Elementos de Euclides Livros VII e IX

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Elementos de Euclides
Livros VII e IX
Trabalho elaborado no âmbito da cadeira de
Fundamentos Históricos da Matemática
Inserida no Mestrado em Matemática
Helena Araújo
Marco Garapa
Rafael Luís
Funchal, Fevereiro 2005
.
1
Introdução
Os Elementos de Euclides formam um dos mais bonitos e influentes trabalhos da ciência na
história da Humanidade. A sua beleza acenta no desenvolvimento lógico da geometria e de
outros ramos da Matemática.
Os Elementos são, a seguir à Bíblia, um dos livros mais reproduzidos e estudados na história
do mundo ocidental. Foi praticamente o único livro de texto usado no ensino da Matemática
durante mais de dois milénios.
Os Elementos são uma compilação de resultados de autoria diversa, alguns já conhecidos
desde há muito tempo. Por este facto, não devemos considerar que Euclides foi o descobridor
da totalidade, nem sequer da maioria dos teoremas ou das teorias que apresenta nos seus
livros.
Os treze volumes que constituem a sua obra, foram ao longo dos tempos estudados por
muitos.
Na antiga Grécia, esta obra foi comentada por Herão (10-75), Proclo (410-485) e Simplício
(490-560).
Na Idade Média, foi traduzido em latim e árabe, e após a descoberta da imprensa, fizeram-se
numerosas edições na maioria das línguas europeias. A primeira foi de Campano (1220-1296),
em latim, publicada após a sua morte (1482) e que foi muitas vezes citada por Pedro Nunes
(1502-1578). Em Portugal, Angelo Brunelli em 1768, publicou uma tradução em português
dos seis primeiros livros, do décimo primeiro e do décimo segundo.
Vários temas são abordados ao longo dos treze volumes.
Os livros I-IV tratam de geometria plana elementar. Partindo das mais elementares
propriedades de rectas e ângulos que conduzem à congruência de triângulos, à igualdade de
áreas, ao teorema de Pitágoras (proposição 47, Livro I ) e ao seu recíproco (proposição 48,
Livro I ), à construção de um quadrado de área igual à de um rectângulo dado, à secção de
ouro, ao círculo e aos polígonos regulares.
Como a maioria dos treze livros, o livro I começa com uma lista de definições, sem qualquer
comentário como, por exemplo, as de ponto, recta, círculo, triângulo, ângulo, paralelismo e
perpendicularidade de rectas tais como:
"um ponto é o que não tem parte",
"uma recta é um comprimento sem largura"
"uma superfície é o que tem apenas comprimento e largura".
A seguir às definições, aparecem os postulados e os axiomas por esta ordem:
1. Dados dois pontos, há um segmento de recta que os une;
2. Um segmento de recta pode ser prolongado indefinidamente para construir uma recta;
2
3. Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer pode-se construir um círculo de centro
naquele ponto e com raio igual à distância dada;
4. Todos os ângulos rectos são iguais;
5. Se uma linha recta cortar duas outras rectas de modo que a soma dos dois ângulos
internos de um mesmo lado seja menor do que dois rectos, então essas duas rectas, quando
suficientemente prolongadas, cruzam-se do mesmo lado em que estão esses dois ângulos
(É este o célebre 5o Postulado de Euclides).
Axioma 1
Coisas que são iguais à mesma coisa também são iguais entre si.
Axioma 2
Se iguais forem somados a iguais, então os todos são iguais.
Axioma 3
Se iguais forem subtraídos a iguais então os restos são iguais.
Axioma 4
Coisas que coincidem umas com outras são iguais entre si.
Axioma 5
O todo é maior que a parte.
Assim, três conceitos fundamentais - o de ponto, o de recta e o de círculo - os cinco postulados
e axiomas, a eles referentes, servem de base para toda a geometria euclidiana.
O livro V apresenta a teoria das proporções de Eudoxo (408 - 355 a. C.) na sua forma
puramente geométrica.
O livro VI, aplica a teoria das proporções, à semelhança de figuras planas. Aqui voltamos
ao teorema de Pitágoras e à secção de ouro (proposições 31 e 30, Livro VI), mas agora como
teoremas respeitantes a razões de grandezas. É de particular interesse o teorema (proposição
27, Livro VI) que contém o primeiro problema de maximização que chegou até nós, com a
prova de que o quadrado é, de todos os rectângulos de um dado perímetro, o que tem área
máxima.
Os livros VII-IX, são dedicados a conceitos sobre teoria dos números tais como a divisibilidade de inteiros, a adição de séries geométricas e algumas propriedades dos números primos.
Encontramos também, o "algoritmo de Euclides", para determinar o máximo divisor comum
entre dois números (proposição 2, Livro VII), o mais antigo registo, de uma prova formal,
por recorrência, (proposição 31, Livro VII), e ainda o "Teorema de Euclides", segundo o
qual existe uma infinidade de números primos (proposição 20, Livro IX).
O livro X, o mais extenso de todos e muitas vezes considerado o mais difícil, contém a
classificação geométrica de irracionais quadráticos e as suas raízes quadráticas. Neste livro
3
surge a prova da irracionalidade de
√
2.
Os livros XI-XIII, são conhecidos pelo nome de livros estereométricos, por neles serem
consideradas figuras da geometria tridimensional. O livro XI é dedicado ao paralelismo e à
perpendicularidade de rectas e planos, e ao estudo de ângulos sólidos e de prismas. No livro
XII, Euclides estabelece razões entre áreas de figuras planas e entre volumes de sólidos, por
um método que mais tarde passou a ser desigando por método de exaustão. Finalmente, o
livro XIII, trata do estudo dos cinco poliedros regulares, actualmente conhecidos por sólidos
platónicos.
