A autonomia da Anatel e a independência do Banco Central

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A autonomia da Anatel e a independência do Banco Central
O que a atual autonomia da Anatel tem a ver com a antiga e talvez futura
independência do atual Banco Central? A pergunta não saiu do nada. Ao contrário,
foi colocada pelos fatos. Na mesma quinzena em que o mercado internacional na
Suíça pressiona o governo por um Banco Central independente, o próprio governo
muda o presidente de uma agência que se pretendia autônoma. A conexão
temática é imediata.
Ambos, Banco Central e Anatel, foram desenhados com pretensões de se
distanciarem política e operacionalmente do Poder Executivo. Aquele, em nome da
proteção da moeda; essa, em nome da privatização competitiva. Um dos pilares do
distanciamento seria o mandato do presidente, fixo e previsível. A independência e
autonomia institucional começaria pela estabilidade do decisor-mor.
Digo ambos porque o presidente do Banco Central também tinha mandato fixo.
Quando foi criado, em 1965, a lei lhe assegurava um mandato de cinco anos.
Argumentava-se que, sendo o mandato do presidente do Banco Central maior do
que o do presidente da República, então de quatro anos, sem reeleição, sua
independência estaria assegurada. O presidente da República passava, o do Banco
Central ficava.
A lei mudou por causa de um episódio que, se não foi vero, pelo menos foi molto
probabile. Castelo Branco nomeou o economista Denio Nogueira primeiro
presidente do Banco Central. Quando assume Costa e Silva, o novo governo
pretendeu substituir o dr. Denio, que teria procurado resistir à interrupção forçada
de seu mandato. Gesto fundamental. Se resistisse, estaria consolidada a matriz
legal. Iniciada nova cultura de administração pública. Se não, não... Resistiu até o
dia em que lhe chegou uma mensagem, que o folclore descreve assim: ‘‘O
presidente da República, Jango Goulart, também tinha um mandato fixo e não pôde
terminá-lo...’’ A partir daí tornou-se inócuo falar de independência do Banco
Central. Mudou-se a lei.
É evidente que o arcabouço legal é condição necessária. Tanto que a ministra Dilma
pretende mudar a legislação sobre os mandatos da diretoria das agências. Mas está
longe de ser condição suficiente. Lei sozinha, como a andorinha, não assegura
autonomia e independência. A questão é mais complexa.
Três poderosos fatores que estruturam as relações entre Estado e mercado no
Brasil teriam de ser enfrentados. Primeiro, a tradição de sermos um país onde o
Estado, o financiamento estatal, o subsídio, a regulamentação subordinante, o
incentivo fiscal, e não o mercado, a concorrência e preferência do consumidor, é o
principal motor responsável pela formação de capital e desenvolvimento econômico.
Segundo, a cultura centralizadora da administração pública federal, que independe
do partido no poder. Voracidade centralizadora, capaz de, no médio prazo,
neutralizar todas as iniciativas organizacionais de descentralização. Sejam as
autarquias de Getúlio Vargas ou as agências reguladoras de Fernando Henrique.
Finalmente, a prática patrimonialista, onde viceja legal e informalmente
intercâmbio entre os interesses públicos e privados, entre os partidos no governo e
as elites do mercado. A moderna evidência desse intercâmbio patrimonialista é
questão da quarentena. Num intervalo de cento e vinte dias um diretor de Banco
Central vira diretor de banco privado. E vice-versa. O diretor da agência de hoje é o
presidente da empresa regulada de amanhã. E vice-versa. O patrimonialismo
moderno vive da informação privilegiada e da competência técnica
transinstitucional.
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Esses fatores reduzem a questão da independência ou autonomia a mera disputa
de poder. Disputa de influências, soma zero: quanto menos governo, isto é, mais
descentralização, mais campo livre para que empresas mais agressivas e
competitivas criem ambiente que as favoreçam. E vice-versa.
Evitar essa disputa redutora do Brasil significa abrir espaço para nova
representação e mobilização de novos interesses, sem tutelas. É incrível como os
consumidores, por exemplo, sejam clientes de bancos, sejam usuários de telefonia
e eletricidade, têm pouca ou nenhuma voz nessas entidades. Como também ali não
estão os governos estaduais e municipais. Nem as entidades sem fins lucrativos. Ou
os grandes empregadores: as pequenas e médias empresas. Inventar a
participação e estimular a mobilização seria um meio de romper com a dicotomia
redutora e excludente, na necessária tarefa de proteção da moeda e da privatização
competitiva.
Sem enfrentar esses fatores, mais fortes do que qualquer lei, podemos apenas
estar importando modelos institucionais que, mesmo globalizáveis, não nos
interessam. Quanto mais porque são de efêmera implementação.
Fonte
FALCÃO, Joaquim. A autonomia da Anatel e a independência do Banco Central.
Correio Braziliense, Brasília, 15 jan. 2004.
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