O Processo de Gramaticalização dos Itens Lexicais ainda, logo e

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O PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO DOS ITENS LEXICAIS AINDA, LOGO E
SOTEROPOLITANO
José Luiz Soares da Rocha1
Welber Rocha Regis
Zoraide Magalhães Felício2
Resumo: Este estudo tem como principal objetivo observar como ocorre na Língua Portuguesa o
processo de mudança de algumas palavras tais como ainda, logo e então, tendo como base teórica o
funcionalismo e a gramaticalização. Baseando-se nestes estudos e em dados coletados, a análise se
efetiva em uma perspectiva diacrônica e sincrônica desses itens lexicais pesquisados evidenciando
seus diferentes usos na organização do discurso soteropolitano, através de uma demonstração da
trajetória de mudança destes itens desde sua estrutura latina até a atual e sua função semântica também
no latim e no português atual.
Palavras-chave: Funcionalismo; Gramaticalização; Ainda; Logo; Então.
INTRODUÇÃO
A partir da observação de diálogos dos falantes da Língua Portuguesa, nota-se que ela
não é estática e está sempre passando por transformações. Para tentar explicar como ocorrem
algumas destas transformações, será feita neste artigo uma análise diacrônica e sincrônica dos
itens lexicais ainda, então e logo, destacando suas trajetórias numa perspectiva semântica,
sintática e funcional desde suas formas latinas até o português atual.
Este trabalho tem como finalidade demonstrar o que são os operadores argumentativos
e como ocorrem seus processos de gramaticalização. Este estudo é de grande valia, pois fará
uma reflexão acerca do uso de alguns itens lexicais demonstrando sua importância no diálogo
dos falantes da Língua Portuguesa.
1
Graduandos do 3º semestre do Curso de Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia - Campus IX.
E-mail: [email protected] / [email protected]
2
Orientadora. Mestre em Linguagem pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB. E-mail:
[email protected]
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ROCHA, José Luiz Soares; REGIS, Welber Rocha. O PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO DOS ITENS LEXICAIS AINDA, LOGO E ENTÃO E
SEUS DIFERENTES USOS NA ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO SOTEROPOLITANO. REVISTA DISCENTIS. 1ª EDIÇÃO. DEZEMBRO 2012.
ENTÃO E SEUS DIFERENTES USOS NA ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
Para a realização desse estudo foi feita a leitura das entrevistas disponibilizadas,
realizadas na cidade de Salvador-Ba, e que compõem o corpus do Programa de Estudos sobre
o Português Falado de Salvador (PEPP); a escolha dos operadores argumentativos a serem
analisados; a leitura de teorias que abordam o tema em questão e a análise dos itens
pesquisados.
O primeiro passo foi a escolha das oito entrevistas a serem analisadas; depois, foi feita
a leitura das mesmas. Logo em seguida, escolheram-se os operadores argumentativos ainda,
falantes entrevistados através de uma comparação entre eles.
Este trabalho foi dividido em três partes: a primeira refere-se à elaboração do
referencial teórico; a segunda, à análise das entrevistas com base nas teorias descritas e, por
fim, a conclusão em que foi feito um apanhado geral do trabalho.
FUNCIONALISMO
O funcionalismo se preocupa em estudar a relação entre a estrutura gramatical das
línguas e os diferentes contextos comunicativos em que são usadas, considerando, portanto,
qual função e a possível mudança semântica que determinada palavra exerce no discurso do
falante e verificando as condições discursivas existentes em seu uso.
Cunha (2008, p.157) diz que
os funcionalistas concebem a linguagem como um instrumento de
interação social, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação
entre linguagem e sociedade. Seu interesse de investigação linguística
vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa –
que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo
– a motivação para os fatos da língua. A abordagem funcionalista
procura explicar as regularidades no uso interativo da língua,
analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso.
O funcionalismo procura estabelecer ralações semânticas com dados da fala ou escrita
retirada de contexto ou fragmentos reais de comunicação, pois a língua reflete uma adaptação
às diferentes situações comunicativas, ou seja, a mudança gramatical ou funcional de um
léxico ocorre devido ao seu uso, fazendo surgir, em muitas regiões, variações linguísticas ou
uso de uma determinada palavra exercendo uma função diferente do seu sentido original.
