Virtù: Direito e Humanismo

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O ESTADO LAICO BRASILEIRO E OS SÍMBOLOS RELIGIOSOS NAS
REPARTIÇÕES DO PODER PÚBLICO
LAICO BRAZILIAN STATE AND RELIGIOUS SYMBOLS IN THE OFFICES OF THE PUBLIC POWER
Jade Lorraine Santos Miranda1, Nayara Soares Santana2
1
Aluna do Curso de Direito.
2
Professora especialista em Direito Público.
Resumo: O Artigo tem como objetivo de pesquisa esclarecer e avaliar a legitimidade da
utilização de símbolos religiosos nas repartições públicas diante da laicidade do Estado
brasileiro. A Constituição Federal de 1988 determina o dever estatal de proteger a livre
convicção religiosa de todos os indivíduos, sem nela interferir, e, paralelamente, veda o Poder
Público de instituir religião oficial ou vincular-se aos fenômenos religiosos. Assim, impõe-lhe,
uma posição de neutralidade em matéria religiosa. Desta maneira, o que se questiona é se o
emprego de símbolos religiosos nos órgãos públicos configura uma afronta ao princípio
constitucional da laicidade do Estado e à liberdade religiosa do indivíduo. Parte das decisões
judiciais entende que a utilização dos símbolos nas dependências públicas agride ao princípio
constitucional e a liberdade religiosa e, portanto, devem ser retirados; outra parte defende que,
além de não ferir, constitui um traço cultural, não subsistindo motivos para retirá-los. De fato o
Estado deve tratar todas as crenças ou descrenças com isonomia, mantendo-se imparcial. A
discussão do tema é relevante, uma vez que diz respeito a matéria de ordem constitucional e
por tratar da interação Estado e religião em um país democrático, republicano e laico.
Palavras-chave: símbolos religiosos, repartições do poder público, Estado laico.
Abstract: The article aims to clarify the research and assess the legitimacy of the use of
religious symbols in public buildings on the secular nature of the Brazilian State. The 1988
Federal Constitution determines the state's duty to protect the free religious belief of all
individuals without interfering in it, and at the same time seals the public power to institute
official religion or be bound to religious phenomena. Thus imposes a position of neutrality in
religious matters. Thus, what is questioned is whether the use of religious symbols in public
institutions set an affront to the constitutional principle of secularity of the State and the
religious freedom of the individual. The judicial decisions mean that the use of symbols in
public facilities assaults the constitutional principle and freedom of religion and therefore
should be removed; other party argues that in addition to not hurt, is a cultural trait, without
there being reason to remove them. In fact the state should treat all beliefs or unbelief with
equality, remaining impartial. The theme of the discussion is relevant, as regards the matter of
constitutional order and deal with the state interaction and religion in a democratic, republican
and secular.
Keywords: religious symbols, public power agencies, secular state
Sumário: Introdução. 1. Estado Laico: Conceito. 2. Estado Laico Brasileiro: abordagem
histórica. 3. O Princípio da Laicidade e a Liberdade Religiosa no atual âmbito Constitucional
brasileiro. 4. O Uso de Símbolos Religiosos nas Repartições do Poder Público. 4.1. Os símbolos
oficiais do Brasil. 4.2. A questão do preâmbulo constitucional. 4.3. Laicidade, Democracia e
Constitucionalismo. 4.4 O princípio da legalidade e da impessoalidade na administração
pública. 4.5 Do posicionamento favorável à utilização de símbolos religiosos nas repartições
do poder público 4.6 Fundamentos contra a permanência de símbolos religiosos nas repartições
do poder público. Conclusão. Referencial Bibliográfico.
Introdução
No Brasil, a laicidade teve início no ano de 1890, com a edição do Decreto 119-A, sendo
corroborada nas Constituições posteriores e inclusive pela vigente Carta magna de 1988.
Estado laico é em essência, segundo o doutrinador Roberto Blancarte (2008, p. 25), “um
instrumento jurídico-político para a gestão das liberdades e direitos do conjunto de cidadãos”.
Pois, trata-se de um Estado que não vincula-se aos anseios religiosos e impõe a separação entre
poder público e fenômenos da religião para salvaguardar a autonomia do poder civil. Porém,
não quer dizer um Estado ateísta, mas sim um Estado que, não adota uma religião oficial e,
respeita todos os credos e sua exteriorização com isonomia. Desse modo, perfaz que o Estado
laico reveste-se de neutralidade, não apoiando ou se opondo a nenhuma religião. Essa
concepção refere-se à ideia de permitir a liberdade religiosa do cidadão, pois não cabe ao Estado
interferir na crença individual.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) exterioriza o caráter laico do Estado brasileiro
através da prescrição constante no artigo 19, inciso I e art. 5º, inciso VI, determinando a
separação da esfera pública do plano religioso, bem como a proteção da liberdade religiosa do
indivíduo. Nesse contexto, o direito à igualdade e à liberdade religiosa são assegurados na atual
carta magna como direitos fundamentais.
Contudo, apesar da proteção constitucional à liberdade de consciência e de crença e o caráter
laico do Estado brasileiro, é comum encontrar símbolos religiosos- crucifixos, cruz- afixados
em espaços eminentemente públicos, como salas de audiências, tribunais e no plenário do
Congresso Nacional, diversamente dos símbolos previstos no art. 13 da Constituição de 88.
Por esse cenário, a questão fundamental que se indaga na pesquisa é se a utilização de
símbolos religiosos em repartições públicas afronta o princípio da laicidade do Estado e a
liberdade religiosa do indivíduo. Diante disso, este artigo tem por escopo analisar a questão,
primordialmente, sob a ótica constitucional e, em que pese, as decisões jurisprudenciais e o
entendimento doutrinário.
Para tanto, de início, será explanado o conceito de Estado laico. Em seguida, será realizado
uma breve abordagem histórica quanto à consolidação da laicidade no Brasil, conjugado a
2
notável atuação da Igreja Católica na formação do Estado brasileiro, afim de que se possa
conceber a figura do Estado laico existente no nosso ordenamento.
Num terceiro momento, far-se-á um diagnóstico do princípio da laicidade do Estado e da
liberdade religiosa, à luz da Constituição Federal de 1988. Para que se compreenda o alcance
normativo desses princípios na esfera pública, pelo qual reporta ao Estado limites e deveres no
que tange à religião.
Após, adentrar-se-á na problemática de pesquisa, pelo qual será feita interpretação dos
símbolos oficiais do Brasil, do preâmbulo constitucional, dos princípios da legalidade e da
impessoalidade na administração pública e, por fim, o posicionamento favorável e desfavorável
à utilização dos símbolos nas repartições públicas, atrelado ao entendimento judicial e
doutrinário.
Portanto, objetivo principal deste artigo é, justamente, esclarecer e avaliar a legitimidade da
utilização dos símbolos religiosos nos espaços públicos ante o dever de abstenção do Estado,
em vista do princípio da laicidade e da liberdade religiosa. Entretanto, embora essa questão seja
enfrentada no judiciário há quem minimize a importância do assunto, porém, como bem pontua
Daniel Sarmento (2007), citado por Roberto Lorea (2008, p. 196):
A questão [...] não é fútil, já que não versa sobre a melhor forma de se decorar
certos ambientes formais do poder público, mas sim sobre o modelo de relação
entre o Estado e religião mais compatível com o indeário republicano,
democrático e inclusivo, adotado pela Constituição de 88. Trata-se, em suma,
de uma questão de princípios, e não de uma discussão sobre meras
preferências estéticas.
