O JOGO E A PRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

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O JOGO E A PRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL
ALMEIDA, Raquel Corrêa Lemos Ferraz – UEL
[email protected]
MARTINS, João Batista – UEL
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
É facilmente identificada a dificuldade que muitos alunos encontram na aprendizagem da
matemática. Parece que o que se ensina nas escolas serve, muitas vezes, única e
exclusivamente para o contexto escolar, uma vez que os conteúdos matemáticos são
ensinados, geralmente, via repetição de procedimentos, de forma descontextualizada e com
uma valorização exacerbada ao procedimento em detrimento ao conceito. Alguns
pesquisadores apontam para o sentido de que é possível uma revisão no trabalho da
matemática nas salas de aula, evidenciando a necessidade de repensar as práticas docentes a
fim de que seja considerada a construção do conhecimento pelos alunos. Assim, a sala de aula
precisa se tornar um ambiente de aprendizagem na qual os próprios alunos construam
conhecimentos sobre determinados conteúdos matemáticos e sobre a realidade que os cerca,
investigando e refletindo tanto a respeito das habilidades cognitivas e das estratégias que
mobilizam em uma atividade quanto acerca do meio social em que vivem. Nesse sentido,
pretendemos discutir na presente comunicação a utilização dos jogos nas práticas de ensino e
aprendizagem da matemática escolar. O texto tem como objetivo refletir sobre a importância
da utilização de jogos como possibilidade didático-pedagógica na construção de conceitos
matemáticos, tendo em vista as possibilidades de intervenções na sala de aula como
facilitadores e mediadores de tal construção.
Palavras-chave: Aprendizagem Matemática. Jogo. Práticas Pedagógicas.
Introdução
Quantos de nós já não fomos surpreendidos com um problema cuja solução poderia se
dar em termos matemáticos, tais como estimar os gastos num supermercado, calcular o troco
referente à certa compra e explicar a localização de um ponto da cidade. Realizar estimativa,
calcular mentalmente e representar um espaço são algumas das ações que fazem parte de
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nosso cotidiano, ligadas ao conhecimento matemático. Mas será que o conhecimento
matemático mencionado é aquele ensinado nas escolas ou aquele aprendido nas ruas?
Parece que o que se ensina nas escolas serve, muitas vezes, única e exclusivamente
para o contexto escolar, uma vez que os conteúdos matemáticos são ensinados, geralmente,
via repetição de procedimentos, de forma descontextualizada e com uma valorização
exacerbada ao procedimento em detrimento ao conceito. Já na rua, geralmente, o aprendizado
se dá a partir de uma necessidade e por meio da experimentação e investigação. Podemos
concordar então com Carraher, Carraher e Schliemann (1988), então, que existe um
distanciamento entre a “Matemática da rua” e a “Matemática da escola”.
Atividades de treinamento de algoritmos e atividades descontextualizadas, além de
desinteressantes, pouco contribuem para a aprendizagem matemática. No entanto, são
atividades como estas as mais praticadas em salas de aula e mais comuns nos livros didáticos
utilizados, às vezes, como “manual” pelos professores. Quanto ao ensino tradicional da
Matemática, Pais (2006) atenta:
No alto de suas páginas de exercícios geralmente aparece um modelo a ser seguido
pelo aluno e logo abaixo, frases imperativas como: resolva, faça, multiplique,
calcule, some, seguidas de dezenas de exercícios do mesmo tipo, em que a única
forma de representação são os números e os símbolos da aritmética. [...] O resultado
desse tipo de atividade é apenas o treinamento incentivado pela crença de que o
aluno pode compreender situações próximas do modelo apresentado para depois,
aplicar o conteúdo (p.36).
