História A O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 A GRANDE DEPRESSÃO E O SEU IMPACTO SOCIAL Nas origens da crise Uma vez ultrapassados os obstáculos iniciais, a economia internacional registou elevados níveis de prosperidade até finais da década: serão os «felizes anos vinte». Os Estados Unidos beneficiavam de um período de constante desenvolvimento – por exemplo, na indústria automóvel, de eletrodomésticos e na produção de energia – e até a Alemanha tinha experimentava uma modesta melhoria entre 1926 e 1927. Assim se criaram, ingenuamente, perspetivas de progresso social inigualáveis, numa crença absoluta no luxo e no bem-estar que parecia eterna e que teve, obviamente, consequências negativas em dimensões comparáveis ao crescimento anterior. Ao contrário do que se julgava, apesar da sua expansão económica, os Estados Unidos sofriam de graves carências estruturais, nomeadamente, junto do setor agrícola e das indústrias tradicionais (têxtil, ferroviária), que, em oposição às mais dinâmicas (automação, eletrodomésticos), estavam desfasadas do resto da economia. No entanto, o móbil da conjuntura da crise consistiu sobretudo no crescente processo de inflacção do crédito, que afetou drasticamente os circuitos de investimento, causando desvios de capital pouco produtivos. A produção continuou a aumentar, graças aos créditos, mas a queda dos preços (deflacção) indicava uma redução da procura, o que redundou numa série de falências estendida a todo o mundo. Resumindo, a especulação da Bolsa falhara, originando uma superprodução insustentável pelos consumidores e, por conseguinte, o encerramento das indústrias, arrastando consigo o desemprego. A crise generalizou-se e começou, então, uma fase de depressão, de regressão económica. A mundialização da crise; a persistência da conjuntura deflacionista A vasta influência dos Estados Unidos determinou a universalização da crise, apesar de na primeira fase ter atingido em maior escala as economias nacionais mais dependentes dos seus capitais – Alemanha, Áustria, América Central e do Sul, Índia, etc. A retirada dos investimentos americanos originou um medo geral na Europa central, pois os seus créditos eram indispensáveis aos circuitos financeiros e económicos de reconstrução e manutenção do continente pós-Primeira Guerra Mundial. Alguns bancos importantes faliram e as exportações europeias para os Estados Unidos ficaram praticamente paralisadas, o que fazia desenvolver a conjuntura deflaccionista numa tentativa de escoamento fácil e direto dos produtos. Só que a sua magnitude brutal teve consequências nos salários e redundou mesmo em falências sucessivas que davam, novamente, espaço ao crescimento abusivo do desemprego em massa, o que pressupunha logo uma decadência do poder de compra das populações e uma quebra na procura, não permitindo escoamento da produção. Operou-se, então, um declínio do comércio mundial e uma descrença repentina sobre o liberalismo económico, conduzindo, muitas vezes, ao radicalismo político apoiado nas tensões sociais que toda a depressão envolveu. AS OPÇÕES TOTALITÁRIAS Aparentemente, o fim da Primeira Guerra Mundial era o triunfo dos regimes demoliberais (tanto na sua forma monárquica como na republicana), que tinham conseguido eliminar o panorama político das tiranias europeias precedentes. Todavia, muito rapidamente as dificuldades políticas, económicas e sociais dos anos 20 foram desembocar na instalação de regimes ditatoriais em muitos países (Portugal, Hungria, Espanha, Polónia), prelúdio, em grande parte, do que seriam os sistemas políticos alemão e italiano. Por conseguinte, o Estado totalitário dos anos 30 é um fenómeno complexo que, tendo concretizações fundamentais (Alemanha, Itália, Japão), gerou um corpo doutrinal de inspiração nacionalista e antidemocrática e, sobretudo, potencializou a agressividade nas relações internacionais. Isto é o resultado, munido de outros fatores, maioritariamente originado pela agudização das consequências da depressão de 1929, assumida pela descrença progressiva no liberalismo económico capitalista e, por conseguinte, pelos governos que o promoviam, despoletando tensões entre as massas sociais