IEP851-2010 Trabalho final Renata Camile Carlos

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Instituto de Economia
Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento – PPED
Gestão Pública, Propriedade Intelectual e
Desenvolvimento
Prof. Carlos Morel
Aluna: Renata Camile Carlos Reis
Resenha
Artigo Original:
Temporal trends in generic and brand prices of antiretroviral medicines
procured with donor funds in developing countries
Waning B, Kaplan W, Fox MP, Boyd-Boffa M, King AC, Lawrence DA, Soucy
L, Mahajan S, Leufkens HG, Gokhale M. Temporal Trends in Brand and
Generic Prices of Antiretroviral Medicines Procured with Donor Funds in
Developing Countries. Journal of Generic Medicines 2010;7:159-175.
O artigo foi recentemente publicado e é mais uma da lavra de sua
autora principal, Brenda Waning, do departamento de Medicina de Família,
da Escola de Medicina da Universidade de Boston. Neste trabalho os autores
se dedicam a –
a partir de dados advindos da Organização Mundial de
Saúde (OMS) e do Fundo Global – organizar um banco de dados de 15111
aquisições de antiretrovirais (ARVs) no período compreendido entre 2002 e
2008. O trabalho se mostra relevante a atual na medida em que identifica as
variações de preços de medicamentos no período, as diferenças entre
medicamentos de referência e suas versões genéricas e principalmente,
identifica os ARVs que mais demandam reduções de preço para atender o
maior número possível de pessoas.
Os autores contextualizam as peculiaridades do mundo farmacêutico
na introdução do artigo. Assim, aspectos recorrentes na descrição deste
mercado são apresentados, tais como: trata-se de um mercado tipicamente
imperfeito, caracterizado por monopólios e oligopólios e um pequeno número
de fornecedores. O ingresso de versões genéricas encontra obstáculos como
proteção por patentes e dados de prova, limitação de fornecedores de
princípios ativos, barreiras outras em relação ao processo de registro
sanitário, além de estratégias de preços dos principais competidores. Outro
elemento apontado na introdução foi a assimetria de informações que é
comum a este mercado, onde alguns tem vantagens em relação a outros no
momento de negociar. Outras características são agregadas, principalmente
em relação aos países mais pobres, como o financiamento claramente
insuficiente, estruturas administrativas inadequadas e as capacidades
subdesenvolvidas de regulação sanitária.
Alguns espaços fundamentais como a Organização Mundial da Saúde
e o Fundo Global pela luta contra o HIV/AIDS, Tuberculose e Malária tem
sido proativos na implementação de políticas que visam mitigar, em alguma
medida, as imperfeições do mercado dirigidos principalmente aos países de
menor potencial aquisitivo. Uma das políticas buscada é mapear os preços
praticados no comércio internacional de ARVs. A publicidade desses dados,
segundo o Fundo Global, pode contribuir no processo de diminuição dos
preços ao longo do tempo e influenciar na dinâmica do mercado.
Os autores informam que após o estabelecimento de um banco de
dados público do Fundo Global, a OMS estabeleceu o chamado Mecanismo
de Relato de Preços Globais (Global Price Reporting Mechanism – GPRM em
inglês). Trata-se de uma ferramenta web que funciona como um repositório
de informação das aquisições de medicamentos para HIV/AIDS, tuberculose
e Malária. As fontes desse banco são diversas1. O banco de dados do Fundo
Global e da OMS traz informações cumuladas nos últimos 6 anos, com os
preços pagos por ARVs em mais de 100 países.
A “luta” pela ampliação da transparência nesses dados é importante.
Os autores ressaltam essa afirmação e concordamos inteiramente, já que há
uma discrepância percebida em relação aos preços dos medicamentos
essenciais, principalmente em uma perspectiva país a país. Segundo
informações de Médicos sem Fronteiras, a maioria das empresas de marca
1
Segundo dados da OMS: Clinton Foundation (CHAI), The Crown Agent, The Global Drug Facility
(GDF), The Global Fund to Fight AIDS, Tuberculosis and Malaria (GFATM), The Global Malaria
Programme (GMP), The International Dispensary Association (IDA HIV/AIDS), USAID/Deliver),
Mission Pharma, Management Sciences for Health (MSH), The Partnership for Supply Chain
Management (PFSCMS), The United Nations Development Programme (UNDP), The United Nations
Population Fund (UNFPA), The United Nations Children's Fund (UNICEF), UNITAID and The
WHO/Contracting
and
Procurement
Service
(WHO/CPS).
Disponível
em
http://www.who.int/hiv/amds/gprm/en/
original oferece seus preços com desconto apenas para um determinado
grupo de países, normalmente apenas para os países menos desenvolvidos
(LDC) e países da África Subsahariana2.
Em suma, o artigo em questão se dedica a, a partir das informações
existentes, descrever as mudanças percebidas nos preços de ARVs de 2002
a 2008, assim como a variação nos preços pagos por ARVs “equivalentes” no
período de 1 ano – Julho de 2007 a Junho de 2008.
Métodos
A seguir os autores se dedicam a descrever o método de pesquisa.
Optamos por relatar os métodos de forma a colaborar na compreensão da
análise crítica dos resultados. Os métodos são descritos da seguinte
maneira:

Foram acessados as transações relatadas na OMS e no Fundo Global,
entre Julho de 2002 e Junho de 2008;

Aquisições que contavam com preço 0 (US$0) foram removidas da
pesquisa;

Os resultados foram 19.432 aquisições de ARVs representando 18
ARVs em 74 diferentes dosagens em 113 países diferentes,
totalizando aproximadamente 1.06 bilhões de dólares;

Nessa pesquisa houve um recorte em aquisições de ARVs em
formulações
sólidas
(cápsulas,
comprimidos,
etc)
que
foram
comercializados ao menos 95 vezes no período de 6 anos;

Com este recorte a amostra resultou em 15.111 transações que
compreendeu 32 formulações de ARVs;

2
Todos os preços foram apresentados em dólares americanos;
Médicos Sem Fronteiras. Untangling the Web of Price Reductions. Pag. 05, Junho, 2005. Disponível
em www.accessmed-msf.org .

Os preços foram reportados a partir do ajuste à inflação de Julho de
2007 a Junho de 2008, usando como referência o Index de Preços ao
Consumidor Americano (United States Consumer Price Index);

Os preços dos ARVs foram apresentados por seu preço paciente/ano,
segundo a dose recomendada pela OMS;

Não foram incluídos ajustes ao impacto dos custos de transporte,
seguros e outras taxas, que foram estimadas em 15% do total de
custos;

Para comparar medicamentos diversos (referência e genéricos), os
autores dividiram a média de preços anual por paciente do ARV de
referência com a média dos preços por paciente ano de sua versão
genérica;

Os ARVs foram agrupados conforme sua classe terapêutica;

Os países foram agrupados em países em desenvolvimento de renda
média e países menos desenvolvidos;

Foram
removidos
da
amostra
preços
extremamente
altos
e
extremamente baixos;