Já as atividades que levam os alunos a realizarem escolhas, coletarem informações,
investigarem e validarem as hipóteses iniciais, fazem dos alunos os protagonistas do processo
de aprendizagem, uma vez que o aprender Matemática se dá a partir da necessidade ou
interesse destes em se resolver um problema. Os alunos, neste contexto, passam a “fazer
matemática”. Fazer matemática e reproduzir matemática exige tanto do aluno quanto do
professor, esforços bem distintos. Segundo Pais (2006),
[...] é preciso buscar dinâmicas apropriadas para intensificar as possibilidades de
interação do aluno com o conhecimento. A ênfase dessa idéia é dada à valorização
das ações do aluno, porque envolve conceitos, proposições, problemas e afasta a
concepção de que o saber matemático está preelaborado e pode ser transmitido para
o aluno. Fazer matemática é uma atividade oposta às práticas da reprodução, as
quais consistem em conceber a educação escolar como um exercício de
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contemplação do mundo científico, de onde vem a idéia de transmissão de
conhecimentos. Nessa linha de reprodução do conhecimento, o aluno é levado a
fazer cópias, repetir definições e treinar padrões. Essa pedagogia de reprodução é
um equívoco, ainda mais quando se pretende oferecer condições para que o aluno
possa participar do cenário tecnológico, onde as máquinas digitais, cada vez mais,
passam a fazer parte das tarefas mecanizadas (p.28).
Objetivando a construção do conhecimento pelos alunos, a sala de aula precisa se
tornar um ambiente de aprendizagem em que os próprios alunos constroem conhecimentos
sobre determinados conteúdos matemáticos e sobre a realidade que os cerca, investigando e
refletindo tanto a respeito das habilidades cognitivas e das estratégias que mobilizam em uma
atividade quanto acerca do meio social em que vivem.
Entender a aprendizagem em Matemática como um processo que depende
essencialmente da pessoa que aprende, da interação que tem com o saber e das relações que
ela estabelece, implica, necessariamente, em mudanças do paradigma existente de um ensino
voltado à repetição para um paradigma voltado à análise, reflexão e construção de
conhecimentos. Para Gálvez (1996),
[...] trata-se de colocar os alunos diante de uma situação que evolua de forma tal,
que o conhecimento que se quer que aprendam seja o único meio eficaz para
controlar tal situação. A situação proporciona a significação do conhecimento para
o aluno, na medida em que o converte em instrumento de controle dos resultados de
sua atividade. O aluno constrói assim um conhecimento contextualizado, em
contraste com a seqüenciação escolar habitual, em que a busca das aplicações dos
conhecimentos antecede a sua apresentação, descontextualizada (p.33).
Neste contexto, o professor tem participação decisiva. Ele convida os alunos para
realizarem a atividade (às vezes o convite pode soar como imposição, o que descaracteriza o
caráter motivacional da atividade) e realiza a mediação da mesma, de modo a provocar a
investigação e reflexão dos alunos em torno das decisões e ações que praticam. Segundo
Polya,
[...] um professor de Matemática tem uma grande possibilidade. Obviamente, se ele
empregar as horas de aula para fazer seus estudantes executarem cálculos, terminará
por sufocar o seu interesse, bloquear o seu desenvolvimento mental e desperdiçar a
oportunidade que se lhe apresenta. Por outro lado, se desperta a curiosidade dos
alunos propondo problemas de dificuldade proporcional aos conhecimentos deles e
os ajuda a resolver as questões propostas com perguntas oportunas, ele saberá
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inspirar neles o gosto por um raciocínio original (POLYA apud D’AMORE, 2007,
p.290).
Além disso, o professor tem de tomar o cuidado de não conduzir demasiadamente a
reflexão dos alunos acerca das atividades propostas e dos conteúdos matemáticos presentes.
Ao agir desse modo – já que almeja respostas que indiquem a construção do conhecimento
pelos alunos – acaba por facilitar demais as tarefas propostas, impedindo-os de “fazer
matemática”, de construir conhecimento. Para Almouloud (2007),
Analisando esses efeitos, percebe-se que o professor se encontra muitas vezes numa
situação difícil, pode-se dizer que se encontra num paradoxo: ele deve criar
condições para a aprendizagem dos alunos, mas quase tudo que ele faz para
conseguir uma resposta satisfatória pode estar prejudicando a aprendizagem, por não
permitir que os alunos cheguem sozinhos à resposta esperada. O aluno também fica
numa posição paradoxal, pois não constrói, por conta própria, o saber que o
professor quer lhe ensinar (p.96).
