1 PREVIDÊNCIA SOCIAL E DEMOCRACIA Irene da Conceição de Freitas* Resumo: O presente artigo tem por objetivo descrever o papel do Estado na configuração dos programas previdenciários obrigatório, na perspectiva das diversas abordagens teóricas que buscam explicar às razões para a intervenção coletiva nas políticas previdenciárias partindo do argumento moral de que muitos indivíduos em idade de trabalhar não cuidariam do futuro voluntariamente exigindo, portanto, a intervenção do governo nas decisões individuais de poupança com o objetivo de proteger os membros prudentes da sociedade. Palavras-chave: Estado. Previdência Social. Democracia. * A autora é Mestranda em Sociologia do Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPB; Bacharel em Ciências Contábeis pela UFPB; Especialista em Controladoria e Contabilidade pela UNIPÊ e Auditora-Fiscal da Previdência Social – aposentada. 2 Este artigo tem por objetivo apresentar as abordagens teóricas que tentam explicar as razões para a intervenção coletiva nas questões previdenciárias mostrando que não há consenso entre os analistas sobre o papel que o Estado desempenha como gestor direto de planos previdenciários. Dividido em duas seções busca-se, na primeira, analisar o papel do Estado no desenvolvimento da previdência social como uma política social compensatória dentro do novo modelo de acumulação produtiva das sociedades capitalistas modernas. Na segunda seção serão discutidas as teorias normativas e positivas que tentam justificar a necessidade da intervenção estatal nos programas previdenciários obrigatórios partindo do argumento moral de que muitos indivíduos em idade de trabalhar não cuidariam do futuro voluntariamente exigindo, portanto a intervenção do governo para proteger os membros prudentes da sociedade, evitando assim o peso de pagar para si e para os indivíduos imprudentes. Apesar dos programas obrigatórios de previdência para determinados grupos ou para toda a sociedade existirem tanto nos modelos de sociedades capitalistas quanto nos modelos de sociedades não capitalistas, este artigo trata especificamente do modelo de políticas sociais adotados nas sociedades capitalistas democráticas, onde a intervenção do Estado nas questões econômicas relacionadas à aposentadoria, tanto como instrumento destinado a diminuir as externalidades negativas dos indivíduos imprudentes, quanto para corrigir as falhas do mercado é plenamente justificável. 1. A Previdência e o papel do Estado A previdência social organizada pelo Estado na forma de seguro social obrigatório que tem por objetivo propiciar os meios de subsistência e a capacidade de consumo dos idosos e dos seus dependentes, mantendo a sua dignidade e a independência financeira, nas situações limites de riscos sociais, tais como: idade avançada, invalidez, doença e morte, têm sua origem na Alemanha, no final do Século XIX, - trilogia legal de Bismarck ou modelo bismarckiano, - onde “o Estado assume o papel de regulador e o financiamento é garantido por cotizações obrigatórias dos trabalhadores e das empresas” (MESA-LAGO, 2006:17), dentro do contexto das mudanças estruturais, econômicas, políticas e sociais que permitiram uma nova configuração na relação de poder entre o individuo e a sociedade. 3 O estudo funcionalista do Estado busca as motivações dos atores sociais para decidir entre alternativas diferentes, por isso, alguns autores inferem que os motivos que conduziram o governo do General Otto Von Bismarck a preparar os projetos de leis entre 1883 e 1889, que o Imperador Guilherme I propôs ao parlamento alemão, compunham uma estratégia política para conter o avanço do Partido Social Democrata, pois, “seu Partido Conservador vinha perdendo terreno para os democratas sociais, que reivindicavam medidas de cunho social voltadas para a proteção dos trabalhadores urbanos, cada vez mais numerosos, dada a rapidez com que se processava a industrialização da Alemanha” (LEITE, 1983:18). Para Pereira, (1999, p. 241) essa iniciativa do dirigente Alemão Bismarck pode ser considera a origem do Estado de bem-estar que nasce na Europa e de forma especial na Alemanha, não como uma exigência ética, mas, como uma estratégia política, dentro de um contexto muito especial, - se contrapor ao socialismo, - e, assim fazendo, acaba adotando