e entre elas e os regimes vigentes. Uma nova ordem nacionalista, antiliberal e antissocialista FATORES FASCISTAS A crise económica e social e a frustração política são, possivelmente, os dois grandes fatores que contribuíram, decisivamente, para desarticular o parlamentarismo italiano dos anos 20 e para explicar a consequente ascensão do poder de Benito Mussolini, em outubro de 1922. E a frustração política irredentista, que provocava a sucessiva queda dos governos, devido às insatisfações do nacionalismo italiano por causa dos Acordos de Versalhes e às pressões exercidas pelo comunismo soviético que ameaçava conquistar o povo italiano, intimidando a alta burguesia parlamentar. Crise económica e social, na medida em que os efeitos da guerra desmembraram o funcionamento da estrutura económica italiana: a inflacção mobilizou as classes populares; mais tarde, a política deflacionista arruinou a classe média e os pequenos proprietários, enquanto, fundamentalmente, a redução dos lucros das grandes empresas industriais modificou a situação económica do país. Na ordem social, as consequências não tardaram a sentir-se: produziram-se confrontos no campo entre os grandes proprietários e os colonos, ao mesmo tempo que no mundo da indústria se tornou natural, perante a agudização da crise, a ocupação das fábricas pelos operários em Milão, Turim, entre outras cidades. Assim, após a Marcha sobre Roma (outubro de 1922), Vítor Manuel III encarregou Mussolini de formar governo, contando com o apoio inicial dos grupos industriais, agrários e financeiros descontentes. Este novo governo encontrou nos «esquadristas» uma força que se impôs através da violência e do terrorismo às posições na campanha de eleições de abril de 1924, nas quais o Partido Nacional Fascista obteve 69% dos votos emitidos. A partir desse momento, a violência política foi aumentando, enquanto se desenvolvia o processo de fascização do Estado, que culminou com as leis da defesa de novembro de 1926. CARACTERÍSTICAS DO FASCISMO Como já se adiantou, com a participação da Itália na guerra, a crise latente do sistema liberal tornou-se manifesta e aguda; o país encontrava-se numa situação económica e financeira desastrosa. A aliança com a Grã-Bretanha, a França e a Rússia não trouxera melhorias, chegando-se a falar de uma «vitória mutilada». As tensões sociais cresceram por todo o país e, neste contexto, desenvolveu-se o protesto fascista de Mussolini, apoiado sobretudo pela classe média italiana. Mas como se caracteriza exatamente esta ideologia? Não se pode falar, talvez, do fascismo como de uma doutrina concluída, quando muitas vezes os seus próprios fundamentos se referiam à primazia da ação sobre a palavra, mas é possível detetar a influência teórica de determinadas origens (Nietzsche, Bergson, Gentile, Sorel), que geraram um conjunto de ideias, tais como: 1. a exaltação do nacionalismo e do chefe carismático (Duce), que funcionavam como uma espécie de alicerce agregador da população, unindo-a pela causa coletiva, isto é, pelo Estado supremo e aquele que o representava; 2. o irracionalismo, o antiliberalismo e a defesa de posições políticas autoritárias e antidemocráticas, que eram os termos da abolição dos direitos políticos fundamentais e da proibição dos partidos de oposição, perseguidos pela Polícia de Segurança – totalitarismo autoritário; 3. a organização corporativa do Estado e da sociedade, isto é, a aglutinação e cooperação entre patrões e empregados na estrutura básica da sociedade italiana, o que contrariava desde logo a possibilidade de greves e lock-outs e a luta de classes, pois o poder passava a estar nas mãos de uma elite política hierarquicamente superior; 4. a defesa da ação direta, isto é, da força e da violência para resolver os problemas apresentados, o que se traduz, por exemplo, no treino militar da juventude; 5. o imperialismo, numa tentativa de ressuscitar o Império Romano (produto do nacionalismo e da celebração das glórias da pátria). Em definitivo postulava-se um novo tipo de sociedade, de indivíduo, para os quais a força, o totalitarismo político e a rejeição da democracia, da igualdade e a liberdade se convertiam em autênticas alternativas