lixo e catadores: a interao desumana e a busca da cidadania

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ICTR 2004 – CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM RESÍDUOS E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Costão do Santinho – Florianópolis – Santa Catarina
LIXÃO E CATADORES: A INTERAÇÃO DESUMANA E A BUSCA DA CIDADANIA. UM
ESTUDO NO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE-RS
Jenes Damasceno Junior
Márcia Ememrdoerf fer
PRÓXIMA
Realização:
ICTR – Instituto de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável
NISAM - USP – Núcleo de Informações em Saúde Ambiental da USP
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LIXÃO E CATADORES: A INTERAÇÃO DESUMANA E A
BUSCA DA CIDADANIA
Jenes Damasceno Junior
Márcia Ememrdoerffer 3
2
Um estudo no município de Rio Grande-RS
Resumo
Este trabalho apresenta através de uma revisão bibliográfica sobre os diversos
temas que pertencem ao bojo da exclusão social, um apanhado de discussões a
respeito dos efeitos da exclusão sobre os catadores de materiais recicláveis,
materializadas não apenas no que tange a pobreza material mas também a pobreza
política, e no processo de ultrapassagem das barreiras impostas por essa pobreza
na busca da cidadania.No mesmo apresenta-se a necessidade da promoção social
dessa parcela da sociedade como fator fundamental para a emancipação e para a
mudança do panorama atual vivido por eles dentro da sociedade.
Palavras–chave: Exclusão social; Cidadania; Pobreza política; Promoção social
2
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Acadêmico de Geografia Bacharelado da Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Acadêmica de Oceanografia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG
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Introdução
Os efeitos da exclusão social sobre os catadores de materiais recicláveis não
apresentam apenas o fator econômico da questão - retratado na crescente
dificuldade de inserção no mercado de trabalho - mas também promovem o
continuo aumento da pobreza política entre esses indivíduos.Essa situação
patrocinada pelas estruturas político-sociais não permite que se cumpra o devido
processo de ascensão do exercício da cidadania para essa parcela da sociedade.No
livro Cidadania tutelada e Cidadania assistida (1995), Pedro Demo contesta as
estruturas políticas e econômicas, suas reais intenções e preocupações para com os
que vivem as margens da sociedade.Revela ainda que somente quando a sociedade
tiver como ideal a emancipação, com base na cidadania organizada, e a superação
do dilema entre os processos econômicos e a promoção da cidadania, é que se
conseguirá promover um processo democrático possível.
Em Combate à pobreza (1996), Demo reforça o discurso crítico sobre as políticas
sociais implementadas na busca pelo desenvolvimento Humano no Brasil.Denuncia
também a “mascara” que existe no Relatório sobre Desenvolvimento Humano no
Brasil – 1996 que acaba por “fazer uma cortina de fumaça em torno da
pobreza”.Salienta ainda a questão da pobreza política na manutenção do quadro
social desigual vigente na sociedade.
Outro trabalho expressivo de Pedro Demo encontra-se no livro Charme da exclusão
social (1998).Nele encontramos uma grande discussão entorno dos principais
aspectos referentes à exclusão social.Vale destacar a extensa revisão bibliográfica
feita pelo autor na busca por uma visão imparcial a respeito do tema.
Toda essa discussão sobre as causas da exclusão social reflete diretamente na
condição de vida dos catadores.Devido à supressão de participação política não
conseguem reivindicar os seus direitos e, conseqüentemente, possuem uma vida
precária e uma condição de trabalho totalmente indigna.No livro Lixões: o preço da
ignorância (1996), Artur Santos Dias de Oliveira retrata não apenas a interação
desumana entre os catadores e o lixão, ilustrada na total insalubridade das
condições de trabalho dessas pessoas, mas também expõe, com intensa criticidade,
todas as questões que envolvem os resíduos sólidos em geral.