Como o funcionalismo valoriza o diálogo em situações reais de fala, a gramaticalização
também faz parte do funcionalismo, pois as novas funções de uma palavra vão surgindo a
partir da necessidade de novos contextos situacionais do discurso do falante de uma língua.
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então e logo, e a análise das diferentes funções exercidas por cada operador no diálogo dos
GRAMATICALIZAÇÃO
O sistema gramatical de uma determinada língua está sempre passando por
transformações em sua estrutura. A partir da necessidade do uso de novas palavras, os falantes
utilizam recursos para supri-las. Estes recursos podem ser a utilização de uma palavra já
existente, fazendo, assim, uma adaptação para exercer nova função dentro do discurso, ou
chamado de gramaticalização. Em nossa língua, é evidente que o processo mais utilizado é a
transferência semântica de uma palavra, sem que sua estrutura seja modificada. Para
Martellota (1996, p.6)
a gramática de uma língua natural nunca é estática e acabada: tomada
sincronicamente, a gramática de qualquer língua exibe,
simultaneamente, padrões regulares, rígidos, e padrões que não são
completamente fixos, mas fluidos. Por alguma razão, certos padrões
novos se estabilizam, o que resulta numa reformulação da gramática.
Nesse sentido, a gramática é um “sistema adaptativo”: enquanto
sistema é parcialmente autônoma, mas, ao mesmo tempo, é adaptativa
na medida em que responde a pressões externas ao sistema.
Observa-se que a nossa língua está sempre sofrendo pressões externas e internas e que,
no decorrer do surgimento de novos contextos, ela vai passando por processos de adaptação,
como ocorreu com os objetos de estudo em questão, os itens lexicais ainda, então e logo, que
serão analisados neste trabalho.
Quando um item lexical passa a assumir uma determinada função gramatical
específica no discurso, restringindo seu uso, este processo é chamado de gramaticalização,
que ocorre tanto na construção de um novo item lexical ou por transferência de sentido. Esses
itens podem sofrer mudanças estruturais, semânticas e funcionais. Isso demonstra que a
gramática de uma língua está sempre em construção, ou seja, está sempre emergindo em cada
situação de interação linguística. Para Martellota (1996, p.26):
a gramaticalização é uma manifestação do aspecto não-estático da
gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em
constante mudança em conseqüência de uma incessante busca de
novas expressões e que, portanto, nunca estão definitivamente
estruturadas.
Os itens que serão analisados fazem parte dos operadores argumentativos, pois são
utilizados para desempenhar diversas funções dentro do discurso, como, por exemplo, fazer
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criando uma nova palavra. Em ambos os casos, estes itens lexicais passarão por um processo
alusão a dados já mencionados, ligar partes do texto, dando uma orientação lógica ao leitor, e
chamar atenção do leitor para pontos do discurso considerados importantes.
A maioria dos casos de gramaticalização dos operadores argumentativos ocorre por
um processo de transferência semântica de espaço—tempo--texto, ou seja, a palavra é
utilizada em sua forma primária para designar algo concreto existente em nosso universo e,
com o processo de gramaticalização, passa a desempenhar valor temporal e depois discursivo,
para dar uma orientação lógica no discurso. A análise dos operadores evidenciará se o
MARTELLOTA 1996, p.109) afirmam que
no caso dos operadores argumentativos, o processo de
gramaticalização se dá por uma transferência do contexto situacional
externo para o contexto discursivo interno, que constitui a
manifestação da experiência intersubjetiva do conhecimento
compartilhado por falante e ouvinte.
Este processo de gramaticalização por transferência de sentido ocorre na maioria das
vezes por um processo chamado de metaforização, ou seja, uma mudança semântica por
motivação, em que há uma relação entre o novo sentido do operador e o exercido
anteriormente.
Considerando os estudos funcionalistas, observa-se, ainda, que, no processo de
gramaticalização dos itens lexicais, está presente também a arbitrariedade, pois alguns destes
itens que passaram por este processo desempenham, no português atual, funções semânticas
totalmente diferentes das que eram exercidas em sua forma original, como, por exemplo, a
palavra logo, que utilizamos hoje como operador argumentativo. Em sua forma latina, locu
era utilizada para designar espaço e tempo, ou seja, exercia função totalmente diferente da
utilizada atualmente em nossa língua.
