porque o vô chama a
minha mãe... Um dia a minha mãe ficou até doente. E tem essas drogas também,
né.” (W. B. S.)
Desta forma, é possível elencar como aspectos sociais mencionados
pelas crianças, o nível sócio-econômico baixo (falta de comida), uso de drogas e
48
álcool, roubos, violência (tiros), brigas (conflitos familiares) e falta de estrutura e
saneamento básico (alagamentos).
Sobre as conseqüências das dificuldades socioeconômicas na família,
Gomes & Pereira (2005, p.259) garantem que: “Para a família pobre, marcada pela
fome e pela miséria, a casa representa um espaço de privação, de instabilidade e de
esgarçamento dos laços afetivos e de solidariedade.”
Ainda
segundo
Gomes
&
Pereira
(2005,
p.260)
“A
situação
socioeconômica é o fator que mais tem contribuído para a desestruturação da
família, repercutindo diretamente e de forma vil nos mais vulneráveis desse grupo:
os filhos, vítimas da injustiça social” [...]
A violência e o uso de drogas também estão presentes na vida das
crianças pesquisadas, evidenciando o que foi afirmado por Walker e cols. (apud
POLETTO et. al., 2009, p. 461): [...] “o número de crianças expostas à violência em
países em desenvolvimento é amplo. Tal exposição aumenta os níveis de estresse
pós-traumático, agressividade, problemas de atenção e depressão.”
Porém, ainda segundo o autor, o efeito negativo da violência e do uso de
substâncias psicoativas torna-se ainda maior quando na família da criança não há
harmonia e coesão ou um dos responsáveis tem problemas emocionais. Para
aumentar os níveis de competência sócio-emocional dessas crianças, é preciso
haver orientação e apoio às famílias e experiências escolares positivas nas crianças.
(WALKER e cols. apud POLETTO et. al., 2009)
5.3 Reações emocionais das crianças ao contexto social e familiar
Ao serem questionadas sobre suas famílias, todas as crianças afirmaram
se sentir bem no seu contexto familiar e também alegaram gostar de suas famílias,
apesar das dificuldades apresentadas.
Embora tenham mencionado alguns “problemas” em sua comunidade, a
maioria das crianças garantiu que não se incomoda com eles e que se sentem
seguras morando naquele local por diversos motivos, tais como:
“Eu sempre fico o dia inteiro ali e nunca acontece nada.” [...] (G. S. M)
49
[...] “Porque sempre que a minha mãe sai, a vó fica cuidando da gente.”
(G. S. S. 1)
[...] “Porque os tiros são tudo lá pra cima.” (F. E.)
Sobre isso, Pratta & Santos (2007, p. 254) nos esclarece dizendo que: [...]
“o homem continua depositando nessa instituição a base de sua segurança e bemestar, o que por si só é um indicador da valorização da família como contexto de
desenvolvimento humano”.
Assim, podemos verificar que essas crianças encontram em suas famílias
a segurança e o acolhimento que necessitam para enfrentar as dificuldades
familiares e sociais que convivem diariamente.
Uma das crianças disse que se sente segura morando nessa
comunidade, mas fica preocupada e triste com os “problemas”: “Aham. Eles já
roubaram coisas lá da minha tia... Eles roubaram, tiraram as coisas do lugar,
botaram a arma na cabeça de um cara lá...” [...] “Ah, eu fico preocupada... Triste.”
(G. S. S. 1)
Outra criança entrevistada também disse que sente segura na
comunidade, mas ao ser questionada se os problemas lhe incomodam afirmou: “Eu
não, né. Mas a minha mãe ela se incomoda. Eu fico chateado, porque a minha mãe
tem que ir lá falar com eles, fica tudo na mão dela né...” (W. B. S.)
Nesse relato podemos ver uma certa preocupação com a mãe, pois a
mesma criança informou, como já explicitado, que a mãe chegou a ficar doente com
essas situações de conflitos familiares.
Ao examinarmos a configuração familiar dessas crianças, podemos
constatar que todas possuem fortes ligações com a família, demonstrando assim
que não se encontram em situação de risco, pois seus vínculos familiares não estão
rompidos e aparentemente não tiveram seus direitos violados. (SECRETARIA
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005)
Entretanto, é preciso ressaltar que devido as diversas dificuldades sociais
com que convivem diariamente, elas se encontram em situação de vulnerabilidade
social. Conforme afirma Petrini (apud GOMES & PEREIRA, 2005, p. 360), [...] “à
medida que a família encontra dificuldades para cumprir satisfatoriamente suas
tarefas básicas de socialização e de amparo/serviços aos seus membros, criam-se
situações de vulnerabilidade.”
50
Ao analisarmos todas as respostas obtidas, podemos comprovar que as
crianças entrevistadas apontam alguns problemas em sua família e em sua
comunidade
que
podem
se
apresentar
como
fatores
de
risco
ao
seu
desenvolvimento. Porém, apesar de algumas delas evidenciarem uma determinada
preocupação com esses fatores, nenhuma das crianças demonstrou sintomas de
transtornos emocionais.
Para explicar tal fato podemos utilizar um conceito denominado
resiliência, que pode atuar como fator de proteção contra as dificuldades que as
crianças convivem. Segundo Amparo et. al. (2008), a resiliência pode ser entendida
como uma possibilidade de superação, onde o sujeito aprende a lidar com os
problemas sem submeter-se aos mesmos.
A resiliência é a capacidade que o sujeito possui de se recuperar
psicologicamente quando submetido a adversidades, podendo enfrentá-las e
consequentemente superá-las. (PINHEIRO apud AMPARO et. al., 2008)
“Crianças resilientes são aquelas resistem a situações que arruinariam a
maioria das outras, que mantêm sua serenidade e sua competência diante de
desafios ou ameaças ou que se recuperam de eventos traumáticos.” (PAPALIA et.
al., 2006, p. 430)
Segundo Poletto et. al. (2009, p. 456), os eventos estressores podem
ocasionar diversas conseqüências ao desenvolvimento humano, porém, o impacto
desses eventos pode ser diferenciado para cada indivíduo.
[...] as reações ao stress dependem da idade, do gênero, da fase
desenvolvimental e das habilidades cognitivas e emocionais da criança ou
do adolescente. Algumas crianças são capazes de enfrentar e superar os
eventos estressores com mais rapidez, enquanto outras experienciam
efeitos negativos mais severos e de longa duração.
