A Síndrome da Imunodeficiência Humana (SIDA) adquiriu nos Os NITRs/NtITRs são parte integrante da maioria dos regimes de últimos anos proporções de pandemia tendo resultado na morte de ARVs recomendados, os quais incluem a associação de 2 NITRs/NtI- mais de 25 milhões de pessoas desde a sua descoberta em 1981, TRs com um ARV de outra classe (Não Nucleósideo Inibidor da TR ou das quais 2,9 milhões morreram em 2006. No final de 2006, cerca Inibidor da Protease). A combinação tripla de NITRs/NtITRs é inferior de 40 milhões de pessoas em todo o mundo estavam infectadas pelo à combinação de pelo menos duas classes diferentes de ARVs.7 As vírus da imunodeficiência humana (VIH), das quais 4,3 milhões foram combinações correntes de NITRs/NtITRs são actualmente baseadas infectadas em 2006.1,2 A transmissão do VIH em humanos efectua-se na eficácia e na toxicidade dos componentes, estando já disponíveis por três vias: sexual, parentérica e vertical (perinatal).3 no mercado co-formulações.2,.4,7 A erradicação do VIH não é passível de ser alcançada com o ar- Os Não Nucleósideos Inibidores da Transcriptase Reversa senal terapêutico disponível, em grande parte devido ao facto de (NNITRs) actuam na mesma etapa do ciclo celular que os NITRs/NtITRs, se estabelecer uma reserva de linfócitos T CD4+ infectados durante não necessitam de fosforilação inicial e actuam segundo um diferente a fase aguda da infecção, com uma semivida alargada, mesmo em mecanismo de acção que envolve a alteração da estrutura 3D da TR. presença de supressão da carga viral. Assim, o princípio do trata- Uma vez que os NNITRs não inibem as polimerases de ADN humano, mento anti-retrovírico (ARV) reside na restauração e preservação sus- estes não estão associados a toxicidade mitocondrial.4,5,7 tentada da função imunológica e maximização da redução da carga Existem actualmente 2 NNITRs: Efavirenze (EFV) e Nevirapina viral, reflectindo-se sobre a diminuição da morbilidade e mortalidade (NVP). Qualquer um deles é igualmente potente, mas diferenças associadas a VIH e melhoria da qualidade de vida.4,5 no perfil de toxicidade e possíveis interacções com outros fárma- A decisão de iniciar a terapêutica ARV deve ser individualizada e cos condicionam a sua prescrição, conforme a situação. O EFV está ter em conta os riscos e benefícios do tratamento. O seu início de- contra-indicado em grávidas e deve ser prescrito com precaução pende da contagem das células T CD4+, do valor da carga viral e em doentes com patologia psiquiátrica. A NVP pode ser usada em da presença ou não de sintomas clínicos. Em geral, as recomenda- grávidas, mas deve ser utilizada com precaução em doentes com ções terapêuticas propõem que o tratamento ARV seja iniciado em hepatites ou a fazer fármacos hepatotóxicos.4,7 todos os doentes sintomáticos, independentemente da contagem Os Inibidores da Protease (IPs) inibem a aspartil-protease de das células T CD4+, ou assintomáticos, cuja contagem de células VIH e impedem a clivagem dos precursores das proteínas virais nas T CD4+ seja <200/mm.3 Nos doentes com contagem de células T subunidades necessárias para a formação de novos viriões, resultando CD4+ entre 200-350/mm3 o tratamento deve ser considerado caso na formação de partículas virais imaturas e não infecciosas.5,7 a caso. O tratamento geralmente não é aconselhado em doentes Fazem parte desta classe de fármacos: Atazanavir (ATV), Daruna- com contagem de células T CD4+ >350/mm,3 embora em doentes vir (DRV), Fosamprenavir (fAMP), Indinavir (IDV), Lopinavir+Ritonavir com carga viral >100.000 cópias/mm3 a terapêutica ARV deva ser (LPV/r), Nelfinavir (NFV), Ritonavir (RTV), Saquinavir (SQV) e Tiprana- considerada.2,4,6,7 vir (TPV). Os IPs mais antigos (IDV e NFV) compreendem restrições Para se entender o mecanismo de acção dos anti-retrovíricos alimentares, má biodisponibilidade ou elevado número de compri- (ARVs) é importante conhecer o ciclo de vida do VIH. O VIH é um ví- midos, sendo cada vez menos usados. Já os IPs mais recentes (ATV, rus ARN que infecta principalmente células que exprimem o receptor fAMP, TPV e DRV), potenciados com RTV, têm melhor perfil farmaco- CD4+. O vírus começa por se ligar ao receptor CD4+ e a co-recepto- cinético, compreendem menor número de comprimidos e têm uma res específicos (CCR5 e/ou CXCR4) e funde-se com a membrana da maior barreira genética para o desenvolvimento de resistências. célula hospedeira permitindo a entrada do ARN viral na célula. Uma Todos os IPs existentes à data são substratos do sistema CYP450, vez no citoplasma da célula, o ARN viral é transformado em