AZEVEDO, Fernando de . A nova concepção do papel da escola na sociedade. In:___ Novos caminhos e novos fins. 3 ed. São Paulo, Melhoramentos, s/d p. 109/111. (11) “Certo, no domínio social, mais do que em qualquer outro, é preciso não nos iludirmos com as aparências. Segundo uma lei fundamental verificada em sociologia, a reação segue sempre a ação para uma transação, a antítese, a tese para chegar a uma síntese, ponto de partida, por sua vez, de uma nova etapa da marcha ininterrupta do progresso humano. A educação sofreu esta lei, e, em seguida às investigações e experiências intensivas desses últimos anos, se ela teve de despojar-se de algumas ilusões, ver alguns erros em contato com a realidade, enriqueceu-se de elementos novos, preparando uma outra fase de atividade reconstrutiva. Mas, dentro dessas limitações com que a realidade objetiva corrigiu as construções teóricas, a sociologia já incorporou um patrimônio de conquistas definitivas às doutrinas de educação, situando o papel da escola, como uma instituição social, no conjunto das instituições sociais, políticas, religiosas e econômicas; apreciando e definindo, do ponto de vista de um conceito dinâmico da vida, a nova concepção e finalidade sociais da educação; estabelecendo a necessidade de articular a escola com o meio social, através do qual tem de exercer a sua função, coordenando, disciplinando e consolidando as experiências fragmentárias colhidas no seu ambiente, pela criança; instituindo a cooperação da escola com outras instituições sociais, e reorganizando a escola, nos moldes de uma sociedade em miniatura (socialização da escola) e na base das atividades da vida real, de modo que lhe permita a ‘participação direta na vida social, com eficiência e oportunidade para colaborar em todos os interesses da comunidade’. A primeira conclusão a que nos levam os estudos sociais, é a limitação do papel da escola na sociedade. De fato, confrontando o sistema pedagógico com o sistema social geral, e pondo, portanto, a escola em face do conjunto das instituições sociais, verifica-se o erro de visão a que nos habituou a concepção excessivamente larga e romântica do papel da escola, na vida social, em que atuam, colaboram e às vezes se chocam, exercendo uma pressão constante sobre o indivíduo, todas as outras instituições sociais. Se a escola é o ‘núcleo especial de educação’, instituído expressamente para ‘produzir um resultado que a direta participação do indivíduo na vida coletiva tornou, pela sua complexidade, precária senão impossível’, não é menos certo que não é somente na escola, ‘mas no lar, no templo, na oficina, na rua, que a sociedade marca o indivíduo com seus caracteres. Não é somente pela palavra que a sociedade modela, observa C. Bouglé; muitas vezes pela força das leis, e, ainda mais vezes, pela própria força das coisas, por esse conjunto poderoso e obscuro de obrigações, pressões e tentações que às vezes, sem que se perceba e sem que o queiramos, orientam a nossa própria conduta’. Não é ainda apenas o conjunto das instituições sociais que envolvem o indivíduo, como uma rede apertada, que nunca pode romper e que dificilmente é capaz de desembaraçar-se, arrastando-o para direções diferentes senão opostas. Não há também individualidade, em nossa organização social, em todos os contatos da vida doméstica e profissional, que se possa considerar ‘viver para si mesma’, sem qualquer participação na formação das gerações novas, constantemente influenciadas pelas idéias e sentimentos que, carregando a atmosfera moral das sociedades, se cruzam em todos os sentidos. Cada um de nós é, ao mesmo tempo que um anel da cadeia, que passa ao encadeamento futuro, toda a herança ancestral, um exemplo, um apelo, uma orientação, uma lição de coisas, de que, queiram ou não, se impregnam as gerações seguintes. Os conselhos dos pais e dos mestres, frutos da experiência, as aquisições científicas e filosóficas, não têm às vezes, sobre essas gerações, a capacidade de influência das atitudes e dos gestos que marcam uma personalidade. Não é, de fato, tanto pelas palestras, pelos discursos e pelos livros quanto pela imagem, pela ação e pelo exemplo, que se pode galvanizar e elevar o nível moral de uma sociedade. Esquecemo-nos freqüentemente – os que não são educadores por ofício, que todos nós, seja qual for a nossa profissão, somos constantemente observados, escutados e imitados pelas crianças e pelos moços, cuja vida se vai penetrando da nossa própria vida, pela imagem e pelo poder de sugestão, que trazem os nossos exemplos e nossas atividades, na atividade pública e privada. Mas, essa concepção nova, mais estreita, do papel da escola na sociedade, não só influiu poderosamente na resolução científica dos problemas de educação, como serviu para dar aos educadores uma consciência mais exata de sua função social. O confronto da escola com as outras instituições sociais, definindo o seu lugar na vida, criou uma nova política de educação, reorganizando a escola, em outras bases, num regime de vida e de trabalho em comum; tornando-a um organismo vivo e flexível, pela introdução de novas práticas e modificação de outras, no sentido de uma eficácia maior; levando-a a cooperar com as outras instituições sociais e aparelhando-a de instituições peri e pós escolares, capazes de lhe alargar o seu círculo de ação. O professor, dentro dessa concepção, eleva-se de um ‘mestre’, no sentido clássico, à categoria de um ‘agente social’, com alto espírito de cooperação, que precisa aliar à doçura insinuante de um apóstolo a energia de uma ‘força social em ação’, para agir eficazmente, isto é, aliar à sua reflexão os mais vastos campos de experiência. O mestre trabalhava antes, cada um por sua conta, segundo o seu ofício e de acordo com o seu coração, dentro de uma diversidade de tendências, que mais dissimulava, sob a uniformidade mecânica de processos, essa indisciplina mental proveniente da falta de um ‘ideal comum’, claro e definido, e de uma consciência exata de suas responsabilidades. A nova concepção do lugar da escola na vida e a compreensão mais nítida de sua função social despertaram a consciência da necessidade de transformar a escola num foco de influências educativas, num ponto de aplicação de todas as forças vivas, capazes de irradiarem a sua ação às outras instituições políticas, sociais e religiosas, e obterem delas para a obra comum, numa sinergia de esforços, a mais larga reciprocidade”.