ao liberalismo. ELITES E ENQUADRAMENTO DAS MASSAS Por forma a conseguir um projeto social que caminhasse progressivamente para o totalitarismo político, o regime fascista, tanto o italiano como o alemão-nazi, viu-se obrigado a aplicar medidas de enquadramento das massas populares, submetendo-as à sua subordinação e ao sistema. Em primeiro lugar, isso passou por doutrinar a juventude, isto é, incutir-lhe, desde tenra idade, a crença nos ideais fascistas em organizações de juventude, encarregadas de «fanatizar» os jovens em relação ao fascismo, à pátria e aos chefes (Duce e Führer) que a representavam e defendiam, bem como inculcar-lhe o gosto pela milícia e a violência e o desprezo pelos valores liberais e intelectuais ligados às teorias democratizantes. O ensino era, então, o domínio. Havia, no entanto, que “educar” igualmente a idade adulta, e isso consistia em imprimir-lhe uma condição submissa e de obediência em relação à autoridade estatal, através de uma arregimentação, muitas vezes forçada, ao Partido único, ao corporativismo italiano ou à Frente do Trabalho Nacional-Socialista alemã – incumbidas de satisfazer os interesses dos trabalhadores, sem hipótese de protesto – e a associações destinadas a ocupar os tempos livres dos trabalhadores em atividades recreativas e culturais que não os afastassem da ideologia fascista – Dopolavoro ou Kraft durch Freude. Por outro lado, o fascismo também se apoiou na propaganda, isto é, o conjunto dos instrumentos destinados a influenciar a opinião pública, como os discursos, os panfletos, os cartazes, o controlo dos meios de comunicação, do ensino e da magistratura, por forma a eliminar os opositores ao regime e submeter a Nação às premissas da elite política. Esta propaganda foi igualmente corroborada com grandiosas manifestações e marchas, cuidadas de uma encenação teatral dos militares em prol da pátria fascista e do chefe. O CULTO DA FORÇA E DA VIOLÊNCIA E A NEGAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O enquadramento das massas populares não podia ser concretizado sem uma espécie de repressão estatal, para conseguir a plena adesão ao sistema e a sobrevivência do totalitarismo. Assim, o fascismo criou instrumentos de controlo social, dirigidos pela força e a violência contra todos os seus opositores, por exemplo, através da censura (a eliminação da liberdade de expressão), de perseguições, detenções e torturas executadas pela polícia política – OVRA, na Itália, e Gestapo e SA/SS, na Alemanha. Além disso, existiam igualmente milícias armadas, às quais cabia denunciar e reprimir qualquer ato conspiratório – a Milícia Voluntária para a Segurança Nacional italiana. O Racismo Nazi Além dos princípios gerais característicos do fascismo, a especificidade alemã regia-se por uma depuração ideológica dos conceitos da condição humana, defendendo a interpretação unilateral das teses do filósofo Friedrich Nietzsche, como sendo o apuramento de uma raça superior – a raça ariana – e o eugenismo, isto é, o aperfeiçoamento genético do ser humano, que excluía automaticamente os portadores de doenças físicas ou psicológicas, os homossexuais, a população negra, cigana ou índia e, por fim, a judaica, aquela que sofreu maiores perseguições por ser culpabilizada pela derrota bélica da Alemanha e da crise económica. Assim, a aplicação desta teoria antissemitista traduziu-se em diversas ações contra os judeus: detenções, perseguições, impedimentos no acesso aos cargos públicos, às profissões liberais e às universidades, restrições de caráter religioso e social, até 1933; em 1935, com a aprovação das leis de Nuremberga, deliberou-se que «nenhum judeu pode ser cidadão do Reich», o que significava que estes perdiam todos os seus direitos políticos e de relação com o povo alemão – por exemplo, estavam proibidos de casar com cidadãos alemães; três anos depois, os judeus eram desapossados dos seus bens e obrigados a identificar-se através de a estrela de David; enfim, durante a 2ªGuerra Mundial, foi posta em prática a solução final, ou seja, a aglomeração em guetos e o extermínio absoluto do povo judeu, organizado científica e minuciosamente em campos de concentração – Auschwitz e Dachau –, onde se procedia à tortura e à chacina homicida destes indivíduos. O racismo nazi ficou conhecido pelo nome de holocausto, palavra de origem grega utilizada para designar a cremação de corpos humanos. A AUTARCIA COMO MODELO ECONÓMICO Em ambos os regimes fascistas referidos se adotou uma política económica intervencionista e nacionalista que ficou conhecida por autarcia, isto é, a autossuficiência económica, patrocinada pelo heroísmo do povo e o seu empenho pela causa nacional. Na Itália, a planificação económica foi facilitada pela atividade das corporações, pois assegurava-lhe a aquisição eficaz das matérias-primas, os volumes exatos da produção e o tabelamento dos preços e dos salários. Além disso, de modo a garantir independência das importações estrangeiras, fomentou-se ainda a produção nacional, com sucessivas campanhas de produtos de primeira necessidade, como a “batalha do trigo”, e promoveram-se reconstruções dos vários ramos industriais. Controlava-se ainda a subida dos direitos alfandegários, por forma a entravar as relações comerciais com outros países, e investia-se na exploração dos territórios coloniais, nomeadamente nas fontes de energia, minérios e borracha artificial. Na Alemanha, foi levada a cabo uma política de grandes trabalhos em arroteamento, na construção de autoestradas, linhas férrais, pontes e outras obras públicas, de modo a reabsorver o desemprego. Por outro lado, como não podia deixar de ser, o Estado alemão adotou uma posição intervencionista em relação à economia, dirigindo-a no sentido da reconstituição do modelo industrial e do desenvolvimento dos setores do armamento, da siderurgia, da química, da eletricidade, da mecânica e da aeronáutica. A RESISTÊNCIA DAS DEMOCRACIAS LIBERAIS O Intervencionismo do Estado e o New Deal O New Deal foi elaborado por Brain Trust, uma equipa de especialistas em economia da Universidade de Colúmbia. Partia do princípio de que a capacidade de produção da economia norte-americana tinha ultrapassado a necessidade de consumo dos operários e camponeses e de que era necessário envolver os grandes grupos empresariais na causa do bem-estar comum. Assim, perante estas constatações, decretou o controlo dos salários e dos preços, para equilibrar o poder de compra dos consumidores, protegeu as poupanças e reforçou a vigilância estatal sobre os bancos, sem chegar ao ponto de os nacionalizar. Além disso, pôs em prática vários programas de criação de emprego, que reanimaram a economia, e procedeu à construção de grandes obras públicas (pontes, estradas, barragens), ao mesmo tempo que levava a cabo um projeto de repovoamento florestal e de proteção à agricultura, através de empréstimos bonificados. Ainda, promoveu o fortalecimento dos sindicatos industriais, de modo a proporcionar melhores condições de trabalho e evitar concorrências desleais entre as empresas. Numa segunda fase, o New Deal reconhecia os benefícios do intervencionismo estatal e aplicava uma política que defendia que o bem-estar comum e os direitos dos cidadãos deveriam ser providenciados pelo Estado, regularizando a reforma por velhice e invalidez, os subsídios de desemprego e o auxílio aos pobres, a duração semanal do trabalho e a segurança social. OS GOVERNOS DE FRENTE POPULAR E A MOBILIZAÇÃO DOS CIDADÃOS Face às dificuldades ressentidas pelas consequências da guerra e da crise económica, os partidos individualmente não tinham capacidade de lutar contra os problemas e chegar a toda a população. Criaram-se, então, governos de frentes populares, isto é, coligações entre os vários partidos políticos, nomeadamente em França, em Espanha e na Inglaterra, que atuaram interventivamente na economia e na legislação do trabalho social. A Frente Popular da França: coligação política de socialistas, comunistas e radicais. Formada em dezembro de 1935, ganhou as eleições parlamentares de maio de 1936 sendo eleito primeiro-ministro Léon Blum. Manteve-se no poder até 1938. O objetivo da Frente Popular era ultrapassar a crise económica, relançar a economia nacional e melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Como principais medidas podemos apontar: a nível das finanças desvalorização da moeda, de