AS GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTADO COMO SEU DESTINATÁRIO. Filipo Bruno Silva Amorim AS GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTADO COMO SEU DESTINATÁRIO. UMA BREVE REFLEXÃO Filipo Bruno Silva Amorim Procurador Federal na Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região como Coordenador de Matéria Administrativa. Graduado pela UFRN. Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNISUL-IDP-LFG. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo CEUB. As chamadas gerações dos direitos fundamentais consubstanciam-se numa espécie de demonstração, na linha do tempo, da evolução das garantias conquistadas pelo constitucionalismo. Primeiramente, antes de adentrarmos no cerne da questão posta, mister frisar que as ditas gerações dos direitos fundamentais não podem ser vistas como etapas eminentemente sucessivas. Absolutamente. É de se fixar que essas gerações representaram movimentos constitucionais, digamos assim, que buscavam a conquista de determinados direitos considerados, à época, fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Todavia, a evolução que se propõe com a divisão dos direitos fundamentais em gerações não significa que dentro de uma determinada geração não se insira a luta por direitos que caracterizam uma outra geração. As gerações de direitos fundamentais nos servem como uma base da evolução histórica dos direitos fundamentais. Assim, como o próprio termo "evolução" sugere, podemos dizer que na primeira geração dos direitos fundamentais se inseriram direitos de segunda geração, bem como nesta última, direitos de terceira. Outro aspecto que não se pode deixar de apontar é que as gerações de direitos não são sucessivas no sentido de que uma vem em substituição à outra. Como conquistas sócio-constitucionais que são, as gerações que surgem complementam as que já existem, ou seja, aos direitos e garantias alcançados, vêm outros que a eles se somam, a fim de garantir o surgimento de uma sociedade cada vez mais justa, livre, equânime: uma sociedade onde os arbítrios do Estado cedam ao primado dos valores perseguidos pelos movimentos constitucionais representados pelas gerações de direitos fundamentais. Feitas essas breves considerações, necessárias à compreensão do que se convencionou chamar de "gerações dos direitos de direitos fundamentais", passemos ao tema proposto. De início, é de se gizar que as gerações fundamentais, a depender do enfoque que se dê a elas, podem ser três ou quatro. Os de primeira geração estão diretamente ligados à idéia de liberdade, eis aí sua principal característica. Com efeito, outro não poderia ser o seu enfoque básico, eis que surgido no período em que a forma de governo dominante era a absolutista. Nesse período histórico, vigorava entre os filósofos, juristas e demais pensadores e intelectuais a idéia do amplo liberalismo, ou seja, defendia-se tanto a liberdade lato sensu dos cidadãos, tolhida e cerceada em virtude do modelo de Estado adotado, bem como a liberdade econômica, ou liberdade de mercado, que, de igual modo, era praticamente inexistente, eis que dominada pelo Estado, que na grande maioria das vezes se confundia com a figura do próprio governante. Foi nessa época que floresceram documentos como a Declaração dos Direitos do Homem de 1789. Enquadrando concepção mais os direitos moderna, de primeira poder-se-ia geração dizer que em uma eles se consubstanciam em direitos de prestação negativa do Estado. Significa dizer que são direitos de não intervenção, onde o Estado se queda inerte a fim de garantir a plena liberdade dos indivíduos entre si, bem como, dos indivíduos em relação ao próprio Estado, que passava a ser considerado uma pessoa jurídica, um ente com personalidade, capaz de titularizar tanto direitos quanto obrigações. Os direitos de segunda geração, por sua vez, têm o foco voltado à idéia de igualdade, cobrando do Estado não mais uma posição negativa, como os de primeira geração, mas uma atuação positiva, de modo a conferir a toda sociedade, e não só aos detentores do poderio econômico – acentuado com a grande evolução da economia do mercado (modelo capitalista) –, justiça social. Neste passo, não satisfaz mais aos anseios sociais a igualdade de direitos, proclamada com as primícias da liberdade (primeira geração de direitos fundamentais), mas, sim, a igualdade de fato. É nesse contexto que surgem as idéias de se constitucionalizar o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à previdência social etc.. Garantias essas que, somadas às liberdades da primeira geração, de fato tornam possível a assunção de uma sociedade livre e pluralista. Numa classificação hodierna, diríamos tratar-se de direitos de prestação, e não mais de direitos de defesa. Por sua vez, os direitos de terceira geração têm como pedra de toque a proteção da coletividade e não mais do indivíduo isoladamente. Neste diapasão surge o embrião dos, hoje, tão festejados direitos difusos e coletivos abrangendo conceitos de uma amplitude tal que transcendem em muito a esfera dos interesses individuais do homem. Abarcam, nesse turno, o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado, a proteção do patrimônio cultural e histórico de um povo, bem como, o próprio direito à paz. Através da divisão estanque das gerações de direitos fundamentais, só para que didaticamente se consiga enxergar suas características básicas, eis que como dito anteriormente, as gerações se complementam e se interpenetram, há quem trace um paralelo das três gerações de direitos fundamentais com o lema da revolução francesa: "liberté, égalité, fraternité", onde esses três ideais representariam, respectivamente, a primeira, a segunda e a terceira geração de direitos fundamentais. Por fim, não se olvide que há quem sustente a existência de uma quarta geração de direitos fundamentais, os chamados direitos à proteção do patrimônio genético do ser humano. Tais garantias visam impedir o uso indiscriminado da pesquisa genética