A partir dessa revisão bibliográfica e munido de outras fontes que discutem o tema
inserido neste artigo, é que se pôde formular indagações e possíveis ações a serem
implementadas na tentativa de proporcionar a promoção social entre os catadores.A
busca pela cidadania deve se feita em conjunto, tendo os próprios catadores como
agentes responsáveis pela reivindicação dos seus direitos, na forma de associações
ou cooperativas legitimamente sociais, ou seja, que possuam o intuito de promover
socialmente essas pessoas através do exercício da cidadania.
Discussão
O tema exclusão social ganha atualmente uma enorme importância na medida em
que vemos uma constante desagregação dos alicerces da vida em sociedade.As
diversas formas de exclusão estão estampadas sobre o nosso cotidiano: pessoas
em filas quilométricas na busca de vagas no mercado de trabalho e a falta de
acesso a um serviço de qualidade dos órgãos públicos, principalmente no que
envolve as áreas de saúde, educação e segurança, são alguns exemplos dos
diversos problemas que pairam sobre os excluídos.
Na análise das características das populações excluídas é praticamente impossível
deixar de dar devida importância para o fator econômico da questão.Sabemos que
fatores pessoais também podem influenciar no tipo de reação que será tomada por
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indivíduos que possuem uma realidade de vida bastante dura, mas a supressão do
mercado de trabalho sem duvida é fator determinante no comportamento de uma
pessoa:
[...] embora a exclusão esteja estreitamente ligada à solidão e à
desagregação social, o emprego continua preponderante para definir
a condição social do indivíduo.Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que
a interpretação baseada apenas nos conceitos de classes sociais e
desigualdade social seria parcial, mas ainda necessária para
entender a exclusão, porque continua central nas sociedades de hoje
poder inserir-se no mercado de trabalho (DEMO, 1998, p.20).
O drama vivido pelas parcelas excluídas do mercado de trabalho não reflete apenas
nos aspectos materiais, mas também na própria autodeterminação do indivíduo no
bojo das relações sociais.A dificuldade de romper as barreiras impostas pelo
mercado e pela sociedade no que tange a aceitação como cidadãos dignos de seus
direitos, da capacidade de enfrentar os problemas e transpô-los não impede que
muitas pessoas através da mobilização individual procurem a melhor ou mais
acessível forma de driblar os efeitos da exclusão.
O fato comum de que os indivíduos excluídos podem sentir-se
desmoralizados, não só por terem perdido a inserção laboral ou
residencial, mas igualmente por estarem assistidos, não autoriza a
ver nisto algo similar a um movimento quase masoquista de autoexclusão.O próprio sentimento de impotência não poderia confundirse com desistência definitiva de reagir (DEMO, 1998, p.23).
Vale destacar que o desemprego, a exclusão do mercado de trabalho não é o fator
determinante para classificar um fenômeno como exclusão social.O que devemos
levar em conta são seus efeitos sobre as camadas nas quais incide, ou seja, o
quanto o desemprego pode prejudicar a sobrevivência de um indivíduo, afetar no
seu comportamento e na sua capacidade de reação.
Os catadores de materiais recicláveis são exemplos dignos de força e de reação às
adversidades da vida.A sua realidade entretanto pode tentar nos induzir a pensar o
contrário, o que não seria muito difícil visto a precariedade com que vive grande
parte dessas pessoas segundo revela o programa Lixo e Cidadania (UNICEF,
1999) * :
[...] A situação destas pessoas é extremamente cruel: expostas a
doenças através de vetores (moscas, ratos,baratas), mutilações e
risco de vida. Elas estão privadas de educação, lazer, moradia,
saúde, afeto, e convivem com marginalidade, prostituição, usos
indevidos de drogas, sem qualquer perspectiva de um futuro digno.