Nesta perspectiva, em que a ação do aluno é entendida como primordial, algumas
alternativas pedagógicas têm se destacado no contexto da Educação Matemática. Dentre elas,
os jogos e as brincadeiras têm sido indicados como alternativas pedagógicas apropriadas para
o ensino e a aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e nos Anos Iniciais. A
intenção não é ensinar Matemática brincando, mas brincar de modo que o aluno chegue ao
conteúdo sistematizado.
O Jogo como Elemento Desencadeador da Aprendizagem
Brincar é uma atividade que as crianças realizam com prazer e interesse. Muitas vezes,
constitui-se um desafio que a criança busca superar sem imposição externa. A exigência de
superação vem da própria criança que, mais que agradar aos parceiros, quer mostrar e provar a
si mesma que é capaz de vencer e realizar aquilo que se propõe. Importante contribuição
quando se pensa no ensino da Matemática, em que tantos alunos são levados a se sentirem
desmotivados.
[...] jogar é estar interessado, não pode ser uma imposição; é um desejo. O sujeito
quer participar do desafio, da tarefa. Perder ou ganhar no jogo é mais importante
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para ele mesmo do que como membro de um grupo. Isto porque é o próprio jogador
que se lança desafios, desejando provar seu poder e sua força mais para si mesmo
que para os outros (BRENELLI, 2003, p.27).
Por isso, o papel do professor na realização do jogo é fundamental. Primeiro, porque
dependendo do modo como apresenta a atividade (dando ordens e usando de um tom
autoritário) ou que conduz a mesma (dizendo aos alunos o que fazer e/ou questionando-os
demasiadamente), os alunos podem entendê-la como mais uma obrigação a cumprir – a
atividade pode ser considerada uma “atividade tradicional disfarçada”. Em contrapartida, se
deixa os alunos brincarem sem interferências suas e utiliza os jogos e brincadeiras apenas para
divertir, o caráter didático da atividade e a construção do conhecimento matemático ficam
comprometidos. Segundo Reis (2006),
[...] embora um jogo esteja sendo trabalhado com uma intenção pedagógica, ele não
poderá perder o caráter lúdico que o caracteriza, senão deixará de ser jogo e passará
a ser material didático: no entanto, se apenas o lúdico prevalecer, o jogo também
deixará de ser uma estratégia para a construção e a fixação de conteúdos (p. 78).
Neste contexto, o professor deve saber questionar os alunos a ponto de provocar
reflexões e instigar a investigação. Agindo desse modo, estará formando alunos
questionadores e cientes de que seu conhecimento acerca de algo não é definitivo, mas
provisório.
Visando encontrar uma estratégia vencedora, ao jogar, os alunos levantam hipóteses a
cada novo lance e socializam estas hipóteses. As idéias e impressões dos alunos mudam de
acordo com o contexto e a partir da análise que realizam do ponto de vista do outro jogador e
das perguntas feitas pelo professor. Conforme indica o Referencial Curricular Nacional da
Educação Infantil:
Os significados e pontos de vista infantis são dinâmicos e podem se modificar em
função das perguntas dos adultos, do modo de propor as atividades e do contexto nas
quais ocorrem. A partir do que observa, o professor deverá propor atividades para
que as crianças avancem nos seus conhecimentos. Deve-se levar em conta que, por
um lado, há uma diversidade de respostas possíveis a serem apresentadas pelas
crianças e, por outro, essas respostas estão frequentemente sujeitas as alterações,
tendo em vista não só a forma como pensam, mas a natureza do conceito e os tipos
de situações-problema envolvidos (RCN – Educação Infantil, p.238).
7368
Dentre as contribuições dos jogos para a aprendizagem, Borin (2002) apresenta a
descentralização1 e o desenvolvimento da linguagem, criatividade e raciocínio dedutivo. Para
a autora, quando a criança joga, ela precisa entender o ponto de vista do seu adversário e
compreender suas intenções ao realizar uma ou outra jogada. Precisa, ainda, antecipar as
possíveis jogadas deste adversário para tomar a decisão quanto a sua jogada. Saber expressarse utilizando a linguagem matemática presente na atividade é condição para explicar uma
ação ou apenas trocar informações. Segundo a autora,
Todas as habilidades envolvidas neste processo, que exigem tentar, observar,
analisar, conjecturar, verificar, compõe o que chamamos de raciocínio lógico, que é
uma das metas prioritárias do ensino da Matemática e característica primordial do
fazer ciência (BORIN, 2002, p.9).
