RESENHA

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Alfa, São Paulo
33:179-180,1989.
RESENHA
Maria do Rosário F. V. GREGOLIN*
FIORIN, José Luiz - Linguagem e Ideologia. São Paulo, Ática, 1988, 87 p. (Série Princípios,
v. 137)
José Luiz FIORIN inicia seu livro Linguagem e Ideologia alertando-nos de que
vivemos uma crise epistemológica da lingüística e que, passada a época do fastígio
do estruturalismo, em que as análises buscaram a estrutura interna da linguagem, é
chegado o momento de "uma reflexão ampla sobre a linguagem, que leve em conta o
fato de que ela é uma instituição social, o veículo de ideologias, o instrumento de
mediação entre os homens e a natureza, os homens e os outros homens" (p. 6).
É nessa análise, que busca a relação entre a linguagem e a ideologia e que procura
trazer o Homem e a História de volta às análises lingüísticas, que o autor vai-nos
conduzir nas páginas do livro.
A partir das "dicas" de Marx e Engels de que a linguagem não é uma realidade
autônoma, FIORIN mostra-nos a necessidade de distinguirem-se os níveis e as determinações sociais sobre a linguagem. Não basta dizer que "a linguagem é determinada", é preciso investigar onde se encontram as marcas da determinação social sobre a linguagem.
Propõe FIORIN que se estabeleça, primeiramente, a distinção entre o sistema,
a fala e o discurso. O sistema virtual (a língua), como rede de relações que se estabelece entre um conjunto de elementos lingüísticos, é relativamente determinado pelas formações sociais — as mudanças ocorrem devido a causas internas e externas, e é
quase impossível estabelecer a relação entre uma alteração do sistema e sua causa
histórico-social**.
A fala, como exteriorização psico-fisiológica do sistema, ato concreto, momentâneo e individual, não sofre qualquer determinação. É no discurso que, segundo o
* Departamento de Lingüística - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP -14800 - Araraquara - SP.
** Citando Guimarães Rosa, FIORIN (p. 16) lembra-nos que "toda língua são rastros de velhos mistérios".
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autor, devemos procurar as coerções sociais que determinam a linguagem (p. 16).
Discurso é entendido como a combinatória de elementos lingüísticos utilizada pelos
falantes para exprimir seus pensamentos, refletir e agir sobre o mundo.
Para tomar o discurso como objeto de análise, FIOR1N parte da hipótese de que
ele possui organização e regularidade, de que ele é estruturado por uma sintaxe e
uma semântica. Da sintaxe do discurso fazem parte os processos de estruturação que
organizam as estratégias argumentativas utilizadas pelo enunciador para criar "efeitos de verdade" e persuadir seus enunciatários. É portanto uma área de manipulação
consciente, na qual as formas lingüísticas são utilizadas com vistas à persuasão. É o
caso, por exemplo, do uso das pessoas do discurso, que pode criar o efeito de objetividade ou subjetividade.
Da semântica discursiva fazem parte os conteúdos investidos nos moldes sintáticos
abstratos, que refletem, através de formações discursivas, o conjunto de temas e figuras que refletem a maneira de ver o mundo em determinada classe dentro de uma sociedade. Assim, uma formação social possui váriasfraçõesde classes, e a cada uma
delas corresponde uma formação ideológica e uma formação discursiva.
Exemplificando por meio de textos, FIORIN propõe que na figurativização podese perceber mais claramente a determinação social sobre o discurso. A visão de mundo de uma classe social não existe disvinculada da linguagem, e as figuras concretizam os ternas que circulam nas classes de uma sociedade. Por isso, o discurso é social; a individualidade manifesta-se na liberdade de textualização, na manifestação
do discurso nos textos.
A clareza com que FIORIN trata desses problemas que há milênios vêm desafiando os estudiosos da linguagem, sem fazer da análise uma "investigação policial"
(cap. 15), é de extrema importância para o avanço da análise do discurso. Consciente da complexidade do seu objeto de análise, FIORIN prepara o terreno, indica
caminhos para uma investigação que pode aliar o prazer da descoberta com o rigor
científico necessário à análise.
Alfa, SSo Paulo, 33: 179-180,1989.
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