medidas sociais extremamente avançadas para a época. “Essas medidas adotadas por um Estado que até então só havia se preocupado com funções políticas fomentam o bem estar dos trabalhadores e enfraquecem as reivindicações dos menos favorecidos pelo sistema” e acabam se transformando num instrumento de controle político. Rosanvallon (1997:37) afirma que o surgimento da previdência social “poderá ser entendido como um modo “natural” de reencaixe parcial do econômico no social, reencaixe que será compensado por um desencaixe dos mecanismos de solidariedade externos ao tecido social” e representa a passagem do “estado protetor” clássico de segurança policial – o Estado que tem por função proteger a vida e a propriedade dos indivíduos fazendo o individuo existir como sujeito, - para o “Estado-Providência” que visa substituir a incerteza da providência religiosa pela certeza da providência estatal, sendo, portanto, um aprofundamento do “estado protetor”. O modelo bismarckiano se desenvolveu gradualmente na Europa e em outros paises industrializados e sofreu mudanças consideráveis em meados do século XX, mas especificamente após a Segunda Guerra Mundial, quando a Previdência Social passa a fazer parte da chamada “Seguridade Social”, um conceito utilizado pela primeira vez, em 1935, nos Estados Unidos e em 1938 na Nova Zelândia, mas que só foi efetivamente desenvolvido na Inglaterra pelo Sir William Beveridge no seu famoso documento Relatório sobre o Seguro Social e Serviços Afins, publicado em 4 1942, ao transpor a concepção inicial de “seguro social” para a concepção de “seguridade social”, – o modelo de Beveridge –- que redefiniu o papel do Estado de “regulador” para “provedor” ao assumir o risco implícito de sustentabilidade do sistema associado ao desequilíbrio entre o montante das contribuições arrecadadas e o pagamento de benefícios, através do financiamento fiscal complementar das cotizações, assegurando benefícios para todos os que não podem ou não conseguem encontrar meios de sustento próprio e de sua família através do trabalho (MESA-LAGO, 2006, p.17). O modelo de Beveridge propunha um plano de “seguridade social” que integrasse os seguros sociais, a assistência social e os seguros complementares voluntários, portanto, um conceito mais amplo que engloba toda às políticas sociais do Estado nas áreas de saúde, previdência e assistência social e é definida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, como: A proteção que a sociedade propicia a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, se não fossem assim, ocasionariam o desaparecimento ou uma forte redução de renda devido à doença, à maternidade, a acidentes de trabalho ou doenças profissionais, ao desemprego, à invalidez, idade e morte; além da proteção por meio da assistência médica e da ajuda às famílias com filhos. (OIT – AISS, 2001, p. 9, apud MESALAGO, 2006, p.18). Diferentemente das políticas de assistência social e, em alguns casos, das de saúde, que não mantêm relação direta entre a contribuição e o beneficio, a organização da previdência social, também chamada de seguro social, está assentada em dois princípios basilares: é compulsória, ou seja, todo trabalhador que exercer atividade remunerada é obrigado a se filiar à previdência e é contributiva, ou seja, para ter acesso a qualquer beneficio previdenciário o trabalhador deve contribuir para a manutenção do sistema. Para Oliveira (1992) a Seguridade Social, ao reunir em um só programa os conceitos de seguro social, saúde e assistência social, cria um problema de falta de entendimento por parte da sociedade em geral, principalmente no momento de discutir as reformas das políticas públicas da seguridade social. Alimentada pelo mito do seguro, a população reage à absorção do conceito de seguridade. Devido ao custeio único das atividades (previdência, saúde e assistência social), o segurado sente-se, em grande parte, lesado pelo “desvio” de recursos do seguro social para o componente assistencial da seguridade (OLIVEIRA 1992, p. 5). 