Neste trabalho, faremos uma tradução comentada das definições e dos enunciados das proposições,
dos livros VII e IX, de acordo com o descrito por D. E. Joyce., no site:
http://aleph0.clarku.edu/~djoyce/java/elements/elements.html.
Pretendemos compreender a forma de pensar utilizada pelos matemáticos da época e usando
uma notação mais moderna tentaremos ultrapassar a fronteira do tempo e da liguagem,
dando-lhe uma abordagem mais actual, contribuindo desta forma para facilitar a divulgação
dos conhecimentos apresentados por Euclides.
4
Elementos de Euclides
Livro VII
Definição 1 Uma unidade é aquela que em virtude da qual, cada coisa que existe é chamada
um.
Definição 2 Um número é uma multitude composta por unidades.
Guia: As 22 definições deste livro são as definições sobre teoria dos números para os livros
VII, VIII e IX.
A definição 1, pretende definir a unidade como sendo o 1. Os números referidos na definição
2 são considerados números positivos maiores que 1, onde multitude representa uma "multidão" de unidades.
Euclides trata a unidade, 1, à parte dos números 2, 3, 4, ..., o que por vezes, torna as suas
demonstrações um pouco estranhas.
Ao longo dos três livros sobre teoria dos números, Euclides apresenta os números como
linhas. No diagrama anterior, se A é a unidade então BE representa o número 3.
Mas o facto de Euclides desenhar linhas para representar os números, não significa que estes
o sejam e Euclides nunca os chama linhas.
Não é clara qual a suposta natureza destes números, mas tal é irrelevante, uma vez que,
Euclides poderia representar/ilustrar a unidade por uma linha ou por outra coisa qualquer,
em que os números 2, 3, ... seriam representados como múltiplos dessa unidade.
Definição 3 Um número é uma parte de um número, o menor do maior, quando mede o
maior.
Definição 4 Mas partes quando não o mede.
Definição 5 O maior é um múltiplo do menor quando é medido pelo menor.
Guia: Actualmente em vez de dizermos que a mede b dizemos que a divide b e representamos
por a | b.
Estas definições contituem uma preparação para a definição de números proporçionais (definição
20, livro VII).
5
Nestas definições são classificadas as relações possíveis entre um par de números, m e n Mais
tarde o termo razão será utilizado para esta relação.
Para ilustrar a definição 3, tome 2, que é uma parte de 6, nomeadamente
1
3
de 6.
Se u é a unidade então 2 é representado por AB, enquanto 6 é representado por CF . Como
AB mede CF três vezes (CD, DE e EF ) então 2 é uma parte de 6, nomeadamente, uma
terça parte, uma vez que mede 6, três vezes.
Podemos usar a mesma figura para ilustrar a definição 5. Verificamos que 6 é um múltiplo
de 2 (6=3×2).
A definição 4 é menos evidente. Por exemplo considere os números 4 e 6. O 4 não mede o
número 6, mas 4 é partes de 6.
4 e 6 são representados por AC e DG respectivamente. É evidente que AC não mede DG.
Dizer que "4 é partes de 6" não é suficiente, uma vez que, é útil saber quantas partes 4 é
de 6. Esta informação será necessária para definir proporção do tipo 46 = 69 . Assim, 4 é as
mesmas partes de 6 que 6 é de 9, nomeadamente, dois terços.
Onde Euclides diz que m é parte de n, actualmente diz-se que, m é divisor próprio de n, isto
significa que, existe um certo k, diferente de 1, tal que n = k × m.
Nota: Um divisor próprio de n é qualquer divisor de n, excepto ele próprio.
Exemplo: Os divisores próprios de 12 são 1, 2, 3, 4 e 6.
Definição 6 Um número par é um número que é divisível em duas partes iguais.
Definição 7 Um número ímpar é um número que não é divisível em duas partes iguais, ou,
é um número que difere uma unidade de um número par.
Definição 8 Um número par vezes par, é um número que é medido por um número par de
acordo com um número par.
Definição 9 Um número par vezes ímpar, é um número que é medido por um par de acordo
com um número ímpar.
Definição 10 Um número ímpar vezes ímpar, é o número que é medido por um número
ímpar de acordo com um número ímpar.
6
Guia:A definição 6 é evidente, uma vez que n é par se for da forma m + m. A definição
7 é constituída por duas afirmações. A primeira pode ser considerada como a definição de
número ímpar, um número que não é divisível em duas partes iguais, ou seja, é o mesmo que
dizer que não é um número par. A outra afirmação não é uma definição para número ímpar,
mas sim uma asserção não provada.
As definições 8, 9 e 10 são também evidentes. O produto entre dois números pares é igual
a um número par vezes par. O produto entre um número par e um número ímpar é igual a
um par vezes ímpar.
Note-se que 12 é ao mesmo tempo um par vezes par e um par vezes ímpar (2×6 ou 4×3).
Oa únicos números que são pares vezes pares mas não pares vezes ímpares são as potências
de base 2: 4, 8 ,16, 32, ... .
Definição 11 Um número primo é aquele que é medido apenas pela unidade.
Definição 12 Números primos entre si, são aqueles que têm apenas como medida comum
a unidade..
Definição 13 Um número composto é aquele que é medido por algum número.
Definição 14 Números compostos entre si, são aqueles que são medidos por algum número
como uma medida comum.