Portanto, as outras influências sociais, pessoais e emocionais os quais os
sujeitos em vulnerabilidade social enfrentam, também devem ser avaliadas,
considerando-se que os fatores de risco podem indicar danos ao desenvolvimento,
mas não os determinam por si só. [...] “quando associados à percepção de
precariedade, ausência de possibilidades e esperança em superar desafios e
barreiras, podem dificultar o acionamento de processos de resiliência e agravar a
vulnerabilidade.” (POLETTO, 2009, p. 456)
51
Cowan et. al. (apud BARDAGI et. al., 2005), afirma que determinados
fatores como a pobreza e os conflitos familiares podem ser prejudiciais ao
desenvolvimento de um sujeito, porém, esses aspectos irão apresentar efeitos
diferenciados, atuando de forma diversa em diferentes indivíduos, dependendo o
quão vulneráveis eles se encontram.
Segundo Masten & Coatsworth (apud PAPALIA et. al, 2006), assim como
algumas crianças exteriormente resilientes podem ter mágoas internas que poderão
acarretar em conseqüências a longo prazo, existem também crianças que possuem
forças suficientes para enfrentar as adversidades mais difíceis. Portanto, as
experiências negativas das crianças não determinam o resultado que elas terão em
suas vidas futuramente.
Segundo Poletto et. al. (2009, p. 462), o relacionamento com os amigos e
irmãos pode ser considerado um fator de proteção. “Com irmãos e pares, as
crianças trocam, dividem, empurram, mantêm contatos físicos como expressões de
afeto (carícias, beijos e abraços). Tais comportamentos e trocas revelam aspectos
importantes na socialização e no desenvolvimento humano.”
Para Amparo et. al. (2008), existem três tipos de fatores de proteção que
podem auxiliar no processo de resiliência do indivíduo: individuais (auto-estima
positiva, autonomia), familiares (apoio/suporte, coesão, respeito mútuo) e apoio do
meio ambiente (bom relacionamento com amigos, professores e pessoas
significativas a criança).
A forma como os problemas são percebidos pelas crianças deve ser muito
valorizada, pois essa percepção positiva que elas demonstraram pode servir de
equilíbrio na hora de enfrentar as adversidades. Também se deve considerar os
outros fatores que podem interferir em sua resiliência, como as características
individuais e o suporte afetivo. Para as crianças analisadas nesse estudo, a
presença dos fatores de proteção (como os relacionados à segurança e o
acolhimento da família), parece contribuir para o aumento das experiências positivas
e resilientes, favorecendo o surgimento de estratégias de proteção aos riscos.
52
5.4 O papel do projeto sócio-educativo no desenvolvimento psicossocial das
crianças
- Evoluções no comportamento das crianças (socialização, apropriação de
hábitos de higiene e regras de convivência,);
A maioria dos profissionais da associação citou como principal mudança
nas crianças ao longo do tempo que freqüentam o projeto, a melhora no
comportamento das mesmas. Assim que ingressaram na instituição, a maioria das
crianças demonstrava dificuldades de comportamento e de relacionamento entre
elas (socialização).
Os profissionais relataram que muitas crianças tinham dificuldades de
convivência entre si, sendo que muitas vezes usavam até agressão física para
resolver seus conflitos. Entretanto, atualmente eles conseguem se relacionar de
forma satisfatória:
[...] “elas tinham problemas relacionados à falta de limites mesmo,
falavam muitos palavrões, brigavam entre elas e algumas vezes partiam até pra
agressões.” (N. G. D.)
“Estão mais educados, aprenderam mais a conviver com as outras
crianças, porque era difícil, era mais “no tapa”, agora não, agora já estão mais
calminhos”. (M. E.)
De acordo com Bee (1986), inicialmente a agressão pode ser considerada
uma resposta à frustração em uma determinada circunstância. Porém, é preciso
levar em consideração o fato de que a forma e a freqüência de agressão variam com
a idade, já que geralmente após os quatro anos as atitudes agressivas tornam-se
mais verbais.
O envolvimento das crianças com seus companheiros da mesma faixa
etária pode instruí-las em determinadas habilidades sociais, como interação com
sujeitos da mesma idade, como se relacionar com líder e como encarar hostilidade e
dominância. (NEWCOMBE, 1999)
Segundo uma voluntária, foi preciso ensinar as crianças até mesmo as
formas mais simples de “bons costumes” e ainda hoje é necessário continuar
53
transmitindo essas informações. “Elas não tinham boas maneiras nem pra comer,
era bem difícil. Aí agora não, agora a gente vai explicando pra eles né, quando
chegar dar bom dia, receber bem as pessoas... Educação, respeito... Isso aí a gente
trabalha o ano inteiro com eles... Sobre respeito e educação.” (M. E.) Portanto, foram
percebidas mudanças de comportamento até mesmo durante as refeições, pois no
início, as crianças não conseguiam se manter “serenas” neste momento.
Essa evolução no comportamento das crianças pode ter sido ocasionada
devido às instruções e aos valores transmitidos pelos educadores da instituição e
ainda devido à oportunidade de socialização com os colegas da sua idade.
Segundo Delval (2001), o conhecimento que a criança adquire sobre o
mundo é obtido através da “prática”, ou seja, através do contato com indivíduos mais
experientes e da observação dos adultos com os quais ela convive, sendo que
esses adultos costumam preparar ambientes adequados para que as crianças
conheçam o mundo sem enfrentarem muitos riscos.
Ao manter suas relações com os amigos, as crianças podem desenvolver
as habilidades que precisam para sua sociabilidade, adquirir um senso de afiliação e
criar capacidades de liderança, comunicação, cooperação, papéis e regras.
(ZARBATANY et. al., apud PAPALIA et. al., 2006)
Ao
ingressarem
no
projeto
sócio-educativo,
algumas
crianças
demonstravam ainda uma imensa falta de cuidados e de hábitos de higiene. Com o
passar do tempo foram estabelecendo uma rotina de cuidados consigo mesmas e
melhorando assim a sua aparência exterior, conforme afirma o voluntário A. G.:
“A questão da higiene também, né. Era bem sério, eles não estavam nem
aí se tinha que ficar de pé descalço, de pé calçado, de tênis amarrado ou não, a
roupa também de qualquer jeito e aí com as atividades externas que nós tivemos,
eles já foram melhorando né. Não todas as crianças eram assim né, só algumas.
Não eram todas que tinham o problema de se arrumar e se cuidar né”.
Segundo alguns voluntários, também haviam problemas relacionados à
falta de atenção das crianças, falta de educação e respeito com os profissionais,
porém hoje a maioria delas evoluiu nessa questão: “E a questão da obediência, de
ouvir, de atenção... A gente hoje pede e eles já... Escutam, obedecem. Era muito
complicado, falavam tudo ao mesmo tempo... Às vezes a gente ainda pega eles com
essas atitudes, mas já melhorou bastante”. (A. G.)
54
[...] “o nosso trabalho é feito com muito diálogo e nós criamos o momento
da “roda”, antes da hora do lanche, pra reunir todas as crianças em um círculo e
conversar bastante com elas, falar do respeito com os educadores, respeito com os
colegas...” (N. G. D.)