O ponto principal dessa constatação esta na própria avaliação que essas pessoas
concedem a sua realidade.A falta de perspectiva que possuem é reflexo de sua
condição de vida indigna tendo que conviver com o lixo, sobrevivendo do refugo da
sociedade, totalmente marginalizadas e excluídas de participação em diversas
atividades que compreendem direitos básicos na vida de qualquer cidadão.A
dignidade citada somente poderá ser encontrada quando a sociedade reconhecer o
inestimável valor do trabalho prestado por eles, pois a exclusão em si não está no
*
Disponível em < http://www.polis.gov.br.pdf >Acesso em 08 maio. 2004.
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fato deles viverem do lixo mas sim na indiferença da sociedade sobre a importância
social e ambiental dessa atividade.
Uma reflexão mais apurada sobre os lixões deixa bem clara a complexidade desse
assunto.Um lixão não é igual a outro, ou seja, eles diferem quanto a sua
composição, tamanho, quantidade e ainda, se é que podemos cometer a infame,
qualidade do lixo que ali é depositado.Para os catadores essa ultima afirmação
torna-se a mais prática, pois é de grande importância o quão “rico” possa ser um
lixão pela
disponibilidade de materiais que possam ser encontrados e
vendidos.Para as pessoas que não precisam viver do lixo talvez seja um absurdo
chamar um lixão de “rico” mas estudos revelam que o Brasil joga 4,5 bilhões de
dólares por ano literalmente no lixo com o desperdício nas atividades industriais e
agrícolas e também com a falta de interesse em reaproveitar os produtos recicláveis
(ROBAINA, 2003).Não que isso seja o motivo da “corrida ao lixo” muito pelo
contrário, trata-se do despertar das pessoas para uma atividade que bem ou mal
lhes gera renda e não permite que suas vidas sejam de um todo miseráveis.
A questão da seleção do lixo na fonte é um ponto fundamental quando se pretende
realizar uma atividade de trabalho, recolhimento e triagem dos materiais recicláveis
de forma digna, e determina também a forma como o lixo chegará aos lixões e
conseqüentemente aos catadores.Nos lixões podem ser encontrados diversos tipos
de materiais, desde lixo orgânico proveniente das residências, restaurantes e feiras
livres etc. até materiais inorgânicos como os recicláveis, tudo devidamente misturado
e disposto de forma caótica. A questão cultural que envolve o lixo simploriamente
falando, é resultado da falta de consciência ambiental da sociedade que não se
responsabiliza pelo lixo que produz, que vê o lixo como algo simplesmente incomodo
aos seus olhos do qual devem se livrar rapidamente: sem duvida uma questão mais
estética do que ambiental.Lamentável.
A questão dos resíduos sólidos é cultural e, portanto, de acordo com
cada forma de pensar e agir é como deve se encarado.As soluções
possíveis para os problemas com o lixo só virão a partir desse
entendimento.Nada é geral em relação ao lixo, a não ser o padrão
cultural e, mesmo esse, apresenta características inerentes às
origens de cada conglomerado (OLIVEIRA, 1996, p.31).
O reflexo da atitude irresponsável da sociedade para com a questão do lixo é visto
nitidamente na condição de trabalho que os catadores do lixão
possuem.Provavelmente poucos lembram- se do lixão de Vila São Pedro em Vitória
no Espírito Santo, o qual gerou um documentário chamado Toda Miséria do Mundo
que retratava a desumanidade de forma crua e chocante, uma verdadeira apoteose
do caos social e do rebaixamento da condição humana perante a exclusão
(OLIVEIRA,1996, p.26-30).Lá como em qualquer lixão atualmente, o trabalho de
catação era realizado de forma totalmente insalubre, pessoas sem nenhuma forma
de proteção reviravam o lixo a procura de recicláveis que pudessem ser
vendidos.Disputavam espaço com toda a sorte de insetos vetores de doenças,
ratos, porcos e urubus numa luta diária pela sobrevivência.Quando os caminhões de
lixo chegavam a concorrência voraz pelos melhores materiais levavam os catadores
a arriscarem suas próprias vidas na expectativa de que sairia dali algo valioso.Sem
dúvida conclui-se que para quem não tem absolutamente nada o lixo seja de grande
valor.