sem a observância de preceitos éticos que envolvem um conceito bem mais amplo e que permeia todas as gerações de direitos fundamentais, o da dignidade da pessoa humana. Vale lembrar, todavia, que, para alguns doutrinadores, a quarta geração dos direitos fundamentais nada mais é que uma nova roupagem dada a outras gerações de direitos, como o próprio direito à vida integrante da primeira geração desses direitos. Em linhas gerais, essas são as características básicas das chamadas gerações dos direitos fundamentais. Passando para a segunda parte deste ensaio, firme-se que, numa análise apriorística, poder-se-ia imaginar que os direitos fundamentais teriam como únicos destinatários as pessoas, os seres humanos. De fato, a idéia de direitos fundamentais, muitas vezes chamados, no plano do direito internacional, de direitos humanos, foi, sim, concebida para albergar direitos tidos por indispensáveis ao ser humano no seu convívio social: o direito à vida, à liberdade, à saúde, à educação, ao trabalho, a um meio ambiente equilibrado etc.. Todavia, com o desenvolvimento da sociedade, outras necessidades tidas por fundamentais surgiram, de igual modo outros entes, dotados de personalidade jurídica, titulares, portanto, de direitos e obrigações, foram reconhecidos pelo ordenamento jurídico. As pessoas jurídicas integram a nossa realidade de forma inarredável. Significa dizer que muito embora, na visão de alguns, a personalidade das pessoas jurídicas se deva a uma "ficção jurídica", tais entidades personalizadas são capazes de contrair obrigações e de titularizar direitos. Por serem capazes de invocar direitos em nome próprio é que se consolidou o entendimento de também poderem ser titulares de direitos fundamentais. Por óbvio não poderão ser titulares de todos os direitos fundamentais, mesmo porque há determinados direitos cuja titularidade não se estende a todos, mas a uma parcela da sociedade: tal qual o direito a férias, que são exclusivos dos trabalhadores, o direito a vida não pode ser invocado por uma pessoa jurídica, mas tão-somente por um ser humano, dentre outros. Nesse passo, a par das exceções acima apontadas, também se pode afirmar com segurança que as pessoas jurídicas de direito público (o Estado em uma concepção aberta) podem ser, e de fato são, titulares de direitos fundamentais. Tal afirmação parece trazer em seu bojo certa contradição com o ideal impulsionador da concepção de direito fundamental: aquele direito capaz de garantir proteção ao indivíduo contra arbítrios próprios do Estado. Com efeito, esta foi a idéia inicial que impulsionou o movimento do constitucionalismo e a primeira geração de direitos fundamentais: direitos de não intervenção Estatal, ou direitos de defesa, ou, ainda, direitos de prestação negativa. Entretanto, a essa idéia inicial somaram-se outras (outras gerações de direitos fundamentais) e o rol dos direitos fundamentais foi amplamente alargado. Um exemplo claro disso é o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil que alberga, num rol meramente exemplificativo, quase oitenta incisos que descrevem exclusivamente direitos fundamentais. Dentro dessa extensa lista há direitos que são, sim, plenamente invocáveis pelo Estado, mesmo contrariando os interesses de um particular. Em sua grande maioria, tais direitos são de ordem procedimental, ou seja, direitos que garantam um procedimento justo, igualitário, na medida de suas desigualdades, entre particular e Estado. Um exemplo básico dos chamados direitos procedimentais é o direito ao devido processo legal, que abraça os conceitos de contraditório e ampla defesa. Numa demanda judicial, por exemplo, pode o Estado invocar o direito ao contraditório e anular todos os atos do processo até a citação, caso não lhe tenha sido dado o direito de defesa nos moldes previstos pela legislação. Todavia, se observarmos bem, não só os direitos procedimentais podem ser invocados pelo Estado contra o indivíduo, mas direitos encartados, inclusive, na chamada primeira geração dos direitos fundamentais. Exemplo claro disso é o direito à propriedade. Ora, o Estado, como ente personalizado, capaz de invocar direitos e contrair obrigações, pode, por óbvio, ser titular, e de fato o é, do direito de propriedade. Assim, imagine-se a invasão de um prédio público, onde funcione uma repartição do Estado, por integrantes de algum movimento social. Em sendo dita ocupação ilegal, pode o Estado usar dos mecanismos outorgados pela lei para repelir o ato perpetrado contra seu patrimônio. Destarte, não há dúvidas acerca da real possibilidade de o Estado invocar direitos fundamentais em contrariedade a interesses de um(s) determinado(s) indivíduo(s). Mesmo porque o conceito moderno de Estado é completamente distinto do que vigorava na época em se lutava pela implementação dos direitos fundamentais de primeira geração. Nessa época, o Estado se confundia com o governante: "L''État c''est moi" (frase de Luis XIV, rei da França durante os anos de 1643 a 1715). Hoje se entende e se aceita que o Estado somos todos nós: o Estado é a "pessoa" (jurídica) que garante, a grosso modo, que o coletivo prepondere sobre o individual, ou seja, é aquele que vela e que protege os interesses de toda a sociedade. Conclui-se, deste modo, por lógica, que o Estado pode e deve invocar direitos fundamentais contra um(s) interesse(s) particular(s), eis que, no final, estará invocando tal direito em defesa de toda a sociedade. Bibliografia consultada BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais.In: Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª parte. Ed. Brasília Jurídica. Instituto Brasiliense de Direito Público. 1ª Ed., 2ª tiragem. Brasília, 2002. Material da 1ª e 2ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL – IDP – REDE LFG. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2004. LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Coleção Clássicos do Direito, 8ª ed. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2004.