Segundo Delval (2001, p. 58), [...] “na aprendizagem a partir dos outros,
um componente fundamental é o respeito que o aluno sente pela pessoa que
ensina, reconhecendo sua autoridade e suas capacidades para ensinar, que tem
algo que lhe interessa e que é valioso aprender com ela.”
Desta forma, pode-se verificar um determinado respeito que as crianças
da associação possuem pelos educadores, pois apesar de no início elas não
mostrarem atitudes positivas de comportamento, atualmente demonstram obediência
e atenção.
Com relação a essa questão, outro profissional relata que as crianças
tinham dificuldades para compreender as atividades oferecidas nas oficinas e faziam
“bagunça” em excesso quando estavam perto dos amigos mais íntimos:
(...) “sentar, escutar, respeitar os professores, entender como seria
determinada atividade... Separar dos amigos, porque faziam muita bagunça, aí eles
não queriam se separar.” (L. H.)
De acordo com Delval (2001, p. 57), a criança conhece o mundo social
através da sua participação no mesmo, à medida que elas se desenvolvem, vão
incorporando as atividades e participando do grupo a que pertencem. “Observam o
que acontece, recebem instruções e também escutam narrações sobre o que é
correto ou incorreto. As condutas não-desejáveis são reprovadas ou, inclusive,
castigadas, ao passo que as condutas desejáveis são reforçadas.”
Segundo Aguiar (apud SILVA, 2008), os limites impostos pelos pais ou
responsáveis das crianças são essenciais para o seu desenvolvimento, pois através
deles, a criança vai tendo uma noção mais clara sobre o mundo, percebendo até
aonde pode ir e em que lugar começa o espaço e o direito do outro.
Os adultos que compõem o mundo da criança devem lhe mostrar os
limites que ela deve obedecer para se desenvolver, sendo que esses limites são
estabelecidos nas relações da criança e fundamentais para que elas comecem a
perceber o seu lugar no mundo. (AGUIAR, apud SILVA, 2008)
Ao serem questionados sobre como as crianças estão atualmente, a
maioria dos voluntários destacou uma grande mudança de comportamento. Eles
55
relataram que esse ano o número de crianças matriculadas aumentou e isso
desestabilizou um pouco a organização e melhora de comportamento alcançado até
o ano passado, conforme afirma L. H.: “Hoje com a chegada de outras pessoas, de
outros projetos, de outros alunos, deu uma deturpada... Ao invés de os veteranos
explicar, os veteranos foram caindo na pilha dos novos”. [...]
[...] “aí com a vinda das novas crianças, agente tá enfrentando algumas
dificuldades, com essas novas, mas que já estão se adequando também. Mas eu
vejo que hoje eles tão bem melhor né, hoje eles já tem disciplina, já tem prática nas
oficinas, já tá tudo né...” (A. G.)
[...] “Então ainda tem essa dificuldade, agente tá trabalhando, mas não é
como o começo né. Mas agora, estamos com as propostas de novo, de regras, de
ter que fazer isso e aquilo, começamos do zero por causa da chegada dos alunos
novos.” (L. H.)
Portanto, pode-se perceber que apesar de algumas dificuldades
enfrentadas no início desse ano para estabelecer as atividades e orientar as
crianças, tudo está se direcionando para voltar à organização adquirida no ano
anterior.
Segundo Teles (2001, p. 160), as crianças “ajustadas” são cheias de
vitalidades. “Certa instabilidade, um pouco de agitação e barulho, gosto pela
novidade e um interesse mutável são fenômenos normais. Criança normal e
ajustada tem também seus momentos de tristeza, explosões, silêncio, rebeldia,
divagação, etc.”
Para Boisson (apud TELES, 2001), a infância precisa de determinadas
normas em que possa se amparar, mas não um regulamento severo que enquadre
as crianças como “tropas” e que exerça pressão sobre elas, inibindo sua
espontaneidade.
Visando melhorar o comportamento das crianças, foi preciso uma
construção de regras de forma bem democrática, feita pelas mesmas, juntamente
com alguns profissionais. Desta forma, elas conseguiram expor suas principais
dificuldades e ainda criar possíveis “punições” que desestimulassem uma possível
quebra das normas. (...) “dificuldade que a gente identificou assim bem seriamente é
a de relacionamento, muito conflito entre eles. Isso dificultava bastante o trabalho, aí
com o tempo foi-se trabalhando né, aí depois veio a construção das regras e aí eles
foram melhorando a socialização deles”. (A. G.)
56
[...] “com as novas crianças e as antigas também, nós montamos uma
cartilha com várias propostas de melhorias no comportamento das crianças e com
várias regras, mesmo.” (N. G. D.)
Essa constituição de regras foi de extrema importância, pois as crianças
conseguiram perceber que assim como em sua casa e na escola, teriam
determinados regulamentos a seguir e que se descumpridos poderiam acarretar em
punições. Uma das crianças entrevistadas citou as regras como algo que mais gosta
no projeto sócio-educativo e quando questionada o motivo, a mesma afirmou:
“Porque é legal aprender as coisas que tem que obedecer.” (G. S. S.)
Segundo Delval (2001), na escola e em seus grupos sociais, a criança
conhece regras mais abstratas, que não são tão pessoais e modificáveis como as
que ela aprende em casa, pois as novas regras referem-se geralmente aos horários
das aulas e do intervalo, às tarefas a serem realizadas, além das normas de
comportamentos adequados.
Na idade escolar, mais precisamente na faixa etária entre sete e doze
anos, as crianças começam a participar de jogos com regras mais abstratas, onde é
necessário estimular sua capacidade cognitiva de entender e aceitar normas, e
ainda, lidar com a competitividade. (NEWCOMBE, 1999)
As crianças estão iniciando sua interação com amigos e companheiros
em grupos organizados, como pré-escolas, programas assistenciais do governo ou
creches. “Todos esses tipos de escolas constituem pequenos sistemas sociais, nos
quais as crianças aprendem regras de moralidade, convenções sociais, posturas e
modos de se relacionar com os outros, assim como habilidades acadêmicas.”
(NEWCOMBE, 1999, p. 377)
Assim, através da participação das crianças em projetos sócio-educativos,
elas podem aprimorar seu processo de socialização, aprender a seguir regras
coletivas e ainda melhorar suas competências na escola.
57
- Acesso a recursos tecnológicos e culturais;
Ao participarem da Associação Cidadania em Ação, as crianças recebem
a oportunidade de ter acesso à certos recursos tecnológicos e culturais, como o uso
do computador (aulas de informática), aulas de violão, artes, capoeira, esportes e
sessões de cinema com filmes educativos.