O número de acidentes que ocorrem nessas condições de trabalho força a reflexão
de muitos sobre a realidade dessas pessoas.Nota-se que, somente quando
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acometida de um fato extremo é que a sociedade e os órgãos públicos tomam a
iniciativa de promover uma solução mesmo que temporária ou apenas
assistencial.No município de Rio Grande / RS somente após uma matéria divulgada
a nível nacional e dois acidentes graves, inclusive um deles levando a vitima ao
óbito, é que a prefeitura municipal, devidamente pressionada pelo ministério público,
resolveu tomar a melhor medida política para o caso: fechar o lixão e empregar
cerca de 200 catadores temporariamente no serviço público para realização de
diversos trabalhos.Uma medida imediatista, como varias das decisões políticas, mas
que pode ser utilizada a favor de algo muito maior que é a verdadeira promoção
social desses indivíduos.
Contudo, o processo de promoção social passa pelo conhecimento aprofundado
sobre as principais características que envolvem as condições de vida dos catadores
para somente a partir daí estudar as maneiras de facilitar a sua transição para uma
vida fora do lixão.
Seria muita pretensão, entretanto, tentar formular um perfil ou uma lei que
generalize os catadores de materiais recicláveis devido à heterogeneidade dessa
população e das diferentes formas que se organiza a atividade de catação.Em
Olinda foi realizado um grande estudo que buscou no conhecimento da realidade de
vida dos catadores um aliado na busca pela melhor maneira de ajudar esses
indivíduos a procurarem uma promoção social.
O perfil dos trapeiros revela uma personalidade complexa:são
pessoas oportunistas (usam as crianças para ganhar mais), buscam
o anonimato (têm vergonha da própria miséria), mas que possuem
forte senso comunitário (com regras próprias).[...] A renda mensal da
maioria não chega a um salário mínimo, mas há pessoas que dizem
ganhar até quatro salários mínimos por mês.Finalmente, 20% da
população do lixão em idade escolar nunca freqüentou a escola e
mais da metade dos adultos não foi além do primário (BLOCK, et all,
1999, p.57).
Um estudo realizado em Rio Grande/RS mostrou dados que não fogem a essa
realidade, principalmente no que tange a escolaridade e a renda dos
catadores.Cerca de 67,5% não completaram o ensino fundamental e o motivo de
não terem estudado, segundo os catadores, foi à necessidade de trabalhar e gerar
renda para o sustento da família (DAMASCENO, 2003) * .A baixa escolaridade parece
ser uma constante entre essa população, mas como cobrar de uma pessoa
interesse em dedicar-se aos estudos quando a realidade que possuem mal permite
que elas saiam do lixão para poder vender aquilo que cataram durante horas?E que
comportamento terá uma criança que tem de dividir o seu tempo entre a escola e a
catação?É do conhecimento de todos os benefícios da atuação de programas
sociais que retiram as crianças do lixão e de certa forma promovem não apenas
assistencialmente as famílias dessas crianças como permitem o desenvolvimento da
vida escolar dessas vitimas dos efeitos da exclusão.Mas há de se julgar até quando
essas crianças permaneceram na escola.Por isso que “além da atenção voltada
para crianças e adolescentes, é fundamental gerar renda para a família. Do
contrário, a criança não vai sair do lixão, a não ser para pedir esmola” (UNICEF,
1999).
*
Estudo realizado para a disciplina de Estatística Descritiva.
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A geração de renda é sem duvida uma grande preocupação dos catadores sendo,
obviamente, o alvo a ser atingido após a tarefa desempenhada.Muitos catadores,
dependendo da forma de trabalho, da disponibilidade de acesso ao material
reciclável e do tempo, podem sem dúvida ganhar quantias altas em comparação a
catadores que possuem dificuldades de dedicar-se ostensivamente à atividade de
catação.O certo é que grande parte possui uma renda muito baixa, cerca de meio
salário mínimo em média e, geralmente, para sustentar uma família numerosa
(DAMASCENO, 2003).
