Fatores que interferem na utilização do prontuário do

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Artigo original
Fatores que interferem na utilização do
prontuário do paciente em suporte de papel
Factors that intervene in the patients records use in paper support
Luís Carlos de Paula e Silva1, Francisco Venditto Soares2, Patrícia Regina de Souza Sales3,
Pedro Marco Karan Barbosa4, João Alberto Salvi5
Palavras-chave
Registros médicos
Responsabilidade pela
informação
Informação
Gestão em saúde
Qualidade da assistência
à saúde
Keywords
Medical records
Duty to warn
Information
Health management
Quality of health care
Data de recebimento do artigo:
30.12.2010
Data de aprovação:
14.02.2011
Conflito de interesses:
nenhum declarado
Fontes de fomento:
nenhuma declarada
RESUMO
Introdução: os registros em saúde constituem uma fonte de informação para a continuidade da assistência,
defesa jurídica e pesquisas. Objetivo: conhecer as dificuldades encontradas pelos profissionais da saúde
que atuam no hospital na utilização do prontuário, e as sugestões propostas por eles. Método: estudo
descritivo com abordagem quantitativa obtida por meio das informações dos profissionais, gestores e técnicos
administrativos que atuam nas diversas áreas e que utilizam o prontuário. Resultados: as principais dificuldades
estão relacionadas à organização (36,5%), à incoerência das informações (19,2%), ao atraso na entrega, à
letra ilegível e à segurança da informação (13,4%). Evidenciou-se, ainda, que as categorias responsabilidade,
educação permanente, tecnologia, segurança e organização são as sugestões para a melhoria da utilização do
prontuário. Conclusão: o prontuário estruturado em papel, se bem organizado, facilitando o trabalho da equipe,
e se atender às necessidades de saúde do usuário pode permear um cuidado de qualidade.
ABSTRACT
Introduction: health records are a source of information for continuity of care, advocacy, and researches. Objective:
to understand the difficulties encountered by health professionals that work in hospital to use medical records,
and what suggestions they propose. Methods: descriptive study of quantitative approach using the information
obtained from professionals, managers, and administrative technicians that work in several areas and use the
record. Results: the main difficulties are related to the organization (36.5%), inconsistency of information (19.2%),
delayed delivery, illegible handwriting and information security (13.4%). It was also showed that the categories
responsibility, continuing education, technology, security, and organization are suggestions for improving the use
of medical records. Conclusion: the structured medical record on paper, if well organized, which will facilitate the
team work, and if it meets the health needs of the user can permeate quality care.
1. Enfermeiro; Assistente Técnico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília; Especialista em Gestão
Hospitalar, UTI e Ações de Saúde Baseadas em Evidências; Mestre pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
2. Médico; Diretor Técnico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília; Especialista em Cirurgia do Sistema
Digestório e Gestão Hospitalar.
3. Enfermeira; Gerente da Unidade de Internação de Moléstia Infectocontagiosa do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Marília, Especialista em Gestão Hospitalar e UTI.
4. Enfermeiro; Chefe do Serviço de Enfermagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília; Especialista
em cardiologia; Mestre e Doutor pela Escola de Enfermagem pela Universidade de São Paulo.
5. Médico; Diretor Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília; Especialista em Cirurgia do Sistema
Digestório.
Endereço para correspondência: Luís Carlos de Paula e Silva – Rua Tupinambás, 219 – CEP 17514-100 – Bairro Aeroporto
– Marília (SP), Brasi – E-mail: [email protected]
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Silva LCP, Soares FV, Sales PRS, Barbosa PMK, Salvi JA
INTRODUÇÃO
Existem vários fatores que interferem no processo
de cuidar do paciente, podendo auxiliar ou atrapalhar
o desenvolvimento de uma atenção integral e humanizada por parte dos profissionais nas instituições de
saúde. Dentre estes fatores, um tem chamado atenção
em especial, que é a forma de como vem sendo utilizado o prontuário e se este tem auxiliado ou não no
processo de cuidar, em razão de como estão estruturadas as informações registradas pelos profissionais
que os utilizam.
Neste sentido, a qualidade dos registros existentes nos prontuários das instituições de saúde reflete e
caracteriza a qualidade dos serviços prestados, o nível
de complexidade e de atuação destas organizações
com os seus processos de trabalho1.
Atualmente, o prontuário é conceituado como
documento único, constituído de informações, sinais
e imagens registradas, geradas com base em fatos,
acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente
e a assistência a ele prestada de caráter legal, sigiloso
e científico, que possibilita a comunicação entre a equipe de saúde e a garantia da continuidade do cuidado
prestado ao paciente2.