modo a aumentar as exportações e nacionalização do Banco de França. A nível industrial fez-se a nacionalização de alguns setores de maior importância como a indústria de armamento e os caminhos de ferro. No campo social empreendeu grandes reformas de modo a travar as manifestações sindicais e os surtos grevistas. Dessas reformas constam a obrigatoriedade dos patrões celebrarem contratos de trabalho com os trabalhadores, subida dos salários, redução do horário de trabalho que passou a ser de 40 h semanais, obrigatoriedade de um período de férias, liberdade sindical. Promoveu ainda ocupação dos tempos livres dos trabalhadores com organismos de cultura popular e com a construção de uma rede de albergues para a juventude, assim como baixas tarifas nos transportes para os que se deslocavam em férias. Foi fomentado o desporto de massas Foram ainda promovidas algumas medidas a nível da agricultura que procuravam controlar a produção e os preços dos produtos. Empreendeu um conjunto de obras públicas necessárias para o combate ao desemprego A Frente Popular da Espanha, coligação política de republicanos de esquerda, socialistas e comunistas, formadas em 1935. Ganhou as eleições gerais espanholas de 1936 e manteve-se no governo até o final da Guerra Civil Espanhola em 1939, com Manuel Azaña como presidente da II República. A presidência do Governo, pela sua vez, era ocupada por Santiago Casares Quiroga. As medidas tomadas são muito parecidas às que foram implementadas pela 1ª republica portuguesa: separação da igreja e do estado; instituição do ensino laico; publicação de leis sobre a família, lei do divórcio; leis de caráter social como o direito à greve, aumento dos salários em 15% e direito à ocupação das terras não cultivadas. Foi ainda reconhecido o direito à autonomia de duas regiões de Espanha: o País Basco e a Catalunha. Perante esta medidas em tudo contrárias à tradição católica e uma cultura tradicionalista, levaram à reação dos opositores, nacionalistas de direita e monárquicos que se organizam com o apoio do fascismo e do nazismo e iniciam uma violenta guerra civil que acabará apenas em 1939 com a subida ao poder do General Franco e a instauração de uma ditadura Fascista. A OPÇÃO TOTALITÁRIA EM PORTUGAL A falência da 1ªRepública Em meados de 1919, reprimida a insurreição monárquica do póssidonismo, a república democrática inicia a segunda fase da sua acidentada história. E inicia-a num contexto particularmente adverso, suscitado: em primeiro lugar, pela crise financeira do Estado, com uma dívida externa altíssima, um défice orçamental crescente, uma inflacção galopante, a depreciação monetária, a falta de géneros de primeira necessidade, o desemprego operário e a miséria generalizada (em virtude das práticas de açambarcamento e especulação); e, em segundo lugar, a instabilidade política, pois os governos liberais não tinham sido incapazes de pôr fim à situação que se atravessava, o que provocava, além da inconstância governativa, atos de violência e uma tensão social friccionada entre várias frentes populares opostas ao regime. Criado este contexto de descontentamento de agitação social, foi relativamente fácil implantar-se uma simpatia pelas soluções autoritárias, como o fascismo. Assim, em 28 de maio de 1926, caiu a Primeira República Portuguesa às mãos de um golpe militar que instalou, até 1933 um regime de comunismo de guerra, igualmente fracassada. Da ditadura militar ao Estado Novo Em 1928, a ditadura recebeu um novo alento com a entrada de António de Oliveira Salazar no Governo como Ministro das Finanças, com a missão de superintender nas despesas de todos os ministérios, de modo a equilibrar a balança de pagamentos do Estado Português. Dados os resultados milagrosos conseguidos pelo ministro, este foi nomeado Chefe de Governo em 1932, encarregando-se desde logo de criar as estruturas institucionais necessárias para a implantação de um novo regime autoritário, como é o caso do Estatuto do Trabalhador Nacional e, em seguida, a Constituição de 1933, o documento que promulgou oficialmente o início de um novo sistema governativo, o Estado Novo, no qual sobressaíam ordens ideológicas autoritárias e