De acordo com o relato do professor de informática, foi possível verificar
que muitas crianças ao iniciarem as atividades nessa área não possuíam ao menos
os conhecimentos e habilidades mais essenciais:
“(...) havia todas as dificuldades relacionadas a apropriação dos
conhecimentos básicos do computador. Muitos não sabiam nem o que era utilizar o
mouse, então o trabalho foi todo desenvolvido em cima de técnicas bem
elementares (...)” (E. D.)
Como instrumento para chamar a atenção das crianças, o professor
utilizou diversos tipos de jogos recreativos e educativos. Através das brincadeiras,
elas foram desenvolvendo e aprimorando suas habilidades relacionadas à área da
informática. No decorrer do tempo, elas conseguiram superar suas dificuldades e
alcançar a tão esperada autonomia:
“Mas o mais bacana é a questão da autonomia que eles adquiriram diante
da ferramenta computador. Tu vê oh, tão lá agora, ligaram o computador e tão
brincando. Antes eu tinha que ligar o computador, colocar no programa específico,
ensinar. Muitas crianças eu tinha que ficar do lado mesmo, pegar na mãozinha e
explicar como era o movimento do mouse...” (E. D.)
Através desses relatos podemos perceber que à medida que as crianças
foram se apropriando dos novos conhecimentos, foram desenvolvendo mais
autonomia e ficando mais comprometidas com o projeto sócio-educativo.
Segundo Teles (2001, p. 196), o educador exerce um papel relevante no
processo ensino/aprendizagem. [...] “a aprendizagem será sempre alcançada
quando professores e alunos se encontrarem engajados no processo de uma forma
lúdica.”
Segundo um profissional da associação, o primeiro obstáculo quando as
crianças entraram na associação foi criar um maior comprometimento com o projeto
sócio-educativo, pois o número de faltas era extremamente amplo: “Todas queriam,
58
mas não conseguiam vim. Eles não tinham uma disciplina pra vir, vinham na terça
depois só na quinta (...)” (L. H.)
Com o passar do tempo, as crianças começaram a fortalecer os vínculos
com os colegas e com os profissionais e aumentaram seu empenho perante o
projeto:
“Eles ficaram mais participativos, não faltavam, eram os primeiros a
chegar. A gente chegava aqui no portão eles já estavam tudo sentadinho esperando
pra entrar. Esse foi um ponto positivo né, pra ver que o trabalho tava sendo bem
efetuado. Eles começaram a gostar né, criaram um grau de intimidade com as
pessoas, com os colegas, aquela bagunça acabou. Aí eles mudaram pra melhor e foi
bem produtivo.” (L. H.)
“Nós percebemos que a participação delas na ONG ajudou a fortalecer
vínculos e criar amizades que não tinham antes na comunidade, porque antes elas
só tinham amigos na escola, só que uma parte desses amigos morava em outros
locais. Hoje elas têm grupos diferentes na própria comunidade e fortaleceram os
vínculos de amizade com a convivência na ONG.” (N. G. D.)
Assim, observamos que o fortalecimento do vínculo entre os educadores
e as crianças, e, ainda das crianças entre si, ampliou a motivação e o
comprometimento das mesmas com a associação.
“As teorias, as técnicas, um belo material, etc. não servem para nada
quando alunos e professores se encontram inteiramente desmotivados...” (TELES,
2001, p. 196)
Esse vínculo estabelecido entre a criança e as pessoas com quem ela
convive é muito importante para o seu processo de desenvolvimento. [...] “pois
promove a cooperação, a possibilidade de colocar-se no ponto de vista dos outros, a
reciprocidade, e, além disso, as crianças aprendem com seus companheiros muitas
coisas importantes para a vida.” (DELVAL, 2001, p. 87)
- Avaliação positiva do projeto sócio-educativo sob a ótica das crianças;
Ao serem questionadas se gostavam de participar das atividades
propostas pela Associação Cidadania em Ação, todas as crianças responderam de
59
forma afirmativa, demonstrando afeição pelo projeto social e consequentemente por
seus voluntários.
“Eu até incomodei minha mãe pra entrar.” (G. S. S. 1) Afirmou uma das
crianças ao responder a essa pergunta, evidenciando uma possível vontade de
participar de projetos e ações paralelas à escola.
Segundo Klaus & Gray; Seitx & Apfel (apud NEWCOMBE, 1999), a
participação de crianças em programas de intervenção precoce pode auxiliar no
aperfeiçoamento de suas habilidades pessoais e ainda acarretar em benefícios a
longo prazo em seu ambiente familiar.
Os projetos de prevenção e intervenção psicossocial devem ser
valorizados e avaliados para verificar se os sujeitos que dele participam possuem
ativos os seus esquemas de proteção aos riscos, para diminuir as conseqüências
negativas futuramente. (PETERSEN & KOLLER, 2006)
Segundo Gomes & Pereira (2005) é preciso evidenciar a implementação
de programas sociais de prevenção que visualizem sempre a família como alvo, sem
descontextualizar seus membros, pois a família é a potencializadora das ações
positivas. Ao ajudar a família como um todo, é possível aprimorar o desenvolvimento
da sociedade dignamente.
60
6 CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objeto de estudo, a situação de
vulnerabilidade social em que vivem as crianças que freqüentam o projeto sócioeducativo Cidadania em Ação, buscando avaliar os principais traços emocionais
presentes nas mesmas.
A partir dos objetivos propostos pode-se evidenciar a importância de
analisar a configuração familiar das crianças entrevistadas, já que foram
encontradas diversas estruturas de constituição familiar. Entretanto, os modelos de
famílias das cinco crianças analisadas não são exclusivos dos grupos familiares em
situação de vulnerabilidade, pois sabe-se que a estrutura das famílias vem passando
por transformações ao longo do tempo.
A situação de vulnerabilidade social em que as crianças se encontram foi
analisada verificando os fatores sociais com os quais elas convivem. Sabemos que
esses fatores encontrados na pesquisa, como dificuldades sócio-econômicas,
violência e uso de substâncias psicoativas, podem interferir no processo de
desenvolvimento de uma criança, porém, há uma série de fatores que podem auxiliar
como proteção a esses riscos.
Ao avaliar o terceiro objetivo da pesquisa, os dados mostraram que
apesar de essas crianças estarem expostas a diversos tipos de fatores sociais
denominados de risco, seu desenvolvimento emocional encontra-se aparentemente
bem estruturado. Pode-se atribuir isso aos fatores de proteção, como o forte vínculo
familiar onde a criança deposita seus sentimentos de segurança e apoio, superando
os fatores negativos ao seu desenvolvimento. Essas crianças podem ainda, possuir
recursos internos positivos e uma capacidade de resiliência muito forte, enfrentando
as adversidades do seu contexto social e superando-as.