ADN por apresentando por isso variadas interacções farmacológicas. Os IPs transcrição reversa e é transportado até ao núcleo onde se integra são geralmente incluídos nos regimes iniciais ou como terapêutica no ADN celular. A partir deste momento começa a ser sintetizado de resgate na presença de VIH multi-resistente.7 o material genético e as proteínas virais que, na superfície celular, vão ser agrupadas em partículas virais e libertadas.3,7 Os ARVs actuam interrompendo o ciclo de replicação de VIH, ini- Recentes avanços terapêuticos levaram ao aparecimento de novas classes de ARVs, tais como os Inibidores da Fusão (IFs), Inibidores de Entrada (IEs) e os Inibidores da Integrase (IIs). bindo certas proteínas como a transcriptase reversa (TR), a protea- Os IFs actuam por inibição da fusão da membrana viral à super- se e a gp41 que são essenciais para a replicação de VIH.5 O arsenal fície celular da célula-alvo, bloqueando assim a entrada de VIH nos terapêutico existente à presente data é constituído por 6 classes linfócitos T CD4+. A Enfurvirtida (T20) é o único fármaco disponível diferentes de ARVs. e difere dos outros ARVs visto não ter biodisponibilidade oral e ter Os Nucleósidos/Nucleótidos Inibidores da Transcriptase JULHO/OUTUBRO 2007 Anti-Retrovíricos de ser administrada por via SC.7 Reversa (NITRs/NtITRs) são dos ARVs mais prescritos, e como tal, Os IEs interferem com a ligação de VIH à célula-alvo, ligando-se parte importante dos regimes terapêuticos para doentes naïve. Os aos co-receptores CCR5 e CXCR4 e impedindo a ligação do vírus à NITRs/NtITRs actuam por um mecanismo de “suspensão da cadeia de membrana da célula T CD4+. Embora muito promissores no início, sequência” em que o NITR/NtITR é incorporado no ADN viral, impe- muitos dos antagonistas do co-receptor CCR5 apresentaram, em en- dindo a transcrição reversa e inibindo assim a síntese de ADN viral. saios clínicos de fase II/III, ou baixa eficácia virológica ou toxicidades A replicação viral é precocemente interrompida e a infecção de novas que levaram à suspensão precoce dos estudos. Encontram-se em células é reduzida. Os NITRs/NtITRs são inibidores competitivos da estudo o Maraviroc e o Vicriviroc.7,8 TR de VIH mas também inibem a polimerase γ de ADN mitocondrial Os IIs são a mais recente classe de ARVs e trazem grande es- humano, dando origem a reacções adversas.3,5,7 Pertencem a esta perança uma vez que têm demonstrado elevada potência tanto em classe a Zidovudina (AZT), Lamivudina (3TC), Emtricitabina (FTC), doentes naïve como em doentes previamente submetidos a múltiplos Abacavir (ABC), Estavudina (d4T), Didanosina (ddI) e Tenofovir (TDF), regimes terapêuticos. O seu mecanismo de acção é a inibição irrever- sendo este último um NtITR. sível da integração de ADN viral no genoma da célula hospedeira. Tal ROF ROF 79 79 3 BOLETIM DO CIM como os IEs, também se encontram ainda em ensaio clínico, sendo e lipodistrofia, e pela qual os NITRs são os principais responsáveis. representativos desta classe o Elvitegravir e o Raltegravir.7,8 Por outro lado, a lipodistrofia também está associada ao uso de A introdução dos regimes terapêuticos ARVs de alta potência IPs, manifestando-se tanto por lipo-hipertrofia como por lipoatro- designados por terapêutica HAART (combinação de 3 ARVs de pelo fia, podendo acontecer com ou sem dislipidémia. Podem ocorrer menos duas classes diferentes) há cerca de 11 anos conduziu a uma outras complicações como a síndrome metabólica e as complica- redução significativa da morbilidade e mortalidade relacionadas com ções cardiovasculares.5,7 VIH e a um alto ratio custo/efectividade na intervenção médica.2,7 Na O desenvolvimento de estirpes virais resistentes é uma das tabela 1 referem-se as mais recentes recomendações terapêuticas principais razões para a falência desta terapêutica. A resistência da Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA, actualmente aos ARVs desenvolve-se rapidamente quando a replicação viral não em discussão pública. é totalmente suprimida na presença dos fármacos. Vários factores A selecção de um correcto regime HAART deve ter em aten- intervêm para o desenvolvimento de resistências, entre eles a ele- ção factores como os efeitos adversos, número de comprimidos, vada taxa de replicação de VIH e o índice de erro excepcionalmente co-infecção com vírus hepatite B ou C, eficácia, possível gravidez elevado da TR do VIH. Estes factores conduzem a um elevado índice e outras co-morbilidades como doença renal ou síndrome meta- de mutações e à produção constante de mutantes virais, mesmo bólica.5,7 Na