5 Para Rosanvallon (1997:24) a inclusão dos programas de previdência social no sistema de seguridade social tem uma explicação filosófica e política ao enfatizar que: Se o Estado-providência progride por saltos, notadamente por ocasião das crises, é porque esses períodos constituem tempos de provação graças aos quais há reformulação mais ou menos explicita do contrato social. A experiência da guerra é muito significativa. Tudo se passa durante e no fim desses períodos, como se tivesse havido um ato de refundação social e, portanto de reafirmação, sempre mais acentuada, da natureza do Estado-protetor/providência. Este movimento é particularmente visível depois da Primeira e da Segunda Guerras mundiais. O relatório Beveridge, de 1942 é muito eloqüente a esse respeito. Fala da abolição da necessidade como um objetivo praticável do pós-guerra. Trata-se, para ele, de preparar a paz na guerra. Seu raciocínio é o seguinte: “cada cidadão estará mais disposto a se consagrar ao esforço de guerra se sentir que seu governo cria planos para um mundo melhor” A analise feita por Souza, (1999:1-18) das teorias sobre a institucionalização do Estado de Bem-Estar Social, - o welfare state ou Estado-providência – demonstram que o seu desenvolvimento a partir da Grande Depressão econômica de 1930, e sua posterior consolidação, depois da Segunda Guerra Mundial, está associado tanto à necessidade de regulação da economia capitalista, no nível macro dentro do modelo de desenvolvimento de Keynes, uma vez que “na lógica keynesiana, a geração de demanda é o problema central da economia; o Estado age com sucesso sobre a economia quando garante a suficiência dos níveis de demanda agregado” (op.cit: 4), quanto a um fenômeno geral da modernização com a formação dos estados nacionais e a sua transformação em democracias de massa e a expansão do modo de produção capitalista. Segundo o autor, Piore e Sabel (1984) desenvolveram seus estudos com base no desenvolvimento do Welfare State nos Estados Unidos, e apontaram que os três elementos fundamentais para o sucesso das políticas de regulação foram: i) a expansão dos sindicatos nas indústrias de produção de massa e a difusão do processo de negociação coletiva entre os demais trabalhadores; ii) os gastos do governo que complementavam a demanda privada; e, iii) a criação de um sistema de seguridade social que garantia a manutenção dos níveis de demanda privada e, automaticamente, elevava o poder de compra dos consumidores, caso suas rendas fossem reduzidas. 6 O autor apresenta também outras teorias para as quais a política de regulação das atividades econômicas que resultou no Estado-Providencia atendeu aos interesses tanto dos trabalhadores quanto dos capitalistas ao permitir alguma forma de “compromisso” entre eles. A abordagem de Lipietz (1992) se afasta do modelo keynesiano e procura mostrar o desenvolvimento do welfare state como uma necessidade para o desenvolvimento do modelo fordista de produção em massa, com base no “compromisso de classe” entre o capital e o trabalho. Para o autor um modelo de desenvolvimento é o resultado da combinação de três elementos: o processo de trabalho – onde os trabalhadores aceitam as mudanças tecnológicas que promovem a separação entre a concepção e a execução do trabalho em troca da redistribuição em troca dos ganhos de produtividade; o regime de acumulação – o sistema fordista combina produção em massa com o consumo em massa garantindo rentabilidade aos investimentos, salários crescentes e pleno emprego; e o modo de regulação como mecanismo para assegurar a adesão dos trabalhadores ao compromisso fordista e é composto por uma legislação trabalhista que acompanha ganhos de produtividade, por um sistema de seguridade social que garante o consumo dos trabalhadores, mesmo que estes estejam afastados do mercado de trabalho, e por um sistema bancário baseado em moeda não lastreada (SOUZA, 1999, p.7). Para Flora e Heidenhheimer (1982) que analisaram 15 paises da Europa Ocidental e América do Norte, o desenvolvimento do Estado-Providencia é um fenômeno geral da modernização e pode ser entendido como resposta a dois acontecimentos fundamentais: a formação dos estados nacionais e sua transformação em democracias de massa e a expansão do modo de produção capitalista e representa a resposta às demandas por igualdade socioeconômica e por institucionalização de direitos sociais - civis e políticos – quanto à demanda por seguridade social e econômica. (SOUZA, 1999, p.8). A ênfase na expansão democrática também está presente na abordagem de