Outra constatação referente aos catadores em Rio Grande e que eles de alguma
maneira já participaram do mercado de trabalho desempenhando diversas
atividades no setor pesqueiro, comércio e indústria local.Somente o setor pesqueiro
em Rio Grande, até a década de 80 empregava cerca de 17 mil trabalhadores o que
representava 11,56% da população local.Devido a diversos problemas de ordem
política, econômica e até mesmo ambiental, a partir de então começou a ocorrer o
declínio da industria pesqueira no município levando a uma drástica redução da mão
de obra empregada: o sindicato dos trabalhadores na industria da alimentação
estimou que cerca de 1,5 mil empregos restaram no setor correspondendo a 0,87%
da população total da cidade no inicio da década de 90, ou seja, uma redução de
10,71% com relação à década de 80 (BARBOSA, 2000).A grande questão que está
no cerne desta constatação é: onde está empregada essa mão de obra
atualmente?Certamente deve ter sido absorvida pelo mercado informal de
trabalho.Muitos adotam a prática do serviço informal em geral desempenhando
diversas atividades, incluindo à catação, o que não representa nenhuma surpresa
em se tratando do Brasil onde “metade das pessoas ocupadas se alojam no
mercado informal” (DEMO, 1995).
Todos esses fatos referentes as principais características dos catadores de materiais
recicláveis nos faz refletir a respeito dos efeitos da exclusão social sobre essa
parcela da sociedade e das implicações decorrentes dessa realidade.É
extremamente comum a visão restrita a respeito da exclusão social e de seus
desdobramentos que são preferivelmente expostos apenas na figura da pobreza e
miséria material dos indivíduos.Contudo o que não está explicito - mas é perceptível
de analise - diz respeito à “pobreza política” decorrente da exclusão de participação
critica e efetiva na sociedade, exclusão esta determinada pelas formas estruturais
vigentes, que propiciam a degradação do exercício da cidadania e acabam por
distorcer tal conceito.
Entendemos por pobreza política a dinâmica central do fenômeno
chamado pobreza e que privilegia a dimensão da desigualdade.[...]
De partida, politicamente pobre é a pessoa que sequer sabe que é
pobre.Quer dizer, não há pobreza mais comprometedora do que a
ignorância, representando esta a situação de mais grave indignidade
social.[...] O pobre não tem como sair da pobreza, se não descobrir
criticamente que é injustamente pobre.Do que decorre também que,
em qualquer proposta de combate à pobreza a figura central é o
próprio pobre, não o governo, Estado, ONG, deputados, pesquisador
etc (DEMO,1996, p.96-97).
A fuga desta triste realidade passa pelo caminho da própria autodeterminação do
indivíduo na conjuntura social, que por sua vez cobra o mínimo de visão
contestadora para com os fenômenos que são determinantes na manutenção do
status quo dentro da sociedade.É necessário compreender o motivo pelo o qual o
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pobre não possui voz ativa para decidir o seu futuro, estando preso ao mesmo
contexto histórico de submissão acritica perante sua realidade indigna.Logicamente
que todo esse panorama de miséria e exclusão possui um promotor interessado na
permanência dessa situação pois “nada favorece mais a perversidade do sistema
capitalista do que a ignorância do trabalhador” (DEMO,1995).Essa ignorância perfaz
a vida de todas as parcelas excluídas de participação social seja no mercado de
trabalho, na educação e na representatividade política.A própria noção de cidadania
proposta pelas elites políticas traz no seu bojo uma relação de dominação sobre
aqueles que não contestam os seus fins.
