COMPARAÇÃO DE METODOLOGIAS ELETROFORÉTICAS NO ESTUDO DE HEMOGLOBINAS ANÔMALAS Gelaleti, G. B.1*; Oliveira, G. M. G.1; Da Silva, D. G.1 * [email protected] Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 1 Introdução As hemoglobinas (Hb) são proteínas conjugadas, formadas por cadeias polipeptídicas que, esquematicamente, são representadas por: α (alfa), β (beta), γ (gama) e δ (delta). A associação entre estas cadeias caracteriza os três tipos de hemoglobinas normais, sendo que, os pares de cadeias α2 e β2 constituem a Hb A1, presente no sangue na proporção de 96 a 98%; os pares de cadeias α2 e δ2 formam a Hb A2, presente em níveis próximos de 1 a 3% e ainda, a associação dos pares α2 e γ2 originam a Hb Fetal, que após o quinto mês de idade estabiliza em níveis máximos de 1%. (VALLADA, 2002). As Hb anormais apresentam alterações envolvendo mutações que produzem substituições de aminoácidos nas cadeias polipeptídicas, que conferem à molécula mudanças nas suas características físico-químicas, podendo ocorrer na superfície da molécula produzindo Hb anormais estáveis, na porção interna produzindo as Hb instáveis, nas histidinas proximais ou distais do grupo heme resultando as Hb M, ou ainda, na fusão das cadeias beta e delta originando as Hb Lepore. Outros tipos de alterações afetam o aspecto quantitativo das Hb A1, Hb A2 e Hb F, nas quais se observa síntese parcial de uma das cadeias polipeptídicas e aumento relativo da outra; nesse grupo enquadram-se as talassemias alfa e beta e persistência hereditária de Hb F. (VALLADA, 2002). A caracterização inicial das diferentes Hb anormais envolve desde a quantificação e qualificação morfológica dos eritrócitos, índices hematimétricos, técnicas que atestam alterações físico-químicas da molécula e eletroforeses diferenciais de hemoglobinas. (VALLADA, 2002). Dentre as técnicas mais utilizadas para o diagnóstico das diferentes alterações na molécula de Hb, a eletroforese está enquadrada dentre as análises mais versáteis e facilmente aplicáveis (LOPES, 1984), uma vez que, possibilita o estudo da variação genética. Esta técnica consiste na migração de moléculas ionizadas, de acordo com suas cargas elétricas e pesos moleculares em um campo elétrico; as diferentes mobilidades eletroforéticas das hemoglobinas anormais são originadas por alteração de carga elétrica, causada por substituições de aminoácidos diferentes nas cadeias formadoras das moléculas. A técnica da corrida eletroforética é utilizada para a qualificação e quantificação de hemoglobinas normais e grande parte das anormais (BONINI-DOMINGOS, 2006); pode ser utilizada em extratos variados, tais como, papel de filtro, sílica gel, membranas de acetato de celulose, gel de agarose, amido ou poliacrilamida, entre outros (AYALA, 1978). No presente trabalho objetivou-se detectar as diferentes resoluções de bandas com solução hemoglobínica em substrato de poliacrilamida em tampão Tris-Glicina, comparando-as com outros substratos validados nas literaturas. Material e Métodos Foram realizadas corridas eletroforéticas de amostras sanguíneas de indivíduos residentes no município de Três Lagoas/MS, de ambos os sexos e de qualquer origem étnica ou social, provenientes de diferentes subpopulações, incluindo doadores de sangue do Hemonúcleo de Três Lagoas, estudantes universitários, gestantes da Clínica da Mulher de Três Lagoas e portadores de anemia a esclarecer. As amostras de sangue foram coletadas em frascos estéreis com EDTA a 5%, após assinatura do participante ou de seu responsável, de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a orientação do Comitê de Ética da UFMS, e encaminhadas ao Laboratório de Genética Médica da UFMS. Foram submetidas a testes seletivos, incluindo análise da morfologia eritrocitária (Bonini, 1993), resistência globular osmótica (Método de Silvestrone & Bianco, 1975), teste de solubilidade SICKLE-ID (Louderback et al, 1974), e eletroforese em gel de poliacrilamida com tampão Tris-Glicina em pH alcalino (8,0); os testes confirmatórios consistiram no uso de eletroforese em gel de poliacrilamida em pH ácido (6,2) e neutro (7,0). Resultados Durante o período de agosto de 2005 a julho de 2008, 963 amostras de hemolisado das populações que compõem a casuística foram submetidas aos testes descritos e à corrida eletroforética em gel de poliacrilamida com tampão Tris-Glicina em pH alcalino, ácido e neutro. Desse total, 807 tiveram seus diagnósticos confirmados: 686 (85,0%) apresentaram perfil hemoglobínico normal e 121 (15,0%) apresentaram mutações que alteraram a estrutura das cadeias