ROF 79 Boletim do CIM Julho

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A Síndrome da Imunodeficiência Humana (SIDA) adquiriu nos
Os NITRs/NtITRs são parte integrante da maioria dos regimes de
últimos anos proporções de pandemia tendo resultado na morte de
ARVs recomendados, os quais incluem a associação de 2 NITRs/NtI-
mais de 25 milhões de pessoas desde a sua descoberta em 1981,
TRs com um ARV de outra classe (Não Nucleósideo Inibidor da TR ou
das quais 2,9 milhões morreram em 2006. No final de 2006, cerca
Inibidor da Protease). A combinação tripla de NITRs/NtITRs é inferior
de 40 milhões de pessoas em todo o mundo estavam infectadas pelo
à combinação de pelo menos duas classes diferentes de ARVs.7 As
vírus da imunodeficiência humana (VIH), das quais 4,3 milhões foram
combinações correntes de NITRs/NtITRs são actualmente baseadas
infectadas em 2006.1,2 A transmissão do VIH em humanos efectua-se
na eficácia e na toxicidade dos componentes, estando já disponíveis
por três vias: sexual, parentérica e vertical (perinatal).3
no mercado co-formulações.2,.4,7
A erradicação do VIH não é passível de ser alcançada com o ar-
Os Não Nucleósideos Inibidores da Transcriptase Reversa
senal terapêutico disponível, em grande parte devido ao facto de
(NNITRs) actuam na mesma etapa do ciclo celular que os NITRs/NtITRs,
se estabelecer uma reserva de linfócitos T CD4+ infectados durante
não necessitam de fosforilação inicial e actuam segundo um diferente
a fase aguda da infecção, com uma semivida alargada, mesmo em
mecanismo de acção que envolve a alteração da estrutura 3D da TR.
presença de supressão da carga viral. Assim, o princípio do trata-
Uma vez que os NNITRs não inibem as polimerases de ADN humano,
mento anti-retrovírico (ARV) reside na restauração e preservação sus-
estes não estão associados a toxicidade mitocondrial.4,5,7
tentada da função imunológica e maximização da redução da carga
Existem actualmente 2 NNITRs: Efavirenze (EFV) e Nevirapina
viral, reflectindo-se sobre a diminuição da morbilidade e mortalidade
(NVP). Qualquer um deles é igualmente potente, mas diferenças
associadas a VIH e melhoria da qualidade de vida.4,5
no perfil de toxicidade e possíveis interacções com outros fárma-
A decisão de iniciar a terapêutica ARV deve ser individualizada e
cos condicionam a sua prescrição, conforme a situação. O EFV está
ter em conta os riscos e benefícios do tratamento. O seu início de-
contra-indicado em grávidas e deve ser prescrito com precaução
pende da contagem das células T CD4+, do valor da carga viral e
em doentes com patologia psiquiátrica. A NVP pode ser usada em
da presença ou não de sintomas clínicos. Em geral, as recomenda-
grávidas, mas deve ser utilizada com precaução em doentes com
ções terapêuticas propõem que o tratamento ARV seja iniciado em
hepatites ou a fazer fármacos hepatotóxicos.4,7
todos os doentes sintomáticos, independentemente da contagem
Os Inibidores da Protease (IPs) inibem a aspartil-protease de
das células T CD4+, ou assintomáticos, cuja contagem de células
VIH e impedem a clivagem dos precursores das proteínas virais nas
T CD4+ seja <200/mm.3 Nos doentes com contagem de células T
subunidades necessárias para a formação de novos viriões, resultando
CD4+ entre 200-350/mm3 o tratamento deve ser considerado caso
na formação de partículas virais imaturas e não infecciosas.5,7
a caso. O tratamento geralmente não é aconselhado em doentes
Fazem parte desta classe de fármacos: Atazanavir (ATV), Daruna-
com contagem de células T CD4+ >350/mm,3 embora em doentes
vir (DRV), Fosamprenavir (fAMP), Indinavir (IDV), Lopinavir+Ritonavir
com carga viral >100.000 cópias/mm3 a terapêutica ARV deva ser
(LPV/r), Nelfinavir (NFV), Ritonavir (RTV), Saquinavir (SQV) e Tiprana-
considerada.2,4,6,7
vir (TPV). Os IPs mais antigos (IDV e NFV) compreendem restrições
Para se entender o mecanismo de acção dos anti-retrovíricos
alimentares, má biodisponibilidade ou elevado número de compri-
(ARVs) é importante conhecer o ciclo de vida do VIH. O VIH é um ví-
midos, sendo cada vez menos usados. Já os IPs mais recentes (ATV,
rus ARN que infecta principalmente células que exprimem o receptor
fAMP, TPV e DRV), potenciados com RTV, têm melhor perfil farmaco-
CD4+. O vírus começa por se ligar ao receptor CD4+ e a co-recepto-
cinético, compreendem menor número de comprimidos e têm uma
res específicos (CCR5 e/ou CXCR4) e funde-se com a membrana da
maior barreira genética para o desenvolvimento de resistências.