A direita continua em seu projeto de cidadania tutelada, tendo como
aliado principal a reprodução da ignorância popular, o que lhe permite
privatizar e saquear o Estado.A esquerda não consegue ir alem da
cidadania assistida, tendo como aliado principal o discurso em torno
dos direitos sociais, o que lhe permite confortavelmente atrelar a
população e parasitar no poder ou à sombra dele (DEMO, 1995,
p.69).
A cidadania entendida como a “competência humana de fazer-se sujeito, para fazer
história própria e coletivamente organizada” abre o caminho para o inicio de uma
reorganização da estrutura desigual vigente na sociedade.Para tanto é necessário
que haja uma alternativa capaz de contornar os bloqueios impostos pelas estruturas
sociais dominadoras.
É do conhecimento de todos a importância da educação para a formação de
cidadãos capazes de possuírem uma visão critica a respeito do mundo e da
estrutura social que os circunda.A educação portanto é encarada como “condição
primordial para a construção de um projeto moderno, próprio e mormente
humanizado de desenvolvimento” e componente crucial para a formação do
processo emancipatório (DEMO, 1995).
Imprimindo a devida importância a educação na formação dos indivíduos é que
percebemos o quão desumano são os efeitos da exclusão sobre os catadores.A
pesquisa realizada em Rio Grande revela ainda que o principal motivo entre os
catadores não completarem os estudos está na necessidade de abandonarem a
escola para trabalhar e gerar renda para a família (DAMASCENO, 2003).Essa
realidade não apenas os prejudicou na hora da busca pela inserção no mercado de
trabalho como também colaborou decisivamente para que não desenvolvessem
criticidade para com a dura realidade existencial e não tivessem iniciativa para
buscar, através do exercício da cidadania, os seus direitos como cidadãos.
Se percebermos ainda que os catadores formam uma parcela de trabalhadores que
de certa forma possuem uma realidade de vida bastante parecida, desempenham a
mesma atividade de trabalho, convivem sobre o mesmo ambiente enfim, possuem
condições propicias para se insurgirem contra a situação de exclusão perante a
sociedade é que notamos o grandioso poder das minorias dominadoras da
sociedade em promover a pobreza política das maiorias.Como conseqüência temos
o impedimento da promoção social dessas camadas excluídas.
Não-cidadão é sobretudo quem, por estar coibido de tomar
consciência crítica da marginalização que lhe é imposta, não atinge a
oportunidade de conceber uma história alternativa e organizar-se
politicamente para tanto.Entende injustiça como destino (DEMO,
1995, p.02).
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A busca da cidadania para essa parcela da sociedade é, portanto, um trabalho que
deve ser realizado a partir da organização em torno de uma causa.A geração de
renda torna-se o ponto fundamental para os catadores, pois é inegável a
necessidade da renda para a subsistência mas, em torno desse objetivo deve-se
criar condições para que essas pessoas possam reconstruir-se como cidadãos,
descobrirem a sua utilidade e exigirem reconhecimento perante a sociedade.
Felizmente, existem pessoas e grupos interessados em promover melhores
condições de trabalho, renda e desenvolvimento humano a essa parcela da
sociedade que necessita inegavelmente de amparo na busca pela promoção social.
Como exemplo temos o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável
revelando que, de certa forma, está começando a se erguer uma reação mais efetiva
na busca pela cidadania e pelo reconhecimento destes como trabalhadores dignos.A
maior prova está numa importante conquista que os catadores tiveram, tendo como
cúmplice e porta-voz a sua representação organizada na forma do movimento, que
foi o reconhecimento do Ministério de Estado do Trabalho e do Emprego, por meio
da Portaria 397, de outubro de 2002, da atividade promovida pelos catadores com o
nº 5192 na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO.O avanço é inegável mas,
segundo o próprio movimento, ainda é insuficiente na busca pelas melhores
condições de trabalho.A principal reivindicação está na criação de empresas
solidárias autenticas conforme relatado por Roberto Laureno Rocha, representante
do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis,em entrevista ao
Plastivida Jornal * : para ele deve-se incentivar e dar “ênfase na formação de
empresas sociais, de fato, que são uma alternativa para aqueles que não têm
recursos, formação e ocupação”.Ainda concluiu:
Associações e cooperativas autênticas são formadas com base em
princípios solidários, que são a divisão igualitária dos resultados e do
trabalho, o autogerenciamento e a existência de meios próprios de
produção. As autênticas reservam uma parcela dos ganhos para a
compra de alimentos, auxílio a doenças ou outras necessidades.