Cabe considerar, ainda, que essas crianças podem sentir-se realmente
seguras e felizes em seu contexto social considerado de vulnerabilidade, por não
possuírem um olhar mais crítico da sua realidade de vida.
A participação de crianças em situação de vulnerabilidade social em um
projeto sócio-educativo sério, com objetivos voltados ao aprimoramento do seu
desenvolvimento pode ser de extrema importância, funcionando como uma rede de
apoio social, que pode ampliar o seu enfrentamento às adversidades.
61
Através da convivência na Associação Cidadania em Ação foi possível
perceber o maravilhoso empenho dos educadores voluntários com todas as crianças
atendidas pelo projeto. Os projetos sócio-educativos como esse devem ser mais
valorizados pela sociedade, pois proporcionam a inclusão social de todas as
crianças e adolescentes inscritos, oferecendo-lhes a oportunidade de vivenciar
novas experiências, internalizar sentimentos de competência e autoconfiança e
desenvolver um amplo projeto de vida.
A presente pesquisa foi enriquecedora no que diz respeito ao
entendimento acadêmico sobre a temática da criança em vulnerabilidade social, pois
sabemos que esta é uma grande preocupação nos dias atuais para a família, a
sociedade e a escola. Espera-se então com este estudo poder contribuir de alguma
forma para se chegar a uma maior clareza sobre o assunto.
Com essa pesquisa, sentiu-se necessidade de aprofundar a investigação,
de tal forma a conhecer melhor os fatos que fazem parte do cotidiano dessas
crianças, bem como a percepção exata que elas possuem desses eventos. Destacase ainda a necessidade de realização de estudos longitudinais para verificar as
consequências da exposição aos fatores de risco a longo prazo e o impacto sobre o
desenvolvimento das crianças em situação de vulnerabilidade social.
62
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65
RAMOS, Paulo; RAMOS, Magda Maria; BUSNELLO, Saul José. Manual prático de
metodologia da pesquisa: artigo, resenha, projeto, TCC, monografia, dissertação e
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ROHDE, Luís Augusto; KETZER, Carla Ruffoni. Transtorno de Déficit de Atenção e
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SALLE, Emilio; SEGAL, Jair; SUKIENNIK, Paulo Berél. Transtornos Depressivos. In:
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processos psicológicos superiores. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
67
APÊNDICE
68
ROTEIRO PARA PESQUISA COM AS CRIANÇAS:
NOME:
1–
IDADE:
Com quem você mora?
Quantas pessoas?
Você tem irmãos? Quantos?
Eles moram com você?
Quem é que cuida mais de você?
2–
Como você se sente em sua família? Por quê?
Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
Você gosta da sua família?
O relacionamento de vocês é bom? Por quê?
3–
Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
Com quem você se entende mais? Por quê?
Com quem você não se dá muito bem? Por quê?
As pessoas convivem bem? Ou há muitas brigas?
4–
Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
Você gosta de morar lá?
Você se sente seguro?
5–
Esses problemas te incomodam? Como?
6–
Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
O que você mais gosta aqui?
O que você menos gosta?
69
ROTEIRO PARA PESQUISA COM OS PROFISSIONAIS:
1–
Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais dificuldades
que elas apresentavam?
2–
Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
3–
Como elas se encontram no momento atual?
70
ANEXO
71
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS COM AS CRIANÇAS:
NOME: G. S. M.
IDADE:10 ANOS
P: Com quem você mora?
G: Com a minha mãe, com meu pai e com meus irmãos.
P: Quantos irmãos você tem?
G: Sim. Cinco, quatro, cinco comigo né, aí eu tenho quatro irmãos.
P: Eles moram com você?
G: Moram, menos dois... Eu moro com o Guilherme e com o Déco.
P: Quantas pessoas moram na sua casa então?
G: Ah, é, cinco pessoas.
P: Os seus pais trabalham?
G: Aham. A minha mãe faz costuras em casa e o meu pai é pintor.
P: Quem é que cuida mais de você?
G: Meu pai e minha mãe.
P: Como você se sente em sua família?
G: Bem.
P: Por quê?
G: É legal, tem bastante coisas.
P: Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
G: Às vezes é meio ruim, mas só às vezes eu acho ruim.
P: Você gosta da sua família?
G: Sim. Bem legal.
P: O relacionamento de vocês é bom?
G: É, é bem legal.
P: Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
G: Ás vezes o pai e a mãe brigam.
P: Com quem você se entende mais?
G: Com meu pai e com a minha mãe.
P: Por quê?
72
G: Porque sim.
P: Com quem você não se dá muito bem?
G: Com meu irmão.
P: Por quê?
G: Porque agente fica se brigando, fica dando tapa um no outro. Normal!
P: As pessoas convivem bem? Ou há muitas brigas?
G: Muitas, muitas não. Mas sempre tem né.
P: Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
G: Nossa! Tem de tudo, tudo...
P: Você pode me explicar um pouco o que é esse tudo?
G: Ah, é tráfico de drogas, tudo... De armas, tudo.
P: Você gosta de morar lá?
G: Sim.
P: Você se sente seguro?
G: Sim.
P: Esses problemas te incomodam?
G: Não. Eu sempre fico o dia inteiro ali e nunca acontece nada. Faz um tempinho já,
foi no começo desse ano eu acho, passou um cara lá com uma câmera, depois um
com uma máquina de lavar roupa e depois passou mais um com uma centrífuga, os
caras tudo maconheiro, levaram tudo lá pro mato. E agente só fica vendo.
P: Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
G: Gosto.
P: O que você mais gosta aqui?
G: De jogar ping pong e de dança.
P: O que você menos gosta?
G: Não tem nada... Ah, tá, de jogar basquete.
NOME: G. S. S. 1
P: Com quem você mora?
G: Com a minha mãe e com meus irmãos.
IDADE: 09 ANOS
73
P: Quantos irmãos você tem?
G: Três. Essa que tá ali na rua, o Geovânio e mais um bebezinho.
P: Eles moram com você?
G: Moram.
P: Quantas pessoas moram na sua casa?
G: Cinco pessoas.
P: Quem é que cuida mais de você?
G: Minha vó, porque a minha mãe trabalha direto, até sábado. E ela mora na frente
da nossa casa.
P: Como você se sente em sua família?
G: É legal.
P: Por que é legal?
G: Porque agente faz coisas divertidas, às vezes ela leva agente pra ver a nossa vó
lá de Orleans e aí ela leva agente no parquinho.
P: Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
G: Às vezes é chato porque chove e não dá de agente brincar na rua.
P: Você gosta da sua família?
G: Aham.
P: O relacionamento de vocês é bom?
G: Aham.