Esping-Andersen (1990) quando afirma que dois fatores importantes explicam o desenvolvimento do welfare state depois da Segunda Guerra Mundial: a mobilização das organizações de classe, que ampliaram sua base de sustentação, até então concentradas nos partidos de esquerda, e promoveram coalizões alternativas de classe, em especial alianças entre as classes operárias e as novas classes médias (white collars e funcionários públicos), e demonstraram que, apesar do poder 7 hegemônico, as “instituições políticas são capazes de traduzir poder mobilizado em reformas desejadas, sobrepondo-se ao poder hegemônico e servindo a interesses antagônicos aos do capital (SOUZA, 1999, p.9). Para Thompson (2000:35) os programas obrigatórios de aposentadoria, geridos pelo Estado, tende a emergir quando o emprego assalariado se torna uma importante fonte de recursos econômicos. De inicio podem cobrir, sobretudo, os operários e outros empregados do setor público e das principais indústrias de transportes e de exportação, porém, com o tempo, se desenvolvem até alcançar todos os setores formais da economia. São empreendimentos caros e com a maturação das economias eles crescem até se incluírem entre as maiores instituições fiscais de suas sociedades. 2. Razões para a criação de Programas Obrigatórios de Previdência As crises econômicas das últimas décadas do século XX, sem a emergência de um novo modelo econômico que substituísse a política keynesiana baseada no principio da correspondência global entre os imperativos do crescimento da economia e a necessidade de maior eqüidade social, colocaram o papel do Estado, como operador direto de sistemas previdenciários, no centro dos debates políticos dos governos e fez surgir, na literatura, inúmeras abordagens teóricas que buscam explicar as razões que justifiquem a ação direta do Estado na criação e administração de programas obrigatórios de previdência social. Tafner (2007, p. 51-55) engloba as abordagens em duas grandes famílias: 1) as teorias normativas que buscam as razões para o governo intervir nesse “mercado” e 2) as versões positivas da presença do Estado subdividida em dois grupos: um que explica o envolvimento do Estado como decorrência da preferência dos agentes que se manifestam na esfera política, e, o outro que busca as razões de eficiência (ou ineficiência) para justificar a presença do Estado. Ferreira (2007, p. 69-75) afirma que as justificativas para a existência de sistemas previdenciários podem ser divididas em três categorias: previdência existe i) ou porque os governos são benevolentes e paternalistas; ii) ou porque governos são benevolentes e buscam corrigir as ineficiências do mercado; iii) ou, ainda, porque governos não são benevolentes e sim resultado de grupos de pressão e de coalizões entre os eleitores. 8 Segundo o autor as duas primeiras categorias conduzem às teorias normativas que explicam por que o governo deve intervir, divididas em: i) previdência como um bem de mérito; ii) seleção adversa; iii) moral hazard; iv) externalidades positivas no capital humano; v) contrato intergeracional; e a última leva às teorias positivas que tentam explicar por que o governo de fato intervém: o sistema eleitoral e os grupos de interesse. Para Thompson (2000, p, 35-41) os governos assumiram há muito alguma responsabilidade pela garantia de um padrão de vida mínimo aos idosos e enfermos. Em muitos países os programas de previdência social se tornaram importante mecanismo para o cumprimento dessa responsabilidade, entretanto cresceram até muito além do nível necessário para garantir o mínimo socialmente aceitável numa economia de mercado, o que sugere que as razões para a sua criação vão muito além da motivação do rendimento mínimo. Para o autor a intervenção governamental tem dois objetivos: o primeiro é garantir que as pessoas se aposentem com recursos suficientes e, o segundo, é garantir que elas continuem tendo recursos embora vivam bem mais do que a esperança média de vida; ou tenham que enfrentar agudos e inesperados aumentos de preços ou enfrentem despesas elevadas, tais como: internamento, etc. 2.1 Teorias Normativas As teorias que explicam a necessidade de alguma forma de intervenção governamental partem do pressuposto de que os indivíduos têm algum tipo de deficiência, tais como