Teoria e Desenvolvimento Curricular - Educação e mudança 1 Educação e mudança Fernando Augusto Machado e outros, Currículo E Desenvolvimento Curricular, ASA, Porto, 1991 A escola, como realidade institucional, é uma construção social. Necessidades a interesses de ordem política, económica, social a cultural determinaram o seu aparecimento a continuam a ser o seu grande sustentáculo. Isto basta para compreendermos a estreita ligação escola-socíedade e a forte dependência daquela em relação a esta. E embora esta realidade não sofra, genericamente, qualquer contestação, dela decorrem também os problemas mais complexos que a escola, como realidade social, enfrenta. Ao longo de toda a história da educação e do ensino, mas hoje com uma pertinência muito maior, uma dos grandes problemas da instituição escolar decorre do enorme hiato existente entre ela e a realidade social geral. A mudança processa-se hoje a um ritmo acelerado em todos os campos: organizacional, cultural, axiológico, epistemológico, técnico... Em contrapartida, a inércia, embora com excepções pontuais, tem sido a nota dominante dos sistemas de educação e de ensino Este facto coloca a escola institucional numa situação extremamente delicada, sobretudo quando confrontada com outros meios educacionais mais adequados às exigências da vida contemporânea, mais naturais, mais interessantes, e que fazem parte do que se designa por "escola paralela". Modificar este estado de coisas é uma necessidade da escola para manter credibilidade e garantir a sua subsistência e, ao mesmo tempo, uma exigência da sociedade que a sustenta. As mudanças nos sistemas de ensino a nas escolas que não resultam da imposição do poder, acontecem em função de movimentos pedagógicos ocasionais e lentos em termos de maturação, reconhecimento e difusão. Como sabemos, as consequências práticas do Emílio de Rousseau (1762) desenvolveram-se, sobretudo a em grande parte, a partir dos inícios do século XX; o movimento Freínet, que começou a ganhar expressão nos anos 20, permanece ainda hoje em fase de difusão. Este ritmo de mudança é pouco compatível com as exigências actuais. É hoje um dado adquírido que não basta "eliminar a lenha morta em seu devido tempo para criar espaço para os novos rebentos". Torna-se necessária "uma acção positiva, drástica a imediata" (Richmond, 1973, p. 17) e, sobretudo, uma acção intencional e planificada. Impõe-se a inovação, forma de mudança "mais deliberada, voluntária e planificada que espontânea" (Huberman, 1773, p. 16). Claro que não é só pelo facto de as mudanças serem deliberadas e planificadas que os problemas da sua implementação ficam de imediato resolvidos. As inovações exigem sempre, em maior ou menor grau, mudança de atitudes, substituição de hábitos, alteração de relações, reaprendizagens e reorganizações a vários níveis, quer no que respeita às pessoas que se situam no campo da mudança quer no que respeita às instituições. Ainda que aconteça um entusiasmo inicial, segue-se, normalmente um período de ansiedade e numerosas incertezas. Como diz Morrish (1976, p. 11), "as inovações no ensino sempre foram olhadas com suspeição", ou, como referira já o professor Huberman, "na educação temos de haver-nos com instituições sociais e com os adultos que nelas trabalham; o que reforça ainda mais a resistência intrínseca à mudança. Inevitavelmente, ao que parece, a busca da novidade tem de subordinar-se ao desejo de estabilidade". Vejamos, por exemplo, como Havelock 1971) explica a tendência para a imobilidade das escolas.. Este autor indica, para a explicação desse facto, numerosos factores que ordena em três grupos: o dos que impedem a penetração da inovação - exógenos; o dos que, do interior, impedem a sua génese - endógenos; o dos que travam a sua difusão - factores de limitação. Segue-se, dada a sua importância e actualidade, a enumeração de alguns deles com um curto esclarecimento: Factores exógenos: 1. Resistência do ambiente às mudanças: a comunidade aceita mal as mudanças na escola e opõe-se à ideia das "crianças-cobaias". 2. Desconfiança dos professores: os professores são hostis às mudanças, mormente quando nelas não participam desde o início. 3. União incompleta entre a teoria e a prática: os investigadores, genericamente, vivem afastados dos verdadeiros problemas da prática do ensino. 4. Conservantismo: a escola tende para a continuidade cultural. 5. Invisibilidade profissional: o acesso à sala de aulas é reservado aos alunos e professor. Factores endógenos: Teoria e Desenvolvimento Curricular - Educação e mudança 2 a. Confusão de objectivos: umas vezes porque são vagos, de natureza múltipla ou contraditórios entre si; outras, porque se dá ênfase àqueles que convêm segundo critérios puramente subjectivos. b. Não há recompensa para inovadores: o contrário é até mais frequente; recompensa-se a rotina. c. Fragilidade do elemento constituído pelos conhecimentos - baixo nível no investimento em pesquisa e desenvolvimento: é uma situação estranha, mas corrente; a instituição privilegiada, para difundir conhecimentos, não investe neles. d. Dificuldade em diagnosticar deficiências: a dificuldade de auto-observação e a Invisibilidade já referida ofuscam a necessidade de mudança. e. Prioridade às obrigações de rotina: estas bastam, muitas vezes, para esgotar a disponibilidade a vários níveis. f. Baixo nível de investimento na formação de pessoal: a formação permanente é encarada mais como obrigação individual que institucional. Factores de limitação: 1) -Divisão de pessoal e dos serviços: a fraca intercomunicabilidade não favorece a troca de inovações. 