célula hospedeira permitindo a entrada do ARN viral na célula. Uma
Todos os IPs existentes à data são substratos do sistema CYP450,
vez no citoplasma da célula, o ARN viral é transformado em ADN por
apresentando por isso variadas interacções farmacológicas. Os IPs
transcrição reversa e é transportado até ao núcleo onde se integra
são geralmente incluídos nos regimes iniciais ou como terapêutica
no ADN celular. A partir deste momento começa a ser sintetizado
de resgate na presença de VIH multi-resistente.7
o material genético e as proteínas virais que, na superfície celular,
vão ser agrupadas em partículas virais e libertadas.3,7
Os ARVs actuam interrompendo o ciclo de replicação de VIH, ini-
Recentes avanços terapêuticos levaram ao aparecimento de novas
classes de ARVs, tais como os Inibidores da Fusão (IFs), Inibidores
de Entrada (IEs) e os Inibidores da Integrase (IIs).
bindo certas proteínas como a transcriptase reversa (TR), a protea-
Os IFs actuam por inibição da fusão da membrana viral à super-
se e a gp41 que são essenciais para a replicação de VIH.5 O arsenal
fície celular da célula-alvo, bloqueando assim a entrada de VIH nos
terapêutico existente à presente data é constituído por 6 classes
linfócitos T CD4+. A Enfurvirtida (T20) é o único fármaco disponível
diferentes de ARVs.
e difere dos outros ARVs visto não ter biodisponibilidade oral e ter
Os Nucleósidos/Nucleótidos Inibidores da Transcriptase
JULHO/OUTUBRO 2007
Anti-Retrovíricos
de ser administrada por via SC.7
Reversa (NITRs/NtITRs) são dos ARVs mais prescritos, e como tal,
Os IEs interferem com a ligação de VIH à célula-alvo, ligando-se
parte importante dos regimes terapêuticos para doentes naïve. Os
aos co-receptores CCR5 e CXCR4 e impedindo a ligação do vírus à
NITRs/NtITRs actuam por um mecanismo de “suspensão da cadeia de
membrana da célula T CD4+. Embora muito promissores no início,
sequência” em que o NITR/NtITR é incorporado no ADN viral, impe-
muitos dos antagonistas do co-receptor CCR5 apresentaram, em en-
dindo a transcrição reversa e inibindo assim a síntese de ADN viral.
saios clínicos de fase II/III, ou baixa eficácia virológica ou toxicidades
A replicação viral é precocemente interrompida e a infecção de novas
que levaram à suspensão precoce dos estudos. Encontram-se em
células é reduzida. Os NITRs/NtITRs são inibidores competitivos da
estudo o Maraviroc e o Vicriviroc.7,8
TR de VIH mas também inibem a polimerase γ de ADN mitocondrial
Os IIs são a mais recente classe de ARVs e trazem grande es-
humano, dando origem a reacções adversas.3,5,7 Pertencem a esta
perança uma vez que têm demonstrado elevada potência tanto em
classe a Zidovudina (AZT), Lamivudina (3TC), Emtricitabina (FTC),
doentes naïve como em doentes previamente submetidos a múltiplos
Abacavir (ABC), Estavudina (d4T), Didanosina (ddI) e Tenofovir (TDF),
regimes terapêuticos. O seu mecanismo de acção é a inibição irrever-
sendo este último um NtITR.
sível da integração de ADN viral no genoma da célula hospedeira. Tal
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BOLETIM DO CIM
como os IEs, também se encontram ainda em ensaio clínico, sendo
e lipodistrofia, e pela qual os NITRs são os principais responsáveis.
representativos desta classe o Elvitegravir e o Raltegravir.7,8
Por outro lado, a lipodistrofia também está associada ao uso de
A introdução dos regimes terapêuticos ARVs de alta potência
IPs, manifestando-se tanto por lipo-hipertrofia como por lipoatro-
designados por terapêutica HAART (combinação de 3 ARVs de pelo
fia, podendo acontecer com ou sem dislipidémia. Podem ocorrer
menos duas classes diferentes) há cerca de 11 anos conduziu a uma
outras complicações como a síndrome metabólica e as complica-
redução significativa da morbilidade e mortalidade relacionadas com
ções cardiovasculares.5,7
VIH e a um alto ratio custo/efectividade na intervenção médica.2,7 Na
O desenvolvimento de estirpes virais resistentes é uma das
tabela 1 referem-se as mais recentes recomendações terapêuticas
principais razões para a falência desta terapêutica. A resistência
da Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA, actualmente
aos ARVs desenvolve-se rapidamente quando a replicação viral não
em discussão pública.