ICONICIDADE
O princípio de iconicidade é definido como a correlação natural e motivada entre
forma e função, isto é, entre o código linguístico (expressão) e seu significado (conteúdo), ou
seja, categoria fundada na plasticidade, consiste na faculdade de um signo poder representar
“figurativa ou pictoricamente” o objeto tomado como referente. O funcionalismo defende o
princípio da iconicidade, que seria a existência de alguma relação entre expressão e conteúdo,
partindo da premissa de que a língua reflete, de alguma forma, a estrutura da experiência.
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processo de gramaticalização é o mesmo descrito acima. Heine et ali (1991, p. 182 apud
A iconicidade está presente na gramaticalização dos operadores argumentativos por
um processo chamado de metaforização, que consiste na transferência de sentido de uma
palavra de forma que existirá uma relação semântica entre elas.
Este aspecto pode ser observado no exemplo a seguir:
A) FOI ISTO AQUI QUE FEZ O CARRO CAPOTAR?
Observa-se que há uma relação entre as duas palavras, pois ambas são usadas para
estabelecer relações em que, na alternativa A, o termo isto faz referência a coisas do nosso
universo biossocial e, na alternativa B, o item lexical em destaque é utilizado para fazer
referência a dados por mencionar dentro do discurso.
Já quanto aos operadores ainda, logo e então, veremos, a seguir, em uma análise
diacrônica e sincrônica, quais são as suas funções no discurso dos falantes entrevistados.
ANÁLISE DIACRÔNICA DO ITEM AINDA, LOGO E ENTÃO
Com base em estudos feitos pelo linguista Martellota (1996), foi evidenciado que o
elemento ainda passou por uma transformação estrutural e semântica, pois, em sua forma
latina, possuía a seguinte estrutura: INDE/ENDE, que desempenhava valor semântico
espacial, como demonstra o exemplo a seguir, retirado de Magne (1944 III 183): “Vós me
meteste tam gram pesar no coraçom, que jamais mom sairá ende”.
Neste exemplo, o elemento ainda exerce valor semântico espacial através de uma
alusão a dados já referidos no texto.
No que concerne ao operador argumentativo logo, percebe-se que sua trajetória de
gramaticalização é semelhante ao do termo mencionado anteriormente, pois se evidencia que
houve uma transformação estrutural e semântica de espaço--- tempo---texto. Em sua forma
latina, possuía a seguinte estrutura: locu - que desempenha valor espacial.
Ainda com base em estudos feitos por Martellota (1996), nota-se que o elemento
então passou pelo mesmo processo de gramaticalização, pois sofreu mudanças estruturais em
sua forma e as transformações semânticas ocorreram pelo seguinte esquema: espaço---tempo--texto, ou seja, em sua forma primária, é utilizado para designar espaço; depois, tempo e,
finalmente, para organizar internamente o discurso.
Para dar continuidade à análise e demonstrar as transformações semânticas, estruturais
e os diferentes usos destes operadores argumentativos no português contemporâneo, serão
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B) EU DIGO ISTO: JOÃO NÃO VEIO.
utilizados, a partir de agora, dados coletados das entrevistas cedidas pelo Programa de
Estudos do Português popular falado de Salvador – PEPP.
ANÁLISE SINCRÔNICA DO ITEM LEXICAL AINDA
Na gramática tradicional, o item lexical ainda exerce a função de advérbio dentro do
discurso e desempenha valor semântico de tempo. Já nas entrevistas feitas, veremos quais as
Em algumas ocorrências nas entrevistas, observa-se que o operador argumentativo
“ainda” funciona como intensificador de advérbio.
Ex.:1:
DOC : Dá trabalho a ele?
04:
Não, agora não né, mas ele fala, “vai estudar rapaz, tem o vestibular aí”, mas na, na
infância meu, eu dei muito trabalho ao meu pai, pra estudar, ótimo, estou me
interessando mais ainda do que eu me interessava.
Neste caso, o falante utiliza o item em destaque para intensificar o advérbio mais.