P: Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
G: É que a minha mãe e o meu pai se separaram.
P: Faz tempo?
G: Desde quando eu era bebê.
P: Com quem você se entende mais na sua casa?
G: Com a minha irmã.
P: Por quê?
G: Ah, porque às vezes agente não tem ninguém prá brincar, aí agente brinca
juntas. Agente brinca de barbie, de boneca...
P: Com quem você não se dá muito bem?
G: Com o meu irmão.
P: Por quê?
G: Porque hoje ele me mandou vim na chuva e ele veio com o guarda-chuva.
74
P: As pessoas convivem bem? Ou há muitas brigas?
G: Às vezes tem brigas. Às vezes eu e o meu irmão se brigamos...
P: Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
G: Tem muito ladrão. Já entraram na minha vizinha... Já entrou lá em casa, quando
agente tava tudo dormindo, aí a mãe escutou um barulho... Entrou também na casa
da minha tia.
P: Você gosta de morar lá?
G: Não.
P: Por quê?
G: Porque é chato. Às vezes não tem ninguém pra brincar.
P: Você se sente segura morando lá?
G: Aham. Porque sempre que a minha mãe sai, a vó fica cuidando da gente.
P: Esses problemas te incomodam?
G: Aham. Eles já roubaram coisas lá da minha tia... Eles roubaram, tiraram as coisas
do lugar, botaram a arma na cabeça de um cara lá...
P: E como isso tudo te incomoda?
G: Ah, eu fico preocupada... Triste.
P: Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
G: Aham. Eu até incomodei minha mãe pra entrar.
P: O que você mais gosta aqui?
G: De tudo... Gosto das regras.
P: Por quê?
G: Porque é legal aprender as coisas que tem que obedecer.
P: O que você menos gosta?
G: Quando agente joga futebol, porque tinha vez que eles jogavam até na chuva.
Mas eu não fui, eu tava até gripada.
NOME: G. S. S. 2
P: Com quem você mora?
G: Com a minha mãe.
IDADE: 11 ANOS
75
P: Você tem irmãos? Quantos?
G: Duas. Não, três.
P: Eles moram com você?
G: Aham.
P: Quantas pessoas moram na sua casa?
G: Cinco.
P: Quem é que cuida mais de você?
G: Em casa... A minha mãe.
P: Como você se sente em sua família?
G: É bom.
P: Por quê?
G: Porque sim, a minha mãe ajuda, faz um monte de coisas.
P: Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
G: Às vezes não é muito legal, porque a minha mãe trabalha o dia todo e não fica
com a agente.
P: Você gosta da sua família?
G: Aham.
P: O relacionamento de vocês é bom?
G: É.
P: Por quê?
G: Porque agente se sente feliz.
P: Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
G: Nenhuma. Ah, quer dizer, não sei.
P: Com quem você se entende mais?
G: Com a minha mãe.
P: Por quê?
G: Porque agente se fala, agente brinca.
P: Com quem você não se dá muito bem? Por quê?
G: Com meu vô. Porque ele gosta mais das minhas irmãs.
P: As pessoas convivem bem na sua família? Ou há muitas brigas?
G: Bem.
P: Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
76
G: Não sei.
P: Você gosta de morar lá?
G: Aham.
P: Você se sente seguro?
G: Aham.
P: Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
G: Gosto.
P: O que você mais gosta aqui?
G: Eu gostava de aprender inglês.
P: O que você menos gosta?
G: De nada. Gosto de tudo.
NOME: F. E.
IDADE: 11 ANOS
P: Com quem você mora?
F: Com meu padrasto e a minha mãe.
P: Você tem irmãos?
F: Tenho oito.
P: Eles moram com você?
F: Quatro moram, quer dizer não moram. É que eu fico na casa das minhas irmãs e
às vezes fico com a mãe. Eu fico um mês na casa da minha irmã, um mês na casa
da outra...
P: Então você não mora com a sua mãe e mora com as irmãs?
F: Não, não... Eu moro com a mãe, mas às vezes eu fico na casa das minhas irmãs.
P: Quantas pessoas moram na sua casa?
F: Cinco. Eu, a mãe, o meu padrasto e filha do meu padrasto.
P: A sua mãe e o seu padrasto trabalham?
F: Agora não. Eles tão aposentados... O meu padrasto era cobrador de ônibus e a
minha não trabalhava, ela só cuidava de mim.
P: E hoje, quem é que cuida mais de você?
F: A minha mãe ainda.
77
P: Como você se sente em sua família?
F: Me sinto bem legal, porque eles são bem legal pra mim. Eles até me ajudam nos
meus deveres, eles me ajudam na tabuada...
P: Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
F: Sempre bem.
P: Você gosta da sua família?
F: Aham.
P: Por quê?
F: Porque todo mundo me ajuda.
P: O relacionamento de vocês é bom?
F: É.
P: Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
F: Nenhuma.
P: Com quem você se entende mais?
F: Com todo mundo.
P: Por quê?
F: Porque agente conversa.
P: Com quem você não se dá muito bem?
F: Com meus cachorros.
P: Por quê?
F: Porque eles vivem se brigando. Um dia o grandão quase comeu o pequeno.
P: As pessoas convivem bem? Ou há muitas brigas?
F: Bem. De vez em quando tem brigas, mas eu nem me lembro mais. Eu não lembro
de quase nada. Eu sou o melhor da minha sala em matemática, matemática é a
matéria que eu amo. Eu faltei um dia e a “sora” já passou outra matéria, aí eu já
respondi tudo ontem, já fiz tudo... Mas também, era “facinho” né.
P: Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
F: Alagamentos. Lá onde eu moro não dá pra sair porque assim oh, lá no lado tem
uma descidinha, lá do outro lado também, aí quando chove não da prá sair, aí
agente fica trancado, tem que esperar a água descer. E tem muito tiro. De vez em
quando. Ah, e esse problema eu não podia esquecer... O meu vizinho ele fica
bêbado todo dia, aí ele chega em casa cantando, gritando pra todo mundo: “O que é
seus corno, seus bando de corno.” E ele apanha da mulher. Aí ele chega e fala:
78
“Amor eu trouxe um negócinho pra ti” e ela caí. (risos) Aí ele entra dentro da casa e
já leva uma paulada, ela dá-lhe de chinelo, sandália ou vara.
P: Você gosta de morar lá?
F: Eu gosto.
P: Você se sente seguro?
F: Sim. Porque os tiros são tudo lá pra cima.
P: Esses problemas te incomodam?
F: Não.
P: Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
F: Amo! É a minha vida, eu amo a ONG. Eu gosto de vim pra ONG, mas eu só não
gosto quando eu tô com muito sono.
P: O que você mais gosta aqui?
F: Gosto de tudo, de tudo, tudo.
P: O que você menos gosta?