Seus registros têm valor imprescindível para as instituições de saúde, pois contribuem para a obtenção de
dados que subsidiam estimar, avaliar o valor do trabalho
profissional e o grau de eficiência com que são tratados
os pacientes que recorrem ao mesmo.
Alguns fatores parecem contribuir para a baixa
qualidade dos registros e da valorização destes dados
nos prontuários, os quais são: o tipo de instituição, as
categorias que recebem mais capacitação, a jornada
de trabalho e a demanda de atividades desenvolvidas
pelos profissionais3. O registro manual das ações desenvolvidas no cuidado prestado ao paciente serve para
gerenciar a assistência e avaliar a qualidade do atendimento. Estes registros direcionam para identificação de
indicadores que possibilitam aprimorar a assistência e
também retroalimentar inovações a serem adotadas na
prestação de serviços4.
As informações contidas pelo registro em saúde
foram desenvolvidas com a necessidade de se identificar as necessidades de saúde, pois saber o que havia
ocorrido com o paciente em outros atendimentos era
fundamental para o estabelecimento de novos planos
terapêuticos e, para isso, usava-se a história clínica e a
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evolução para acompanhamento dos pacientes5. Essas
informações eram consideradas fundamentais para
a tomada de decisão na determinação da conduta e
fundamentavam as ações gerenciais.
Outra função importante destes registros era o
subsídio para o desenvolvimento de pesquisas, e a
contribuição para a formação de profissionais na área da
saúde. Estes registros estão sendo bastante utilizados
como fonte de informação para avaliação da qualidade da assistência prestada aos usuários por meio de
auditorias6.
O conteúdo destes prontuários são fontes importantes para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa,
bem como para o auxílio às ações de gestão nas organizações de saúde. Serve também para assegurar os
direitos dos pacientes em situações de conflito, durante
o tratamento, e ainda à formulação, implementação e
avaliação de políticas públicas.
Os profissionais que fazem uso e se beneficiam
das informações contidas no prontuário são aqueles
que assistem diretamente o paciente e outros como
alunos de graduação, pós-graduação, professores e
pesquisadores7.
No Brasil, pressupõe-se que a baixa qualidade das
informações contidas nos prontuários dos pacientes
tem influenciado muito a qualidade do cuidado dedicado a estes. Em um estudo realizado em um estado
do Centro-Oeste do país, que trata da programação
local, foi possível identificar erros frequentes como
diagnósticos ilegíveis, incoerências de dados e falta
de diagnóstico 8. Em outro estudo realizado em um
estado do Nordeste do país, que tratou da avaliação do
processo da reforma sanitária, ficou evidente o grande
número de prontuários, chegando a atingir o percentual
de 76%, que não apresentavam informações básicas
e de relevância para a verificação dos resultados das
ações planejadas9.
Já em um estudo desenvolvido nos serviços ambulatoriais em um estado da região Sudeste, que tinha como
objetivo avaliar a qualidade dos prontuários evidenciouse que estes continham informações deficitárias e não
podiam ser utilizados como parâmetro para a certificação do serviço10.
Ao se fazer uma avaliação em um programa de
controle da hanseníase no Mato Grosso do Sul, também
ficou evidente que um número significativo de prontuários apresentava registros incompletos 11. O prontuário
Fatores que interferem na utilização do prontuário do paciente em suporte de papel
constitui-se em fonte importante para o desfecho do
cuidado a ser oferecido ao paciente, mas percebe-se
que a devida importância não vem sendo dada a este
instrumento, tanto no aspecto prático de sua utilização
como também nos aspectos didático e acadêmico.
Com isso, tem-se perdido muita informação, tempo
e perspectivas, principalmente no tocante ao atendimento de qualidade ao paciente e à comunidade,
entendendo que esta visão holística que o prontuário
pode proporcionar permite um cuidado mais digno e
humano.
A hipótese é que, conhecendo as dificuldades
vivenciadas pelos profissionais na utilização do prontuário em suporte de papel e suas sugestões, será
possível desenvolver mecanismos que contribuam
para o uso adequado, valorização das informações,
trazendo benefícios relevantes para o paciente e para
a sociedade.
A motivação para a realização desta pesquisa
pautou-se nas diversas reclamações dos profissionais
envolvidos na assistência ao paciente, com a alegação
de que a forma de apresentação do prontuário não
estava contribuindo para a realização de uma boa
assistência e impossibilitando a contextualização das
necessidades de saúde.