globínicas, modificando sua mobilidade eletroforética, entre elas HbS, HbC, HbLepore, βTal e HbF. (Figuras 1a e1b). Comparando as corridas realizadas em gel de poliacrilamida com os demais tipos de eletroforeses de diferentes substratos presentes na literatura (fitas de acetato de celulose e gel de agarose), percebe-se nitidamente uma resolução superior às empregadas rotineiramente nos laboratórios (Figura 2 e 3). Figura 1a. Corrida em poliacrilamida em tampão Tris-Glicina Fonte: Laboratório de Genética Médica / UFMS Figura 2. Corrida em acetato de celulose Fonte: Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas / IBILCE Figura 1b. Corrida em poliacrilamida em tampão Tris-Glicina Fonte: Laboratório de Genética Médica / UFMS Figura 3. Corrida em gel de agarose Fonte: Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas / IBILCE Discussão e Conclusões A eletroforese de hemoglobina é provavelmente o método laboratorial mais útil para separação e medição de hemoglobinas normais e algumas anormais. Por meio da eletroforese, são separados diferentes tipos de Hb formando uma série de bandas distintamente pigmentadas em determinado substrato. Os resultados são, então, comparados com aqueles de uma amostra normal. Dentre as técnicas utilizadas nas corridas eletroforéticas, as fitas de acetato de celulose, os géis de agarose e de poliacrilamida são os mais empregados em procedimentos laboratoriais; todos apresentam resultados diagnósticos semelhantes e o que os diferencia são modificações na metodologia aplicada e tempo de corrida. Comparando as metodologias citadas, a principal diferença entre as três corridas analisadas é a preparação do hemolisado aplicado na corrida, onde lisa-se a membrana das hemácias para obtenção da solução de Hb; este hemolisado pode ser “rápido”, com saponina, utilizado na corrida em fitas de acetato de celulose e gel de agarose, ou com clorofórmio, utilizado na corrida em gel de poliacrilamida (NAOUM, 1990); validando as duas técnicas, sabe-se que na solução de Hb preparada com clorofórmio obtêm-se uma solução mais pura de hemoglobina, já no hemolisado rápido observa-se resquícios de membrana, implicando na baixa resolução das bandas. Outra diferença entre as três técnicas avaliadas é o tempo de corrida, uma vez que, em fitas de acetato e gel de agarose espera-se em torno de 30 minutos a uma hora para a finalização do processo, enquanto com o gel de poliacrilamida, espera-se de cinco a seis horas para obter uma corrida homogênea. Observa-se nas figuras apresentadas nos resultados, a diferença na resolução de bandas entre as técnicas; apesar das corridas em fitas de acetato e gel de agarose serem mais rápidas e menos custosas, elas não oferecem um resultado plenamente satisfatório. Diante do exposto, defende-se a corrida eletroforética em gel de poliacrilamida com tampão Tris-Glicina utilizada nas técnicas de análise das Hb anormais no laboratório de Genética Médica da UFMS, como o método mais confiável e preciso na resolução das bandas normais e anormais, mesmo sendo mais custoso, demorado e exigente no manuseio da técnica (WALKER & RAPLEY, 1999). Considera-se ainda, que a técnica utilizada no estudo é vista como um método pré- molecular, devido a seu alto poder de resolução em análises protéicas e ainda a possibilidade de quantificação das cadeias polipeptídicas na corrida. Referências AYALA, F. J.; The mechanisms of evolution. In: EVOLUTION. San Francisco, Scientific American, 1978. p.14-27. BONINI-DOMINGOS, C. R.; Prevenção da hemoglobinopatias no Brasil, diversidade genética e metodologia laboratorial. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto, 1993. BONINI-DOMINGOS, C. R.; Metodologias Laboratoriais para o Diagnóstico de Hemoglobinopatias e Talassemias. Ed. HN, São José do Rio Preto – SP, 2006. LOUDERBACK, A.L.; YOUHNE, Y.; FONTANA, A.; NATLAND, M. – Clinical evaluation of a rapid screening test for sickle-cell trait (S_) and sickle-cell anemia (SS). Clin. Chem., 20:761, 1974. LOPES, C. R.; Estudos sobre as relações filogenéticas entre algumas espécies de Coffea. Tese – professor – Unesp, p. 169, Botucatu, 1984. NAOUM, P. C.; Eletroforese, técnicas e diagnósticos. São Paulo: Santos, p. 174, 1990. VALLADA, E. P.; Manual de Técnicas Hematológicas. Ed. Atheneu, São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2002. SILVESTRONI, E.; BIANCO, I.; Screening for microcytemia in Italy: analysis of data collected in the past 30 years. Am. J. Hum. Genet., v. 27, p. 198, 1975. WALKER, M. R.; RAPLEY, R.; Guia de rotas na tecnologia do gene. São Paulo: Atheneu Editora, p. 334, 1999.