Guia: Os números primos são uma classe de números muito importantes, e grande parte da
teoria dos números ocupa-se da sua análise. O único divisor próprio de um número primo
é o 1. Os primeiros números primos são o 2, 3, 5, 7, 11. Os números que não são primos
são compostos, por exemplo 4, 6, 8, 9, 10. O número 1 mantém uma posição especial, era
considerado por Euclides a unidade em vez de ser um número.
Dois números são primos entre si, se o 1 for o seu único divisor comum. Por exemplo, 6 e 35
são primos entre si (embora nenhum deles seja primo). Se os números não são primos entre
si, são compostos entre si.
Definição 15 É dito que um número multiplica um número, quando aquele que é multiplicado, é somado a si próprio, tantas vezes quantas unidades houver no outro.
Definição 16 E, quando dois números multiplicados entre si, originam um número, o número
assim obtido, chama-se plano e os seus lados são os números que se multiplicam entre si.
Definição 17 E, quando três números multiplicados entre si, originam um número, o número
assim obtido, chama-se sólido e os seus lados são os números que se multiplicam entre si.
7
Definição 18 Um número quadrado é um número multiplicado por si próprio ou número
que é obtido por dois números iguais.
Definição 19 Um número cúbico é um número multiplicado por si próprio e multiplicado
novamente por si próprio ou um número que é obtido por três números iguais.
Guia: Note-se que Euclides não define a adição nem a subtracção, mas define a multiplicação
e a proporção.
A definição 15 define a multiplicação como uma adição que é considerada como um certo
tipo de composição. Por exemplo, se 3 é multiplicado por 6, e como 6 é 1+1+1+1+1+1,
logo, 3 multiplicado por 6 é 3+3+3+3+3+3. A primeira proposição sobre a multiplicação é a
proposição 16 que diz que a multiplicação é comutativa. Por exemplo, dirá que 3 multiplicado
por 6 é igual a 6 multiplicado por 3 que é 6+6+6.
Na definição 16, Euclides define um número plano, como sendo o produto de dois números.
Ora, como Euclides não considerava o 1 um número, então os números primos não são
números planos, uma vez que um número primo é o produto de 1 por ele próprio. Os
números planos são os números compostos. Cada número composto pode ser um número
plano de pelo menos um modo. Por exemplo, 16 pode ser considerado um número plano,
quer sendo 2 e 8 os seus lados ou 4 e 4, ou seja, como um número quadrado.
Os números planos podem ser representados por configurações rectangulares de pontos. Alternativamente, estes números rectangulares podem ser representados por quadrados.
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ou
Talvez para os Pitagóricos, as figuras mais importantes fossem os números triangulares: 3,
6, 10, 15, 21, etc. Cada um podia ser formado a partir do anterior somando uma nova linha
com mais uma unidade de comprimento. Por exemplo 10=1+2+3+4.
.
. .
. . .
. . . .
Por alguma razão, Euclides não mencio os números triangulares. Não faz referência às
somas de progressões aritméticas. No entanto, apresenta a soma da progressão geométrica
(proposição 35 do livro IX).
8
A definição 17 define os números sólidos. Por exemplo, se 18 é 3×3 × 2, então 18 é um
número sólido com 3 lados, 3, 3 e 2. Os números sólidos podem ser representados como
pontos ou cubos a três dimensões.
Os números quadrados são descritos como sendo números planos com uma certa simetria.
Os números cúbicos são números sólidos também com uma certa simetria.
Lguns números, tais como 64, podem ser simultâneamente números quadrados (8×8) e
números cúbicos (4×4×4).
Definição 20 Números são proporcionais quando o primeiro é o mesmo múltiplo, ou a
mesma parte, ou as mesmas partes, de um segundo número, que o terceiro é do quarto.
Guia: Quando 4 números j, k, m e n forem proporcionais escrevemos simbolicamente j :
k = m : n. No 1o caso, j é o mesmo múltiplo de k, como m é de n. Um exemplo disto é a
proporção 12:6=22:11, onde 12 é o dobro de 6 e 22 é o dobro de 11. O 2o caso é o inverso
do 1o , j é a mesma parte de k, como m é de n. Por exemplo, na proporção 6:12=11:22,
onde 6 é metade de 12 e 11 é metade de 22. Para o 3o caso, se considerarmos por exemplo
12:16=21:28, uma vez que, 12 é as mesmas partes de 16, nomeadamente 34 , que 21 de 28,
então a proporção é verificada.
Definição 21 Números planos e números sólidos semelhantes, são números cujos lados são
proporcionais.
Guia: Os números 18 e 8 são números planos semelhantes quando 18 é o número cujos
¡ lados
¢
são 6 e 3 e 8 é o números cujos lados são 4 e 2, então os lados são proporcionais 63 = 42 .
No caso dos números sólidos semelhantes, consideremos por exemplo os números 240 e 810,
sendo 240 representado pelos lados 4, 6 e 10 e 810 pelos lados 6, 9 e 15. Verificamos que
4 6
= = 10
.
6 9
15
Definição 22 Um número perfeito é aquele que é igual à soma das suas partes.
Guia: O número 28 é perfeito, uma vez que, as suas partes, ou seja, os seus divisores próprios
são 1, 2, 4, 7 e 14 e a soma destes é igual a 28. Os quatro primeiros números perfeitos 6, 28,
496 e 8128 já eram conhecidos pelos matemáticos gregos.
9
Elementos de Euclides
Livro VII
Proposição 1 Dados dois números diferentes, se o menor é continuamente subtraído ao
maior e se o número que sobra nunca mede o anterior, até sobrar uma unidade, então os
números originais são primos entre si.
Guia: Nesta proposição, Euclides usa um algoritmo (actualmente conhecido como algoritmo
de Euclides) para verificar se dois números diferentes são primos entre si.
