MANEJO DO solo visando o aumento da produtividade daS cULTURAS Luís Ignácio Prochnow1 Heitor Cantarella2 Disponibilidade dE Solo no Mundo C erca de 12% da área agricultável do mundo – aproximadamente 1,5 bilhão de hectares – são atualmente utilizados para produção agrícola. Embora ainda existam quantidades razoáveis de terra potencialmente adequadas para a agricultura, grande parte é coberta por florestas, protegida por razões ambientais ou utilizada para assentamentos urbanos (FAO, 2013). Como consequência direta do aumento da população mundial, o índice de terra arável per capita está diminuindo rapidamente. Estima-se que o mundo terá somente 0,20 ha per capita em 2050, em contraste com 0,45 ha em 1960. Essa “crise” de terra arável é resultado do mundo em desenvolvimento, onde a disponibilidade esperada será de 0,15 ha per capita contra 0,45 ha no mundo desenvolvido (Bruinsma, 2009). Sendo assim, o aumento na demanda por produtos agrícolas causará maior pressão para a incorporação de terras potencialmente agricultáveis (pastagens existentes – 3,4 mil milhões de ha – ou pastos, savanas e caatingas com produtividade baixa ou marginal – 1,1 bilhão de ha) para produção de alimentos (Cai et al., 2011). No entanto, a maior parte dessas áreas tem pelo menos uma condição de solo abaixo da ideal que precisa ser considerada. Todas essas questões sugerem a necessidade de intensificar a produção de alimentos, rações, fibra e energia em áreas já cultivadas. Isso somente será possível por meio do avanço em tecnologias focadas na integração do manejo adequado de todos os fatores que influenciam o crescimento da cultura. Condições de solo que afetam o crescimento da CULTURA Várias condições de solo influenciam o crescimento da cultura e a produtividade final. Os fatores considerados mais importantes incluem: pH, disponibilidade de nutrientes, umidade, disponibilidade de oxigênio, permeabilidade, temperatura e salinidade do solo (Figura 1). As plantas variam na necessidade de cada uma dessas condições. No entanto, rendimentos elevados e econômicos somente são obtidos quando todos os fatores estão próximos do ideal. Por exemplo, a produtividade sustentável não pode ser alcançada em um solo com bom equilíbrio de nutrientes mas com baixa permeabilidade do solo restringindo o crescimento das raízes das plantas. Para atender o desafio de aumentar o rendimento das culturas por unidade de área cultivada é importante entender onde e por que existe o déficit de produtividade, ou yield gap. O conceito de déficit de produtividade é definido por van Ittersum e Cassman Matéria orgânica Energia H O 2 solar CO2 - pH - Disponibilidade de nutrientes - Umidade - Disponibilidade de oxigênio - Permeabilidade - Temperatura - Salinidade Figura 1. A produtividade da planta é, em parte, reflexo do manejo do solo, o qual deverá criar condições necessárias para otimizar todos os fatores do solo considerados mais influentes para o crescimento das plantas. (2013) como a diferença entre a produtividade obtida sob manejo ótimo (em condições não limitantes de água, nutrientes e livres de estresses bióticos) e a produtividade média alcançada pelos agricultores locais (Figura 2). As boas práticas de manejo (BPMs) são as ferramentas utilizadas para modificar a condição do solo, assegurando bom crescimento das plantas e reduzindo a amplitude de qualquer desvio de rendimento existente. Essas práticas serão mais eficazes e sustentáveis se forem respaldadas por princípios científicos universais e estiverem adaptadas aos contextos sociais, econômicos e ambientais nos quais são empregadas. Deve-se reconhecer que alguns problemas no solo são relativamente fáceis de serem manejados, enquanto outros são influenciados apenas indiretamente. O pH do solo, a disponibilidade de nutrientes e a disponibilidade de água são exemplos de condições do solo que podem ser modificados mais facilmente. Abreviações: Al = alumínio; Ca = cálcio; N = nitrogênio. 