deficiência de informação; de capacidade de decisão; falhas do mercado, etc. Para Thompson as razões mais comuns, sugeridas pelos analistas, para a criação de programas obrigatórios de previdência são: 1) Miopia Individual - ocorre porque alguns indivíduos, especialmente os jovens, não consideram relevantes à utilidade do consumo futuro quando tomam decisões econômicas no presente. Erros de decisão em assuntos econômicos podem ser corrigidos quando as conseqüências não tardam a aparecer e permitem que as pessoas tomem decisões diferentes, contudo, as decisões sobre rendimentos de aposentadoria são tomadas no começo da vida e as conseqüências só aparecem mais tarde, e, quando as pessoas descobrem que cometeram um erro, não 9 poupando o suficiente enquanto trabalhavam, já não podem mais fugir das conseqüências. Uma intervenção coletiva para anular os efeitos da miopia, “visão limitada”, levará os indivíduos a pouparem uma parte maior dos seus ganhos enquanto trabalham para garantir um padrão de vida melhor na aposentadoria, e será aceita como positiva na medida em que as pessoas estão perto da idade de aposentadoria (THOMPSON, op. cit. p. 37-38). A miopia individual é analisada por Ferreira (2007, p.70) como “Previdência como um bem de mérito” que afirma: “de fato há evidência preliminar de que indivíduos mais bem informados tomam decisões mais adequadas de alocação de portfólio (WHITEHOUSE, 2000)” da mesma forma que “trabalho acadêmico recente mostra que pessoas poupam pouco não por miopia e racionalidade limitada, mas porque contam com recursos previdenciários ou programas de renda mínima quando se aposentam” e aponta a regulação dos fundos de pensão como uma solução mais simples do que a instituição de programa de previdência obrigatório no regime de repartição clássico. Thompson (op. cit. 42) também concorda que “a miopia pode ser reduzida mediante educação e o comportamento míope pode ser reduzido se forem oferecidos subsídios à poupança para a aposentadoria”, contudo “algum grau de compulsão é provavelmente inevitável. O imprudente não poupa nem mesmo quando subsidiado e o porte do subsidio para superar os casos mais severos de miopia pode ser inaceitável” e aponta a relativização do elemento obrigatório como uma opção que cada sociedade pode adotar, ao exigir a participação em programas que garantam a cada individuo uma razoável aposentadoria básica, mas deixando sob sua responsabilidade a garantia do seu padrão de vida anterior. 2) Proteção dos Prudentes – a garantia de um rendimento mínimo oferecido pelo governo pode criar um risco moral no sentido de que alguns membros da sociedade decidirão contar com o beneficio mínimo em lugar de cuidar eles próprios da aposentadoria. A intervenção governamental instituindo programas obrigatórios exigindo dos contemplados pelo beneficio mínimo o pagamento de contribuições, mesmo que mínimas, para o sustento de suas aposentadorias, protege os membros prudentes da sociedade de uma dupla carga: custear a suas aposentadorias e a dos imprudentes (THOMPSON op.cit, 38). 10 O autor alerta para o fato de que em paises onde existe o mínimo social, a imprudência pode ser uma reação perfeitamente racional, especialmente para aqueles cujos recursos na aposentadoria não estarão muito acima do mínimo. “Em contraste com os míopes, os imprudentes obrigados a uma contribuição maior para a sua própria aposentadoria podem nunca chegar a apreciar a sabedoria da intervenção estatal. Eles teriam preferido continuar imprudentes” (op. cit. p. 39). Ferreira, (2007, p.71) trata a proteção dos prudentes como um problema de moral hazard que pode ser resolvido pelo governo através da instituição de uma contribuição solidária para todos os indivíduos - “um sistema de repartição que obrigue cada um a contribuir para o bem público”. O autor não aponta o tipo de programa alternativo para conseguir essa proeza. Oliveira (1992, p.25) diz que “na discussão quanto à compulsoriedade, já se apontou que, no Seguro Social, parece justificar-se plenamente alguma intervenção do Estado sobre o livre arbítrio do cidadão”. 