F: De nada. Eu gosto de tudo.
NOME: W. B. S.
IDADE: 11 ANOS
P: Com quem você mora?
W: Com a minha mãe, com meu pai e meus três irmãos.
P: A sua mãe e o seu pai trabalham?
W: Só meu pai. Ele trabalha numa madereira.
P: Então você tem três irmãos?
W: É.
P: Eles moram com você?
W: Aham.
P: Quantas pessoas moram na sua casa, então?
W: Seis.
P: Quem é que cuida mais de você?
W: Minha mãe.
P: Como você se sente em sua família?
79
W: Me sinto bem né.
P: Por quê?
W: Porque eles me dão comida, ajudam a fazer tarefas...
P: Você se sente sempre assim? Ou é só hoje?
W: Sempre assim.
P: Você gosta da sua família?
W: Gosto.
P: O relacionamento de vocês é bom?
W: É bom.
P: Quais são as principais dificuldades que você percebe na sua família?
W: É que falta comida, né, quando falta...
P: Isso acontece sempre ou é difícil acontecer?
W: De vez em quando... Toda semana né. O pai recebe só sexta, aí às vezes falta
comida.
P: Com quem você se entende mais?
W: Com a minha mãe.
P: Por quê?
W: Porque ela dá comida pra mim, ela bota café...
P: Com quem você não se dá muito bem?
W: Com meu irmão mais velho.
P: Por quê?
W: Ah, porque sim.
P: As pessoas convivem bem? Ou há muitas brigas?
W: De vez em quando tem brigas lá do meu tio, né. O meu tio e o meu outro tio. Eles
moram na casa da minha vó.
P: Quais os principais problemas que existem em sua comunidade?
W: Bastante brigas... Os meus tios né. Eles brigam muito, aí a minha mãe se
incomoda, porque o vô chama a minha mãe... Um dia a minha mãe ficou até doente.
E tem essas drogas também, né.
P: Você gosta de morar lá?
W: Aham.
P: Você se sente seguro?
W: Sim.
80
P: Esses problemas te incomodam?
W: Eu não, né. Mas a minha mãe ela se incomoda. Eu fico chateado, porque a
minha mãe tem que ir lá falar com eles, fica tudo na mão dela né...
P: Você gosta de freqüentar o Projeto Cidadania em Ação?
W: Sim.
P: O que você mais gosta aqui?
W: De... Da aula de “computação”.
P: O que você menos gosta?
W: Eu não gosto muito é de Hip Hop.
81
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS PROFISSIONAIS:
A. G. – 56 ANOS – VOLUNTÁRIO
1–
Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais
dificuldades que elas apresentavam?
G: A maior dificuldade é ter limites né. E outra dificuldade que a gente identificou
assim bem seriamente é a de relacionamento, muito conflito entre eles. Isso
dificultava bastante o trabalho, aí com o tempo foi-se trabalhando né, aí depois veio
a construção das regras e aí eles foram melhorando a socialização deles. Essas
eram as principais dificuldades...
Outra dificuldade também que a gente notava era a questão da higiene, nós tivemos
que ficar em cima e toda vida pedir prá... A questão da higiene também, né. Era bem
sério, eles não estavam nem aí se tinha que ficar de pé descalço, de pé calçado, de
tênis amarrado ou não, a roupa também de qualquer jeito e aí com as atividades
externas que nós tivemos, eles já foram melhorando né. Não todas as crianças eram
assim né, só algumas. Não eram todas que tinham o problema de se arrumar e se
cuidar né.
2–
Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
G: Todas já melhoraram essa questão da higiene né. Realmente, o convívio hoje, é
bem mais fácil né, o convívio entre eles, a socialização ficou bem melhor. E a
questão da obediência, de ouvir, de atenção... A gente hoje pede e eles já...
Escutam, obedecem. Era muito complicado, falavam tudo ao mesmo tempo... Às
vezes a gente ainda pega eles com essas atitudes, mas já melhorou bastante.
3–
Como elas se encontram no momento atual?
G: Pra falar bem a verdade, esse período agora desse ano com as novas crianças,
tá começando a se enquadrar de novo né. Por que naquela época que vocês
tiveram aqui eles já estavam bem trabalhados, né. Mas aí com a vinda das novas
crianças, a gente tá enfrentando algumas dificuldades, com essas novas, mas que já
82
estão se adequando também. Mas eu vejo que hoje eles tão bem melhor né, hoje
eles já tem disciplina, já tem prática nas oficinas, já tá tudo né...
P: Já conhecem o trabalho...
G: Já conhecem o trabalho, hoje eles vivem a situação da ONG, né. Já se
familiarizaram com a execução do trabalho da ONG né.
M. E. – 53 ANOS – VOLUNTÁRIA
1–
Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais
dificuldades que elas apresentavam?
B: Era sobre, assim lanche, era queriam mais era comer... Não queriam, demoravam
muito pra “pegar” as coisas que a gente queria, ensinava elas assim né... Bons
costumes. Elas não tinham boas maneiras nem pra comer, era bem difícil. Aí agora
não, agora a gente vai explicando pra eles né, quando chegar dar bom dia, receber
bem as pessoas... Educação, respeito... Isso aí a gente trabalha o ano inteiro com
eles... Sobre respeito e educação. Eles adoram a comida, o lanche, tudo... Eles
vivem dizendo quero comer, tô com fome, o que tu vai fazer...
2–
Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
B: Ah agora eles estão bem mudados, né. Mudaram bastante, sobre o respeito,
todos eles... Tem alguns ainda mais “dificilzinhos”, né. Mas isso aí é normal pra todo
mundo.
3–
Como elas se encontram no momento atual?
B: Estão mais educados, aprenderam mais a conviver com as outras crianças,
porque era difícil, era mais “no tapa”, agora não, agora já estão mais calminhos. E a
gente ensina muito pra eles também, né, pra eles evoluírem bem e não ficar
socando um no outro... “Tipo” se um dá um tapa e o outro já responde, a gente
ensina muito eles, pra evitar esse tipo de coisa, né. Mas eles estão bem... Bem
mudados.
83
E. D. – 40 ANOS – PROFESSOR DE INFORMÁTICA
1 – Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais
dificuldades que elas apresentavam?
