PARA ALÉM DOS CONFLITOS: UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE AOS IMPACTOS DAS RELAÇÕES ENTRE CAPITAL E TRABALHO Christiani Cassoli Bortoloto Lopes Marilia Borges Claudia Debora Picolli Claudimara Cassoli Bortoloto Predolim RESUMO As metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho, têm repercutido de forma direta nas relações entre capital e trabalho, sendo essas desenvolvidas como forma de superar as crises do capitalismo e dar continuidade ao processo de acumulação do capital. Nesse sentido, a classe trabalhadora é atingida com a precarização do trabalho, além de gerar o aumento das expressões da questão social. Diante dessa realidade, caracterizada pelo modelo neoliberal, que tem como princípio o Estado mínimo, havendo a transferência de responsabilidades para a esfera privada e sociedade civil, nos leva a discutir sobre o desemprego enquanto expressão da questão social e os desafios pertinentes à atuação do profissional de Serviço Social. Ademais, sendo o desemprego uma das expressões da questão social percebese que o Assistente Social tem um grande desafio, em que este tem que superar os limites da profissão impostos pelo sistema capitalista, que requer ações criativas e propositivas para a articulação e efetivação de propostas com cunho emancipatório dos sujeitos sociais. Para o enfrentamento dessa realidade, tem-se como proposta de atuação o desenvolvimento de projetos de Economia Solidária na perspectiva de fortalecer a organização da classe trabalhadora colocando-os como sujeitos de sua própria história, na luta pela transformação da sociedade e garantia dos direitos sociais. PALAVRAS-CHAVE: Neoliberalismo, Trabalho, Serviço Social e Economia Solidária. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como propósito, contribuir para a discussão sobre o fenômeno social do desemprego, qual resulta-se das contradições do sistema capitalista, considerado aqui como um dos impactos frente ao projeto neoliberal, e concomitantemente compreender o papel do Assistente Social frente à complexidade do sistema, especificamente diante do conflito entre capital e trabalho. Para a construção dessa temática, fortalecendo o debate, utilizamos a participação de vários autores quais compartilham dessa teoria e expressam a crise do trabalho, bem como suas repercussões que atinge o trabalhador e a própria profissão do serviço social. Considerando a trajetória do Serviço Social, esse debate visa esclarecer as defesas e ousadias que este deve possuir no mercado competitivo, buscando alternativas e escolhas para enfrentamento da questão social no modelo capitalista de produção que tem como premissa o projeto neoliberal. Com a implantação das políticas neoliberais originadas na década de 1970 nos países centrais, dissemina-se um novo modelo econômico atingindo também os países periféricos entre os quais o Brasil causando impactos em importantes áreas, como o desemprego. Com adesão desse modelo o desemprego estrutural surge como um dos maiores problemas sociais, e portanto, um grande desafio para os trabalhadores, que conforme Singer: É inegável que a maioria dos países capitalistas está mergulhada em uma crise do trabalho social que se manifesta sob a forma de taxas elevadas de desemprego, de aumento virulento do desemprego de longa duração, que em muitos casos se transforma em patologia social e em exclusão social (SINGER, 1999:56). A patologia social evidenciada por Singer é visível no interior da sociedade, percebe-se que diante desse quadro o Estado abre mão de seu protagonismo, passando suas responsabilidades para as empresas privadas e sociedade civil. Dessa forma constata-se que este modelo de regulação do mercado teve grande participação nas privatizações de empresas públicas, deixando trabalhadores desempregados, havendo a refilantropização marcada pela solidariedade informal e voluntária. Para tanto, percebe-se que a sociedade capitalista engendra uma dinâmica de transformações sociais as quais incidem diretamente no cotidiano dos trabalhadores, pois a lógica do capital vem ser a concentração de renda que se acentua cada vez mais, deixando a margem à maioria da população. Nesse sentido, Antunes afirma que, a partir do surgimento do modelo econômico neoliberal têm-se como importante traço da economia a consolidação de uma nova estrutura de produção, onde a década de 1980 decorrente desse modelo, apresenta-se como período em que os países de capitalismo avançado, bem como países de economia dependente passaram por profundas transformações no mundo do trabalho. As novas formas de produção emergem no processo de crise do sistema capitalista, como estratégia para superar as crises oriundas do próprio sistema, em que o Estado se exime de suas responsabilidades sendo coadjuvante no processo de desmantelamento dos direitos sociais, edificados no decorrer do processo histórico (2003). O modelo neoliberal ao mesmo tempo em que faz emergir o Estado mínimo, necessariamente contribui para a racionalização do trabalho, onde temos a flexibilização do trabalho com a automação, a robótica, a microeletrônica, qual invadiram o universo produtivo, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e produção de capital. Essas formas de racionalização de trabalho vem desenvolvendo-se, conforme condições históricas específicas, caracterizando que são elaboradas a partir de crises do capitalismo, qual iniciou-se com a produção em série, e especialização em um ramo da produção no Fordismo, Taylorismo com maior