Nessa mesma linha de raciocínio, entendo pela relevância do tema, uma vez estar em pauta
a efetividade dos princípios constitucionais e a interação Estado e religião num país
democrático, republicano e laico.
1. Estado Laico: Conceito
Desde a Idade Média percebia-se a influência da igreja na formação do Estado, pelo qual o
reportava abusos e privilégios consequentes de seu poderio. Contudo, com o surgimento das
Constituições e da democracia, houve-se a necessidade do apartamento do Estado face à Igreja.
Se por um lado, os Estados Teocráticos e Confessionais caracterizam-se, respectivamente,
pela fusão e união entre Estado e Igreja. De modo que no primeiro, a religião exerce total poder
sobre os rumos da nação e, no segundo, embora não haja confusão, possui religião oficial que
pode influir nos rumos politicos da nação, além de conceber privilégios próprios. Por outro
3
lado, o Estado laico promove o ideal separatista entre Estado e igreja, pois, além de não
confessar religião alguma, respeita o pluralismo religioso existente na sociedade.
Carlos Cavasin Neto (2012, p.10) explica o Estado laico com os seguintes dizeres:
A laicidade diz respeito às instituições e às esferas de ação do Estado em vista
das Igrejas e do fenômeno religioso. Aqui, o Estado laico não interfere na
escolha das funções eclesiásticas, como bispos e pastores, nem a Igreja indica
governadores ou juízes. Além disso, o Estado laico não invoca elementos
religiosos para conferir legitimidade à sua atuação política. O Estado também
não favorece nenhuma religião em desfavor de outras; ele não incentiva nem
desencoraja a participação de seus cidadãos em cultos e organizações
religiosas; nem se manifesta favorável ou desfavoravelmente à existência de
deuses. Quem decide sobre essas questões é somente a consciência de cada
cidadão, pois o Estado laico garante o direito de liberdade religiosa.
Assim, laicidade deriva do termo Laico, de origem grega, que exprimi algo neutro, isto é,
um Estado imparcial no campo religioso. Pois, a laicidade estatal não se materializa apenas na
separação do Estado da igreja, mas também no respeito e na garantia de qualquer tipo de
manifestação de crença, sem contudo apoiar ou se opor. Nesse pensar, salienta Joana
Zylbersztajn (2012, p. 37):
A laicidade consiste na garantia da liberdade religiosa e da não submissão
pública a normas religiosas e rejeição da discriminação, compreendida em um
contexto em que a legitimação do Estado não se encontra mais no divino, mas
na legitimação democrática constitucional, garantidora de direitos
fundamentais.
Portanto, Estado Laico, também chamado de Estado leigo ou secular permite um espaço
livre das diferenças e de interesses restritos e assegura o pleno exercício da pluralidade
religiosa, isto é, ao mesmo passo que o Estado não deve conduzir sua atuação por dogmas da
religião, deve permitir e proteger a plena liberdade religiosa de todos de forma igualitária, sem
interferir nas escolhas individuais e sem manifestar nenhum sentimento religioso por qualquer
religião. Assim, evidencia-se a sua neutralidade.
Contudo, Estado laico não quer dizer Estado ateísta ou refratário a religião, mas sim, um
Estado neutro no campo religioso, que assegura a liberdade individual, desde que não ofenda à
ordem pública, e o distanciamento dos fenômenos religiosos do poder político para
salvaguardar a autonomia do povo.
Da mesma maneira, laicidade não se confunde com laicismo, visto esse ser uma ideologia
hostil, contra toda e qualquer manifestação religiosa, trata-se da postura estatal em preterir o
fenômeno religioso (SARLETE, 2015). No Estado laico, contrariamente, permite-se e respeita
o pluralismo religioso e sua exteriorização.
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2. Estado Laico Brasileiro: Abordagem histórica
No século XIX, mais precisamente na França1, criou-se uma política-filosófica em busca da
separação entre Estado e Igreja. A ideia era afastar a legitimidade do poder político de
concepções religiosas, tendo em vista a incisiva relação da religião e suas intituições na
formação do Estado moderno, o que de fato, acarretava regalias e privilégios aos fiéis da crença
predominante e segregação com as demais.
No Brasil, a participação da Igreja Católica foi contundente na composição do Estado
brasileiro, tanto que sua enorme influência fomentou o catolicismo como religião oficial do
Império. As outras crenças só eram permitidas em “cultos doméstico, ou particular em casas
para isso destinadas, sem forma exterior do templo”2, conforme determinava a Constituição
Federal de 1824. Além disso, somente se permitia a elegibilidade dos candidatos ao parlamento
que professassem a religião do Estado3, fator que comprovava a presença constante de padres
e bispos em mandatos políticos. Desse modo, imprimia-se ao ambiente público os valores e
interesses da Igreja, vigorando-se o sistema confessional.
Contudo, após a proclamação da República - e diante da onda liberal no cenário
internacional - foi editado por Rui Barbosa o Decreto 119-A de 1890 que determinou a
separação drástica entre Estado e Igreja, extinguindo-se, assim, o monopolismo da Igreja
Católica. A partir daí, iniciou-se uma evolução constitucional, proporcionando a formação de
um Estado laico.
Com efeito, as Constituições seguintes determinaram expressamente o apartamento entre
Estado e igreja, não filiando-se a uma religião oficial. E, principalmente, a decretação de
mecanismos capazes de permitir a liberdade de religião dos cidadãos.
Nesse viés, a primeira Constituição republicana de 1891 representou o marco da laicidade
no Brasil, pois, engajou a mais radical separação entre o ambiente público e igreja, assegurando
Segundo Ari Pedro Oro “laicidade é um neologismo francês que aparece na segunda metade do século XIX,
mais precisamente em 1871, no contexto do ideal republicano da liberdade de expressão- na qual está inserida a
noção de liberdade religiosa- do reconhecimento e aceitação de diferentes confissões religiosas”. ORO, Ari Pedro.
A laicidade na América Latina: uma apreciação antropológica. In Roberto Arruda Lorea (org.) Em defesa das
liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 81.
2
Art. 5º da Constituição Federal de 1824. “Art. 5º. A Religião Cathólica Apostólica Romana continuará a ser a
Religião oficial do império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em
casas para isso destinadas, sem forma exterior do templo”. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao24.htm
3
Art. 95, III da Constituição Federal de 1824. “Art. 95. Todos os que podem ser eleitores, abeis para serem
Deputadas. Exceptuam-se: III. Os que não professarem a religião do Estado”. – Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituicao24.htm
1
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de todo modo a liberdade de crença, de culto e de organização religiosa sem a mínima
intervenção do Estado. Naturalmente, ao longo do tempo, as demais Constituições criadas
apreciaram essas diretrizes de várias maneiras - à guisa de exemplo, a possível cooperação
entre Estado e igreja, previsto na Constituição de 1934, ou lacunas, no que tange o Estado
manter “relação de dependência ou aliança” com cultos e igrejas, ocorrido na Constituição de
1937 e, além das inovações constitucionais, como a imunidade tributária conferida aos templos
religiosos, na Constituição de 1946. Porém, em todas denotava-se o distanciamento do poder
público da esfera religiosa, de modo que o ordenamento jurídico construía-se por premissas
republicanas e pela determinação do Decreto 119-A de 1890, que preconizava:
Artigo 1º. É proibido a autoridade federal, assim como a dos Estados
federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo
alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país,
ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivos de crenças, ou
opiniões filosóficas, ou religiosas”. (BRASIL, 1890)
Portanto, desde então, o Estado brasileiro tornou-se laico, mantendo-se neutro face ao
fenômeno religioso, sem estabelecer, subvencionar, embaraçar ou associar-se a qualquer
exercício religioso4, garantindo, por conseguinte, a liberdade religiosa dos cidadãos. Na mesma
linha seguiu a Constituição Federal de 1988, haja vista, tenha se delineado um Estado
democrático de direito, que promove a liberdade e igualdade como garantias fundamentais de
seus cidadãos e proíbe a união entre Estado e instituições religiosas. Fatores estes, que
solidificaram o princípio da laicidade na atual conjuntura.