Nos jogos e nas brincadeiras, os alunos, na busca de uma estratégia vencedora,
precisam ler e compreender a situação (em alguns casos, as regras do jogo), bem como
levantar dados e formular hipóteses com relação às jogadas possíveis e permitidas. Em
seguida, precisam executar a estratégia escolhida a partir das hipóteses e avaliar se tal
estratégia é eficiente ou não. Trata-se, portanto, de uma investigação matemática sobre a
atividade lúdica. Ao invés de treinar procedimentos já aprendidos, os alunos têm de resolver
um problema – descobrir a estratégia vencedora. Segundo D’Amore (2007),
Trata-se, portanto, de um verdadeiro obstáculo ao prosseguimento de uma atividade
que, por outro lado, se quer continuar e, portanto, a motivação deve ser forte a ponto
de o estudante ter a necessidade e o desejo de recorrer à criatividade, fazendo
hipóteses, inventando soluções (p.287).
No entanto, existem jogos em que o fator “sorte” substitui a necessidade de se
encontrar uma estratégia vencedora. Neste caso, temos os jogos de treinamento que, como o
nome já diz, são aqueles cujo objetivo é memorizar ou fixar determinadas informações,
conceitos, fórmulas e técnicas ligadas a alguns tópicos do conteúdo. Como exemplo, citamos
1
Descentralizar consiste em desenvolver a capacidade de ver algo a partir de um ponto de vista que difere do
seu, e na coordenação dessas opiniões, chegar a uma conclusão.
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o “bingo de números”, em que a ação do aluno fica restrita ao reconhecimento dos números
sorteados. Neste jogo, a sorte é um fator decisivo para vencê-lo.
Os jogos em que os alunos podem se dedicar a encontrar uma estratégia vencedora são
chamados “jogos de estratégia” e nestes, o fator sorte, quando existe, não é decisivo para o
resultado do jogo. Nos jogos de estratégia, os alunos utilizam o raciocínio lógico na busca de
descobrir uma estratégia vencedora. Um exemplo simples é o “jogo da velha”, no qual o
aluno precisa antecipar a jogada do outro e verificar, no decorrer das jogadas, quais casas
deve marcar para vencer ou, ao menos, impedir que o adversário vença. Com relação aos
jogos de regra, Borin (2002) afirma que o aluno,
[...] ao jogá-lo, sente a necessidade de formular hipóteses, de argumentar e testar a
validade das hipóteses criadas, até chegar à descoberta da estratégia vencedora. Os
alunos não jogam por jogar, mas suas preocupações estão centradas na descoberta de
um caminho que os faça sempre vencedores (p.16).
Na busca de um caminho que os faça vencedores, os alunos criam e utilizam diferentes
estratégias de resolução, as quais devem ser exploradas pelo professor, uma vez que mostram
como pensam os alunos em determinado momento e, por isso, podem ser usadas como forma
de avaliação de quais intervenções fazem-se pertinentes.
Algumas técnicas ou formas de resolução de problemas aparecem naturalmente
durante os jogos, dentre elas podemos destacar: tentativa e erro; redução a um
problema mais simples; resolução de um problema de trás para a frente;
representação do problema através de desenhos, gráficos ou tabelas; analogia a
problemas semelhantes (BORIN, 2002, p.11).
Devido ao caráter motivador do ambiente lúdico, as crianças que apresentam
dificuldades de aprendizagem e que frente a atividades rotineiras se vêem desestimuladas,
acabam se inclinando a participar das brincadeiras junto dos amigos que, assim como ele,
também desconhecem a estratégia vencedora. Neste contexto, acabam por aprender os
conteúdos matemáticos de forma natural e contextualizada. Conforme Brenelli (2003),
7370
Utilizar jogos em contextos educacionais com crianças que apresentem dificuldades
de aprendizagem poderia ser eficaz em dois sentidos: garantir-lhes-ia, de um lado, o
interesse, a motivação, há tanto reclamada pelos seus professores, e, por outro,
estaria atuando a fim de possibilitar-lhes construir ou aprimorar seus instrumentos
cognitivos e favorecer a aprendizagem de conteúdos. Muitas vezes, pela pobreza de
oportunidades, é-lhes imputado um fracasso que traça para elas um caminho de
desesperança, evasão e repetência (p.28).