O estudo reveste-se de importância pelo fato de haver
vários hospitais de pequeno, médio e grande porte que
ainda utilizam o prontuário estruturado em papel, apesar
dos avanços tecnológicos permitirem inúmeras ferramentas de gestão da informação, porém, os custos para a
implantação desta tecnologia para algumas instituições
é fator impeditivo e está longe de ser alcançada.
OBJETIVO
Conhecer as dificuldades encontradas pelos profissionais da saúde que atuam em hospitais na utilização
do prontuário em suporte de papel e quais sugestões
estes propõem para a resolução destas dificuldades.
MÉTODO
O contexto do Hospital onde a pesquisa foi desenvolvida envolve assistência, ensino, pesquisa e extensão,
pois é também um cenário de aprendizagem para a
formação de profissionais de uma faculdade da área da
saúde com dois cursos: Medicina e Enfermagem.
A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e
Pesquisa da instituição com o número 776/10, conforme
determina a Resolução 196/96 e suas complementares
do Conselho Nacional de Saúde.
Trata-se de um estudo caracterizado como descritivo, de campo transversal, com abordagem quantitativa,
no qual foi utilizada a análise estatística para apresentação dos dados com números absolutos e dispostos em
tabelas e gráficos para interpretações de cada variável
analisada.
Um questionário foi encaminhado a todos os responsáveis por áreas do hospital e ambulatórios (profissionais de saúde e de áreas administrativas), solicitando
que manifestassem, em dez dias, as principais dificuldades que encontram ao utilizar o prontuário durante o
atendimento e quais sugestões seriam importantes para
a resolução destes problemas.
Os questionários foram entregues nas áreas e dado
ciência em documento, do recebimento do mesmo, com
orientação de devolução para os pesquisadores. Foram
encaminhados 189 questionários para os responsáveis
das áreas, sendo que retornaram 132, portanto, 69% do
total de questionários enviados retornaram.
Após o décimo dia de prazo, os questionários devolvidos foram analisados, possibilitando agrupá-los em
dois grupos: o primeiro apontava as principais dificuldades encontradas e o segundo abordava as sugestões
de resolução dos problemas encontrados. Em seguida,
estes dois agrupamentos possibilitaram estabelecer
algumas categorias e as suas respectivas caracterizações. Para o grupo das dificuldades encontradas, foram
atribuídas as seguintes categorias: organização, escrita,
atraso, coerência, integralidade e segurança. Para o
grupo das sugestões, foram atribuídas as categorias:
responsabilidade, educação permanente, tecnologia,
segurança e organização.
As categorizações se deram por sequência de eventos e foram inseridas em planilha Excel para atribuir o
número e o percentual de cada categoria.
RESULTADO
Para melhor visualização dos dados coletados da
presente pesquisa, inicialmente procurou-se apresentálos em forma de tabela e gráficos para, desta forma,
organizar e facilitar a interpretação dos resultados.
A Tabela 1 demonstra as dificuldades apresentadas
pelos profissionais em relação à utilização dos prontuários, bem como as dificuldades encontradas nas categorias identificadas e suas respectivas caracterizações.
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A título de melhor visualização dos resultados da
presente pesquisa, o Gráfico 1 apresenta os percentuais
Tabela 1 - Categorização das dificuldades encontradas na utilização
do prontuário apontadas pelos profissionais, suas respectivas
caracterizações e mensuração
Nº de eventos
(%)
Categoria
Caracterização
Organização
Prontuário incompleto e desorganizado
cronologicamente; falta de exames; falta
de assinatura e carimbo; informações do
paciente desatualizadas e com erros.
87 (26, 4)
Escrita
Não conseguir ler o que está escrito;
abreviações (BEG, MEG, MVF S/RA, TTo).
42 (12,7)
Tempo
Prontuário não chega a tempo hábil para
o atendimento (ambulatório); atraso na
devolução do prontuário ao setor de
internação, prontuários são solicitados e não
são retirados.
34 (10,3)
Coerência na
informação
Não há padronização das anotações;
evolução clínica não-condizente com as
necessidades do paciente; evolução sem
diagnóstico ou hipótese diagnóstica; não
há relação do tratamento recebido com a
evolução do paciente.
26 (7,9)
Integralidade
do cuidado
O modelo de prontuário não permite que
todos os profissionais tenham uma visão
contextualizada do paciente.