Os autores utilizaram o software SAS versão 9.13.
Resultados
Como apresentado acima foram analisados 15.111 aquisições de
ARVs correspondendo a aproximadamente 1 bilhão de dólares. Os números
de aquisições reportadas foram decrescendo ao longo dos anos. A partir do
período completo 66% das aquisições foram de versões genéricas de
medicamentos. Os países menos desenvolvidos representaram 65% das
transações de compra, enquanto os países de renda média representaram
33% das compras. Em relação aos valores: os países menos desenvolvidos
significaram 52% e os de renda média 48% do total.
As tendências nos preços dos ARVs no período de 2002 a 2008
podem ser apresentadas assim :
3
http://www.sas.com/index.html
Tabela 1: Comparação entre preços de NRTIs4 genéricos e de referência em
períodos selecionados
Tratamentos
Tratamento em
Julho 2003-
Julho 2007 –
Junho 2004
Junho 2008
$49 - $1.117
$11 - $372
$58 - $2.044
$73 – 635
Adultos NRTIs Genéricos
(paciente/ano)
Tratamento em
Adultos NRTIs Referência
(paciente/ano)
Tabela preparada pela aluna.
Embora a tabela 1 demonstre o decréscimo dos preços das versões
genéricas e de referência, os preços dos medicamentos tenofovir (TDF);
abacavir (ABV) e didanosina (DDI) permaneceram altos até o fim do período.
Seus preços foram:
Tabela 2 – Medicamentos Genéricos e preços em Junho de 2008:
4
inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeo/nucleotídeo.
Medicamento Genérico
Preço ao fim do período
TDF
$168
ABV
$372
DDI
$172 - $270
Tabela preparada pela aluna.
Tabela 3 – Medicamentos de Referência e preços em Junho de 2008:
Medicamento de Referência
Preço ao fim do período
TDF
$223
ABV
$635
DDI
$223 - $438
Tabela preparada pela aluna.
Já os medicamentos da classe NNRTI5, apresentaram as seguintes
variações:
Gráfico 1 - Comparação entre preços de NNRTIs genéricos e de re
5
Análogos não nucleosídeos inibidores da trasncriptase reversa
ferência em períodos selecionados
Gráfico produzido pela aluna.
No gráfico acima nota-se que o efavirenz genérico começa o período
sendo comercializado com preço mais alto que o de referência. No entanto
ao fim do período, o seu preço apresenta importante decréscimo.
Em relação a doses fixas combinadas de ARVs, os valores passaram
de $181 - $338 para $95 - $175 no fim do período.
Os Inibidores de Protease (IP) costumam apresentar os maiores
preços entre as classes terapêuticas para o controle do HIV. Além disso, há
no mercado um menor número de fornecedores para IP. Assim, com exceção
do ritonavir, os preços de versões genéricas dessa classe terapêutica
passaram de $445 - $2575 para $350 - $2803; e as versões de referência
caíram de $462 - $5093 para $438 - $1332. No fim do período as versões
genéricas de ritonavir, saquinavir, e lopinavir/ritonavir 200/50 estavam mais
caras que as suas versões de referência.
Os autores passam então a tratar dos percentuais de variação entre os
preços de medicamentos genéricos e de referência. Ambos os tipos sofreram
decréscimos:

Genéricos de IP sofreram reduções de 37%;

Genéricos de NRTIs sofreram reduções de 62%;

Genéricos de NNRTIs sofreram reduções de 72%;

Genéricos de 2NNRTI + NRTI FDC sofreram reduções de 58%;

Referência de NRTIs sofreram reduções de 12%;

Referência de NNRTIs sofreram reduções de 29%;