Muitas são as contribuições dos jogos e das brincadeiras apontadas na literatura,
inclusive no contexto da aprendizagem matemática. Realizar atividades deste tipo em sala de
aula demanda força de vontade dos professores para preparar o ambiente e os objetos
necessários; dedicação para o estudo do jogo; reflexão antes da ação visando estimar
possíveis dúvidas, perguntas e intervenções; paciência, uma vez que se faz necessário dar
tempo para os alunos pensarem; compreensão, já que é improvável evitar que o barulho
aconteça – se há barulho, provavelmente há discussão e; atenção para realizar as perguntas
pertinentes ao momento do jogo de modo a conduzir o aluno à construção do conhecimento.
Os Jogos Matemático em Sala de Aula
Pensar o ensino da Matemática implica buscar criar no ambiente de sala de aula
situações de aprendizagem que possibilitem ao aluno desenvolver não apenas os
procedimentos, noções e conceitos matemáticos, mas, também, estratégias que visem à
aplicação de habilidades do pensamento tais como buscar informações, tomar decisões,
estabelecer possibilidades, testar hipóteses, construir argumentações.
Tal transformação exige do professor compreender que essas competências, dentre
outras, não são construídas quando são propostos apenas exercícios de aplicação dos
conceitos que requerem a simples transposição analógica, o que não indica que o aluno possa
utilizar seus conhecimentos em situações diferentes e mais complexas. O desenvolvimento do
pensar matemático pressupõe a mobilização e o engajamento do aluno frente aos desafios
postos para a resolução de situações-problema, o que lhe exige o refletir constante.
Considerando que conhecer é o ato cognitivo de compreender para transformar e que,
portanto, a apropriação do conhecimento é um processo constante de transformação e
atribuição de significados e relações entre eles, destaca-se a necessidade de propor aos alunos
atividades nas quais se sintam estimulados a participar, a superar suas dificuldades, a perceber
7371
o próprio progresso, identificar e rever seus erros, enfim, que desenvolvam a autonomia
intelectual e que participem do próprio processo de aprendizagem.
Para tanto, vislumbra-se nos jogos matemáticos a possibilidade de encorajar os alunos
a compreender e se familiarizar com a linguagem matemática uma vez que o jogo, enquanto
atividade lúdica, é desafiador e permite a participação ativa do aluno do começo ao fim da
atividade. Dessa forma, o jogo é um recurso poderoso tanto para a aprendizagem dos
conceitos matemáticos quanto para a ampliação e a flexibilização desses. Daí a importância
em assumir a incorporação dos jogos matemáticos nos procedimentos pedagógicos. Segundo
Brenelli (2003),
O interesse que a criança tem pelos jogos faz com que prazerosamente ela aplique
sua inteligência e seu raciocínio no sentido de obter o êxito. Assim sendo, ao jogar,
o sujeito realiza uma tarefa, produz resultados, aprende a pensar num contexto em
que enfrentar os desafios e tentar resolvê-los são imposições que ele faz a si próprio
(p. 173).
Nesse sentido o aluno é solicitado a agir num espaço para o pensar, favorecendo,
assim, a passagem do plano do fazer para o plano compreender. O aluno é encorajado a
propor soluções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar seu raciocínio e validar
suas próprias conclusões.
Na prática de sala de aula é importante que um jogo seja realizado uma vez por
semana, ou pelo menos a cada quinze dias, durante o ano. Essa continuidade permite aos
alunos se apropriarem das regras e dos conhecimentos matemáticos envolvidos nos jogos.
Para Macedo, Petty e Passos (2000) estabelecer uma periodicidade na utilização dos jogos
garante uma atitude permanente de análise, o que possibilita antecipar e determinar a
seqüência das atividades, as necessidades a serem atendidas e os objetivos a serem
alcançados.