3. O Princípio da Laicidade e a Liberdade Religiosa no atual âmbito
Constitucional Brasileiro
Antes de tudo, afigura-se necessário observar que não se vislumbra, aqui, pormenorizar as
disposições constitucionais acerca dos pontos de contato entre Estado e religião. Diversamente,
objetiva-se compreender o alcance normativo dos princípios constitucionais da laicidade do
Estado e da liberdade religiosa, à luz da Constituição de 88, de forma a evidenciar os limites e
deveres do Estado no que tange à religião.
A Lei Maior de 88 não dispôs de um dispositivo que afirme o Brasil ser um Estado laico, e
nem tão pouco seu significado, porém, o princípio da laicidade do Estado está intrinsicamente
ligado aos preceitos constitucionais existentes no ordenamento jurídico brasileiro.
4
Todas as constituições, desde 1891, expressamente vedaram os entes federativos de estabelecer, subvencionar,
embaraçar, bem como manter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja. Constituições
disponíveis em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao
6
Além de se constituir um Estado pelo qual sua legitimidade fundamenta-se nos anseios
populares, e não em dogmas confessionais, a atual Constituição corrobora o princípio da
laicidade do Estado através do artigo 19, inciso I, ao impor ao Estado o dever jurídico de absterse da religião e de não interferir nas convicções intimas do cidadão. A esse dever, corresponde
um direito fundamental e subjetivo que os cidadãos dispõem: a liberdade religiosa, devidamente
assegurada na atual Carta Magna.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público; [...] (BRASIL, 1988)
Por esse dispositivo, a menção do termo estabelecer, infere que o Estado não pode ter uma
religião oficial ou criar religiões, bem como entabular práticas de liturgia.
No mesmo viés, o dispositivo veda os entes federativos de subvencionar, ou seja, patrocinar
com dinheiro ou bens o exercício religioso. No entanto, vale ressaltar que a imunidade
tributária5 conferida as instituições religiosas não caracteriza forma de subvenção estatal, pois,
sua finalidade é evitar que se atravanque o funcionamento dos estabelecimentos religiosos
tendo por base a via financeira (STERNICK, 2007). Nesse diapasão, a Constituição veda
qualquer ação estatal que vise embaraçar, limitar, dificultar ou restringir a prática de atividades
religiosas.
Por fim, a proibição de relações de dependência ou aliança, traduz a necessidade de Estado
e instituições religiosas manter-se independentes e autónomos, de forma que um não se sujeite
ao outro fomentando influências. Por outro lado, a ressalva prevista no artigo prever a
possiblidade de colaboração entre ambos, desde que em prol do interesse público. Isto é, os
entes federativos podem incentivar o desenvolvimento de obras ou serviços sociais promovidos
por estabelecimentos religiosos. Pois, segundo Paulo Vecchiatti (2008):
[...]essa colaboração não significa em momento nenhum que o Estado
concorda, depende ou se alia com a fé religiosa respectiva. O que importa para
essa cooperação é o interesse público consistente no desenvolvimento, pela
instituição, de uma atividade considerada útil pelo Estado para atingir um fim
pretendido pela coletividade, sem nenhuma relação com a crença religiosa.
Portanto, a proibição refere ao incentivo por parte do Estado à atividade religiosa em si.
Art. 150, IV, b, da CF/88. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV. Utilizar imposto sobre: b) templos de qualquer
culto”. BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988.
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Diante disso, o art. 19, I impõe ao Poder Público o dever jurídico de não vincular-se aos
dogmas da religião e de não obstar a manifestação religiosa do cidadão. Trazendo limites à
atuação do Estado no campo religioso e impondo-lhe uma posição de neutralidade. De forma,
que se permita e proteja as diversas convicções religiosas, sem, contudo, diretamente nelas
interferir. Assim, “o Estado não está autorizado a adotar uma religião oficial, nem impor
qualquer crença, devendo respeitar e tratar todos os indivíduos igualmente” (KARAM, 2009,
p.5). Nesse pensar, o doutrinador Jónatas Machado (1996, p. 347) salienta que o princípio da
laicidade do Estado
[...]não indica nenhuma má-vontade do constituinte em relação ao fenômeno
religioso, mas antes exprime a radical hostilidade constitucional para com a
coerção e discriminação em matéria religiosa, ao tempo em que afirma o
princípio da igual dignidade e liberdade de todos os cidadãos.
Portanto, pelo princípio da laicidade é proibido o emparelhamento entre Estado e religião e
a adoção de uma religião oficial, bem como fica protegida as diversas confissões religiosas de
possíveis intervenções abusivas do Estado. Dessa maneira, por um lado, o princípio da laicidade
do Estado representa a separação entre os órgãos públicos e as instituições religiosas, de modo
que a esfera pública mantenha-se autônoma e independente, sem que se sofra influências
indevidas provenientes da seara religiosa.
Por outro lado, o princípio da laicidade do Estado intimamente relaciona-se aos direitos
fundamentais da liberdade e igualdade religiosa, por tratar de mecanismos abeis a compor um
ambiente que garanta os sentimentos religiosos do indivíduo em face do Estado e da própria
pluralidade de confissões existentes na sociedade, de modo que um não imponha suas
convicções sobre o outro - isso também no que tange ao Estado - e seja possível o trato
isonômico entre todos. Pois, a laicidade permite a todo o indivíduo o direito de perfilhar uma
convicção, de não assumir convicção nenhuma, como também, de muda-la.
Nesse viés, a proteção da liberdade religiosa do indivíduo, que pressupõe a atuação do
Estado em não interferir na esfera íntima do cidadão, como também de proteger o seu livre
exercício religioso, é devidamente assegurada pela vigente Constituição Federal, dentre vários
dispositivos, especialmente, através do inciso VI do art. 5º:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]:
VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias; [...]. (BRASIL, 1988)
À vista dos contornos do dispositivo supra citado, é possível notar que seu alcance
normativo abrange a liberdade de crer, bem como a liberdade para não crer, isto é o exercício
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do ateísmo ou agnosticismo. Assim, percebe-se que fica garantida, como direitos subjetivos, a
liberdade de crença, isto é, a liberdade de foro íntimo que envolve o direito de escolher, adotar,
cultivar e mudar de credo, bem como a liberdade de consciência do indivíduo, em não admitir
crença alguma. Da mesma forma, fica assegurada a liberdade de culto, que é “a garantia dada
pelo Estado de que os grupos religiosos possam exercer práticas ritualísticas no interior da
sociedade” (CAVASIN NETO, 2012, p. 21). Implicitamente, esses direitos alcançam o direto à
proteção contra coação oriunda do particular ou do Estado. Nesse sentindo, Maria Lúcia Karam
(2009, p.3) ressalta:
livre, o indivíduo, naturalmente, deve poder pensar e acreditar naquilo que
quiser. É esse o campo da liberdade de pensamento, de consciência e de
crença. É um campo que diz respeito somente ao indivíduo, não podendo
sofrer qualquer interferência do Estado. É um campo essencialmente ligado à
própria idéia existente de democracia, pois sem um pensamento livre não
existe a possibilidade de escolha que está na base dessa ideia.