3) Redistribuição de Renda – quase todas as sociedades julgam coletivamente sobre a redução do rendimento produzido pelo mercado a fim de promoverem maior solidariedade social e produzirem uma sociedade mais justa. Os programas previdenciários, se comparados com os programas assistenciais, tem a vantagem de exercer essa função preservando a dignidade dos idosos. Para conseguir a redistribuição por métodos socialmente aceitáveis, exige operação direta pelo governo ou um programa cujos parâmetros sejam ditados por normas governamentais. Mas isso não implica um programa suficientemente grande para prover a maior parte dos rendimentos de aposentados e para a maioria da população (THOMPSON, op. cit. 39). A maioria dos paises, ao adotar programas de previdência estruturados no regime de repartição, que funciona como mecanismo de transferência e redistribuição de renda, abriu espaço para a promoção de conflitos distributivos de duas naturezas distintas: a) conflitos distributivos intrageracionais, ou seja, entre indivíduos de uma mesma geração, ao permitir critérios diferenciados de elegibilidade aos benefícios; e, b) conflitos distributivos intergeracionais, aqueles entre jovens e velhos que disputam entre si os recursos e os custos de transferências. (TAFNER e GIAMBIAGI, 2007:15). Para Oliveira, (1992:6) isto acontece porque a maioria dos programas previdenciários, inclusive o brasileiro, “raramente tem seus conceitos e objetivos 11 claramente explicitados, mesclando componentes da abordagem de seguro e da abordagem redistributiva (...) (numa) tentativa de conciliação de objetivos conflitantes através do processo político”. 4) Falhas do mercado de seguros – o desafio dos jovens prudentes que procuram cuidar do próprio futuro é grande, pois envolve projeções sobre vários desenvolvimentos impossíveis de conhecer no presente, pois se posiciona num horizonte de tempo muito distante e para os quais o mercado não dá a cobertura adequada, tais como: o índice de crescimento da economia no futuro e o produto dos investimentos; tendências futuras de mortalidade média; alterações dos níveis de preços ou salários após a aposentadoria e a duração da vida de cada pessoa (THOMPSON, op.cit. 39-40). Ferreira (2007:71) reconhece a existência de indícios de falha no mercado de anuidades gerando o problema da “seleção adversa” no mercado de seguros contra vida longa, como o resultado da “presença de informação assimétrica entre comprador e vendedor de uma anuidade (tradução de annuity, titulo que paga um cupom mensal vitalício)”. Para Tafner (2007, p. 53) as três principais falhas de mercado que prejudicariam o consumidor, exigindo, portanto, a presença do Estado, são: “a) ausência de oportunidades de investimentos relativamente seguros em termos de retorno real; b) ausência de mecanismos para a cobertura de riscos associados à duração da vida e do período laboral; e c) ausência de um mercado estruturado de conversão de pecúlio em renda fixa”. Uma quinta linha de abordagem da teoria normativa que justifica a presença do Estado em programas previdenciários, está presente nas obras de Ferreira (2007, p.73) como “externalidades positivas no capital humano” e na de Tafner (2007, p. 53) como “depreciação do capital humano” e tem como foco o fato de que os mais velhos teriam “capital humano mais baixo do que a média” o que representaria uma produtividade menor do que a media dos trabalhadores, prejudicando a produtividade total da economia. A diferença de produtividade seria mais acentuada no caso da geração mais jovem ser mais instruída do que a mais velha, assim caberia ao Estado instituir programas previdenciários geradores de renda para os mais velhos, incentivando-os a sair do mercado de trabalho, com efeitos positivos sobre a produtividade da economia. 12 3. Previdência social e Democracia A teoria da solidariedade social criou as “obrigações positivas do Estado”, ou seja, o que ele deve fazer para que os indivíduos desenvolvam plenamente suas capacidades físicas, morais e intelectuais – os direitos sociais - e prefere denominar os direitos individuais de “obrigações negativas do Estado”, isto é o que o Estado não pode fazer para que os indivíduos possam livremente desenvolver suas atividades. (AZAMBUJA, 2005:161-167). Segundo o autor “é necessário recordar que todas as reivindicações que visam amparar os trabalhadores, a infância, a velhice, que procuram evitar abusos do poder econômico e limitar a propriedade, são conquistas democráticas” (op. cit: 