a proletarização do magistério.

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A PROLETARIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO.
Hélio Clemente Fernandes1
De acordo com Demerval Saviani, a divisão de classes entre proprietários e não
proprietários surgiu historicamente com a instituição da propriedade privada. À partir deste
evento alguns homens passam a viver com o trabalho dos outros. Dá-se o início da exploração do
ser humano pelo homem.
Perante tal fato a escola foi construída visando atender os interesses da classe dominante.
Assim, nas escolas particulares feitas para a elite da sociedade tem-se o saber (os que são
preparados para pensar e mandar) e na grande escola pública aberta a toda população se tem a
preparação (os que são preparados para trabalhar, obedecer e servir o sistema capitalista
desprovidos do pensar)2.
A questão que se levanta é: será este discurso “ coisa do passado”? Existe atualidade
nesta reflexão ou hoje, as autoridades competentes estão empenhados em uma educação de
qualidade, gratuita capaz de favorecer todo e qualquer ser humano? Uma escola pensada assim
não estaria em contradição com o sistema capitalista3?
É natural que aqueles que detem a hegemonia econômica também queiram monopolizar a
cultura e uma de suas principais armas tem sido a negação do conflito, da luta de classes. Este
intento alcança seus resultados através de ideologias neoliberais:
“O neoliberalismo teve a capacidade de convencer aos excluídos de que eles são
responsáveis pela sua própria exclusão (que ela se deriva de uma fatalidade natural ou,
simplesmente, da má sorte. Discurso este, que legítima e ao mesmo tempo “explica” as
desigualdades sociais”4.
O neoliberalismo, pretende desintegrar a função política da escola conduzindo-a para a
esfera do econômico, pois o modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado: consumidor.
Para conseguirem obter êxito se constituiu objetivo central das adiministrações governamentais a
despolitização das escolas. Como consequência a escola deixa de lutar pelo: direito ao trabalho,
ao bem-estar-social, a participação política, à feliciade.
Desta forma o professor ideal para a ideologia neoliberal é aquele que avesso a qualquer
reflexão política limita-se a ir de sua casa para o colégio e vice-versa. Dado que, o professor
dentro do processo ensino aprendizagem ocupa papel privilegiado, é necessário proletarizá-lo ao
Acadêmico do curso de pedagogia e professor da rede estadual de educação.
SAVIANI, Demerval: Educação, Sociedade de classes e reforma universitária.
SAVIANI: “A escola pública, concebida como instituição de instrução popular destinada,
portanto, a garantir a todos o acesso ao saber, entra em contradição com a sociedade
capitalista”. P.20.
4 GENTIL, Pablo: Neoliberalismo e educação: subsídios para o debate.
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máximo, ou seja, fazer com que ele se torne um “ativista”, sem ter tempo para: estudar, ler, ou
pensar por si, a ponto de nem darem conta de que toda atividade de ensino que se propõe neutra
legítima a dominação, a exploração do homem pelo homem.
Conforme, Michael W. Apple, contribui para este fato, os currículos que são feitos de
cima para baixo, dentro de uma lógica de proletarização: “a integração de sistemas de
gerenciamento, de currículos reducionistas de base comportamental e procedimentos tecnicistas
estava levando a uma perda de controle e a uma separação entre concepções (os que pensam) e
execução (os que fazem)5. Ele procura explicar a proletarização do magistério tendo presente
duas dinâmicas: classe e gênero. Isto é, trata-se de uma classe que trabalha e que é
essencialmente feminina. As mulheres, em toda categoria ocupacional, estão mais sujeitas a
serem proletarizadas do que os homens. Isto pode ser devido a práticas sexistas onde o capital
tem historicamente tirado proveito das relações patriarcais. Assim, profissões feminilizadas
recebem menor remuneração por serem mal valoriazadas: “ a evidência da discriminação contra
as mulheres no mercado de trabalho é considerável e ler sobre isto constitui uma experiência
desgastante”6.
O Estado liberal servido do capital unido a professores universitários (na maioria
homens) elaboram um currículo para ser amplamente executado pelo sexo feminino. Contreras,
ressalta que o discurso da profissionalização tem servido apenas para legitimar reformas
petendidas pelo Estado, onde se centralizam as decisões e se fixam metas curriculares e, ao
mesmo tempo, se estimula a participação dos professores nas escolas desde, é claro, que nos
limites já definidos pelos mecanismos de controle7.
Desde cedo é preciso que o professor tenha clareza de que a escola pública é uma aparato
do Estado, com interesses próprios e bem definidos. A escola não deve ser um espaço ocupado
por pessoas ingenuas, pois estas no seu não comprometimento devido ao seu não saber
legitimam a sociedade injusta que temos. Ter consciência da condição de proletário é o primeiro
passo para que os professores conjuntamente possam se emancipar enquanto uma categoria
profissional digna de todo respeito.