Assim, a liberdade de crença e de consciência do indivíduo, atua, num primeiro momento,
contra o Estado, isto é, reporta o dever de não condicionar os cidadãos à determinada religião
ou sancioná-los por sua convicção. Nesse pensar, reforça o autor André Tavares (2008, p. 586)
com os seguintes dizeres:
O direito à liberdade religiosa se erige, primeiramente, contra o Estado, o qual,
por conseguinte, está impossibilitado de impor, uma religião oficial, relegando
as demais à marginalidade e, tampouco, desrespeitar ou tolher o exercício de
qualquer religião, da consciência e crença individual ou perseguir certas
religiões ou praticantes (há outras limitações derivadas desta concepção, como
a impossibilidade de o Estado promover guerras santas). Significa [ainda] que
a pessoa não pode ser forçada a abandonar sua opção religiosa, sua fé.
Portanto, a liberdade religiosa, plasmada no art. 5º, VI da CF/88, garantidora da
inviolabilidade de crença e consciência, revela que as razões de credo religioso detidos pelo
indivíduo não podem sofrer interferência estatal. Pois, segundo o juiz Ingo Sarlet (2015), tais
liberdades, enquanto elementos fundamentais da ordem jurídico-estatal objetiva, fundamentam
a neutralidade religiosa e ideológica do Estado, como alcance de um processo político livre e
como base do Estado Democrático de Direito.
Esse direito de inviolabilidade não coaduna, somente, à liberdade de crer em qualquer
divindade, mas também a liberdade de não crer. O autor Alexandre de Moraes (2002) explica
que o Estado deve respeito ao ateísmo, pois a liberdade de crença abrange também o direito de
não aceitar ou não preconizar nenhuma fé.
Assim, abrange-se o direito de proteção aos ateístas, agnósticos, ou àqueles que possuem
posição étnica não propriamente religiosa, pois, a Constituição assegura igualmente esse direto
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para todos os cidadãos. Nesse diapasão, a Carta Magna veda, no art. 19, III, os entes da
federação “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Portanto, teístas ou
ateístas possuem o mesmo direito e devem ser tratados igualitariamente.
Nesse diapasão, urge salientar os dizeres de Jónatas Machado (1996, p.229):
A liberdade religiosa situa-se no discurso jurídico-constitucional tendo como
premissa o valor da igual dignidade e liberdade de todos os cidadãos,
procurando apresentar um conceito de religião e de liberdade religiosa dotado
de um grau de inclusividade compatível com aquele valor, que afaste dos
domínios das opções de fé e da vivência religiosa qualquer forma de coerção
e discriminação jurídica ou social.
Desta forma, prima-se a isonomia entre a diversidade religiosa existente na sociedade.
Portanto, a vigente Constituição delineia o dever do Estado em manter-se absolutamente
neutro no campo religioso, de modo, a não dirigir suas ações por dogmas confessionais e nem
vincular-se à eles, ao mesmo passo, deve assegurar e salvaguardar a inviolabilidade da liberdade
religiosa das diversas confissões, proporcionando-as um trato isonômico. De toda forma, a
legislação brasileira proscreve a intolerância religiosa.
Dada a importância desse direito fundamental do cidadão, vale salientar que a liberdade
religiosa não se configura como absoluta, no sentindo que a externação da crença deve conviver
em harmonia com os demais direitos fundamentais, à guisa de exemplo, o direito à vida e à
dignidade da pessoa humana.
4. O Uso de Símbolos religiosos nas Repartições do Poder Público
Na estrutura estatal é comumente encontrado símbolos religiosos afixados nas paredes dos
prédios públicos. Nas salas de audiências, nos Tribunais, Assembleias Legislativas, Câmaras
Legislativas municipais, repartições da Administração Pública e, até mesmo nos órgãos de nível
nacional, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal de Justiça, nos deparamos com a
ostentação de crucifixos e cruzes em suas instalações.
Ocorre, que a utilização desses símbolos nas repartições públicas, não parece coadunar com
o dever jurídico do Estado de neutralidade no campo religioso. Uma vez que o Estado deve
ostentar expressões simbólicas que traduzam um coeficiente comum a todos os indivíduos
integrantes da sociedade, justamente para coibir interesses do sectarismo religioso e assegurar
o livre exercício da pluralidade religiosa.
Nessa linha, dentro do aspecto laico, republicano e democrático constitucional, inflige
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reconhecer que a demasiada utilização de crucifixos nas repartições públicas transparece a
simpatia do Estado à determinada orientação religiosa. O que por vez refuta o caráter agregador,
não imunizando o sentimento religioso das minorias, ainda que indiscutível a inspiração
católica/cristã no seio da sociedade brasileira, representando seus fiéis a maioria. Certo é, para
que o sentimento de todos os cidadãos seja respeitado o Estado deve abster-se de manifestar
qualquer forma de religiosidade.
Diante disso, o uso de símbolos religiosos pelo Estado, de pronto revela tamanha
problemática, vez que trava-se o impasse entre: se o modelo institucional brasileiro não permite
o Estado manifestar sua preferência por determinada confissão religiosa em repartições
eminentemente públicas, e se, por si só, as raízes históricas e culturais do país e o predomínio
da religião católica é capaz de justificar a utilização de crucifixos ou cruzes nas salas de
audiências e nos tribunais do país.
Com vistas a esse dilema, para o prosseguimento do exame da legitimidade e
constitucionalidade da ostentação de símbolos religiosos nos prédios públicos, se faz
indispensável o estudo dos tópicos seguintes.
4.1 Os símbolos oficiais do Brasil
Elza Galdino (2006, p. 36), a partir do dicionário de Houaiss (2001), elucida os símbolos
como:
Aquilo que por um princípio de analogia ou de outra natureza, substitui ou
sugere algo. Aquilo que, num contexto cultural, possui valor evocativo,
mágico ou místico. Aquilo que, por pura convenção, representa ou substitui
outra coisa. Representação convencional de algo, emblema, insígnia.
De toda forma, nenhum símbolo é inócuo, seja de qual ordem for possuem significados e
transmitem aquilo que lhes são conferidos. Nesse passo, no que tange aos símbolos religiosos,
o crucifixo, em especial, ilustra a imagem de Jesus Cristo crucificado. No mesmo sentindo, a
cruz representa a síntese da vida cristã, interligada a história de sofrimento e humilhação na
morte de Cristo no calvário. Assim, tais símbolos transmitem, indissociavelmente, as ideias e
valores cristãos, pelo qual formam associação mental imediata a símbolos de ordem religiosa.
O crucifixo possui conotação simbólica haja vista ter sido adotado pela igreja Católica
Apostólica Romana como representativo do catolicismo, uma vez que a construção de seus
princípios foi baseada na biografia de Jesus Cristo. Portanto, é inegável a associação mental
entre o crucifixo e a religião católica.
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Nesse viés, tendo os símbolos por finalidade representar, transmitir, caracterizar ou
identificar algo, faz necessário salientar que a vigente Constituição Federal expressamente
apresenta os símbolos do país em seu art. 13, §1º:
Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do
Brasil. § 1º São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino,
as armas e o selo nacionais. (BRASIL, 1988)
Assim, a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais representam, transmitem e
caracterizam o Estado brasileiro, o que parece tão distante de se transmitir à nação valores
religiosos. Desta maneira, pela expressa prescrição constitucional, perfaz-se que não há
margem de se representar o Brasil por outras simbologias. Contudo, é notório, que a
Constituição assegura aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal a escolha de outros
símbolos (§ 2º), porém, não inclui a ostentação de signos religiosos, pois seria de um tanto
contraditório, se a própria Constituição determina o apartamento entre Estado e instituições
religiosas e garante a liberdade religiosa do indivíduo, que faz sugerir o dever do Estado em
respeitar a convicção particular.