É importante ressaltar que, ao optar por utilizar jogos como instrumento pedagógico
no ambiente escolar, o professor deve considerar que, assim como qualquer outra atividade
educativa, a proposta com jogos requer uma organização prévia e uma avaliação constante.
Para Grassi (2008), a fim de realizar uma oficina com jogos, “é necessário elaborar um
planejamento cuidadoso para que se caracterize de fato como um espaço de construção e
elaboração do conhecimento, um espaço de aprendizagem” (p. 13).
7372
Nessa perspectiva, é fundamental pensar no projeto de trabalho, destacando alguns
pontos que norteiam a prática com jogos. Na elaboração do projeto é essencial definir o
objetivo ou a finalidade da utilização do jogo, a fim de direcionar o trabalho, significar as
atividades e até estabelecer relações com outras áreas do conhecimento. É necessário se
pensar, também, nos sujeitos aos quais a proposta está direcionada, ou seja, a faixa etária,
quantos são os participantes, as habilidades requeridas no jogo, as dificuldades e o nível de
desenvolvimento.
Definidos o público alvo e os objetivos, considera-se a organização dos materiais o
próximo passo a ser considerado no trabalho com jogos. Para manter o ritmo de trabalho é
importante organizar, separar e produzir previamente o material, antecipando a quantidade e a
qualidade dos itens a serem utilizados, bem como considerar a faixa etária atendida.
O tempo é outro ponto a ser considerado, uma vez que a adequação do tempo
necessário para a efetivação da proposta deva atender o tempo disponível para a sua
realização, lembrando que, geralmente, jogar demanda mais tempo do que normalmente é
previsto. Segundo Grassi (2008), definir quando a oficina ocorrerá e de quanto tempo
dispomos para realizá-la, implica definir no projeto a data, horário, duração de cada atividade,
início e término.
Ainda, para a autora, “adaptações devem ser feitas visando simplificar as atividades ou
desafiar o participante, utilizar outros materiais ou outras estratégias e regras, de acordo com
as necessidades (GRASSI, 2008, p. 154). Assim como o tempo, o espaço, ou seja, a
organização espacial da sala de aula, também implica no bom andamento da proposta.
Esse espaço, sobretudo, deve propiciar um ambiente onde as ações do aluno são
procedimentos de comunicação, priorizando as trocas de experiências, discussões e interações
entre alunos e professor e possibilitando ao aluno explorar, investigar, descrever e representar
seus pensamentos.
No projeto para a oficina com jogos cabe definir, também, a dinâmica que envolve as
ações durante o jogar, isto é, o desenvolvimento do jogo propriamente dito. Para tanto, devem
ser pensados os procedimentos e as estratégias de ação.
Isso implica planejar as estratégias que irão compor o conjunto de ações de caráter
funcional e aplicativo, considerando desde as instruções até a finalização da
proposta. Cabe ressaltar, no entanto, que é importante haver flexibilidade para
7373
propor alterações no decorrer da atividade se algo que não foi antecipado acontecer
(MACEDO; PETTY ; PASSOS, 2000, p.16).
O projeto pressupõe, ainda, para a sua finalização um momento de avaliação e análise
crítica da experiência vivenciada pelo aluno no decorrer da oficina e dos resultados obtidos.
Os “erros”, aqui, fazem parte do processo de aprendizagem, devendo ser explorados e
utilizados de maneira a gerar novos conhecimentos, novas questões, novas investigações, num
processo permanente de refinamento das idéias discutidas.
Deste modo, para que o trabalho com os jogos atinja todo o seu potencial de ensino
para a aprendizagem do aluno, são pensadas algumas etapas de rotina para a exploração do
jogo. Cabe, portanto, a organização de um rol de sucessivos procedimentos que deverão
acontecer ao longo da oficina, considerando o seu início, desenvolvimento e conclusão. O
passo a passo das atividades e estratégias de ação é considerado o mais significativo no
planejamento do projeto, pois esse direciona e encaminha todo o trabalho a ser desenvolvido.