Também para ampliar os negócios e promover ações em favor da
melhoria da auto-estima do catador.
No meio político também é crescente a preocupação em propiciar aos catadores
uma condição mais digna de trabalho.Muitas prefeituras estão incentivando a coleta
seletiva feita pelos catadores que inegavelmente é mais barata e vence qualquer
concorrência com a coleta seletiva feita pelos órgãos públicos.No município de Rio
Grande a ASCALIXO – Associação de Catadores e Separadores de Lixo do Rio
Grande revelou que 20% do material reciclável que chega à instituição é proveniente
da coleta seletiva da prefeitura, ou seja, 80% vem do trabalho dos catadores que se
antecipam à coleta formal ou recolhem o material que chega ao lixão.Esses dados
revelam a grande importância ambiental dessa atividade que impede que uma
imensa quantidade de matéria inorgânica vá para os lixões e aterros causando a
degradação ambiental das áreas circundantes e a diminuição da vida útil dos
aterros.
Para que a atividade dos catadores na coleta seletiva seja feita de forma adequada
ocorre uma transformação que pode ser comparada à transição do empírico para o
*
Disponível em < http://www.plastivida.org.br/bibliote/jornal/085-086/pag05/pg05.htm > Acesso em 26
maio. 2004
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científico.De catadores eles passam a ser considerados agentes ambientais e
recebem por parte das prefeituras interessadas em promover tal atividade todo o
suporte necessário para a realização do trabalho, isso compreende desde o
uniforme até a qualificação.Isso revela também um belo avanço para os catadores
mas que infelizmente não chega para todos.
Existem também inúmeras cooperativas e associações de catadores por todo o
Brasil.Essas desempenham uma atividade voltada para a melhoria da qualidade de
vida dessas pessoas, mas muitas vezes, devido às inúmeras dificuldades por que
passam, ao menos conseguem suprir as necessidades financeiras dos atores
envolvidos.Um exemplo de vitória na luta pela cidadania vem do Centro de
Educação Ambiental da Vila Pinto em Porto Alegre–RS.Além de buscar uma
alternativa para geração de renda, implementa diversos programas sociais em
parceria com ONGs, empresas, voluntários e todos aqueles que se dispõem a
participar.Com isso proporcionam a toda uma comunidade aulas de música,
informática (internet comunitária), teatro entre outras atividades que prestam enorme
contribuição social para todos.
As conquistas dos catadores podem aumentar consideravelmente quando for
implementado um projeto que se preocupe não apenas em gerar renda mas sim
promover uma verdadeira promoção social desses indivíduos.Que não perceba
apenas a carência material dessas pessoas mas que sinta a necessidade de auxilialos em encarar as dificuldades da vida não com reziguinação mas com
conhecimento e motivação para lutar por suas convicções.Isso pode ser feito a
partir do momento em que unidos pela geração de renda em uma associação ou
cooperativa possam fazer dela instrumento de imposição, perante as autoridades,
dos seus direitos como cidadãos.Essa união pelo trabalho, por uma causa, facilitaria
muito a ação de diversos outros projetos que atuariam a parte da própria geração de
renda e que colaborariam para o crescimento pessoal de cada ator participante
desse processo.Projetos como de alfabetização dos catadores; palestras que
mostrassem de forma simples e com a própria linguagem utilizada por eles caminhos
para a resolução de problemas tanto pessoais como coletivos; que promovessem
esses atores a principais responsáveis pela busca da cidadania através do
conhecimento e da critica para com a realidade social, elevando-os a condição de
promotores do seu bem estar comum; que atuasse continuamente desempenhando
diversas atividades como, por exemplo, curso de artesanato, costura, pintura entre
outros que pudessem auxiliar na geração de renda familiar; promoção de eventos
esportivos, escolinhas de futebol ou qualquer outro esporte que pudesse ser
estimulado não apenas aos catadores mas também porventura aos seus filhos; um
projeto enfim que congregasse não apenas o catador mas as suas famílias, e a
própria comunidade em parceria.