4.2 A questão da invocação de Deus no preâmbulo constitucional
Em razão da expressa menção à Deus no preâmbulo da Constituição Federal de 88, impõese esclarecer sobre a força normativa do texto preambular, em virtude de eventuais argumentos
que correlacionam tal menção à laicidade do Brasil e à consequente utilização de símbolos
religiosos no poder público.
Hans Kelsen (1969, apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2009. p. 30), brilhantemente,
em sua clássica Teoria Geral do Direito e do Estado, nos ensina que:
O preâmbulo é uma introdução solene, que expressa as ideias políticas, morais
e religiosas que a Constituição tende a promover; que o seu caráter não
sinaliza nenhuma norma definida em relação à conduta humana, carecendo,
por isso, de um conteúdo juridicamente relevante; que possui caráter mais
ideológico do que jurídico, razão por que, se vier a ser suprimido, isso não
mudará em nada o significado real da Constituição [...].
Nesse viés, o Supremo Tribunal Federal (STF) instado sobre a locução “sob a proteção de
Deus”, presente no preâmbulo da Constituição Federal, julgou improcedente a ação direta de
inconstitucionalidade movida pelo Partido Social Liberal, pelo qual pleiteava a inclusão de tal
locução na Constituição do Acre, uma vez que, segundo o proponente, esta era a única
Constituição estadual que não a possuía e que, assim, os acreanos estavam privados da proteção
12
de Deus. No entanto, o STF firmou entendimento que o preâmbulo constitucional não possui
força normativa, não sendo norma de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais.
Para este estudo, vale destacar o voto do relator ministro Carlos Velloso, ao salientar que a
inclusão da invocação de Deus no preâmbulo da Constituição Federal “reflete, simplesmente,
um sentimento deísta e religioso, que não se encontra inscrito na Constituição, mesmo porque
o Estado brasileiro é laico” 6. No mesmo diapasão, o ex-ministro Sepúlveda Pertence entende
que a expressão “sob a proteção de Deus” “não é norma jurídica, até porque não se teria a
pretensão de criar obrigação para a divindade invocada. Ela é uma afirmação de fato jactanciosa
e pretensiosa, talvez, de que a divindade estivesse preocupada com a Constituição do país” 7.
De todo modo, a locução não possui eficácia jurídica.
Assim, tendo por base a pacífica jurisprudência e a corrente majoritária, é inequívoco que a
menção à divindade carece de força normativa, razão pelo qual não descaracteriza a laicidade
do Estado, mas tão somente expressa um indício teísta do poder constituinte. Além do mais, a
locução é de conteúdo ideológico, não estando reafirmada nas normas constitucionais. Em
verdade, o que se encontra firmado na Lei Maior é a liberdade de crença, inclusive de descrença.
Não sendo, assim, plausível ostentar símbolos religiosos em órgãos públicos baseando-se na
concepção de que toda a nação brasileira é fundada em Deus, tendo em vista a famigerada
expressão do preâmbulo constitucional.
4.3 Laicidade, Democracia e Constitucionalismo
Tem-se por democracia a forma de participação do povo, em que a maioria orienta a
máquina estatal conforme suas convicções. Porém, a técnica jurídica do constitucionalismo,
garante o exercício dos direitos individuais pelos cidadãos, ao mesmo passo que impõe ao
Estado condições de não os poder violar. Nesse pensar, a Constituição abarca diretrizes
fundamentais que devem ser sempre observadas.
Assim, um Estado Democrático de Direito - plasmado na CF/88, art. 1ª - que se compromete
a garantir os direitos e liberdades civis através de instrumentos jurídicos, consequentemente,
deve respeitar as liberdades individuais das minorias para que se consubstancie uma sociedade
livre, justa, solidaria e sem formas de opressão. O constitucionalismo atrelado ao Estado de
6
Supremo Tribunal Federal. ADI por omissão nº 2.076-5/AC, p. 6. Disponível em: http://redir.stf.jus.br
/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324
7
Supremo Tribunal Federal. ADI por omissão nº 2.076-5/AC, p. 7. Disponível em: http://redir.stf.jus.br
/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324
13
Direito impedi eventuais arbítrios do governo da maioria. Desta forma, Joana Zylbersztajn
(2012, p. 81), pontifica que:
A democracia constitucional não permite a discriminação de uma parte dos
cidadãos que a compõe, ainda que essa vontade seja da maioria da sociedadeou em última instância, da maioria dos representantes políticos daquele
momento.
Nesse pensar, ainda que a laicidade fundamenta-se na vontade popular e haja uma grande
concentração de fieis que professem determinada religião na sociedade, diante da democracia
constitucional, não é admitido que a vontade majoritária se sobreponha aos princípios
constitucionais básicos, de modo que os anseios da maioria violem direitos fundamentais da
minoria, pois, a religião predominante não pode impor-se àqueles que não professam a mesma
crença.
O ideário constitucional dos direitos fundamentais, justamente, protege o indivíduo do
predomínio irrestrito dos anseios da maioria. Assim, ainda que a maioria da população brasileira
seja cristã e, eventualmente, apoie manifestações simbólicas por parte do Estado ante a todos
os cidadãos, tal circunstância não é bastante para materializar a democracia. Isto porque a
democracia não se resume somente no governo da maioria, mas antes tudo respeito aos direitos
fundamentais que protegem a minoria. Os poderes estatais devem exercer em favor do povo
com a devida observância às normas constitucionais, às minorias, aos direitos fundamentais,
para que se exerça em favor de todos.
Ressalta Sarmento (2007, p.13) que “a proteção constitucional destes direitos, ao impor
limites para as maiorias, não é incompatível com a democracia, mas antes garante os
pressupostos necessários para o seu bom funcionamento”.
Portanto, a laicidade do Estado é princípio constitucional, no Direito brasileiro, diretamente
ligado aos direitos fundamentais à liberdade e igualdade religiosa, o que torna imprescindível
proscrever a intolerância, devendo haver respeito ao pluralismo religioso e sua forma de
expressão.
4.4 O princípio da legalidade e da impessoalidade na Administração Pública
Tendo em vista que a ostentação de símbolos religiosos ocorre em órgãos públicos, urge
salientar que estes pertencem ao Estado e, por assim, devem atuar em conformidade com os
princípios que regem a Administração Pública, dentre eles o da legalidade e impessoalidade,
conforme determinação expressa da vigente Constituição Federal.
14
O princípio da impessoalidade entrelaça-se ao princípio da isonomia, visto que a atuação
dos administradores deve servir indistintamente a todos os administrados, sem que se suscite
favoritismos ou discriminações. Assim, convicções pessoais, filosóficas, políticas ou
ideológicas não podem interferir na atuação administrativa.
Além do mais, o princípio da impessoalidade apregoa que a Administração Pública deve
voltar-se ao interesse público, de modo que os administradores atuem em nome do Estado,
sendo-lhes vedado agir por interesse particular. Desta forma, é incabível que se exteriorize
convicções, crenças, simpatias religiosas nos órgãos públicos, pois, conforme Blancarte (2008,
p. 27), “legisladores e funcionários públicos não estão em seus cargos a título pessoal e devem,
mesmo que ainda tenham direito a ter suas próprias convicções, primar pelo interesse público
em suas funções e responsabilidades”.