De início é feita a apresentação do jogo e do material que o compõe para uma
exploração livre pelos alunos, a fim de que conheçam, experenciem, explorem e investiguem
o jogo a ser utilizado. Somente depois dessa exploração é que o professor irá usar o jogo em
uma situação dirigida.
Segue-se, então, a explanação das regras de modo a realizar a atividade com
tranqüilidade. Verifica-se nesse momento quem entendeu as regras ou não e as primeiras
relações elaboradas pelos alunos. Ao realizar a atividade uma segunda vez, é importante
retomar a conversa anterior, cuidando para esclarecer eventuais dúvidas e estabelecer os
combinados.
Depois do jogo, é possível solicitar um registro da atividade. Há uma grande variedade
de formas de registrar um jogo. É interessante que, inicialmente, os alunos façam registros
espontâneos, para, em seguida, serem socializados no grupo e, após análise, ser escolhida a
forma (ou as formas) mais clara(s) ou mais prática(s) de registrar. Os tipos de registros podem
ser através de uma roda de socialização na forma oral, através de desenho ou texto.
Nesse sentido, a comunicação não consiste apenas na transmissão de ideias e fatos
recorrentes do jogo, mas, principalmente, oferece novas formas de ver essas idéias, de pensar
e relacionar as descobertas de modo a construir novos significados. Assim, falar sobre seus
7374
registros permite aos alunos avançar em suas percepções e a aperfeiçoar as estratégias
cognitivas utilizadas no jogo.
Numa etapa seguinte, ao realizar a atividade pela terceira vez, recorrer inicialmente
aos registros do jogo feitos anteriormente pelos alunos, com a finalidade de relembrar a
proposta. Agora, sim, é possível o professor problematizar, propondo situações relacionadas
aos conceitos e procedimentos matemáticos envolvidos no jogo, pois os alunos já pensaram
sobre as relações existentes, o que lhes permite resolver situações-problema.
Considerações Finais
Enfim, um jogo não deve ser jogado apenas uma vez. Primeiro, joga-se para ver como
funciona e para resolver as dúvidas, sem a preocupação com registros. Depois, joga-se
observando os objetivos para o quais foi planejado e, finalmente, joga-se, também, para fazer
descobertas, fazer registros e sistematizar o conhecimento que foi construído.
Nesse sentido, o aluno vive situações favoráveis de aprendizagem, podendo agir,
discutir, decidir, realizar e avaliar seu processo e o professor observa seus alunos, suas
conquistas e dificuldades. Ao final de uma seqüência didática relacionada ao jogo, o professor
poderá avaliar as aprendizagens feitas e, a partir das informações coletadas dos registros dos
alunos, organizar as intervenções que serão necessárias.
REFERÊNCIAS
ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da didática da matemática. 1. ed. Curitiba: Editora
UFPR, 2007. v. 1. 218 p.
BORIN, Júlia. Jogos e resolução de problemas: uma estratégia para as aulas de matemática.
São Paulo: IME-USP, 4ª ed., 2002.
BRASIL. Ministério de Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para
educação infantil. Brasília, DF: MEC, 1998.
BRENELLI, Rosely Palermo. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções
lógicas e aritméticas. Campinas, SP: Papirus, 2003.
CARRAHER, Terezinha N.; CARRAHER, David W.; SCHLIEMANN, Analúcia. Na Vida
Dez, na Escola Zero. São Paulo: Cortez, 1988.
7375
D´AMORE, Bruno. Elementos de didática da matemática. Trad. BONOMI, Maria C. São
Paulo: Editora Livraria da Física, 2007.
GÀLVEZ, Grécia. A didática da matemática. In: PARRA, C.; SAIZ, I. (org). Didática da
matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
GRASSI, Tânia Mara. Oficinas psicopedagógicas. Curitiba: Ibpex, 2008.
MACEDO, Lino de; PETTY, Ana Lúcia Sícoli; PASSOS, Norimar Christe. Aprender com
jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
PAIS, Luiz Carlos. Ensinar e aprender matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2006.
REIS, Silvia Marina Guedes dos. A matemática no cotidiano infantil: jogos e atividades
com crianças de 3 a 6 anos para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.
Campinas, SP: Papirus, 2006.
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