Mas, cabe agora perguntar: quais são os interesses que levaram o Estado a instituir a
escola pública ao logo da história, visto que ela representa a contradição, na medida que ela é
APPLE, Michael W.: Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de
gênero em educação. Porto Alegre: Artes médicas. Pg.32.
6 Idem, pg. 33.”Este é um processo bastante complicado – inclui transformações não somente
na divisão do trabalho dentro do sistema capitalista, mas também no sistema
familiar/doméstico.
7 ASSUNÇÃO, Maria Madalena Silva de: Magistério Primário e cotidiano escolar. CampinasSP: Editora Autores associados. Pg. 135.
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uma importante ferramenta de transformação social? É claro, se for de qualidade.
Representando as aspirações dos artesãos e operários, Diderot(1713-1784) afirma: “ É
mais difícil explorar um camponês que sabe ler do que um analfabeto”. Porém, os intérpretes, da
alta burguesia e da nobreza letrada entre eles, Basedow defendem: “ Não há inconveniente em
separar as escolas grandes (populares) das pequenas (para os ricos e também para a classe
média), pois, as crianças plebéias necessitam de menos instrução do que as outras, e devem
dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais. E ainda mais, Filangieri (1752 – 1788), que
afirma:
“Assim o colono dever ser instruído para ser colono, e não magistrado. Ou seja, a
burguesia triunfante que busca o lucro acima de tudo, necessita que a grande massa, da
população tenha uma educação voltada para o trabalho, para a obediência, a serviço
da produção das riquezas”8.
Para deixar bem claro que tipo de educação deve ser dada a classe trabalhadora, nada
melhor que citar ainda Pestalozzi (1746-1827). Segundo ele a ordem social havia sido criada por
Deus, o filho do aldeão, deve ser aldeão, e o filho do comerciante, comerciante. Ou seja, uma
educação que leve as pessoas a se conformarem com o lugar, ou a posição social dada por Deus.
Desta maneira, Pestalozzi, nunca pretendeu outra coisa a não ser educar os pobres para que estes
aceitassem de bom grado a sua pobreza.
Sarmiento, faz considerações relevantes para entendermos o papel da escola ainda hoje:
“nao se pode manejar uma ferramenta sem saber ler”. Porém, a educação da classe trabalhadora
não pode torná-la independente. O grande número deverá “pensar, querer e atuar” por meio da
burguesia. Deste modo, com o pretexto das “luzes”, a exploração do operário, constitui a própria
base da existência da burguesia9.
Logo, constituiu-se num idealismo romântico querer que o Estado funde escolas e pague
os seus professores, mas sem exercer nunhuma tutela sobre eles, conforme deseja Condorcet.
Pois, o Estado liberal atrelado aos ideais hipócritas da burguesia nunca irá abrir mão do seu
direito de controlar o ensino, como também a sua obrigação de instruir e não de educar. Isto se
manifesta através de: mecanismos nacionais de avaliação dos sistemas educacionais, reformas
curriculares de cima para baixo, formação centralizada de professores e controle pedagógico.
Muitos são os teóricos que pensam a favor do sistema capitalista vigente, procurando
sempre métodos novos para manter a “classe trabalhadora de professores” presos a ideologias
que os impedem de serem livres na sua prática pedagógica. Empenhados em realizar tantas
tarefas, sem tempo para fazerem leituras de qualidade para exercitarem o senso crítico, tornam-se
PONCE, Anibal: Educação e luta de classe / trad. José Severo de Camargo Pereira. SP: ed.
Cortez, 2000. Pg.138.
9 Idem, pg. 150.
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ativistas retransmissores de um conjunto de idéias que agradam as elites dominantes.
Já não causa espanto ver que professores trabalhadores se deixem seduzir diante de
qualquer palestra, discurso ideológico. Ícones da educação falam de harmonia, alegria e sinfonia.
Aparecem como estrelas, fazem o show acontecer e saem de cena sem nenhum arranhão, pois,
não chegam a entrar em contato com a realidade. Nem há tempo para isso, visto que, a hora de
intelectuais de gabinete custa muito caro e a educação carece de investimentos. De qualquer
maneira, estes pseudo intelecuais ou intelectuais do capitalismo, aparecem e sem conhecimento
de causa, se dirigem para professores proletarizados como se estes não soubessem de nada,
muitas vezes se utilizando até de um palavreado vulgar, de piadas pré-conceituosas etc. E o que é
pior, com o total concentimento de uma platéia que no dia-à-dia sofre os efeitos da banalização
da educação.
Sem fazer juízo de valores, não se quer buscar os culpados ou inocentes, mas constatar
que isso tudo faz parte do sistema capitalista. Onde uma educação que vai mal, que não dá certo
é a que interassa hoje aos que tendo o domínio econômico perseguem o domínio cultural e
social.