totalitárias, conservadoristas, puramente nacionalistas e repressivas, negando imediatamente o liberalismo e a democracia. Características gerais Nos termos do novo regime, apenas se consentia um partido político oficial, a União Nacional, que transmitia o espírito da Nação, enquanto a oposição devia ser duramente reprimida. Este defendia então que: - As bases da sociedade são Deus, Pátria, Família, Autoridade, Hierarquia, Moralidade e Paz Social, promovendo o conservadorismo e a tradição portuguesa, nomeadamente ao nível da religião católica, das estruturas familiares – na qual existe um chefe, o homem, e a mulher desempenha um papel passivo e submisso –, do predomínio da ruralidade e a desconfiança perante a influência estrangeira; - A Nação é o fim de todas as vontades e ações; “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”. Houve, então, uma recuperação dos símbolos do heroísmo português e das glórias singulares que o país representava em relação aos restantes, num exagero nacionalista que fazia crer à população que Salazar era, de facto, o salvador da Pátria e era preciso prestar-lhe culto pelo levantamento das qualidades portuguesas; - A Nação é um todo orgânico, centrado no poder de um governo unido pela causa nacional e, por isso, antiparlamentar, antiliberal e antidemocrática, pois está decidida a lutar pelos interesses do povo e não de particulares. Para Salazar, o poder executivo detinha uma tremenda importância no aparelho estatal, pois garantia um autoritarismo forte e totalitário que assegurava a estabilidade controlando a aplicação das leis, que, também ele subalternizava, juntamente com o Conselho de Ministros, encarnando, deste modo, uma figura de chefe providencial, intérprete supremo do interesse nacional; - A ordem é o resultado de hierarquias corporativas, isto é, de um modelo de organização social, económica e política onde se agrupam patrões e empregados que, em cooperação mútua, trabalham para o bem-comum e os interesses da Nação. O enquadramento das massas De modo a integrar as massas no sistema, o Estado Novo serviu-se: - do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), encarregado da divulgação do ideário do regime e da padronização da cultura e das artes de acordo com ele, tentando reproduzir a subordinação ao Estado e, assim, indiretamente, aos capitais de interesse por ele assumidos. - da filiação num partido único, a União Nacional, que congregava todos os portugueses de boa vontade pela causa coletiva; - de organizações milicianas, como a Legião e a Mocidade Portuguesas, uma para a defesa do regime e combate ao comunismo e a outra destinada a inculcar nos jovens os valores fascistas. - da educação e o ensino, determinado a transportar e veicular nas mentes jovens uma formação apoiada na doutrina salazarista e os princípios básicos da organização social, bem como a crença nos valores católicos e nas tradições, por forma a garantir que elas assimilassem todas as suas premissas e as aplicassem no futuro para a sobrevivência do sistema – exemplo: Obra das Mães para a Educação Nacional. - de organizações de tempos livres e de lazer, que tinham incumbidas a tarefa de ocupar os trabalhadores nos seus tempos livres, providenciando atividades recreativas e educativas norteadas pela moral oficial – Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. - da censura, que controlava a liberdade de expressão e os ataques contra o regime, aplicada na imprensa, no cinema, na rádio, no teatro, na música e mesmo nos sermões religiosos; - da polícia política, a PIDE e PVDE, distinguidas para deter, torturar e eliminar opositores ao regime. Uma economia submetida aos imperativos políticos O caráter totalitário do Estado também se fez sentir na atividade económica e financeira. Sujeitar toda a produção e gestão da riqueza nacional aos interesses do Estado era um objeto constitucionalmente definido. Para o efeito, Salazar abandonou por completo o liberalismo económico e adotou um modelo fortemente dirigista. Protecionismo e intervencionismo, tendo em vista a autossuficiência do país e consequentemente afirmação do nacionalismo económico, foram as principais características da economia do Estado