controle do tempo, maior satisfação do trabalhador no interior da empresa e, Toyotismo que se refere à descentralização da produção, subcontratação, ocorrendo a subordinação da produção ao estoque mínimo, todas as formas de racionalização de trabalho tem por objetivo o maior desenvolvimento das forças produtivas e produção de mercadorias, tornando-se fundamental o controle do trabalho e consequentemente acumulação de capital (ANTUNES, 2005). Não obstante, o processo de globalização e informatização oriundas da construção neoliberal, “são produzidos como tentativa de recuperar o controle do capital sobre o trabalho”, tem como característica a racionalização do trabalho e incentivo ao consumo, tal modernização rompeu com garantias e direitos anteriormente estabelecidos, criando novas e restritas relações de trabalho que materializam através da terceirização, trabalho informal, subcontratação, polivalência, contratos temporários substituição, do trabalho vivo pelo trabalho morto. Conquanto a falta de emprego é a demonstração mais evidente de desajuste social, as metamorfoses que ocorreram, representa a racionalização do emprego, que repercute na subjetividade por parte dos trabalhadores, expressa pelo individualismo exacerbado levando à uma conseqüência evidente, sendo o distanciamento pleno para qualquer alternativa para além do capital, ou seja, a luta pela transformação da realidade. Para os trabalhadores essas transformações que ocorreram no mundo do trabalho, tem como conseqüência a exclusão social, esta representa muito mais que estar fora do mercado de trabalho formal, representando também uma descrença em si próprios, cuja circunstancias possibilita uma baixa auto-estima em massa onde os trabalhadores não encontram perspectivas de superação do quadro em que se encontram (ANTUNES, 2005). Nesse universo o trabalhador vem perdendo cada vez mais seus postos no mercado de trabalho, não se enquadrando no perfil reprodutor atual, em que seus direitos são desvalorizados pela lógica neoliberal, suas condições são minimizadas, tendo em vista alto índice de desemprego, e a pauperização. Contudo, percebe-se que o quadro que perpassa a sociedade presente é totalmente excludente, em que não há espaço no mundo do trabalho. Sendo assim, devemos analisar o desemprego tendo como premissa que é fruto das relações sociais no que tange as contradições entre capital e trabalho e não incapacidade dos indivíduos. Considerando a relação de capital e trabalho, devemos atentar para as repercussões ocorridas no mundo do trabalho do profissional do serviço social, em que sua práxis nesse contexto se torna restrita. O Assistente Social, conforme Netto, devido a uma série de fatores, tais como insegurança pela fragilidade de sua formação, ou por conta de uma formação que não responde a realidade que se inserem, desmotivados pelas baixas remunerações, pressionados pela concorrência de outros profissionais, condicionados ainda por um lastro conservador em relação aos seus papéis e atribuições, tem limitado sua ações (apud GRAVE, 2002). Portanto, percebe-se que esse quadro incide no universo do Serviço social, em que sua práxis nesse contexto se torna restrita, limitada, em que a atuação do Assistente Social como mediador entre capital e trabalho se dá de maneira apaziguadora, contrariando o projeto ético-político da profissão, juntamente com sua identidade transformadora. Suas ações investigativas, críticas, politizantes tendem a criar espaços para o usuário enquanto sujeito histórico no que tange ao enfrentamento das demandas sociais emergentes, ficam presos às relações de poder inseridas no interior da sociedade. Nesse sentido, o grande desafio do profissional de Serviço Social deve ser de superação desses paradigmas, em que o mesmo é um dos atores evolvidos na construção do desvendamento do futuro sombrio do qual vive a população brasileira. Nessa perspectiva, Iamamoto afirma que, “Sempre existe um campo para a ação dos sujeitos, para a proposição de alternativas criadoras, inventivas, resultantes da apropriação das possibilidades e contradições presentes na própria dinâmica da vida social”(2000:21). No cotidiano da práxis profissional do Serviço Social percebe-se que apesar das condições estruturais do sistema capitalista, a atuação do Assistente Social deve perpassar as dificuldades e limites que norteiam o campo profissional, mediante a proposição de alternativas que visem a superação do quadro de exclusão social, sendo estas políticas voltadas para os interesses da classe trabalhadora, considerando o desemprego como uma das expressões da questão social em evidência. Ressaltamos como uma das alternativas relacionadas às ações do Assistente Social inserido no sistema capitalista a Economia Solidária, que configura-se como uma maneira de sobrevivência do trabalhador, dispensando-o da exploração da mais-valia, consolidando um processo que inibe a acumulação do capital e, ainda contribui para a construção de uma organização democrática, solidária, associada, desalienada, capaz de resgatar o indivíduo como sujeito do seu processo histórico. Não obstante, a Economia Solidária em seu conceito se difere de uma empresa capitalista pela organização social da produção pela relação estabelecida entre os associados e entre essas pessoas e o capital, ou seja, na economia solidária as pessoas trabalham juntas solidariamente e se apropriam da sobra (lucro no capital), originada pelo trabalho coletivo em que o homem se torna superior ao capital, vale por si