Proposição 2 Encontar a maior medida comum entre dois números que não sejam primos
entre si.
Corolário Se um número mede dois números, então também mede a maior medida comum
entre eles.
Guia: Nesta proposição, Euclides utiliza novamente o seu algoritmo, desta vez para encontrar o máximo divisor comum entre dois números que não são primos entre si.
Em notação moderna, para representar máximo divisor comum entre os números a e b,
usamos mdc (a, b) .
10
Proposição 3 Encontrar a maior medida comum de três números que não sejam primos
entre.
Guia: Nesta proposição, Euclides descreve o processo para determinar o mdc (a, b, c), onde
a, b e c não são primos entre si. Este consiste em encontrar em primeiro lugar o mdc (a, b) e
seguidamente o mdc (mdc (a, b) , c).
Proposição 4 Qualquer número, ou é parte ou partes de qualquer número, o menor do
maior.
Guia: Esta proposição refere que se b é menor que a, então b ou é uma parte de a, ou
seja, b é uma fracção unitária de a, ou b é partes de a. Por exemplo, 2 é uma parte de 6,
nomeadamente uma terça parte. Por outro lado, 4 é partes de 6, nomeadamente dois terços
de 6 ("duas terças partes").
1
Nota: Uma fracção unitária é do tipo , n ∈ IN.
n
Proposição 5 Se um número é uma parte de um número, e outro número é a mesma parte
de outro, então a soma é também a mesma parte da soma de um com o outro.
11
Guia: Esta é a primeira de quatro proposições que utiliza a distributiva da divisão e multiplicação em relação à adição e subtracção. Podemos traduzir esta proposição algebricamente
da seguinte forma:
b
e
(b + e)
b e
(b + e)
se a = e d = , então a + d =
, ou seja, + =
(propriedade distributiva
n
n
n
n n
n
da divisão em relação à adição).
Proposição 6 Se um número é partes de um número, e outro número é as mesmas partes
de outro, então a soma é também as mesmas partes da soma de um com o outro.
Guia: Esta proposição diz-nos que a multiplicação por fracções é distributiva em relação à
m
m
m
m
m
adição. Algebricamente, se a = b e d = e então a + d = (b + e) , ou seja, b + e =
n
n
n
n
n
m
(b + e) .
n
Proposição 7 Se um número é a mesma parte de um número que um número subtraído é
de um número subtraído, então o resto é também a mesma parte do resto que o total é do
total.
Guia: Esta proposição é idêntica à proposição 5, sendo neste caso para a subtracção em
b
e
(b − e)
b
e
(b − e)
vez da adição, ou seja, se a = e d = , então a − d =
, ou seja, − =
n
n
n
n n
n
(propriedade distributiva da divisão em relação à subtracção).
12
Proposição 8 Se um número é as mesmas partes de um número que um número subtraído
é de um número subtraído, então o resto é também as mesmas partes do resto que o total é
do total.
Guia: Esta proposição é, em traços gerais, semelhante à proposição 6. Neste caso, diz-nos
que a multiplicação por fracções é distributiva em relação à subtracção. Algebricamente, se
m
m
m
m
m
m
a = b e d = e então a − d = (b − e) , ou seja, b − e = (b − e) .
n
n
n
n
n
n
Proposição 9 Se um número é parte de um número, e outro número é a mesma parte de
outro, então alternadamente, qualquer parte ou partes que o primeiro é do terceiro, a mesma
parte, ou as mesmas partes, o segundo é do quarto.
b
e
m
Guia: Nesta proposição, Euclides mostra que, se a =
e d = , e se a = d, então
n
n
n
m
b = e.
n
Proposição 10 Se um número é partes de um número, e outro é as mesmas partes de outro,
então alternadamente, qualquer que sejam a parte ou partes que o primeiro é do terceiro, o
segundo é a mesma parte ou as mesmas partes do quarto.
13
Guia: Esta proposição diz-nos que, se a =
m
m
p
p
b e d = e, e se a = d então b = e.
n
n
q
q
Proposição 11 Se um todo está para um todo como um número subtraído está para um
número subtraído, então o resto está para o resto como o todo está para o todo.
Guia: Esta proposição pode ser escrita algebricamente do seguinte modo: se
a−e
a
= .
c−f
c
a
e
= , então
c
f
Proposição 12 Se qualquer número de números são proporcionais, então um dos antecedentes
está para um dos consequentes, como a soma dos antecedentes está para a soma dos consequentes.
x1
x2
xn
x1 + x2 + ... + xn
x1
x2
Guia: Algebricamente, se
=
= ... =
, então
=
=
= ... =
y1
y2
yn
y1 + y2 + ... + yn
y1
y2
xn
.
yn
Proposição 13 Se quatro números são proporcionais então são também proporcionais alternadamente.
14
Guia: Esta proposição mostra que, se
c
a
b
a
= , então = .
b
d
c
d
Proposição 14 Se existe um qualquer número de números, e outros iguais a eles em quantidade, de modo que tomando dois a dois têm a mesma razão então também por igualdade
terão a mesma razão.
Guia: Algebricamente, se
x1
y1 x2
y2
xn−1
yn−1
x1
y1
= ,
= , ...,
=
, então
= .
x2
y2 x3
y3
xn
yn
xn
yn
Proposição 15 Se a unidade mede qualquer número, e outro número mede qualquer outro
número o mesmo número de vezes, então alternadamente, a unidade mede o terceiro o mesmo
número de vezes que o segundo mede o quarto.
Guia: Esta proposição refere-se de forma pouco clara à propriedade comutativa da multiplicação, diz-nos que se e = bd e se a unidade mede b o mesmo número de vezes que d mede
e, então e = db, ou seja, bd = db.