A proletarização dos professores acaba impedindo-os de perceber que a escola repele uma
enorme parte da população infantil (não pelo fato de serem indivíduos incapazes
biologicamente/intelectualmente), mas por terem que cedo trabalhar, ajudar na manutenção do
lar. Isto sem falar na subalimentação que existe entre as crianças que frequentam a escola. A
burguesia se apressou a culpar os programas e os métodos escolares por este fato. Ela encarra a
questão do ponto de vista técnico: mediante quais inovações didáticas obeteríamos para o ensino
primário um rendimento máximo10?
Portanto, o professor deve ter consciência de pertencer a classe trabalhadora e passar a
edificar valores tendo em vista uma sociedadeigualitária. Que estes nao ignorem que a sua
ciência e a sua cultura não diminuem, mas se engrandecem quando escutam os apelos do
trabalhador. Ele deve construir um novo tipo de homem, que aspire destruir as classes sociais
para libertar a sociedade: que seja capaz de cortar madeira e discutir todo e qualquer problema
abstrato.
Assim, no discurso oficial o profissionalismo como meta a ser atingida (Estado liberal),
mas na realidade temos o sucateamento da escola pública, os baixos salários etc. E por trás do
discurso da profissionalização temos
o controle, a redução da autonomia pedagógica e a
proletarização: “ Ao contrário do que se preconiza, o trabalho docente tem sido submetido a
formas de controle e de proletarização que reduzem sua autonomia pedagógica.
10
Op. cit. pg. 157.
Simultaneamente, o trabalho de ensinar tem passado por profundas transformações, tais como o
processo de feminização, fortemente entrelaçados com os processos de profissionalização,
desprofissionalização e proletarização”11.
Porém,
o
processo
de
proletarização
necessariamente
não
impossibilita
a
profissionalização docente. Apesar do professor ganhar o mesmo salário que os pais de seus
alunos, morar no mesmo bairro popular ele é um proletário diferente, intelectualizado. O mito do
trabalho diferente, mas mal remunerado nos conduz ao estudo da vocação, da doação da missão
que corroboram para que o sonho prometido (valorização da educação) torne-se um sonho
negado. Falar em missão, vocação é trabalhar contra a profissionalização do magistério.
A feminização do magistério levou a emancipaão feminina, porém, colaborou para deixar
o sonho da profissionalização mais distante. Infelizmente, o rebaixamento salarial andou junto,
lado a lado com a feminização dos docentes.
As mulheres com sua dupla jornada acabam perdendo para os professores na titulação
profissional apesar de estarem em número muito maior. “ As mulheres enfrentam a dupla jornada
de trabalho com todo o encargo do trabalho doméstico, o que lhes dificulta, dentre outras coisas,
ter maior participação política (partidária, sindical ou em outros movimentos sociais) e
frequentar cursos que lhes permitam maior qualificação e progresso profissional “12.
É fundamental que o professor(a) tenha consciência de sua condição enquanto
pertencente a classe trabalhadora, pois, muito pior que não saber e não sabendo se enclausurar
num mundo pensando que sabe tudo e que não precisa mais estudar. É preciso que reconheça que
a escola é um espaço de luta tendo em vista a emancipação do ser humano. Para isso ele deve
abandonar posturas ingênuas: “Pedir ao Estado que deixe de interferir na educação é o mesmo
que pedir-lhe que proceda dessa forma em relação ao exército, à polícia e à justiça. A classe que
domina materialmente é também a que domina com sua moral, a sua educação e as suas idéias”13
. A conclusão óbvia é a de que todo discurso, todo teórico esta a serviço de intesses de classes
sociais bem definidos. Precisamos analisar quem faz o discurso e de onde o faz. Ou seja, quando
fala esta a serviço da elite dominante ou da classe trabalhadora.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
APPLE, Michael W.: Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de
gênero em educação. Porto Alegre: Artes médicas.
ASSUNÇÃO, Maria Madalena Silva de: Mãgistério primário e Cotidiano escolar. Campinas –
São Paulo, Ed. Autores associados.
Hypolito, Álvaro Moreira: Trabalho docente e profissionalização: sonho prometido ou sonho
negado? Campinas-SP. Papirus, 1999. Pg.86.
12 Idem, 89.
13 Op. cit. pg. 98.
11
HYPOLITO, Álvaro Moreira: Trabalho docente e profissionalização:sonho prometido ou sonho
negado? Campinas – São Paulo, Papirus, 1999.
PONCE, Anibal: Educação e luta de classe/ trad. José Severo de Camargo Pereira. 1963.
SAVIANI, Demerval: Educação, Sociedade de classes e reforma universitária, SP: Cortez, 2000.
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