215). Partindo desses pressupostos as abordagens teóricas, iniciadas na década de 1960, que buscam justificativas para a participação direta do Estado em sistemas previdenciários, procuram faze-lo através da associação entre o regime democrático e o regime de repartição como agente de transferência de renda. O argumento fundamental é que a luta pela distribuição de recursos na sociedade se dá através do sistema eleitoral. Seja através do recurso ao eleitor mediano seja através da noção de grupos de interesse, essas teorias admitem implicitamente a hipótese de que a preferência eleitoral transforma-se em políticas públicas (TAFNER, 2007:55). As abordagens teóricas associando a Previdência Social aos regimes democráticos têm sido questionadas por estudiosos que, com base em análises empíricas, demonstraram que o nível de redistribuição nos paises que adotaram sistemas previdenciários é o mesmo, tanto em paises democráticos quanto nos não democráticos: Mulligan, Gill e Sala-i-Martin (2002), no entanto, usando dados de 90 paises não encontraram evidencias de que regimes democráticos gastam maior parcela do Produto Interno Bruto (PIB) em seguridade social do que paises não democráticos, quando controlados pela participação da população idosa no total da população. No mesmo estudo, indicam também que a relação entre gastos previdenciários e variáveis demográficas e econômicas é essencialmente a mesma em regimes democráticos e não democráticos. (TAFNER, 2007 p. 47). Rosanvallon (1997, p.27-28), contudo, afirma que a legitimidade do “Estadoprovidência” repousa num programa ilimitado: libertar a sociedade da necessidade e do risco. Como a noção de necessidade é vaga e oscila entre os conceitos de 13 sobrevivência (satisfação das necessidades fisiológicas essenciais) e de abundância mínima (supressão das necessidades) para todos os indivíduos fica difícil determinar, socialmente, o nível mínimo de vida que corresponde à satisfação de necessidades, em cada sociedade, uma vez que esta existe fundamentalmente como manifestação de uma situação social, logo está estruturada pela dinâmica social. “A noção de necessidade é, apenas, uma redundância do conceito de relações sociais” e a idéia de “libertação da necessidade reforça a de igualdade e, neste sentido o Estado-providência é bem o produto da moderna cultura democrática e igualitária”. a) Expansão do sufrágio e o papel do eleitor mediano – Azambuja (2005:281-282), afirma que na ciência política, o sufrágio tem dois aspectos: é a manifestação do assentimento ou não de uma proposição feita ao eleitor; e é a participação do individuo na vida do Estado, ou seja, demonstra não só o seu interesse pelos destinos da sociedade política a que pertence como a concretização do seu direito de se fazer ouvir, de influir no governo sobre os assuntos que lhe interessa diretamente. Dentro deste contexto a expansão do sufrágio que ocorreu em paises democráticos, com a incorporação dos pobres e das mulheres, e em alguns casos dos analfabetos, ou seja, abrangendo o maior número possível de indivíduos com direito de intervir na direção do Estado, fez crescer a massa do eleitor mediano com forte propensão por políticas de redistribuição de renda e o Estado vem utilizando os sistemas previdenciários para atender essa demanda do eleitorado. b) Grupos de Interesse – A sociedade hoje se apresenta cada vez mais segmentada, oligopolizada, desintegrada sob a pressão da evolução das estruturas econômicas – a segmentação do mercado de trabalho e das estruturas de negociação social e, neste contexto, o importante para o individuo é situar-se no segmento ou oligopólio mais favorável. De certa forma o Estado tem contribuído para corporatizar a sociedade ao multiplicar os entendimentos sociais por categorias para reduzir sua legitimidade. Assim, dentro de um Estado clientelista, os grupos de interesse desempenham um papel importante na nova economia política. (ROSANVALLON, 1997:31-32). Para Azambuja (2005:315- 320) grupo de interesse ou de pressão “é qualquer grupo social, permanente ou transitório, que, para satisfazer seus interesses próprios, procura obter determinadas medidas dos poderes do Estado e influenciar a 14 opinião publica” utilizando táticas de persuasão tais como: memoriais, ofícios, artigos de