De outro modo, se u mede b, b vezes, e d mede bd = e, b vezes ( db = e), então u mede d, d
vezes e b mede e, d vezes (bd = e).
Proposição 16 Se dois números multiplicados um pelo outro, originam certos números,
então os números assim formados são iguais.
15
Guia: Esta proposição refere-se à propriedade comutativa da multiplicação, mas de uma
forma mais clara que a proposição anterior.
Proposição 17 Se um número multiplicado por dois números origina certos números, então
os números assim originados têm a mesma razão que os números multiplicados.
Guia: Algebricamente, se ab = d e ac = e, então
b
ab
b
d
= , isto é,
=
e
c
ac
c
Proposição 18 Se dois números multiplicados por qualquer número, originam certos números,
então os números assim originados têm a mesma razão que os multiplicados.
Guia: Algebricamente, se ba = d e ca = e, então
b
ba
b
d
= , isto é,
=
e
c
ca c
Proposição 19 Se quatro números são proporcionais, então o número originado pelo primeiro
e o quarto é igual ao número originado pelo segundo e o terceiro; e, se o número originado
pelo primeiro e o quarto é igual ao número originado pelo segundo e o terceiro, então os
quatro números são proporcionais.
16
Guia: Algebricamente,
a
c
= se e só se ad = bc.
b
d
Proposição 20 Os menores números entre aqueles que têm a mesma razão que eles, medem
aqueles que têm a mesma razão o mesmo número de vezes, o maior o maior e o menor o
menor.
Guia: Esta proposição afirma que, dada uma razão ab , se dc é a mesma razão e é menor
entre todas as que têm a mesma razão, então c divide a e d divide b, além disso, c divide a
91
7
7
o mesmo números de vezes que d divide b. Por exemplo, a razão 132
= 11
, onde 11
é a menor
91
razão entre todas as que têm a mesma razão, que é o mesmo que dizer, que 132 reduz-se a
7
que é uma fracção irredutível. Temos então que, 7 divide 91 o mesmo número de vezes
11
que 11 divide 132, nomeadamente, 13 vezes.
Proposição 21 Números primos entre si são os menores entre aqueles que têm a mesma
razão que eles.
17
Proposição 22 Os números menores entre aqueles que têm a mesma razão que eles são
números primos entre si.
a
Guia: As proposições 21 e 22 afirmam em conjunto o seguinte: é irredutível se e só se a
b
e b são primos entre si.
Proposição 23 Se dois números são primos entre si, então qualquer número que mede um
deles e o número que resta são primos entre si.
Guia: Esta proposição afirma que, se a e b são primos entre si, então para qualquer n que
mede a (ou b), temos que, n e b (ou a) são primos entre si.
Proposição 24 Se dois números e um outro número são primos entre si, então o produto
dos dois primeiros números e o outro são primos entre si.
Guia: Sejam a, b e c tal que a e c são primos entre si, e, b e c também são primos entre si.
Então, esta proposição diz-nos que, ab e c são primos entre si.
18
Proposição 25 Se dois números são primos entre si, então o produto de um deles consigo
próprio e o número que resta, são primos entre si.
Guia: Esta proposição é um caso particular da proposição anterior. Sejam a e b primos
entre si, então a2 e b (ou b2 e a) são primos entre si.
Proposição 26 Se dois números e outros dois números são primos entre si, o primeiro e o
segundo com cada um dos outros dois, então os seus produtos são também números primos
entre si.
Guia: Sejam a, b, c e d, tal que, a e c, a e d, b e c, b e d são primos entre si, então ab e cd
são primos entre si.
Proposição 27 Se dois números são primos entre si, e cada um multiplicado por si próprio
originam um certo número, então os produtos são primos entre si; e, se os números originais
multiplicados pelos produtos originam certos números, então os últimos são também primos
entre si.
19
Guia: Sejam a e b primos entre si, então a2 e b2 são primos entre si; e, a3 e b3 são também
primos entre si.
Proposição 28 Se dois números são primos entre si, então a sua soma e cada um deles
também são primos entre si; e, se a soma de dois números e qualquer um deles são primos
entre si, então os números originais são também primos entre si.
Guia: Se a e b são primos entre si, se e só se a + b e a, a + b e b são primos entre si.
Proposição 29 Qualquer número primo e outro qualquer que não seja medido pelo primeiro
são números primos entre si.
Guia: Se um número primo não divide um outro número, então eles são primos entre si.
Por exemplo, 11 não divide 15, logo 11 e 15 são primos entre si.
Proposição 30 Se dois números, multiplicados entre si originam algum número, e qualquer
número primo mede o produto, então também mede um dos números iniciais.
Guia: Seja d um primo, se d divide ab, então d divide a ou b.
20
Proposição 31 Qualquer número composto é medido por algum número primo.
Proposição 32 Qualquer número, ou é primo ou é medido por algum número primo.
Proposição 33 Dados tantos números quantos quisermos, encontrar os menores entre aqueles que têm a mesma razão que eles.
Guia: Dados n1 , n2 , ..., nk , tal que n1 : n2 : ... : nk ,esta proposição dá-nos um método para
encontrar os menores números m1 , m2 , ..., mk , tal que n1 : n2 : ... : nk = m1 : m2 : ... : mk .
Proposição 34 Encontrar o menor número que dois números dados medem.
Guia: Esta proposição apresenta um método para determinar o mínimo múltiplo comum
entre dois números a e b, que é o mesmo que encontrar o menor número que ambos dividem.
Na notação actual, representamos o mínimo múltiplo comum entre a e b, por mmc (a, b) .