1 Diretor do IPNI, Programa Brasil; e-mail: [email protected] 2 Pesquisador do Instituto Agronômico, Campinas, SP; e-mail: [email protected] INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 150 – JUNHO/2015 9 Produtividade relativa (%) tecido vegetal e experimentação agronômica local. Em países onde essas técnicas não estão disponíveis, ou viáveis, outras ferramentas devem ser desenvolvidas para ajudar a determinar a disponibilidade de nutrientes no solo e aplicar o método dos 4Cs (ou seja, uso da fonte certa, na dose certa, na época certa e no local certo) em escala de campo. Um exemplo de sucesso é o desenvolvimento da ferramenta de apoio à decisão Nutrient Expert®, que se baseia na utilização combinada de ensaios com omissão de nutrientes no campo e modelagem do acúmulo de nutrientes para, finalmente, determinar as necessidades nutricionais para culturas específicas e fornecer a recomendação de adubação regionalizada ao agricultor (Pampolino et al., 2012). Déficit de produtividade Manejo atual Manejo ótimo (atingível) Figura 2. A diferença entre as produtividades agrícolas real e ideal, ou atingível, é um reflexo principalmente do desenvolvimento e da adoção de melhores práticas de manejo. pH do solo O excesso de acidez do solo é um problema grave em grandes áreas do globo, principalmente em solos altamente intemperizados dos trópicos, em terras de pastagem com baixo rendimento e em solos marginais. A capacidade das plantas de tolerar a acidez do solo é variável, porém, a maior parte das plantas cresce melhor em condições de solo ligeiramente ácidas (pH 5,5-6,5). Por exemplo, as plantas de arroz crescem bem em pH baixo, como 4,8; o milho normalmente se desenvolve melhor em pH entre 6,0 e 6,5; a alfafa cresce melhor se o pH do solo estiver próximo de 7,0. A acidificação do solo pode ocorre mesmo em solos altamente produtivos, devido à lixiviação de cátions básicos e ao uso de fertilizantes nitrogenados. Com o monitoramento da acidez do solo, por meio da análise periódica, e com o uso de calcário pode-se evitar a perda de qualidade do solo associada à acidificação, principalmente na profundidade onde as propriedades do solo são mais difíceis de serem corrigidas. Assim, a calagem também pode colaborar na recuperação dos solos para a produção agrícola de alto rendimento. Em alguns casos, o gesso pode ser utilizado para corrigir os problemas de excesso de Al3+ e falta de Ca2+ no subsolo, permitindo, assim, o crescimento radicular profundo, o que é importante para a absorção de água e nutrientes abaixo das camadas superficiais do solo. Disponibilidade de nutrientes As propriedades químicas inadequadas do solo, relacionadas à disponibilidade de nutrientes, podem ser modificadas para melhorar a produção de biomassa. Para a produção adequada de plantas é importante que o solo disponha de um bom e consistente suprimento de nutrientes, o qual pode ser avaliado e gerenciado com o uso de diferentes ferramentas. A análise de solo e as recomendações nutricionais com base nas curvas de resposta de produtividade sob condições locais, com a orientação de especialistas, é um meio eficaz de garantir rendimentos elevados, evitando a degradação do solo pelo aporte desequilibrado de nutrientes, e fazendo bom uso das terras que apresentam limitação de fertilidade. Diagnósticos adequados da disponibilidade de nutrientes geram recomendações de adubação específicas para o local, reduzem custos e evitam o acúmulo de nutrientes em excesso e seus impactos ambientais indesejáveis. Outras tecnologias que podem ajudar na determinação da disponibilidade de nutrientes no solo incluem diagnósticos para interpretar sintomas visuais de deficiência ou toxicidade, análise de 10 UMIDADE DO SOLO A disponibilidade de água no solo é um fator de crescente preocupação na maior parte dos sistemas de produção agrícola. A seleção de variedades bem adaptadas e eficientes no uso da água é fundamental para alcançar o melhor uso da água no solo. Ferramentas eficientes de campo e técnicas sofisticadas de instrumentação, necessárias para monitorar a umidade do solo e a demanda das culturas por água – tanto em sequeiro como em sistemas irrigados –, muitas vezes são facilmente acessíveis em muitas partes do mundo afetadas pela seca. Práticas de manejo adaptativo (por exemplo, sistemas conservacionistas, cobertura do solo) são necessárias para otimizar as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, estimular o enraizamento profundo dentro do perfil do solo e diminuir o impacto da redução da disponibilidade de água. Práticas para melhorar as Condições dO solo Problemas como compactação, salinização, erosão, formação