De acordo com o princípio da legalidade ao agente público só é permitido fazer aquilo que
está previsto em lei, o que de fato diferencia-se do particular, pois lhe é permitido fazer tudo o
que a lei não veda. Assim, tal princípio impõe ao administrador estrita subordinação à lei, pelo
qual deve pautar qualquer atividade naquilo que a norma autoriza. (DI PIETRO, 2005, p.68).
Ocorre que ao analisarmos o caso das simbologias religiosas fixadas nos prédios públicos,
percebe-se que inexiste legislação que preveja ou disponha sobre a presença de tais símbolos
nesses locais, porém, em virtude do princípio da legalidade, não se poderia justificar a
ostentação de símbolos religiosos por ausência de vedação legal, tendo em vista a necessária
conduta pautada em lei.
4.5 Do posicionamento favorável à utilização de símbolos religiosos nas
repartições do poder público
A partir das considerações supracitadas se faz necessário a análise dos principais
argumentos utilizados por aqueles que defendem a permanência dos símbolos religiosos nos
prédios públicos. Tendo em vista a ausência de jurisprudência sobre o tema, nos basearemos
em alguns casos referenciais para a discussão.
Em 2007, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em resposta a quatro Pedidos de
Providência que objetivavam a retirada de crucifixos das repartições do judiciário, defendeu
que o uso de tais símbolos constitui um traço da cultura brasileira, não incidindo ofensa à
sociedade e nem a laicidade do Estado, além da inexistência de legislação que proíba a sua
utilização.
15
Esse posicionamento se deu em razão do voto do Conselheiro Oscar Argollo, que fora
seguido pelos demais conselheiros, ao defender o caráter representativo da cultura e da tradição
brasileira, de modo, que a ostentação de um crucifixo não ofende a sociedade, pois está
amparado no interesse individual culturalmente solidificado na ordem constitucional.
A exposição de tal símbolo não ofende o interesse público primário (a
sociedade), ao contrário, preserva-o, garantindo interesses individuais
culturalmente solidificados e amparados na ordem constitucional, como é o
caso deste costume, que representa as tradições de nossa sociedade. (Rel.
Cons. Oscar Argollo – 14ª Sessão Extraordinária – j. 06.06.2007 – Parte do
voto do relator, p. 3). 8
Nesse pensar, Argollo infere que a cultura e a tradição brasileira travam um convívio
pacífico com o crucifixo. Sendo o costume o alicerce para sua ostentação, fundamentado no
uso geral, permanente e notório do símbolo. Tornando-se sua veiculação nos órgãos públicos
uma “necessidade jurídica”, em razão do elo existente entre ele e a paz, de maneira, que a sua
representação ultrapassa o significado cristão e passa a refletir princípios éticos e o devido
respeito ao ambiente público, bem como fonte de inspiração para os agentes públicos atuarem
de maneira justa.
Por outro lado, Argollo teceu argumentos a respeito da legalidade do ato, advogando que
além de não violar o art. 19, I da Constituição, por ausência de vedação sobre o tema no
dispositivo, na seara administrativa não há legislação que determine a colocação dos símbolos
religiosos e nem que proíba. Assim defende, que não há uma apropriação do espaço público por
interesse privado, mas sim a prevalência do princípio do interesse público de garantir direitos
individuais e coletivos consolidados no costume. Concluindo, por estas razões, inexistir
inconstitucionalidade ou ilegalidade na ostentação de símbolos religiosos nos órgãos do
judiciário.
Conforme essa linha de raciocínio, a Juíza Maria Lúcia Lencastre Ursaia, no julgamento da
Ação Civil Pública nº 2009.61.00.017604-0 movida pelo Ministério Público Federal, pautouse pela inexistência de vedação legal, acrescentando também, a ausência de ofensa à liberdade
de crença, tendo em vista as raízes históricas da sociedade brasileira, razão em que o crucifixo
tornou-se um símbolo comum.
Em um país que teve formação histórico-cultural cristã é natural a presença de
símbolos religiosos em espaços públicos, sem qualquer ofensa à liberdade de
CNJ – Pedidos de Providência: 1344, 1345, 1346 e 1362 – Rel. Cons. Oscar Argollo – 14ª Sessão Extraordinária
– j. 06.06.2007 – DJU 21.06.2007. Disponível em: file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio%20Adm%
201/Downloads/1346___Declara%C3%A7%C3%A3o%20de%20Voto%20do%20Cons.%20Oscar%20Argollo.p
df
8
16
crença, garantia constitucional, eis que para os agnósticos ou que professam
crença diferenciada, aquele símbolo nada representa assemelhando-se a um
quadro ou escultura, adereços decorativos. (Ação Civil Pública nº
2009.61.00.017604-0. Decisão em caráter Liminar, p. 3). 9
Com efeito, as forças que se posicionam nesse sentido assumem o crucifixo como elemento
cívico e cultural, representativo da tradição do país. Tradição essa, nos dizeres do professor
Roberto Nogueira (2009), oriunda da fundação do Estado na doutrina humanista cristã, que
concebe toda a cultura ocidental. E, por isso, em especial, o crucifixo seria um símbolo
ecumênico que transborda valores universais.
Além disso, é veemente defendido que a retirada de crucifixos ou cruzes dos prédios
públicos seria um ato de intolerância e desrespeito à liberdade religiosa da maioria dos
brasileiros coalescendo ofensa à democracia. Nesse pensar, o doutrinador Fernando Capez
(2009, p. 4) preconiza:
Cabe ao Estado e à sociedade em geral não encorajar manifestações de
intolerância daqueles que se sintam ofendidos pela livre expressão da fé
alheia. A retirada de símbolos já instalados, mesmo que em repartições
públicas, leva à alteração de uma situação já consolidada em um país
composto por uma quase totalidade de adeptos da fé cristã, e agride
desnecessariamente os sentimentos de milhões de brasileiros, apenas para
contentar a intolerância e a supremacia da vontade de um restrito grupo de
pessoas.
Por essas razões, compreendem também a tentativa de retirada dos símbolos religiosos
como ato de repudio à liberdade e ao exercício religioso, significando uma postura laicista, isto
é, intolerante e hostil. Aqueles que se posicionam nesse sentido, afirmam que há uma confusão
entre laico e laicismo, onde o conteúdo da laicidade vem sendo deturbado por tentativas
antagônicas à religião, na qual a fé é substituída pelo racionalismo profano. Capez (2000, p.4),
nesse diapasão, afirma que “trata-se de uma volta ao movimento iluminista do final do século
XVIII, em que a soberba do antropocentrismo e o egoísmo individualista suplanta a crença em
dogmas absolutos pré-constituídos”. Assim, para eles, a expressão máxima da laicidade se
revela com a tolerância aos símbolos e não com sua retirada.
Portanto, em suma, os defensores da permanência de símbolos religiosos nas repartições
públicas elucidam como relevante a presença da simbologia religiosa, pois são símbolos
essencialmente culturais e de representação cívica, necessários para que a harmonia social e a
9
Ação Civil Pública nº 2009.61.00.017604-0 - Decisão em caráter Liminar- MMº Juíza Dr.ª Maria Lucia
Lencastre Ursaia- j. 18.08.2009. Disponível em: http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/
NUCS/decisões /2009/090820Simbolos.pdf
17
ordem pública sejam mantidas. De todo modo, defendem rigorosamente a ausência de violação
aos princípios constitucionais da laicidade e da liberdade religiosa.