21
Proposição 35 Se dois números medem qualquer outro número, então o menor número
medido por eles também mede o mesmo número.
Guia:Esta proposição diz-nos que dados a, b e c, tal que, a divide c e b divide c e se m é o
menor número que a e b dividem, então m divide c. Por exemplo:
2 | 20 e 5 | 20 e como 2 | 10 e 5 | 10 então 10 | 20
De outro, o mínimo múltiplo comum de dois números divide qualquer outro multiplo comum.
Proposição 36 Encontrar o menor número que três números dados medem.
Guia: Esta proposição diz-nos que, para encontrar o mmc (a, b, c) é o mesmo que encontrar
o valor de mmc (mmc (a, b) , c) .
22
Proposição 37 Se um número é medido por qualquer número, então o número que é medido
tem uma parte com o mesmo nome que o número que o mede.
Guia: Esta proposição diz-nos que, se n divide a, então a tem uma n − ésima parte,
a
nomeadamente, . Por exemplo, 3 divide 12, então 12 tem uma terça parte.
n
Proposição 38 Se um número tem uma parte qualquer, então ele é medido por um número
com o mesmo nome que a parte.
Guia: Esta proposição é a recíproca da anterior e afirma que se a tem uma n − ésima parte,
então n divide a. Por exemplo, 12 tem uma terça parte, então 3 divide 12.
Proposição 39 Encontrar o número que seja o menor que tenha umas partes dadas.
Guia: Vamos ilustrar esta proposição com um exemplo. Suponhamos que queremos encontrar o menor número que tenha umas partes dadas, por exemplo, uma quarta parte e uma
sexta parte. Então tomemos o mmc (4, 6) = 12. 12 tem uma quarta parte (3) e uma sexta
parte (2).
23
Elementos de Euclides
Livro IX
Proposição 1 Se dois números planos semelhantes, multiplicados entre si, dão origem a
um número, então o produto é quadrado.
Guia: Para ilustrar esta proposição consideremos o exemplo seguinte. Sejam dois números
planos semelhantes a = 18 = 6×3 e b = 8 = 4×2. De acordo com a proposição 18, livro VIII
existe uma média proporcional entre eles, nomeadamente 12 (18/12 = 12/8). O quadrado
da média proporcional é o produto de a com b, a × b = 144.
Proposição 2 Se dois números multiplicados um pelo outro originam um número quadrado,
então eles são números planos semelhantes.
Guia: Esta proposição é a recíproca da anterior.
Vejamos um exemplo que ilustra esta proposição. Vamos considerar um número quadrado
qualquer, tal como 202 = 400. Podemos factorizá-lo como um produto de dois números a e b
de várias maneiras. Uma factorização possível é: a×b = 50×8. Estes dois números têm uma
média proporcional entre eles, nomeadamente, 20 (50/20 = 20/8), então pela proposição 20,
4
10
livro VIII, eles são números planos semelhantes (8 = 4 × 2 e 50 = 10 × 5 e = ).
2
5
24
Proposição 3 Se um número cúbico multiplicado por ele próprio origina algum número,
então o produto é um número cúbico.
Guia: Na álgebra moderna esta proposição pode ser traduzida por: (c3 )2 = (c2 )3 .
Proposição 4 Se um número cúbico multiplicado por um número cúbico origina algum
número, então o produto é um número cúbico.
Guia: Se a e b são números cúbicos, então ab também é um número cúbico (se a = p3 e
b = q 3 , então ab = p3 q 3 = (pq)3 ).
Proposição 5 Se um número cúbico multiplicado por algum número origina um número
cúbico, então o número multiplicado também é cúbico.
25
Guia: Se a3 b é um número cúbico, então b também é um número cúbico.
Proposição 6 Se um número multiplicado por ele próprio dá origem a um número cúbico,
então ele é também um número cúbico.
Guia: Se m2 é um número cúbico, então m também é um número cúbico (seja m2 um
número cúbico, então existe um natural p tal que
m2 = p3 , como m3 = m2 × m, logo,
µ
¶
3
m3
m
m3
pelo que, m é um número cúbico).
m = 2 , e consequentemente, m = 3 ⇔ m =
m
p
p
Proposição 7 Se um número composto multiplicado por um número dá origem a algum
número, então o produto é um número sólido.
Guia: Se m = pq e s = mr, então s é um número sólido (s = pqr).
26
Proposição 8 Se tantos números quantos se queira a partir da unidade estão numa proporção continuada, o terceiro a partir da unidade será quadrado, da mesma forma que todos
aqueles que sucessivamente deixem de fora um, e o quarto será cúbico, da mesma forma que
todos os que deixem de fora 2, e o sétimo será ao mesmo tempo cubo e quadrado, da mesma
forma que todos os que deixem de fora cinco.
Guia: Numa proporção continuada: 1, a, a2 , a3 , a4 , a5 , a6 , a7 , etc...
a2 é um número quadrado, bem como cada segundo a partir dele: a4 , a6 , a8 , etc...
a3 é um número cúbico, bem como cada terceiro a partir dele: a6 , a9 , a12 , etc...
a6 é um número cúbico e quadrado simultaneamente, bem como cada sexto a partir dele:
a12 , a18 , a24 , etc...
Proposição 9 Se tantos números quantos se queira a partir da unidade estão numa proporção continuada, e o número a seguir à unidade é quadrado, então todos os restantes
também são quadrados; e, se o número seguinte à unidade for cúbico, todos os restantes
também serão cúbicos.
Guia: Se um número é quadrado, então as suas potências também são quadrados:
¡ ¢2 ¡ ¢3 ¡ ¢2
a2 , a2 , a2 = a3 , ....