é totalmente suprimida na presença dos fármacos. Vários factores
A selecção de um correcto regime HAART deve ter em aten-
intervêm para o desenvolvimento de resistências, entre eles a ele-
ção factores como os efeitos adversos, número de comprimidos,
vada taxa de replicação de VIH e o índice de erro excepcionalmente
co-infecção com vírus hepatite B ou C, eficácia, possível gravidez
elevado da TR do VIH. Estes factores conduzem a um elevado índice
e outras co-morbilidades como doença renal ou síndrome meta-
de mutações e à produção constante de mutantes virais, mesmo
bólica.5,7 Na tabela 2 apresentam-se as vantagens e desvantagens
na ausência de tratamento. As mutações que conferem resistência
dos diferentes esquemas terapêuticos contendo NNITRs, IPs ou
aos ARVs podem já existir no genoma do VIH e assim, na presença
3NITRs/NtITRs.
de ARVs, as estirpes resistentes serão seleccionadas como espécie
Um dos principais factores preditivos do sucesso da HAART é a
dominante.5,7,11,12
adesão à terapêutica. É necessária uma adesão superior a 95% para
Além da má adesão à terapêutica, outros factores intervêm no
se atingir a supressão virológica em 80% dos doentes em tratamento
desenvolvimento das resistências, nomeadamente algumas carac-
ARV. A falta de adesão contribui para a falência terapêutica, desen-
terísticas dos ARVs como a baixa barreira genética, farmacocinética
volvimento de resistência aos ARVs e, consequentemente, aumento
e a fraca potência de um regime ARV.5
Face ao grau de complexidade crescente da terapêutica para a
da morbilidade e mortalidade.
7,10
Os efeitos adversos dos ARVs constituem uma das principais
infecção VIH/SIDA, os farmacêuticos hospitalares estão privilegiada-
razões para a falta de adesão dos doentes à terapêutica. Os mais
mente colocados para intervirem na melhoria da morbilidade, mor-
comuns são a toxicidade mitocondrial que se manifesta por hiper-
talidade e qualidade de vida destes doentes.13 Destaca-se o papel
lactacidémia, miopatia, neuropatia periférica, esteatose hepática
preponderante do farmacêutico, enquanto membro de uma equipa
multidisciplinar, ao nível da promoção da adesão ao tratamento e
Tabela 1 – Esquemas iniciais de tratamento para doentes naïve
(adaptado).9
Esquemas possíveis
Escolher um fármaco da coluna A + um da coluna
B + um da coluna C
A
Componentes
recomendados
Componentes
alternativos
Combinações não
recomendadas
TDF
ABC
AZT
ddI
B
C
FTC
3TC
EFV
LPV/r
fAMP+RTV
NVP
SQV+RTV
AZT+d4T, FTC+3TC, TDF+ddI e ddI+d4T
ABC + 3TC + TDF
NNITRs
IPs
3NITRs/
NtITRs
Possíveis vantagens
Possíveis desvantagens
Eficácia imunológica e virológica
está bem documentada.
Evita efeitos adversos dos IPs.
Baixa barreira genética.
Mais fáceis de tomar e com
melhor adesão do que os IPs
(< número comprimidos).
Eficácia clínica, imunológica
e virológica está bem
documentada.
Alta barreira genética.
Evita efeitos adversos dos
NNITRs.
lado, a detecção de eventuais interacções (fármaco vs fármaco,
substâncias ilícitas, nutrientes) e reacções adversas, e a elaboração
de estudos de utilização dos ARVs, contribuem para uma melhor optimização da prescrição e maior efectividade terapêutica.
Helena Farinha*, João Rijo**
Serv. Farm. CHLO, E.P.E. – Hosp. de Egas Moniz
* Coordenadora SF HEM, ** Farmacêutico Hospitalar SF HEM
ATV+RTV
IDV+RTV
Tabela 2 – Vantagens e desvantagens dos diferentes esquemas
terapêuticos contendo NNITRs, IPs ou 3NITRs/NtITRs
(adaptado).10
Esquema
educação para a adopção de comportamentos seguros.3 Por outro
Alguns regimes são de
difícil adesão (> número
comprimidos).
Os efeitos adversos incluem
lipodistrofia, hiperlipidémia e
resistência à insulina, entre
outros.
Geralmente mais fáceis de
tomar e com melhor adesão que
os IPs (< número comprimidos).
Eficácia virológica inferior
Poupança dos NNITRs e IPs.
aos regimes contendo
É improvável que se desenvolva
NNITRs ou IPs.
resistência cruzada entre todos
os fármacos NITRs/NtITRs
quando o regime inicial falha.
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Errata: No quadro resumo do artigo Doenças infecciosas emergentes (Boletim do CIM Mai/Jun 2007) as riquetsioses, transmitidas pela picada de carraças,
aparecem entre as doenças causadas por parasitas, quando deveriam estar incluídas nas doenças causadas por bactérias. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores.
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