Novo. No âmbito financeiro, Salazar impôs a todos os ministérios uma redução drástica das despesas, lançando, em simultâneo, impostos elevados sobre a população de modo a aumentar a receita. Além disso, a decisão de isolamento durante o conflito bélico de 1939-45 poupou Portugal às despesas com a guerra e facilitou o incremento das exportações para os países envolvidos. Na agricultura Salazar via um dos meios mais poderosos para chegar à autossuficiência económica, pelo que investiu avidamente na construção de numerosas infraestruturas, tendo em vista a recuperação e o aproveitamento dos campos agrícolas, a adoção de políticas de fixação das populações no interior rural, dinamização de campanhas de florestação e da produção dos bens mais básicos da alimentação portuguesa, como o trigo e a batata. Na indústria, os primeiros anos do regime foram marcados pela persistência dos constrangimentos tradicionais do desenvolvimento do país – baixos níveis de produtividade, manutenção dos baixos salários, deficiências na comunicação e atraso tecnológico. Contudo, a partir dos anos 50, assistiu-se a um desenvolvimento gradual das indústrias cimenteira, da refinação de petróleo, construção naval, adubos químicos e energia elétrica. Não podemos falar de um forte arranque industrial, pois o regime concedeu primazia à ruralidade e procedeu a um controlo excessivo dos volumes de produção, em prejuízo da liberdade dos agentes económicos. Na sequência do condicionamento industrial, a política económica e social suportada pelo corporativismo procurou estipular uma regularização das relações entre os trabalhadores entre si e entre os patrões, isto é sindicatos nacionais e grémios, respetivamente. Estes negociariam entre si os contractos coletivos de trabalho, estabeleceriam normas e cotas de produção e fixariam preços e salários, conforme o Estatuto do Trabalho Nacional, publicado em 1933, por forma a evitar os lock-outs e as manifestações grevistas. A implementação de amplos programas nas obras públicas foi das manifestações mais visíveis do desenvolvimento do país, com o objetivo de dar uma imagem nacional e internacional de Portugal mais ampla e moderna, melhorando-se assim, a rede de estradas, os portos marítimos e a rede telefónica nacional, edificando-se grandes edifícios desportivos, complexos hidroelétricos e de serviços públicos e reconstituindo-se os monumentos históricos. A política colonial desempenhou uma dupla função no Estado novo: a de elemento fundamental na política de nacionalismo económico e a de um meio de fomento de orgulho nacionalista. No primeiro caso, porque realizavam a tradicional vocação colonial de mercado para o escoamento de produtos agrícolas e industriais metropolitanos e de abastecimento de matérias-primas a baixo custo. No segundo caso, porque constituíam um dos principais temas da propaganda nacionalista, ao integrar os espaços ultramarinos na missão histórica civilizadora de Portugal e no espaço geopolítico nacional. A vocação colonial do Estado Novo motivou, logo em 1930, a publicação do Ato Colonial, onde eram clarificadas as relações de dependência das colónias e se limitava a intervenção que nelas podiam ter as potências estrangeiras. Para a consecução do segundo objetivo, o regime levou a cabo diversas campanhas tendentes a propagandear, interna e externamente, a mística imperial (como se o império fosse a razão da existência histórica de Portugal). Também a criação artística e literária foi fortemente submetida à influência do Estado Novo, pois, não existindo liberdade de expressão e tendo a censura um papel fundamental na revisão da publicação das obras, havia um controlo dos excessos intelectuais que pusessem em causa a coesão nacional e um dinamismo exacerbado na propaganda da grandeza nacional. Como principal órgão de difusão desta função glorificadora do país, destaca-se o Secretariado da Propaganda Nacional, ao qual coube conciliar a estética moderna com os interesses do Estado de forma a inculcar na mentalidade portuguesa o amor à Pátria, o culto do passado ilustre e dos seus heróis, a consagração da ruralidade e da tradição, a alegria no trabalho e o culto do chefe providencial, Salazar.