69 (20,9)
Segurança da
informação
Prontuários expostos, facilitando o acesso
de várias pessoas; prontuários com muitos
documentos, tornando-os pesados e
facilitando a perda de papéis; prontuários
são retirados dos locais sem comunicação
e geralmente retornam incompletos ou não
retornam; uso do termo S/N em prescrições
médicas (pacientes são medicados sem
avaliação); prescrições médicas copiadas
do dia anterior; uso de corretivos; dados de
outros pacientes no prontuário e extravios de
prontuários.
71 (21,5)
26,4
25
20,9
21,5
Tabela 2 - Sugestões enviadas pelos usuários do prontuário com a
categoria, e respectiva caracterização e mensuração
Categoria
12,7
15
Capacitar todos os usuários do prontuário
no uso correto do mesmo; intensificar
o trabalho da comissão de revisão de
prontuários no sentido de identificar os
problemas e dar orientação; inserir o
conteúdo no currículo da academia.
Tecnologia
Implantar o prontuário eletrônico.
3 (10,7)
Segurança
Instituir a microfilmagem/digitalização para
garantir a integridade do prontuário e da
informação; melhorar a organização do
prontuário.
4 (14,2)
Organização
Utilizar o Prontuário Orientado por
Problemas (POP); separar os exames de
imagem dos demais documentos pelo
volume que tem dado ao prontuário e o
peso.
5 (17,8)
35
25
17,8
20
7,9
10,7
10
0
Percentual
14,2
15
5
7 (25)
32,1
25
10,3
10
9 (32,1)
Educação
permanente
30
20
Nº de
manifestos
(%)
Caracterização
Responsabilidade Atribuir responsabilidade para a guarda,
organização e conservação do prontuário;
definir claramente quem e em que
momento é responsável pela organização
do prontuário; trabalhar a importância
do preenchimento correto do prontuário
para todos (paciente, equipe, instituição
e ensino).
Tempo
Coerência da informação
Integralidade do cuidado
Segurança da informação
Gráfico 1 - Percentuais em que as categorias de organização,
atraso, integralidade do cuidado, escrita, coerência da informação e
segurança da informação aparecem no estudo
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Organização
Escrita
Segurança
Organização
Tecnologia
0
Educação
permanente
5
Responsabilidade
30
por categoria identificada, relacionando as dificuldade
dos profissionais na utilização dos prontuários para
dar uma leitura mais clara, a fim de demonstrar o
identificado e analisado nos dados estudados pelos
pesquisadores.
A Tabela 2 demonstra como os usuários do prontuário apresentaram suas sugestões e como estas foram
categorizadas, caracterizadas e mensuradas.
Gráfico 2 - Percentuais em que as categorias responsabilidade,
educação permanente, tecnologia, segurança e organização são
apresentadas como sugestão pelos responsáveis de área
Fatores que interferem na utilização do prontuário do paciente em suporte de papel
DISCUSSÃO
A Tabela 1 demonstra que a desorganização do
prontuário é o principal fator que incomoda a equipe
que o utiliza para o atendimento ao usuário, relatando
que o fato de o prontuário estar com impressos fora de
sequência cronológica de atendimento e incompleto se
torna um dificultador para a condução da terapêutica. Os
fatores desencadeantes apontados pelos profissionais
foram a falta de resultados de exames ou evoluções,
que estão arquivadas sem seguir a cronologia, o que
dificulta a identificação da sequência do atendimento
e também interfere na conduta a ser tomada, além do
tempo que se gasta para localizá-las.
Ainda na situação de desorganização, outra dificuldade é a ausência de identificação do profissional que
realizou o atendimento, pois são várias as situações em
que não é possível saber quem cuidou ou deu a conduta
em razão da ausência de assinatura, data e carimbo.
Com relação à segurança da informação, que
também, segundo os usuários, representa uma das
dificuldades no uso do prontuário, foi observado que a
exposição do prontuário em locais que todos têm acesso
fragiliza o sigilo das informações, expondo pacientes e
profissionais a riscos desnecessários.
Os prontuários com grandes volumes também dificultam a segurança, pois propiciam a perda de papéis,
bem como a sua manipulação fora do local onde é
estabelecido pela instituição, o que facilita a evasão de
papéis contidos nos mesmos.