Os efeitos da exclusão social são perversos demais para que não despertem em
certo momento a indignação e a vontade de contestar a realidade vigente.Não
podemos permitir que continue a perseverar a indiferença para com as maiorias
excluídas, também não podemos ficar presos às formas que apenas defendem o
crescimento econômico a todo custo para que a pobreza possa ser combatida, que
lançam mão do assistencialismo como projeto social, e que apenas reproduzem o
mesmo panorama social ano após ano.Quanto aos catadores, não podemos
continuar vendo essas pessoas desempenharem um trabalho digno de forma
indigna, passivos diante das decisões quanto ao seu futuro.Quando a verdadeira
promoção social agir sobre essa parcela excluída da sociedade de forma simples e
alternativa, ao que comumente se intitula de combate à pobreza, veremos o
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resultado da emancipação com base na cidadania e a implicância desse
acontecimento na vida em sociedade.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:
DEMO, Pedro. Charme
Associados,1998.
da
exclusão
social,
Campinas,
SP:
Autores
UNICEF.Programa lixo e cidadania. In:_____. Instituto pólis.Dicas: idéias para a
ação municipal, DS nº132, 1999. disponível em < http://www.polis.gov.br.pdf >
Acesso em 08/05/04.
ROBAINA,Luiz Eduardo de Souza.Questões ambientais urbanas. In: SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA: GEOGRAFIA E QUESTÕES AMBIENTAIS,
09.,2003, Rio Grande.
OLIVEIRA, Artur. Lixões: o preço da ignorância. Rio Grande,RS: Salisgraf,1996.
BLOCK, et all. Olinda: da sensibilização a capacitação organizacional. In:_____
Criança, catador,cidadão: experiências de gestão participativa do lixo urbano.
Recife: Unicef,1999,p.53-67.
DAMASCENO JUNIOR, Jenes. Perfil socioeconômico dos catadores de material
reciclável. Rio Grande,2003. Solicitação da disciplina Estatística DescritivaDepartamento de Geociências – FURG- Fundação Universidade Federal do Rio
Grande.
BARBOSA, Paulo Sergio. O parque industrial pesqueiro do Rio Grande-RS:
contribuição para o estudo da geografia das industrias.Rio Grande, 2002.
DEMO, Pedro.Cidadania tutelada e cidadania assistida.Campinas,SP: Autores
Associados, 1995.
DEMO, Pedro.Combate à pobreza: desenvolvimento como oportunidade.Campinas,
SP: Autores Associados, 1996.
PLASTIVIDA, Disponível em < http://www.plastivida.org.br/bibliote/jornal/085086/pag06/pg05.htm > Acesso em 26 maio. 2004.
Abstract
O presente trabalho tratou os diversos temas inseridos na discussão sobre os efeitos
da exclusão social sobre os catadores de material reciclável.Exclusão essa que
impõe não apenas o desemprego e a conseqüente precariedade da condição de
vida dessas pessoas, mas também colabora para a manutenção do dramático
quadro social em que vivemos, patrocinando a pobreza política e a conformidade
entre as classes excluídas.Expôs também, a partir de uma revisão bibliográfica, a
importância da promoção social para o processo de emancipação dos atores
envolvidos, dando devida importância para o exercício da cidadania na busca por
uma vida mais digna.
Key-words:Exclusão social;Cidadania;Pobreza política.
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