Ex. 2:
DOC : E como o professor controlava a disciplina?
04:
Controlava normal, tinha microfone, ele sa, acho que todo que eu, eu tinha sabia dar
conta do recado, era uma sala imensa né, ainda é lá.
Neste exemplo, o elemento ainda exerce valor temporal, pois o entrevistado utiliza-o
para destacar que hoje a sala funciona no mesmo local de quando ele estudava.
Ex.: 3:
DOC: Aí ... Muito aberto ...
07
Muita falta de educação, muita falta de princípios, porque, eu hoje, até hoje eu aprendo
que as pessoas mais velhas a gente deve um certo respeito, eu trabalhei anos na
prefeitura, tem uma, uma, tem uma experiência também com uma senhora que foi
nossa chefe muitos anos na secretaria de ... de educação, dona Janira, uma pessoa que
a gente vê como mãe, uma pessoa excelente, mas nunca ninguém tomou liberdade
com ela, ela brincou com a gente, ela tentou com a gente, ele ofereceu a casa da ilha
pra gente passar um, um, um, um dia inteiro, todos tomaram banho de mar, todos
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funções semânticas exercidas por ele.
brincaram na casa dela, mas ninguém tomou deboche. Uma coisa é você tratar bem,
outra coisa é você passar dos seus limites, que tem que ter um pouco mais de
liberdade, porque não pode ser aquela coisa rígida de menino ter medo de professor,
isso também é uma coisa muito arcaica, mas também não tomar deboche como se
toma hoje, professor é como se fosse da... e professor também não se impor, professor
rapazinho, moderno e ainda pegando a menina pra namorar ... Aí cria esse desrespeito
No exemplo acima, o elemento ainda aparece como valor inclusivo, em que o
entrevistado inclui algo novo em sua fala.
Com base na análise das entrevistas, observa-se que o elemento ainda desempenha três
funções no discurso dos falantes entrevistados: intensificador de advérbio, inclusão e
temporalidade, ou seja, com a mesma estrutura, ele desempenha funções semânticas distintas.
ANÁLISE SINCRÔNICA DO ITEM LEXICAL LOGO
Este operador é prescrito pela gramática tradicional como advérbio temporal e
conjunção conclusiva. A partir dos dados coletados, é importante observar como este item é
utilizado:
Ex. 1:
DOC : Mas seu, sua mãe ficou sabendo disso?
04:
Ficou, porque não levo, briga eu não levo nada pra casa, eu quero resolver logo lá em
baixo, aí eu ia lá, fui lá na casa dele, aí pronto, mas já tem tempo isso.
Neste exemplo, o item logo desempenha valor temporal, pois o falante o utiliza para
dizer ao entrevistador que gosta de resolver a situação imediatamente.
Ex. 2:
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todo né, eu acho isso.
DOC : Que bom, e pra gente depois passar pra sua fase de adolescência, mas antes disso
ainda quero saber alguma coisa de sua infância que você não tem, tem algum episódio,
alguma coisa interessante pra contar pra gente durante a sua infância, quer dizer no
sentido da escola? Na escola tem alguma coisa interessante pra você contar?
09:
Na escola, da escola eu queria ter realmente ter continuado, quando eu era, quando eu
comecei logo que eu estava indo bem, eu até acho que eu estava indo bem, porque dois
anos pa, seguidos eu passei já fui da banca pro colégio na segunda série, da segunda pra
pro colégio, as vezes ia debaixo de chuva e a professora não ia, estava de greve esse
negócio, aí fiquei perdendo, perdi a vontade de ir pro colégio, aí, eu não sei, assim eu
não tenho muita coisa assim pra falar do colégio não, porque foi muito pouco tempo de
colégio.
Já nesta ocorrência, o item logo funciona com valor argumentativo temporal, pois o
falante utilizou do termo para destacar acontecimentos anteriores.
Ex. 3:
DOC : Bebida também?
05:
Bebe, tem um bar ali de junto, mas é logo aqui embaixo que tem esses homens
fumando, na, só ali nessa rua, aí quando acontece que eles vê que a polícia vem eles
correm.