tabela 2 apresentam-se as vantagens e desvantagens na ausência de tratamento. As mutações que conferem resistência dos diferentes esquemas terapêuticos contendo NNITRs, IPs ou aos ARVs podem já existir no genoma do VIH e assim, na presença 3NITRs/NtITRs. de ARVs, as estirpes resistentes serão seleccionadas como espécie Um dos principais factores preditivos do sucesso da HAART é a dominante.5,7,11,12 adesão à terapêutica. É necessária uma adesão superior a 95% para Além da má adesão à terapêutica, outros factores intervêm no se atingir a supressão virológica em 80% dos doentes em tratamento desenvolvimento das resistências, nomeadamente algumas carac- ARV. A falta de adesão contribui para a falência terapêutica, desen- terísticas dos ARVs como a baixa barreira genética, farmacocinética volvimento de resistência aos ARVs e, consequentemente, aumento e a fraca potência de um regime ARV.5 Face ao grau de complexidade crescente da terapêutica para a da morbilidade e mortalidade. 7,10 Os efeitos adversos dos ARVs constituem uma das principais infecção VIH/SIDA, os farmacêuticos hospitalares estão privilegiada- razões para a falta de adesão dos doentes à terapêutica. Os mais mente colocados para intervirem na melhoria da morbilidade, mor- comuns são a toxicidade mitocondrial que se manifesta por hiper- talidade e qualidade de vida destes doentes.13 Destaca-se o papel lactacidémia, miopatia, neuropatia periférica, esteatose hepática preponderante do farmacêutico, enquanto membro de uma equipa multidisciplinar, ao nível da promoção da adesão ao tratamento e Tabela 1 – Esquemas iniciais de tratamento para doentes naïve (adaptado).9 Esquemas possíveis Escolher um fármaco da coluna A + um da coluna B + um da coluna C A Componentes recomendados Componentes alternativos Combinações não recomendadas TDF ABC AZT ddI B C FTC 3TC EFV LPV/r fAMP+RTV NVP SQV+RTV AZT+d4T, FTC+3TC, TDF+ddI e ddI+d4T ABC + 3TC + TDF NNITRs IPs 3NITRs/ NtITRs Possíveis vantagens Possíveis desvantagens Eficácia imunológica e virológica está bem documentada. Evita efeitos adversos dos IPs. Baixa barreira genética. Mais fáceis de tomar e com melhor adesão do que os IPs (< número comprimidos). Eficácia clínica, imunológica e virológica está bem documentada. Alta barreira genética. Evita efeitos adversos dos NNITRs. lado, a detecção de eventuais interacções (fármaco vs fármaco, substâncias ilícitas, nutrientes) e reacções adversas, e a elaboração de estudos de utilização dos ARVs, contribuem para uma melhor optimização da prescrição e maior efectividade terapêutica. Helena Farinha*, João Rijo** Serv. Farm. CHLO, E.P.E. – Hosp. de Egas Moniz * Coordenadora SF HEM, ** Farmacêutico Hospitalar SF HEM ATV+RTV IDV+RTV Tabela 2 – Vantagens e desvantagens dos diferentes esquemas terapêuticos contendo NNITRs, IPs ou 3NITRs/NtITRs (adaptado).10 Esquema educação para a adopção de comportamentos seguros.3 Por outro Alguns regimes são de difícil adesão (> número comprimidos). Os efeitos adversos incluem lipodistrofia, hiperlipidémia e resistência à insulina, entre outros. Geralmente mais fáceis de tomar e com melhor adesão que os IPs (< número comprimidos). Eficácia virológica inferior Poupança dos NNITRs e IPs. aos regimes contendo É improvável que se desenvolva NNITRs ou IPs. resistência cruzada entre todos os fármacos NITRs/NtITRs quando o regime inicial falha. Bibliografia 1. UNAIDS/WHO. AIDS epidemic update: special report on HIV/AIDS: December 2006. [cited 13/06/2007]. Disponível em: http://data.unaids.org/pub/ EpiReport/2006/2006_EpiUpdate_en.pdf. 2. Hammer SM. et al. Treatment for adult HIV infection: 2006 recommendations of the International AIDS Society-USA panel. JAMA, 2006; 296(7): 827-43. 3. Anon. Sida y VIH. Panorama Actual Med, 2005; 29: 1143-56. 4. DHHS. Guidelines for the Use of Antiretroviral Agents in HIV-1-infected Adults and Adolescents - October 10, 2006. [cited 13/06/2007]; Disponível em: http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/AdultandAdolescentGL.pdf. 5. Torti C. et al. Current concerns in HIV antiretroviral therapy. 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The role of the pharmacist caring for people living with HIV/ AIDS: a canadian position paper. Can J Hosp Pharm, 2000; 53(2): 92-103. Errata: No quadro resumo do artigo Doenças infecciosas emergentes (Boletim do CIM Mai/Jun 2007) as riquetsioses, transmitidas pela picada de carraças, aparecem entre as doenças causadas por parasitas, quando deveriam estar incluídas nas doenças causadas por bactérias. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores. 4 ROF 79