de crostas, perda de matéria orgânica e de diversidade microbiológica do solo podem ser corrigidos com várias práticas agronômicas restauradoras. Em alguns casos, a subsolagem e outras operações mecânicas e equipamentos (por exemplo, uso de pneus adequados no campo) podem minimizar ou corrigir problemas de compactação e falta de aeração no solo. Muitas práticas adaptativas são adotadas com o objetivo de melhorar, a curto e a longo prazo, o sistema de cultivo e a condição do solo. Dois bons exemplos de tais práticas são o plantio direto e a rotação de culturas específicas da região. plantio direto O plantio direto (também chamado de cultivo mínimo) é uma maneira de cultivar lavouras ou pastagens em anos sucessivos com a mínima perturbação física do solo. Ele geralmente promove aumento na retenção de matéria orgânica, modifica a macro e microporosidade do solo e também influencia a ciclagem de nutrientes. Em muitas regiões, pode reduzir ou eliminar a erosão do solo. Como resultado de tais modificações, o plantio direto pode influenciar positivamente as condições do solo, tais como aeração, calor e permeabilidade. Também pode influenciar a disponibilidade de nutrientes e água, proporcionando melhores condições para o crescimento das plantas. rotação de culturas A rotação de culturas específica (ou seja, a sequência de culturas adaptada à região) também pode ter influência positiva sobre as condições do solo. Alternativas criativas, como a prática brasileira de utilizar gramíneas forrageiras em rotação com culturas de cereais, pode gerar grandes benefícios para as condições do solo e a disponibilidade de nutrientes (Figura 3). A rotação de culturas utilizando plantas com diferentes arquiteturas e fisiologias de raiz promove o INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 150 – JUNHO/2015 Conclusão O bom manejo do solo permite melhorar e manter a qualidade do solo e aumentar a produtividade das culturas. O manejo dos nutrientes, associado a outras práticas agronômicas, é ferramenta fundamental para a correção dos solos que apresentam limitações permanentes ou temporárias, a fim de incorporá-los ao sistema agrícola. A literatura é extensa em informações que orientam na modificação do solo de acordo com as melhores práticas de manejo, as quais devem ser sempre adaptadas às condições locais. O plantio direto reduz o potencial de erosão, porém, aumentam os processos acidificantes (como decomposição de resíduos culturais, nitrificação dos fertilizantes nitrogenados, etc.) na superfície do solo. acesso aos nutrientes em diferentes camadas e formas químicas no solo. A extensão mais longa do sistema radicular e a liberação de exsudatos radiculares aumentam a capacidade da planta de acessar formas de nutrientes que não estão facilmente disponíveis em sistemas tradicionais de cultivo de cereais (Crusciol et al., 2010). Bruinsma, J. The Resource Outlook to 2050. By how much do land, water use and crop yields need to increase by 2050? In: Expert Meeting on How to Feed the World in 2050, 2009. Proceedings... Rome: FAO, UN Headquarters, 2009. Cai, X.; Zhang, X.; Wang, D. Land availability for biofuel production. Environmental Science and Technology, v. 45, p. 334-339, 2011. Crusciol, C. A. C.; Soratto, R.; Borghi, E.; Mateus, G. P. Benefits of integrating crops and tropical pastures as systems of production. Better Crops with Plant Food, v. 94, n. 2, p. 14-16, 2010. FAO. Food and Agriculture Organization. Statistical Yearbook: World Food and Agriculture. Rome, 2013. Pampolino, M. F., Witt, C.; Piscaria, J. M.; Johnston, A.; Fisher, M. J. Development approach and evaluation of the Nutrient Expert software for nutrient management in cereal crops. Computers and Electronics in Agriculture, v. 88, p. 103-110, 2012. van Ittersum, M. K.; Cassman, K. G. Yield gap analysis – Rationale, methods and applications – Introduction to the special issue. Field Crops Research, v. 143, p. 1-3, 2013. A B C D Crédito das fotos: Emerson Borghi (A e B) e Rogério Soratto (C e D) barroncountywi.gov ReferÊncIAs Figura 3. Rotação braquiária-milho em diferentes estádios: (A) antes da colheita, (B) no momento da colheita, (C) logo após a colheita e (D) algumas semanas após a colheita. INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 150 – JUNHO/2015 11