jornal, entrevistas, radiodifusão, comícios, conferencias, etc., ou de ameaça de greve, com as quais bombardeiam os poderes públicos, especialmente ao poder legislativo, individual ou coletivamente, para deles conseguir uma decisão favorável. Segundo Salvetti Neto, (1982:277) o termo “grupo de pressão” foi usado pela primeira vez em 1925, por um jornalista americano e, em 1946, os Estados Unidos, regulamentaram a sua criação, organização e funcionamento pelo chamado “Lobbying act”. Para Tafner (2007:46) “a preferência por planos (previdenciários) mais generosos só seria implementada por conta de uma distribuição desigual de poder na sociedade que favorece os mais velhos em detrimento dos mais novos”. Ferreira também concorda com essa tese ao afirmar que: como o sistema de repartição concentra benefícios em poucos, e distribui os custos por toda a sociedade (sendo parte dos custos carregada por pessoas ainda não nascidas) a taxa de retorno da atividade de lobby é bastante elevada, as resistências são pequenas e, consequentemente, as chances de sucesso da atividade são altas (PARETO, 1927). Esping-Andersen (2003:15) argumenta que a ação dos grupos de interesse em defesa da manutenção da previdência social pública é perfeitamente justificável para assegurar a equidade social, inclusive dos indivíduos ainda não nascidos, dentro dos princípios de justiça propostos pelo filósofo John Rawls, ao lutar em defesa de uma política socialmente justa e ideal para a sociedade moderna, voltada basicamente para a garantia de renda na velhice a todos os indivíduos, através de programas previdenciários no regime de repartição que promove a coletivização dos riscos juntamente com algum principio de solidariedade e confiança, e que, portanto, deve se sobrepor às políticas que buscam atender às exigências do mercado centradas basicamente na eficiência econômica e afirma: A política que se presta a maximizar o bem-estar social pode fazer suas escolhas em um menu de princípios de justiça e os mais relevantes deles estão sintonizados com os princípios enunciados por Pareto ou aqueles enunciados por Rawls. A privatização da previdência poderia talvez ser uma modalidade paretiana. Com bases rawlsianas seria praticamente impossível. Madrid, (2003:166) também reconhece o poder dos grupos de interesse ao afirmar que “para promulgar reformas de peso na previdência social, também é 15 preciso vencer a oposição de poderosos grupos de interesse (...) que se empenham em disputas em diferentes níveis de intensidade, dependendo do que esteja em jogo” e Esping-Andersen (2003:14) afirma que “no Uruguai o “lobby grisalho” uniu-se à esquerda, conseguindo barrar a privatização total do sistema”. Os grupos de interesse se apresentam como uma fonte poderosa de resistência às reformas da previdência que vem sendo intentadas pelos governos, principalmente na América Latina, uma vez que dispõem de numerosos recursos, desde o lobby junto aos parlamentares até as ameaças de greves e manifestações públicas, e, em alguns casos, o controle de grande número de votos ou de recursos financeiros que podem ser utilizados para influenciar os resultados eleitorais, podendo bloquear ou alterar propostas na área da seguridade social, dependendo do controle que tem sobre os recursos políticos. Em todas as abordagens a necessidade de criar, ampliar e fortalecer sistemas de Previdência Social se apresenta como um dos instrumentos indispensáveis de proteção social compensatória dentro do atual modelo de acumulação das sociedades modernas, uma vez que substitui as antigas formas de assistencialismo privado pelas políticas sociais do Estado, independentemente das motivações políticas que marcaram seu surgimento e a sua expansão, - quer como regulador da economia quer com instrumento para o desenvolvimento do modelo fordista de produção, - o sistema institucionalizado de proteção social, é, acima de tudo, uma conquista das sociedades democráticas que não pode sofrer retrocesso em prol da eficiência econômica do sistema, em uma economia de mercado. Referências: AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. São Paulo: Globo, 2005. ESPING-ANDERSEN, Gosta. Uma perspectiva transatlântica da política de privatização latino-americana. 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