Neste caso, o item destacado na fala do entrevistado desempenha valor espacial, pois
está sendo utilizado para fazer referência a um espaço físico.
No operador argumentativo logo, pode-se observar que ele ainda desempenha valor
espacial como exercia em sua forma latina, mas que houve, além de algumas adaptações
semânticas, como no caso de valor temporal e argumentativo, explicado no exemplo acima,
mudança em sua estrutura.
ANÁLISE SINCRÔNICA DO ITEM LEXICAL ENTÃO
Este item lexical exerce função na gramática tradicional de advérbio temporal e
interjeição. Vejamos como ele é usado nas situações comunicativas a seguir:
Ex.1:
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terceira, da terceira pra quarta, aí eu consegui, queria ter continuado se não fosse o, ir
DOC : Quantas redações em média vocês fazem assim lá no cursinho, pra treinar?
04:
Olhe, é uma aula por dia.
DOC : Hum.
04:
Ou por dia o que, por semana, então cada semana ela dá um tema e nós fazemos, aí
pronto, aí leva pra casa, faz e dá na, lá na recepção e pronto, (...inint...).
Neste caso, o item em destaque desempenha valor explicativo, pois o entrevistado
durante a semana.
Ex. 2:
DOC : Em que, como foi assim?
04:
Foi à professora de desenho, eh, um colega meu na sala deu um espirro, só que deu um
espirro cômico né, aí o pessoal começou a dar risada, dar risada, só que o pessoal parou
e eu continuei dando risada, aí a professora mandou eu sair, sair da sala, aí eu falei,
“porque professora? Só porque eu dei risada”, “porque você é o mais gaiato, ficou
dando risada até agora”, foi no primeiro ano, aí ela, “sai da sala”, eu falei, “não vou sair
da sala não porque eu não (...inint...) não vejo nada por causa disso, sair da sala por
causa disso, dei risada do, do aluno aqui”, “não você vai sair da sala”, aí foi, “você sai”,
“não saio, não saio”, aí chamou a supervisora, a supervisora não estava no dia, aí ela
voltou, “ou você ou eu saia”, “então a senhora sai, não estou nada demais”, aí
discutimos lá, eu acho né, não sei, a opinião é da, é da senhora, o que eu fiz injustiçado.
Nesta ocorrência, o então desempenha valor conclusivo, porque ele é utilizado pela
entrevistada para fechar, resolver e concluir a confusão que ocorreu entre ela e a professora.
Ex.3: DOC2: É, se não lembrar não tem problema não.
09:
Então prossiga.
Percebe-se que, neste caso, o item em destaque exerce função de continuidade, pois o
entrevistado utiliza este recurso linguístico para dar sequência ao discurso.
A partir da análise feita com o operador argumentativo então, observa-se que há três
ocorrências distintas no diálogo dos entrevistados: na primeira, ele desempenha valor
explicativo; na segunda, conclusão e na terceira, tem valor sequencial.
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utiliza-o para iniciar a explicação sobre a metodologia utilizada pelo professor em sala de aula
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises diacrônicas e sincrônicas dos itens lexicais ainda, logo e então foram
realizadas para tentar entender como ocorre o processo de gramaticalização dos operadores
argumentativos e quais as diferentes funções desempenhadas por eles no discurso. Portanto,
com este artigo, nota-se que a gramaticalização dos operadores analisados ocorre por uma
transferência semântica de espaço—tempo---texto e, numa perspectiva diacrônica, observa-se,
uma língua, e em específico da língua portuguesa, está sempre passando por um processo de
evolução, ou seja, na medida em que novos contextos discursivos vão surgindo, a gramática
vai sendo modificada para se adaptar a essas novas necessidades de seus falantes.
REFERÊNCIAS
MARTELLOTA, Mário Eduardo. ET AL. Gramaticalização no português do Brasil: uma
abordagem funcional. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
THOMPSON, S. & MULAC, A. 199. A Quantative Perspective on the Gramaticalization
of Espstemic Parentheticals In English. In: TRAUGOTT, E. C. & HEINE, B. v. II, p. 313329.
CUNHA, Angélica Furtado da. ET AL. Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
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ainda, que há uma mudança estrutural. A partir deste estudo, evidencia-se que a gramática de
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