27
O mesmo acontecendo com os números cúbicos:
¡ ¢2 ¡ ¢3 ¡ ¢3
a3 , a3 = a2 , a3 , ....
Proposição 10 Se tantos números quantos se queira partir da unidade, estão numa proporção continuada, e o número a seguir à unidade não é quadrado, então nenhum outro será
quadrado excepto o terceiro a partir da unidade e todos aqueles que deixem de fora um. E se
o seguinte à unidade não é cúbico, então nenhum outro será cúbico excepto o quarto a partir
da unidade e todos os que deixem de fora dois.
Guia: Numa proporção continuada: 1, a, a2 , a3 , a4 , a5 , a6 , a7 , etc..., se a não é um número
quadrado, só serão quadrados: a2 , a4 , a6 , etc..., e se a não é um número cúbico, só serão
cúbicos: a3 , a6 , a9 , etc...
Proposição 11 Se tantos números quantos se queira partir da unidade, estão numa proporção continuada, então o menor mede o maior segundo um dos números que se encontram
entre os números proporcionais.
Corolário Qualquer que seja o lugar que o número que mede tem, contado a partir da
unidade, terá o mesmo lugar o número através do qual foi medido, contado a partir do
número medido, na direcção do número anterior.
Guia: Esta proposição, conjuntamente com o corolário afirma que ak divide an , an−k vezes.
28
Proposição 12 Se tantos números quantos se queira a partir da unidade estão em proporção
continuada, então por quantos números primos seja medido o último, pelos mesmos será
medido também o seguinte à unidade.
Guia: Se um número primo divide ak , então também divide a.
Proposição 13 Se tantos números quantos se queira partir da unidade estão em proporção
continuada, e o seguinte à unidade é um número primo, o maior não será medido por nenhum
outro fora daqueles que se encontram entre os números proporcionais.
Guia: Os únicos números que medem uma potência de um primo são as potências desse
primo mais pequenas
Proposição 14 Se um número é o menor que é medido por números primos, então ele não
é medido por nenhum outro primo excepto aqueles que o mediam desde o princípio.
29
Guia: Esta proposição é uma versão parcial do Teorema Fundamental da Aritmética, e
afirma que nenhum número primo pode divididir o produto de outros números primos, ou
seja, o mínimo múltiplo comum de um conjunto de números primos não é divisível por
qualquer outro primo, além dos considerados.
Proposição 15 Se três números que estão em proporção continuada são os menores que
têm a mesma razão entre eles, então a soma de quaisquer dois e o número remanescente são
primos entre si.
Guia: Sejam a, b, c os primeiros termos de uma proporção continuada, com a mesma razão
entre eles, então (b + c) , (c + a) , (a + b) , são primos com a, b e c respectivamente.
Proposição 16 Se dois números são primos entre si, então o segundo não está para nenhum
outro número como o primeiro está para o segundo.
Guia: Se a e b são primos entre si, então não existe um natural c, tal que,
a
b
= .
b
c
a
De facto, se a e b são primos entre si, temos que é uma fracção irredutível. Suponhamos
b
a
b
b×b
que existe um natural c, tal que, = , então c é da forma
, mas esta fracção não é
b
c
a
um número natural pois a não divide b (a e b são primos entre si), o que contraria o facto
a
b
de c ser natural. Assim, não existe um natural c, tal que, = .
b
c
30
Proposição 17 Se tantos números quantos se queira estão em proporção continuada, e os
seus extremos são números primos entre si, então o último não está para nenhum outro
número como o primeiro está para o segundo.
Guia: Sejam a, b, ..., d, os termos de uma proporção continuada e d e a primos entre si,
d k
então não existe nenhum número k, tal que, =
b
a
Proposição 18 Dados dois números, investigar quando é que é possível encontrar um terceiro número proporcional a eles.
Guia: Notemos que o terceiro número proporcional c com a e b terá de satisfazer
b
a
= .
b
c
b2
Logo c terá de ser , portanto, o terceiro número proporcional existe se a divide b2 . Euclides
a
chegou a esta conclusão nesta proposição.
31
Proposição 19 Dados três números, investigar quando é que é possível encontrar um quarto
proporcional a eles.
c
a
Guia: Notemos que o quarto proporcional d com a, b e c terá de satisfazer = . Logo
b
d
bc
d terá de ser , portanto o quarto número proporcional existe se a divide bc. Esta é a
a
conclusão a que Euclides chega, nesta proposição.
Proposição 20 Existem mais números primos que qualquer quantidade dada de números
primos.
Guia: Dada qualquer quantidade de números primos, é sempre possível indicar uma quantidade ainda maior de números primos. Nesta proposição Euclides prova o carácter potencialmente infinito dos números primos.
Proposição 21 Se tantos números pares quantos se queira forem adicionados a soma é um
número par.
Guia: A soma de quaisquer números pares é par.
32
Proposição 22 Se tantos números ímpares quantos se queira forem adicionados e a quantidade de números ímpares for par, a soma será também par.
Guia: A soma de um número par de números ímpares é par.
Proposição 23 Se tantos números ímpares quantos se queira forem adicionados e a quantidade de números ímpares for ímpar, a soma será também ímpar.
Guia: A soma de um número ímpar de números ímpares é ímpar.
Proposição 24 Se a um número par for subtraído um número par, o número resultante
será par.
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois, 2n − 2p = 2(n − p). Note-se que, para
Euclides p é sempre menor que n.
Proposição 25 Se a um número par for subtraído um número ímpar, o número resultante
será ímpar.
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois: 2n − (2p − 1) = 2(n − p) + 1
33
Proposição 26 Se a um número ímpar for subtraído um número ímpar, o número resultante
será par.