Referência de IP sofreram reduções de 80%;
As variações em relação a países em desenvolvimento e menos
desenvolvidos também foi percebida. No período compreendido entre julho
de 2007 e junho de 2008, os países menos desenvolvidos tiveram variações
de 10 vezes em relação a medicamentos genéricos e 20 vezes em relação a
medicamentos de referência. Já os países em desenvolvimento observaram
variações de 9 vezes em relação a genéricos e 16 vezes em relação aos de
referência.
Discussão
Como visto acima, houve um redução expressiva dos preços dos
medicamentos ao longo dos seis anos de observação. Os autores elencam
uma série de fatores que podem colaborar no entendimento desta variação:
a) Discricionariedade dos produtores de medicamentos de referência em
baixar
preços
e
não
solicitar
patentes
em
países
menos
desenvolvidos;
b) Volume de fundos internacionais para compra de ARVs;
c) Crescimento do mercado global de genéricos;
d) Constante pressão de ativistas de HIV/AIDS;
e) Políticas de organizações internacionais e doadores no sentido de
minorar as imperfeições do mercado;
f) Criação e uso de guias de tratamento;
g) Intervenções (principalmente em relação a preços) da Fundação
Clinton;
h) Publicação de guias de preços pelos Médicos sem Fronteiras (MSF).
i) Vontade governamental de prover tratamentos à população.
Em termos gerais os genéricos apresentaram preços mais baixos que
os medicamentos de referência. Como visto, a exceção foram os IPs, que
ainda é a classe mais cara de ARVs. No entanto, ficou claro que há
necessidade de mais pesquisa para compreender como os genéricos dessa
classe podem se tornar mais acessíveis e competitivos e também para
desenhar intervenções e estratégias necessárias para que os preços caiam
como um todo. Pistas para a manutenção dos preços num patamar alto são a
ainda a baixa demanda mundial para essa classe e o número de
fornecedores no mercado.
Essa conjuntura deve ser alterada em breve, ocasionando a possível
mudança desse cenário, tendo em vista o crescimento de pessoas que
iniciarão terapias de segunda linha, além da entrada de competidores no
mercado. Outra necessidade apontada é a necessária redução de preço dos
medicamentos abacavir e tenofovir, cada vez mais utilizados na primeira linha
de tratamentos para o HIV/AIDS, como recomendado pela OMS.
Os genéricos apresentaram uma curva descendente similar entre
países menos desenvolvidos e em desenvolvimento. No entanto, para
medicamentos de referência a curva se apresentou mais acentuada entre
países em desenvolvimento. Há variações de preços entre países de até
60%. Pareceu muito importante compreender as razões que justificam
variações tão grandes entre países, para a aquisição do mesmo ARV.
Novamente os autores dão pistas de porque as variações acontecem, no
entanto sem pretender dar respostas às questões. Nesse caso alguns
elementos surgem: proteção patentária nso países, estruturas administrativas
inadequadas, falta de informação de preços justos de mercado, dificuldades
em estimar a demanda, tempo insuficiente entre o pedido e o recebimento de
ARVs, atrasos no pagamento a fornecedores, impostos nacionais, aumento
do preço dos intermediários farmacêuticos e barreiras à entrada dos
produtos, das formas mais variadas.
As limitações à investigação foram de diversas ordens, a principal foi a
seleção da amostra. A OMS captura cerca de 50% das aquisições globais de
ARVs feitas com fundos de doadores, por isso não se pode estimar como a
sub-notificação das aquisições podem interferir no resultado. Segundo, os
preços médios de ARVs não incluíram o impacto de custos adicionais, tais
como taxas de envio, seguros, impostos, etc (estima-se que esses custos
adicionais não são menos que 15%). Terceiro, os dados analisados são de
fonte secundária, portanto não há garantias da qualidade dos dados
primários (aquisições relatadas), há inclusive uma suspeita de que alguns
preços foram informados de forma equivocada. Por isso os preços mais altos
e baixos foram descartados da amostra, tendo em vista que poderiam ser os
mais potencialmente equivocados.
Houve ainda a confirmação de diversos trabalhos anteriores na
constatação de que ARVs genéricos são mais baratos que os de referência,
com exceção de alguns PIs que formam a base do tratamento de segunda
linha. Na medida em que as pessoas migrem para terapias de segunda linha
contendo PIs e regimes de primeira linha incluam tenofovir e abacavir, é
imperativo estimular os fabricantes genéricos a produzirem versões mais
acessíveis desses medicamentos. Entre esses estímulos foram citados
licenças compulsórias, importações paralelas de medicamentos e a criação
do Pool de Patentes para esses ARVs.
Um dos pontos mais destacados desse artigo é a importância da
publicidade e transparência nos dados de aquisições de ARVs. Essas
informações, juntamente com dados sobre políticas de preço e qualidade de
medicamentos podem ter um impacto positivo na ampliação do acesso a
ARVs. Os autores encorajam ONGs, governos, doadores e outros atores a
encontrar um consenso normativo e estimular a criação de divulgações
obrigatórias sobre aquisições de ARVs no mundo. Tais informações podem
ser vitais para subsidiar decisões de compra e mitigar a assimetria de
informações entre compradores. Os autores ainda sugerem que os dados
devem ser apresentados de forma facilitada, incorporando ainda dados
referentes a situação patentária, situação de registro sanitário, custos
adicionais, entre outras informações relevantes.Essa ampla transparência e
facilidade no acesso a dados podem colocar por terra velhas hipóteses, não
testadas, que até hoje guiam decisões de programas e políticas.
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