Ficou evidente que o prontuário, na forma como está
estruturado, não oferece subsídios para o entendimento
do cuidado integral, pois o modelo utilizado propicia a
fragmentação do cuidado e impede a visão contextualizada do paciente, considerando as dimensões biopsicossociais do indivíduo. Alguns exemplos podem ser:
os diferentes impressos utilizados pelos profissionais de
saúde que atendem aos nossos usuários apresentam
registros variados de interesses comuns para condutas multiprofissionais e interdisciplinares; no entanto,
descritos em formulários e impressos de uso individual
para cada um dos profissionais, não havendo interação
de registros em uma mesma folha à procura de manter
uma comunicação escrita que atenda inteiramente às
necessidades dos usuários.
No que se relaciona à descrição manual, a principal
dificuldade apontada pelos profissionais é o fato de não
conseguir ler o que está descrito, bem como o uso de
abreviações que podem ter duplicidade de sentido e
trazer interpretações erradas do que está acontecendo
com o paciente. Vale ressaltar que o prontuário é um
documento legal e, como já descrito, serve de defesa
para os profissionais e usuários atendidos na instituição,
sendo assim, os relatos apontados nos impressos deveriam ser levados a sério por todos os que dele fazem
uso, pois apresentam informações importantes para a
condução da assistência ao ser humano.
No que se relaciona ao tempo, pode-se destacar
que esta categoria está relacionada ao tempo de devolução do prontuário ao setor de internação após a sua
utilização. Sendo assim, foi identificado que ocorre
atraso na devolução e, em grande parte, após atendimentos ambulatoriais, em razão dos pacientes estarem
agendados. Verificou-se que esta situação tem gerado
transtornos para as equipes e pacientes, atrapalhando
muito o fluxo de trabalho dos profissionais.
Outra categoria analisada foi correspondente à
coerência nas informações, as quais se mostraram de
certa forma incoerentes pela não-padronização das
anotações, ou seja, cada profissional anota da maneira
como bem entende, não se importando com a interpretação que outro profissional possa dar ao descrito. As
evoluções das variações apresentadas não são condizentes com as necessidades e condição clínica dos
pacientes, evoluções que não apresentam diagnósticos
ou hipótese diagnóstica, e constantemente são encontradas situações em que não há relação do tratamento
recebido com a evolução do paciente.
O uso de termos nas prescrições médicas que já
foram abolidos pelas boas práticas da Agência Nacional de Saúde também foi identificado. Como exemplo,
pode-se citar o uso da sigla “se necessário”, que acaba
condicionando a riscos eminentes aos pacientes pela
não-avaliação do médico, da condição do mesmo, no
momento em que está sendo medicado. Na categoria
integralidade do cuidado, ficou evidente que o conteúdo dos registros dos prontuários não permite uma visão
mais ampliada do sujeito, pois foca somente a doença
e está bastante centrada no cuidado médico, sendo
inatingível para alguns profissionais que também são
responsáveis pela condução do processo de cuidar.
Este modelo não permite visualizar e contextualizar
as necessidades de saúde apresentadas pelo indivíduo nos mais diversos aspectos que envolvem o seu
tratamento.
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Com relação à segurança da informação, que é
necessária para a preservação do sigilo profissional e
também garantir privacidade ao paciente, é fundamental
que os profissionais que utilizam os prontuários tenham
clareza da responsabilidade de cada um quando da
manipulação destes dados.
O Gráfico 1 demonstra o percentual de ocorrência
de cada categoria, dando ênfase para os aspectos
organizacionais dos prontuários com 26,4% dos eventos
elencados; seguido pela falta de segurança das informações contidas nestes documentos pela exposição
excessiva, com 21,5%; a dificuldade em entender o
processo da integralidade do cuidado na estrutura do
prontuário, com 20,9%; as letras ilegíveis e a utilização
de abreviações, com 12,7%; a demora na entrega do
prontuário para o início do atendimento reflete-se em
10,3% e a falta de coerência das informações contidas
no prontuário em 7,9%.
A Tabela 2 apresenta as sugestões relatadas pelos
profissionais que responderam ao questionário, no qual
foi possível identificar cinco categorias com suas respectivas categorizações, a saber: responsabilidade, educação
permanente, tecnologia, segurança e organização.
Sendo descrita como a mais relevante, a responsabilidade pelo prontuário aparece com 32,1% dos
manifestos, relatando que atribuir esta responsabilidade
significa responsabilizar os profissionais não só pela
guarda, mas também pelo preenchimento e garantia da
segurança das informações contidas no mesmo.
Acredita-se que educar pessoas a manterem a ordem
no que está sob seu domínio, mesmo por um período
de tempo considerado curto, não é função somente da
gestão hospitalar, mas de todas as pessoas envolvidas
com os prontuários dos pacientes, principalmente por
ser um documento de respaldo legal juridicamente e
se tratar de um elo de ligação entre a vida do paciente
na Instituição com a pessoa que irá atendê-lo, seja no
momento da consulta ambulatorial ou em uma visita da
equipe, no caso de estar internado.