E: Do ano passado pra esse ano... No ano passado haviam poucas dificuldades com
relação ao comportamento. Como as crianças já vinham freqüentando praticamente
há um ano, convivendo juntas e era um grupo menor, não havia problema nenhum
de comportamento. Então a parte de comportamento era bem tranqüila. Agora,
especificamente na minha oficina, havia todas as dificuldades relacionadas a
apropriação dos conhecimentos básicos do computador. Muitos não sabiam nem o
que era utilizar o mouse, então o trabalho foi todo desenvolvido em cima de técnicas
bem elementares, como a utilização do mouse, conhecimento do teclado,
apresentação das peças de hardware e software e foi utilizado pra isso, para atrair
as crianças foi utilizado um conjunto bastante grande de games tanto recreativos
quanto educativos. Assim brincando elas aprendiam esses conceitos elementares. E
no decorrer do ano eu pude observar que elas dominaram completamente essa
parte que elas até então não tinha habilidade. Outros não, outros por terem
computador em casa ou terem acesso na escola, tinham um conhecimento um
pouquinho maior que os outros.
2 – Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
E: Com certeza. Eles dominaram o computador e o comportamento se manteve
porque daí tu cria um vínculo com eles e tu já sabe aquele que precisa um pouco
mais de atenção... Mas o mais bacana é a questão da autonomia que eles
adquiriram diante da ferramenta computador. Tu vê oh, tão lá agora, ligaram o
computador e tão brincando. Antes eu tinha que ligar o computador, colocar no
programa específico, ensinar. Muitas crianças eu tinha que ficar do lado mesmo,
pegar na mãozinha e explicar como era o movimento do mouse... Mas o ano
passado foi bem legal, bem tranqüilo, bem sereno mesmo.
3 – Como elas se encontram no momento atual?
E: Esse ano, essas crianças que já participavam da ONG no ano passado, na parte
do computador elas evoluíram naturalmente né, adquiriram novos conhecimentos,
84
eu ensinei algumas coisas mais técnicas, atalhos, a nomenclatura principalmente de
software e pra que cada programa serve... Em termos de comportamento, daí como
entrou um grande número de crianças que não tinham aquele vínculo, então na
verdade estamos vivendo uma fase de readaptação né, não tem como. Mas em todo
lugar é assim né, quando chega um grupo novo, até todos se conhecerem, até a
gente conhecer as crianças, as dificuldades, os comportamentos... Esse ano a
dificuldade seria mais nessa questão de comportamento né, de criação vinculo que
na verdade vai se adquirindo com o tempo né. E algumas dessas crianças novas
têm as mesmas dificuldades que as outras, de desconhecimento do mouse, aí tem
que começar de novo, né, mas é normal.
L. H. – 20 ANOS – PROFESSOR DE DANÇA
1 – Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais
dificuldades que elas apresentavam?
K: Ah, a maior dificuldade era vim né. Todas queriam, mas não conseguiam vim.
Eles não tinham uma disciplina pra vir, vinham na terça depois só na quinta, então
essa foi a primeira dificuldade. Depois foi sentar, escutar, respeitar os professores,
entender como seria determinada atividade... Separar dos amigos, porque faziam
muita bagunça, aí eles não queriam se separar.
2 – Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
K: Cada dia que passava eles iam evoluindo né, também porque foram “criando
gosto”. Eles ficaram mais participativos, não faltavam, eram os primeiros a chegar. A
gente chegava aqui no portão eles já estavam tudo sentadinho esperando pra entrar.
Esse foi um ponto positivo né, pra ver que o trabalho tava sendo bem efetuado. Eles
começaram a gostar né, criaram um grau de intimidade com as pessoas, com os
colegas, aquela bagunça acabou. Aí eles mudaram pra melhor e foi bem produtivo.
3 – Como elas se encontram no momento atual?
K: Hoje com a chegada de outras pessoas, de outros projetos, de outros alunos, deu
uma deturpada... Ao invés de os veteranos explicar, os veteranos foram caindo na
85
pilha dos novos. Então ainda tem essa dificuldade, a gente tá trabalhando, mas não
é como o começo né. Mas agora, estamos com as propostas de novo, de regras, de
ter que fazer isso e aquilo, começamos do zero por causa da chegada dos alunos
novos.
N. G. D. - 31 ANOS – PSICÓLOGA – (Coordenadora da ONG)
1 – Quando as crianças ingressaram no projeto, quais as principais
dificuldades que elas apresentavam?
N: No começo elas eram muito curiosas, queriam conhecer o trabalho, saber o que
era feito na ONG, porque só o que elas sabiam era que ali não era uma escola... E a
gente se deu conta de que elas só iriam entender o trabalho vivenciando-o. As
dificuldades no começo eram muito poucas porque as crianças também eram
poucas. Havia aproximadamente vinte crianças pela manhã e trinta no período da
tarde. Mas elas tinham problemas relacionados à falta de limites mesmo, falavam
muitos palavrões, brigavam entre elas e algumas vezes partiam até pra agressões.
Aí o nosso trabalho é feito com muito diálogo e nós criamos o momento da “roda”,
antes da hora do lanche, pra reunir todas as crianças em um círculo e conversar
bastante com elas, falar do respeito com os educadores, respeito com os colegas...
2 – Você percebeu mudanças ao longo do tempo? Quais?
N: Claro. A auto-expressão delas mudou muito... No começo elas eram muito
quietas, retraídas. Hoje elas estão mais ativas, dão até muitas sugestões pra nós.
Hoje elas estão com muita iniciativa, autonomia... Muitas coisas que melhoraram no
desenvolvimento delas mesmo.
3 – Como elas se encontram no momento atual?
N: Bom, como hoje o número de crianças duplicou, nós estávamos com um pouco
de dificuldade pra dar conta, porque ainda tem problemas de disciplina. Mas pra
resolver isso, com as novas crianças e as antigas também, nós montamos uma
cartilha com várias propostas de melhorias no comportamento das crianças e com
várias regras, mesmo. Aí fizemos reuniões com as famílias, apresentamos a cartilha
86
para os pais e explicamos que a criança que não cumprir as regras vai levar um
bilhete para casa e os pais devem conversar com ela. Se não adiantar, vamos
mandar mais um bilhete e a criança só vai voltar pra cá se vier com os pais. Essas
foram algumas estratégias pra tentar amenizar as dificuldades pelo grande número
de crianças. Mas quanto às evoluções delas, têm muitas outras... Nós percebemos
que a participação delas na ONG ajudou a fortalecer vínculos e criar amizades que
não tinham antes na comunidade, porque antes elas só tinham amigos na escola, só
que uma parte desses amigos morava em outros locais. Hoje elas têm grupos
diferentes na própria comunidade e fortaleceram os vínculos de amizade com a
convivência na ONG. As crianças também têm oportunidades de acesso a coisas
diferentes como a apresentação de dança que elas participaram no final do ano
passado no teatro. Foi um evento oferecido pela Fundação Cultural e a instituição
que se apresentou com mais crianças foi a nossa. Elas também têm acesso a
sessões de cinema, que também fizemos no ano passado... Aulas de informática, de
artes, violão, capoeira, esportes... Tudo isso são coisas culturais e muito importantes
pra elas.
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