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois, (2n − 1) − (2p − 1) = 2(n − p)
Proposição 27 Se a um número par for subtraído um número ímpar, o número resultante
será ímpar.
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois, 2n − (2p − 1) = 2(n − p) + 1
Proposição 28 Se um número ímpar for multiplicado por um número par, o produto será
par.
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois, (2n − 1) × 2p = 2 ((2n − 1) p)
Proposição 29 Se um número ímpar for multiplicado por um número ímpar, o produto será
ímpar.
34
Guia: Esta proposição é facilmente verificada pois, (2n − 1) (2p − 1) = 22 np − 2n − 2p + 1 =
2(2np − n − p) + 1
Proposição 30 Se um número ímpar mede um número par, também medirá a sua metade.
Guia: Se um número ímpar divide um número par, então divide a sua metade. Exemplo:
se 5 | 30, logo 5 | 15.
Proposição 31 Se um número ímpar e outro número qualquer são primos entre si, então
o número ímpar e o dobro do outro número são também primos entre si.
Guia: Vejamos um exemplo: 5 e 6 são primos entre si, e temos que 5 e 12 também são
primos entre si.
35
Proposição 32 Cada um dos números que são continuamente duplicados a partir da díada
são apenas um par vezes par.
Guia: As potências de 2 só se podem escrever como um produto de pares, ou seja, não se
podem escrever potências de 2, como um produto de um número par com um número ímpar.
Proposição 33 Se um número tem a sua metade ímpar, então ele é apenas um par vezes
ímpar.
Guia: Se um número tem a sua metade ímpar, então não pode ser escrito como um produto
de pares nem de ímpares.
Proposição 34 Se um número (par) não é obtido duplicando sucessivamente a díada, nem
tem a sua metade ímpar, então ele é simultaneamente, um par vezes par e um par vezes
ímpar.
Guia: Se um número não é potência de 2, nem tem a sua metade ímpar, então ele pode
ser escrito como o produto de números pares e como o produto de um número ímpar com
um par.
Vejamos um exemplo: 20 não é uma potência de 2 nem tem a sua metade ímpar. 20 = 10×2
e 20 = 5 × 4, logo 20 pode ser escrito como o produto de números pares e como o produto
de um número ímpar com um par.
36
Proposição 35 Se tantos números quantos se queira estiverem em proporção continuada,
e se se subtrai ao segundo e ao último o primeiro, então o excesso do segundo está para o
primeiro como o excesso do último está para a soma de todos antes dele.
Guia: Na notação moderna, esta proposição pode ser reescrita da seguinte forma: a + ar +
rn − 1
ar2 + ... + arn−1 = a
, ou seja, a proposição mostra como determinar a soma dos
r−1
termos de uma progressão geométrica.
Proposição 36 Se tantos números quantos se queira começando a partir da unidade forem
dispostos continuamente numa proporção duplicada até que a soma de todos resulte num
número primo, e se a soma multiplicada pelo último origina algum número, então o produto
será um número perfeito.
Guia: Se 2p − 1 (= 1 + 2 + 22 + ... + 2p−1 ) é um número primo, então (2p − 1)2p−1 é um
número perfeito.
37
Conclusão
Neste trabalho, fizemos uma tradução comentada das definições e dos enunciados das proposições,
dos livros VII e IX.
Ao longo deste trabalho, estudámos definições e propriedades conhecidas há mais de dois
milénios e ficámos com uma ideia da forma como os antigos gregos trabalhavam em Matemática.
Vimos também, que as proposições apresentadas e demonstradas por Euclides têm sempre
uma base geométrica e que Euclides apresenta definições precisas, teoremas bem estruturados
e demonstrações rigorosas, por vezes simples, de conceitos que à partida, nem sempre são
evidentes.
Estes conceitos constituem a base da teoria dos números.
Do conjunto de todas as definições e proposições que apresentámos, destacamos as seguintes:
• Definição 11, Livro VII - Definição de número primo;
• Proposição 2, Livro VII - Euclides aplica um algoritmo, para encontrar o máximo
divisor comum de entre dois números que não sejam primos entre si. Mais tarde, este
algoritmo ficou conhecido como sendo o algoritmo de Euclides;
• Proposição 16, Livro VII - Propriedade comutativa da multiplicação;
• Proposição 30, Livro VII - Se um primo divide um produto de dois números, então
divide um dos factores;
• Proposição 31, Livro VII - A prova desta proposição é feita por recorrência, sendo este
o mais antigo registo conhecido de uma prova formal, deste tipo;
• Proposição 34, Livro VII - Euclides apresenta, uma forma de determinar o mínimo
múltiplo comum entre dois números;
• Proposição 14, Livro IX - Versão parcial do Teorema Fundamental da Aritmética, esta
proposição, afirma que nenhum número primo divide o produto de outros números
primos;
• Proposição 20, Livro IX - Euclides prova o carácter potencialmente infinito dos números
primos;
• Proposição 35, Livro IX - Apresenta uma forma de determinar a soma dos termos de
uma progressão geométrica;
• Proposição 36, Livro IX - Acerca dos números perfeitos.
38
A forma como algumas proposições estão enunciadas, não é de fácil interpretação, pelo que
escrevê-las em notação actual, constituiu um verdadeiro desafio aliciante e motivador, ao qual
nos propusemos, e que nos permitiu enriquecer o nosso conhecimento acerca dos números e
suas propriedades.
Esperamos que este trabalho sirva de apoio para a compreensão dos livros VII e IX, despertando o interesse de possíveis leitores dos Elementos.
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