Outro item sugerido foi a educação permanente
(25%), que deverá ter como foco capacitar os profissionais que manipulam o prontuário visando seu uso
correto e a comissão de revisão de prontuário, a qual tem
papel fundamental neste processo, ou seja, identificar os
principais problemas encontrados como a ausência de
impressos, exames e informações arquivadas erradas
ou ausentes, além da desorganização, entre outras.
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A adoção de um processo de análise qualitativa dos
registros, concomitante com a realização de treinamentos
específicos para a equipe de saúde, e utilização de estratégias para a adesão do corpo clínico com ações que visam
melhorar a qualidade das informações contidas nos prontuários, são fundamentais para a obtenção de um prontuário
que reflita as necessidades de cada paciente12.
O processo de educação para a responsabilização
do prontuário, deve ser inserido e cobrado desde o
início nas escolas que formam os profissionais que os
utilizam, fazendo parte nos currículos desses acadêmicos. Reforçar a importância do prontuário médico
é procedimento óbvio, mas indispensável. A própria
experiência dos Conselhos de Medicina comprova que
o prontuário é instrumento fundamental não só para
contribuir com a qualidade de atendimento ao paciente,
mas também – quando isto se faz necessário – para a
defesa do médico em eventuais demandas judiciais e
nos Conselhos de Medicina13.
Quanto à utilização da tecnologia (10,7%), sabe-se
que atualmente ela é indispensável no processo de
facilitar, organizar e processar informações de maneira
mais rápida, assim, também acredita-se ser este o caminho para a busca de qualificar o trabalho, utilizando o
prontuário eletrônico para uma possível resolução dos
atuais problemas, permitindo um fluxo mais adequado
das informações, como também ampliar as possibilidades de integração da equipe.
Porém, para muitas instituições de saúde, esta
realidade ainda é virtual, pois são vários os fatores que
dificultam a aproximação com esta ferramenta, principalmente pela falta de recursos financeiros para o investimento. Ainda, a implantação de um prontuário eletrônico
demanda não somente a agregação de tecnologia, mas
também mudanças na organização e na cultura institucional. No quesito segurança, o que foi sugerido refere-se
à utilização da microfilmagem com 14,2% das respostas,
proporcionando fidelidade das informações e evitando
problemas com os papéis devido à sua fragilidade, como
corrosão e umidade, as quais venham a prejudicar as
informações contidas nos prontuários.
A última categoria identificada foi a organização
(17,8%), na qual observou-se como sugestão a introdução do Prontuário Orientado por Problemas, pois viria
ao encontro do currículo utilizado em nossa instituição,
a Faculdade de Medicina de Marília, proporcionando
melhor integralidade às ações das equipes. Outro relato
Fatores que interferem na utilização do prontuário do paciente em suporte de papel
observado se deve ao fato de que sejam separados os
exames de imagem dos demais documentos para evitar
o aumento de volume do prontuário, o que dificulta o
controle e possibilita a desorganização, visto que ainda
não existe a forma eletrônica.
REFERÊNCIAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As principais dificuldades vivenciadas pelos profissionais que utilizam o prontuário na condução do
cuidado aos pacientes estão pautadas em processos
organizativos, e as sugestões revestem-se fortemente
de aspectos de co-responsabilização nas diversas fases
que envolvem o uso desta importante ferramenta de
informação epidemiológica e de pesquisa.
Outro fator que deve ser considerado na construção e
consolidação do uso correto do prontuário, para benefício do
indivíduo e da sociedade, é a implantação de uma comissão
de revisão de prontuários. Esta deverá criar mecanismos que
facilitem a utilização deste documento, garantam a legibilidade
da caligrafia do profissional e assegurem a responsabilidade
do preenchimento, guarda e manuseio, sendo estas atribuições dos médicos assistentes, das chefias das equipes, das
chefias das Clínicas e da Direção técnica da unidade.
Acredita-se que, com um prontuário organizado,
equipes capacitadas e estímulos à valorização das
informações contidas nestes documentos, será possível
estabelecer e desenvolver vários indicadores que irão
contribuir para a implementação de avaliações qualitativas e quantitativas, as quais trarão vários benefícios
ao sistema de saúde, dentre estes, a otimização de
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RAS _ Vol. 13, No 50 – Jan-Mar, 2011
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