só e não pelo que possui, consolidando para a construção de uma sociedade democrática (SANTOS, 2004). Cabe ressaltar, que um dos fatores que faz com que o Estado torne-se financiador das iniciativas de Economia Solidária é a própria organização da classe trabalhadora, qual vem reivindicar os interesses e desenvolvimento de outras propostas que busquem a inserção dos mesmos no mercado de trabalho, sendo estas formas de resistência e sobrevivência no sistema capitalista. Contudo, uma das estratégias do Serviço Social é articular com os trabalhadores novas perspectivas para enfrentar o desemprego que atinge a massa trabalhadora, a articulação dos diversos saberes se faz necessária, construindo medidas para o enfrentamento da questão social, o que implica imbuir-se do conhecimento crítico sobre a realidade do sujeito. OBJETIVOS OBJETIVO GERAL Compreender a questão social do desemprego, bem como seu impacto frente ao projeto neoliberal e concomitante dar bases sobre o papel do profissional Assistente Social frente a relação de conflito entre capital e trabalho. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Contribuir para as discussões sobre a relação capital e trabalho; Desenvolver políticas públicas para o enfrentamento da questão social do desemprego; Reconhecer e perceber o papel do Assistente Social frente a desenvolvimento de políticas quais visam a não só a superação do desemprego, mas a transformação dessa sociedade; Utilizar-se do estado burguês, usufruindo das mínimas concessões de participação, para promover políticas públicas voltadas para os interesses da classe trabalhadora em detrimento das políticas neoliberais. METODOLOGIA O desenvolvimento desse trabalho requer a ampla discussão teórica e metodológica sobre o mundo do trabalho, principalmente dialogar com autores que tratam da relação conflituosa entre capital e trabalho, os quais demonstram o impacto no desemprego, sendo este resultado de um modelo econômico excludente e simultaneamente gerador de outras expressões da questão social, quais atingem diretamente a massa trabalhadora. O debate com autores especificamente sobre o ofício do Assistente Social também torna-se importante, tendo em vista a importância das discussões sobre a profissão e formas de interferência quais são possíveis, cujo objetivo é perpassar o âmbito das relações de conflito, considerando sempre o usuário como coadjuvante no processo, visando a transformação da sociedade, buscando contribuir para a promoção de mudança política, econômica, social e cultural. Diante da discussão pautada na realidade social imposta a partir do sistema neoliberal, requer por parte dos profissionais a identificação e fortalecimento das articulações e alternativas que surgem no interior das organizações dos trabalhadores, como forma de reação ao processo de fechamento dos postos de trabalho e exclusão social. Com base nas alternativas supracitadas pretende-se trabalhar com propostas voltadas na perspectiva de Economia Solidária, desenvolvendo projetos condizentes com a realidade da população atendida visando alocar recursos públicos para proporcionar a efetivação dessas políticas. RESULTADOS ESPERADOS Espera-se através desse ensaio teórico contribuir para a discussão sobre um dos problemas quais assolam a nossa sociedade, evidenciar e demonstrar o papel do Assistente Social frente ao enfrentamento, onde este não se restringe somente ao usuário, mas envolve o profissional, qual terá grande responsabilidade de participar do desenvolvimento de políticas públicas contrárias ao projeto neoliberal, em benefício da classe trabalhadora. Espera-se que este profissional perceba a importância de sua profissão para que, ainda permanecendo numa sociedade de capitalismo selvagem, possa dentro dela estabelecer outras propostas em benefício da classe trabalhadora. Percebendo assim que a sua ação mesmo que, muitas vezes limitada, pode conduzir a classe trabalhadora a se organizar e reconhecer-se enquanto classe, ensejando a luta em prol de uma outra sociedade. CONCLUSÃO Este trabalho tem como proposta o aprofundamento teórico, principalmente na discussão das ações do Assistente Social frente às implicações ocorridas no mundo do trabalho. Requer maior discussão dessas ações, como o desenvolvimento de políticas públicas que visem a organização da classe trabalhadora e outras alternativas de trabalho quais lhes garantam mínimas condições de sobrevivência nessa sociedade. Pensar propostas e políticas para isto requer uma discussão, onde o Assistente Social deve ter como premissa dois fatores, sendo primeiramente a consciência de que vive em uma sociedade capitalista, sendo assim o desenvolvimento das políticas públicas devem ser voltadas para a classe trabalhadora ainda neste sistema e, simultaneamente visar e contribuir para a transformação da sociedade. Como a discussão não se centrou nessas ações, mas esta é uma proposta para a continuidade de nosso estudo, a conclusão a que chegamos é que o Assistente Social tem grande papel na elaboração de políticas públicas que devem elevar a classe trabalhadora não como vítima do sistema, mas como sujeito histórico, e que para isso este não precisa estar em outra sociedade, mas pode mediar no âmbito da categoria a luta em prol de uma nova ordem societária, pela defesa da democracia, das políticas e dos direitos sócio-políticos em oposição ao projeto neoliberal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Giovanni et al. 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