2) -Ausência de processos de formação com vista à mudança: a actualização e a formação contínua institucionalizadas facilitariam a inovação (HUBERMAN,, 1973, pp. 40-48). A importância que Havelock atribui ao factor resistência leva-o à utilização da seguinte fórmula: Inovação = Necessidade - Resistência (Huberman, idem, p. 64). Este fenómeno de resistência à mudança não é exclusivo do campo educacional. Contudo, a complexidade e amplitude do fenómeno educação e da sua organização (Miles, 1964) facilitam a sua tendência para a estabilidade a condicionam, à partida, a inovação. Quer-nos parecer, contudo, que seria possível alterar substancialmente esta situação se, num quadro de condições que a seguir explicitamos, 1) a investigação educacional aumentasse a melhorasse; 2) a divulgação a implementação da inovação fossem feitas com eficiência. , 1) A questão da investigação educacional Como sabemos, a ideia da planificação das mudanças no ensino e a consequente necessidade de investigação nesse domínio têm, como veremos, uma história ainda curta. Mesmo assim, o aumento quantitativo, qualitativo e geográfico de escritos sobre este assunto tem sido significativo. E se, entre os anos de 1954 a 1964, de uma média anual inferior a 50 passou para 500, hoje os escaparates ou os terminais de computador para consulta bibliográfica falam por si. Este aumento, contudo, não tem tido correspondência em termos de organização a implementação de inovações. Sabendo que há numerosas a profundas razões explicativas deste desfasamento, umas de carácter estrutural outras mais conjunturais, debrucemo-nos apenas sobre as que, especificamente, dizem respeito à questão da investigação: a) Inovar não é, obrigatoriamente criar Modificar intencional e planificadamente a prática é, até, o significado mais comum de inovação. De qualquer forma, a complexidade de uma acção dessa natureza exige conhecimentos muito largos e, ao mesmo tempo, precisos, que necessitam de grande investimento na investigação. A uma constante atitude de abertura à inovação corresponde a necessidade de uma constante investigação. b) A maior parte dos escritos que se têm produzido sobre inovaçâo no ensino, ou são estudos meramente teóricos, ou referem-se a experiências já realizadas ou a propostas feitas, mas ainda não experimentadas. Claro que é muito importante, indispensável mesmo, conhecer o fenómeno da mudança e toda a sua dinâmica e essas análises podem contribuir, em grande medida, para esse conhecimento. Contudo, a vivência ou, pelo menos, o acompanhamento de uma inovação pelo investigador, em todo o processo, desde a Teoria e Desenvolvimento Curricular - Educação e mudança 3 concepção ao desenvolvimento prático, daria outra dimensão ao conhecimento e controlo do fenómeno e das inúmeras variáveis intervenientes. Isto leva-nos a uma outra consideração. c) As investigações sobre ensino são em regra desenraizadas. A quase totalidade dos investigadores não conhece a realidade a que se destina a inovação Este facto faz com que, normalmente, o projecto não vá de encontro às necessidades e aos interesses da instituição e dos indivíduos a quem se destina. Outras vezes, o projecto é inadaptado à realidade no seu conjunto. d) Apesar de não serem muito frequentes as investigações sistemáticas, contínuas e integradas numa dinâmica interactiva da teoria-prática, quando acontecem, e as inovações têm êxito, a partir de dada altura reentra-se no equilíbrio, surge a acomodação à estabilidade e a inovação torna-se rotina. 2) Eficiência da divulgação e implementação Ivor Morrish (1976, p. 215) refere que "qualquer estabelecimento de ensino que se pretende progressista não pode limitar-se a mostrar interesse pela investigação inovadora; têm de se comprometer nela. (...) São, pois, muito fortes os argumentos que preconizam que a escola se comprometa em qualquer investigação que, de qualquer modo, vá afectar a sua organização, os sistemas, os programas, os métodos, as relações a as funções". Seguindo o pensamento deste autor, podemos perguntar se uma interacção constante e um envolvimento de todo os intervenientes nas várias fases do processo de inovação não resolverão os problemas a ele referentes, nomeadamente os da sua difusão e implementação. É notório que expressões como investigação-acção, pesquisa-participante, professor-investigador são cada vez mais frequentes, diluindo, progressivamente, a pertinência de conceitos como difusão e implementação, mais próprios de modelos centralizados de inovação. Apesar de tudo, as opiniões a este respeito estão longe de ser unânimes. Resistir à mudança pode não ser um acto negativo. Inovar nem sempre corresponde a melhorar. De qualquer forma, e salvaguardando sempre a questão fundamental do sentido da mudança, podemos afirmar que: 1)Por necessidade interna a exigência social, os sistemas de ensino são, praticamente, compelidos a abrirem-se à mudança. 2) A par de mudanças fortuitas as mudanças deliberadas, sistemáticas planificadas e integradas são as que hoje têm importância e significado 3) Estas, por princípio, exigem investigação constante. 4) Investigação e planificação das mudanças não podem constituir um campo independente do da sua aplicação Uma última questão: qual o instrumento que, no sistema de ensino, nos permite dar resposta a esta exigência contemporânea de inovação e qual o campo que nos permite desenvolvê-la, tendo em conta os princípios atrás enunciados? A resposta a esta questão pode ser diversificada conforme a ênfase dada a qualquer dos elementos do sistema. Pode no entanto afirmar-se que, pela sua natureza e funções, o Currículo é um instrumento privilegiado e o Desenvolvimento Curricular o campo de mudança por excelência. Como diz Gimeno Sacristán, «a política e o design curricular são um factor potencial decisivo da renovação pedagógica, um instrumento da formação de professores e um determinante da qualidade da educação».