4.6 Fundamentos contra a permanência de símbolos religiosos nas
repartições do poder público
Conforme estudado anteriormente, a laicidade Estatal demanda uma postura de neutralidade
no campo religioso. Para tanto, o Estado deve abster-se completamente de exprimir qualquer
sentimento religioso para que se consubstancie o respeito pleno e idêntico à pluralidade de
religiões existentes na sociedade.
A Corte Constitucional Alemã, refutando a tese de que o crucifixo ultrapassa o significado
cristão e que, por força da tradição, deveria ser ostentado em órgãos público, dispôs:
A cruz representa, como desde sempre, um símbolo religioso específico do
Cristianismo. Ela é exatamente seu símbolo por excelência. Para os fiéis
cristãos, a cruz é, por isso, de modos diversos, objeto de reverência e de
devoção. A decoração de uma construção ou de uma sala com uma cruz é
entendida até hoje como alta confissão do proprietário para com a fé cristã.
Para os não cristãos ou ateus, a cruz se torna, justamente em razão de seu
significado, que o Cristianismo lhe deu e que teve durante a história, a
expressão simbólica de determinadas convicções religiosas e o símbolo de sua
propagação missionária. Seria uma profanação da cruz, contrária ao autoentendimento do Cristianismo e das igrejas cristãs, se se quisesse nela
enxergar, como as decisões impugnadas, somente uma expressão da tradição
ocidental ou como símbolo de culto sem específica referência religiosa.
(BVerfGE 91, 1 (1995).
Desse modo, os doutrinadores a favor da retirada dos signos religiosos, argumentam ser
intangível conceber um caráter não-religioso ao crucifixo ou a cruz, pois, sobretudo, são
símbolos que manifestam a fé e os fundamentos da religião cristã. Sendo elementos que
transcendem o valor cultural e, jamais, meros adornos utilizados apenas para enfeitar o
ambiente. Assim, consideram, que expô-los em edifícios públicos, não transmite a devida
neutralidade estatal, vez que há associação imediata do órgão à religião.
Por essas razões, eles defendem que o argumento da tradição se deflagra em meio ao
conteúdo religioso intricado na relação, pois, ainda que sejam símbolos que agreguem o valor
histórico e cultural do país, continuarão representando a fé de um grupo específico e excluindo
os demais e, por conseguinte, violando a determinação constitucional da laicidade e da
isonomia. Além do mais, salienta-se, que em um Estado democrático de direito, não cabe ao
Estado ser arauto da cultura, mas sobretudo, o instrumento da justa defesa das minorias sociais,
do pluralismo e das diferenças (TIMO; REIS, 2009).
18
Assim, tais doutrinadores concordam que a tradição Católica sedimentou a construção do
Estado e representa grande parte dos civis no mosaico social. Entretanto, salientam que as
tradições se modificam com o tempo, e nem tudo que é cultura e tradição é devidamente
aceitável -à guisa de exemplo a sociedade patriarcal, a submissão da mulher como mera
reprodutora ou, o próprio julgamento do Conselho Nacional de Justiça que proibiu a prática do
nepotismo, bastante enraizado e tradicional na sociedade brasileira (CAVASIN NETO, 2012).
Desta forma, defendem que o caráter tradicional dos símbolos religiosos não anula sua
contrariedade à Constituição. Em exato pensar, Sarmento (2007, p. 13) destaca:
Não há dúvida de que o Direito, como fenômeno social, tem conexões com as
tradições e valores dominantes em uma dada sociedade. Contudo, não é certo
conceber prescritivamente a ordem jurídica como uma mera instância de
afirmação das práticas sociais hegemônicas, já que muitas vezes o papel do
Direito é exatamente o de combater e transformar hábitos e tradições
enraizados, desempenhando um papel emancipador.
Aqueles que defendem a permanência de símbolos religiosos nas repartições do poder
público buscam fundamentos na crença hegemônica no contexto social. Porém, como bem
assenta a corrente desfavorável, a discussão não se revela na livre expressão da fé alheia, mas
na postura que deve ser assumida pelo Estado. Ao indivíduo é, constitucionalmente, assegurado
o pleno exercício da liberdade religiosa, seja de decidir por quais símbolos religiosos por ele
serão adorados, seja por quais por ele serão rejeitados. O que não se confunde com o Estado.
Haja vista, que a liberdade religiosa não garante ao indivíduo ou às instituições religiosas, o
direito de ter a sua fé apoiada pelo ente estatal, em verdade, o art.5º, VI da CF/88 requer que o
Estado mantenha-se neutro no capo religioso, justamente para que a liberdade religiosa de cada
indivíduo seja garantida. Nesse diapasão, o professor Sarmento (2007, p. 11), salienta:
No que tange aos jurisdicionados cristãos, a sua liberdade de religião não
abrange qualquer direito de verem a sua fé publicamente apoiada pelo Estado.
Portanto, está fora do perímetro de proteção da liberdade religiosa qualquer
expectativa concernente à exposição pelos poderes públicos de símbolos
associados a qualquer confissão.
Nessa linha de raciocínio, ressalta-se que o Estado não se confunde com pessoas físicas e
nem com aquelas que exercem o poder em seu nome. Os agentes públicos dispõem do mesmo
direito à liberdade religiosa que os demais, entretanto, os espaços públicos não os pertencem,
mas sim ao Estado, estando, portanto, submetidos à cobertura do princípio da laicidade. Nesse
pensar, o Ministro José Celso de Mello (2012, p. 1), reitera:
[...]grupos religiosos não podem apropriar-se do aparelho estatal,
transformando o Estado em refém de princípios teológicos, em ordem a
conformar e a condicionar, à luz desses mesmos postulados, a formação da
vontade oficial nas diversas instâncias de poder.
19
Por outra perspectiva, ainda que o número de cristãos represente a maioria da população
brasileira em razão das raízes históricas do país, não se pode negar a pluralidade de doutrinas e
símbolos religiosos presentes na sociedade. Sendo assim, o Estado deve tratar as diversas
formas de religiosidade com isonomia, corolário da liberdade religiosa e do princípio
constitucional da laicidade, o qual impõe a não confessionalidade por parte do Estado (art. 19,
I). Nesse diapasão, o Desembargador Cláudio Baldino Maciel, em resposta ao pleito de retirada
de símbolos expostos no poder público, afirmou que:
O cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão, é tão brasileiro
e detentor de direitos quanto os cristãos. Tem ele o mesmo direito
constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação,
em local estatal e por determinação do administrador público, de expressivo
símbolo de uma outra religião, ainda que majoritária, que não é a sua.
(Conselho da Magistratura. Processo nº 0139-11/000348-0, Porto Alegre- RS.
Relatório: Des. Claudio Baldino Maciel, p. 5). 10
Essas razões são fruto dos preceitos constitucionais que se objetiva promover o bem de
todos sem qualquer forma de discriminação (art. 3º, CF/88). Da mesma forma, não há que se
falar em atentado à democracia, pois como já debatido anteriormente, não se pode coibir direito
fundamental da minoria em virtude dos anseios da maioria.
Além disso, quando o poder público ostenta símbolos religiosos em suas repartições,
intencionalmente ou não, manifesta endosso a tal crença e, consequente, rechaço à situação
jurídica de igualdade entre os diversos credos. Nessa linha de raciocínio, em 2012, a justiça do
Rio Grande do Sul acatou o pedido de retirada de crucifixos e símbolos religiosos de todas as
salas do poder judiciário do Estado, sob os argumentos de que a presença de tais símbolos não
se coaduna com o princípio constitucional da impessoalidade na Administração Pública e com
a laicidade do Estado. Para tanto, o relator elucidou as seguintes ponderações:
Ora, o Estado não tem religião. É laico. Assim sendo, independentemente do
credo ou da crença pessoal do administrador, o espaço das salas de sessões ou
audiências, corredores e saguões de prédios do Poder Judiciário não podem
ostentar quaisquer símbolos religiosos, já que qualquer um deles representa
nada mais do que a crença de uma parcela da sociedade, circunstância que
demonstra preferência ou simpatia pessoal incompatível com os princípios da
impessoalidade e da isonomia que devem nortear a administração pública.
(Conselho da Magistratura. Processo nº 0139-11/000348-0, Porto Alegre- RS.
Relatório: Des. Claudio Baldino Maciel, p. 3). 11
10
Conselho da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Processo nº 0139-11/000348-0, Porto AlegreRS. Relatório: Des. Claudio Baldino Maciel- j. 6.3.2012. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/voto-relatormateria-conselho.pdf
11
Conselho da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Op. Cit.
20
Em arrimo, se não existe legislação que proíba a presença de símbolos religiosos nos órgãos
públicos, o contrário também é verdade, não há legislação que obrigue sua existência
(CAVASIN NETO, 2012). Contudo, o Desembargador Claudio Maciel (2012) afirma que a
Constituição implicitamente veda a ostentação de signos religiosos por decorrência lógica do
princípio da laicidade, da impessoalidade, da isonomia, da legalidade e do direito à liberdade
religiosa de todos que possam se fazer presentes naqueles locais. No mais, a Constituição
explicita em seu art. 13, § 1º que são símbolos da república federativa do Brasil o hino, a
bandeira, as armas e os selos nacionais.
Demais disso, quando o Estado emparelha-se à religião mediante o uso de símbolos
religiosos produz consequências simbólicas significativas relacionadas a sua legitimidade de
atuação. Essa associação pode comprometer a percepção da imparcialidade do judiciário,
principalmente, quando se envolve grandes questões políticas e sociais em que a crença
favorecida tenha posicionamento resistente, como em casos envolvendo direitos sexuais e
reprodutivos (STERNICK, 2007). Por assim pensar, o relator Claudio Maciel (2012), afirmou
em seu voto que o julgamento feito em uma sala de tribunal sob expressivo símbolo religioso
não é a melhor forma de mostrar que o julgador está “equidistante” dos valores em conflito.
Portanto, a corrente que defende a retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas
pauta-se primordialmente na determinação constitucional. De modo, que o profano e o sagrado
devem ser separados no âmbito estatal, para que a justiça, no desempenho do seu papel no
Estado democrático de Direito, seja para todos. Desta maneira, defendem veemente que
somente a retirada de todo e qualquer símbolo religioso dos órgãos públicos garantirá o Estado
laico, a liberdade religiosa, bem como a observância da igualdade e da impessoalidade na
administração pública.
E reafirmam, que tal retirada não caracteriza atitude laicista ou de repúdio a fé, pois, como
já analisado, a fé ou a fata dela é de foro íntimo do indivíduo no exercício de sua liberdade
religiosa e não objeto de política pública. Em verdade, a retirada de tais símbolos significa o
devido cumprimento ao princípio da laicidade, pois, conforme pontifica o professor Sarmento
(2007, p. 15),
[...] certas medidas que impliquem em algum tipo de suporte estatal à religião
podem ser consideradas constitucionalmente legítimas, se forem justificáveis
a partir de razões não-religiosas, relacionadas à proteção de outros bens
jurídicos também acolhidos pela Constituição, cujo peso, no caso concreto,
sobrepuje a tutela constitucional da laicidade.
21
Consideram, assim, o raciocínio cabível à manutenção do Cristo Redentor, igrejas barrocas,
pontos turísticos com conotação religiosa, em que a ação do Estado decorre do dever de
preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico. Todavia, defendem, não
ser o caso dos símbolos religiosos, pois não se vislumbra qualquer bem jurídico de competência
constitucional ou mesmo legal que seja suscitado com a veiculação de símbolos religiosos nas
repartições do poder público.
Conclusão
O tema mostra-se bastante polêmico e divergente. Contudo, não se pode olvidar a natureza
eminentemente constitucional da laicidade no Estado brasileiro, o qual estabelece a necessária
separação institucional entre Poder Público e instituições religiosas.
A postura laica atua como pressuposto essencial para o livre exercício da liberdade religiosa
de cada indivíduo, o qual os fornece subsídios para um tratamento isonômico entre a pluralidade
de religiões existentes na sociedade. Sendo-lhes assegurando o direito de confessar ou não
qualquer crença. Entretanto, ao Estado, a laicidade impõe a neutralidade, devendo ser apartado
da res pública todo tipo de sectarismo religioso.
Desta forma, é certo que laicidade e liberdade religiosa se complementam, mas, jamais, se
confundem. O dever de ser laico é do Estado, assim, como o direito de manifestar qualquer
credo é de foro íntimo do indivíduo, não podendo aqui, o Estado interferir e nem exercer. Isto
é, não cabe ao ente estatal manifestar preferência por uma ou outra religião, ou ser arauto da
crença predominante na sociedade, mas, sobretudo, deve-se dispensar tratamento igualitário à
todas as crenças religiosas, sem adotar religião oficial.
Assim, à luz da Constituição Federal, infere-se que o Estado deve ostentar expressões
simbólicas que traduzam elementos comuns à todos os membros da sociedade, coibindo
qualquer ato de discriminação e mantendo-se devidamente neutro no campo religioso.
Exatamente nesse liame, para a real discussão da presença de símbolos religiosos nas
repartições públicas, o sentimento religioso do indivíduo deve ser afastado, sobressaindo-se os
preceitos constitucionais e o posicionamento enquanto operador do Direito. Isso porque a
discussão pousa na postura do Estado e não do indivíduo.
A manutenção de elementos religiosos em prédios públicos representa, ainda que velada, a
influência institucional católica no âmbito público, o que deflagra a determinação
22
constitucional da separação entre Estado e religião. Do mesmo modo, ainda que seja uma
prática tradicional, cabe ao Estado de direito submeter suas ações às atuais garantias de direitos
fundamentais, não suportando-se, desse modo, o argumento da maioria em detrimento da
minoria.
Além do mais, o Estado, enquanto ente abstrato, não é pessoa capaz de professar fé, assim,
os administradores públicos que atuam em seu nome, devem agir em conformidade aos
princípios básicos da Administração Pública- impessoalidade e legalidade, pois não lhes é
conferido “o poder” de emparelhar o Estado a convicções religiosas pessoais.
Contudo, vale enfatizar que o direito à liberdade religiosa dos agentes públicos não é ceifado
no desempenho de suas funções, pois trata-se de uma questão de razoabilidade. A utilização de
símbolos religiosos por agente público em seu gabinete pessoal, por exemplo, não caracterizaria
afronta a laicidade, mas sim o exercício de um direito constitucionalmente assegurado ao
cidadão.
De todo modo, deve prevalecer os princípios da laicidade, da impessoalidade e da isonomia,
sem que ocorra privilégios a qualquer denominação religiosa, pois, é intangível manter
símbolos religiosos de específica religião e consubstanciar igualdade entre todos os credos.
Portanto, a partir da investigação traçada no presente trabalho, a conclusão que se atinge
manifesta a inconstitucionalidade da presença de símbolos religiosos nas repartições do poder
público. Sendo forçoso concluir que somente a retirada de todo e qualquer símbolo religioso irá
materializar a devida observância à laicidade do Estado, à liberdade religiosa, bem como ao
princípio da igualdade e da impessoalidade na Administração Pública.
23
Referencial Bibliográfico
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