PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E ESCRITA E SUAS

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PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E ESCRITA E SUAS IMPLICAÇÕES NO
PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Danielle do Carmo Monteiro Correia de Souza
Denise Sandra Fritzen
Monica Cristina Silvano Reynaldo
Maria Ângela Arruda Fachini
IESF - Instituto de Ensino Superior da Funlec
Neste trabalho nos dispomos a pesquisar sobre as práticas sociais de leitura e
escrita e suas implicações no processo de ensino e de aprendizagem, pois acreditamos que
durante a fase de alfabetização o contato com textos de circulação social é imprescindível,
uma vez que não basta apenas codificar e decodificar símbolos, é preciso saber ler as
entrelinhas, ser criativo e propositivo. Porém, só chegaremos a este patamar quando
conseguirmos tornar a escola um espaço mais democrático e eficiente. Parafraseando Soares
(2005, p. 34), as escolas têm a obrigação de desenvolver habilidades de alfabetismo que torne
as crianças capazes de responder a demandas em situações da vida cotidiana, tais como: no
trabalho, dirigindo na cidade, comprando em supermercados etc.
Sendo assim, nossos objetivos gerais procuram identificar as concepções de
alfabetização e letramento utilizadas pela professora e identificar a prática social da escrita e
da leitura, nas atividades propostas por ela, pois acreditamos que a concepção da professora
em relação a alfabetização e letramento é determinante no processo de ensino e de
aprendizagem. Ela só irá trabalhar com atividades que contemplem as práticas sociais de
leitura e escrita se estiver convencida de que dessa forma a alfabetização é possível e eficaz.
Desse modo, procuramos nos pautar em objetivos específicos para realizar a
revisão bibliográfica referente ao tema abordado, acompanhar o planejamento da professora
regente, coletar e analisar textos utilizados em sala de aula, no processo de alfabetização, além
de relacionar as principais causas da ineficiência na alfabetização.
Toda a pesquisa está embasada em autores voltados à pesquisa: Soares (1998,
2005), Tfouni (2005), Kleiman (1995) e Demo (1991, 1996), pois entendem a alfabetização
como uma fase decisiva no processo de ensino e de aprendizagem. Demo (1991, p. 42) afirma
que uma ação educativa precisa acontecer no sentido de “[...] provocar, desafiar, estimular,
ajudar o sujeito a estabelecer uma relação pertinente com o objeto, que corresponda, em
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algum nível, à satisfação de uma necessidade sua, mesmo que essa necessidade não estivesse
tão consciente no início”.
Acreditamos que a pesquisa desenvolvida possui relevância no sentido de
evidenciar as principais causas da ineficiência no processo de alfabetização, no que se refere à
sala pesquisada, uma vez que este material estará disponível para apreciação, tanto pelo corpo
docente da escola, como pela comunidade acadêmica, oportunizando, assim, estudos e ações
concretas por parte dos órgãos competentes. Além de, é claro, tentar responder a tantas
indagações que nos fazemos diariamente diante de tantas queixas e reclamações em relação ao
processo de ensino e aprendizagem nas classes de alfabetização.
Buscamos nos fundamentar no conceito de pesquisa científica defendida por Gil
(1987, p. 42), que afirma “[...] a pesquisa explicativa tem como preocupação central
identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”.
Optamos por essa metodologia científica porque toda a pesquisa tem como
preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a
ocorrência de resultados negativos no que se refere ao processo de alfabetização e letramento.
Discutir alfabetização implica em considerar a compreensão e finalidade desse
tema nesse momento histórico. Trata de listar as finalidades, abordando e analisando as
propostas pedagógicas que influenciaram e ainda influenciam o propósito da alfabetização.
Segundo Tfouni (2005, p. 09) a maioria das escolas trabalha a “[...] alfabetização
referente à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as
chamadas práticas de linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio do processo de
escolarização e, portanto, da instrução formal”.
Como diz a autora, o processo de alfabetização escolar passa, em muitos casos,
pela simples decodificação de códigos escritos e registrados em diferentes suportes. O que se
faz importante ressaltar é que essa é a concepção de alfabetização da maioria das escolas, que
encaram esse processo com um olhar simplista.
E por não representar, para essa maioria, uma fase decisiva e fundamental da
escolarização, a alfabetização geralmente é realizada por pessoas despreparadas e sem
formação específica.
Soares (2005) nos faz refletir nessas questões que levam ao fracasso. O professor
deve estar atento ao conceito de alfabetização e à natureza e condicionantes desse processo,
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enxergando o porquê desses resultados. Ela nos mostra como este conceito é posto como algo
deturpado até os dias atuais e por isso ele não se dá da maneira como deveria. Coloca-nos
também a questão da natureza do processo de alfabetização, em que até hoje se privilegiam
alguns métodos em detrimento de outros (por não saber o que realmente se quer trabalhar), o
que também contribui para os altos índices de reprovação. E, por fim, a autora nos fala sobre
os condicionantes do processo de alfabetização, que pouco se entende sobre eles e por isso
pouco se fala deles no contexto escolar.
Perdeu-se a noção de como alfabetizar, deturpou-se a forma de alfabetização, pela
crença de que métodos e teorias trabalham separadamente. Antigamente só trabalhavam
métodos prontos e não havia uma reflexão teórica. Hoje, o que acontece é o contrário: têm-se
belas teorias e não se criam métodos adequados para aplicá-las. O que nós, professores, temos
de nos atentar é para a falta de fundamentação teórica em nosso fazer pedagógico. Precisamos
saber que para mudar a realidade atual, diminuir e até mesmo sanar, a longo prazo, esse
fracasso será necessário compreendermos que a alfabetização não é só o processo de ler e
escrever, mas é saber interpretar o que se leu, é compreender as entrelinhas, é saber expor
seus pensamentos.
Os professores precisam reconstruir a prática dentro das perspectivas acima
citadas. Devemos estudar e nos apropriar do conhecimento, sabendo distinguir o que vai ao
encontro da nossa realidade e nos programar para atender nossos alunos levando em
consideração o seu conhecimento prévio, o meio onde estão inseridos, para poder dar-lhes a
oportunidade de se manifestarem, expressarem suas idéias e ideais. Enfim, dar subsídios para
que se apropriem do conhecimento historicamente elaborado. E é por isso que devemos estar
constantemente em busca do conhecimento, para alcançar ferramentas capazes de auxiliar
nosso fazer pedagógico, mudando nossa prática, pois o nosso papel é ser mediador do
processo que fará dos alunos seres reflexivos, críticos, construtores e reconstrutores de seu
próprio conhecimento.
O que Soares (2005) nos propõe é que façamos uso da lingüística de forma
sistematizada, pois esta nos proporciona a base para trabalhar fonema/grafema com a criança,
o que geralmente não ocorre na educação atual e por isso não se tem conseguido alfabetizar.
Para tanto, Soares (2005) nos remete à necessidade de reinventarmos a alfabetização sem que
seja de forma retrógrada. Precisamos fazer uso das teorias criando métodos diferenciados para
que sejam trabalhadas com sucesso, ocorrendo de forma satisfatória a aprendizagem do
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sistema de escrita, insistindo na especificidade da alfabetização como aprendizado do sistema
alfabético/ortográfico e suas relações com o sistema fonológico.
A pesquisa desenvolvida fundamentou-se em teorias que apóiam a alfabetização
como um processo importante, que possibilita ao educando ir além de conhecer os códigos
historicamente construídos. Estar alfabetizado, nessa perspectiva, envolve também o domínio
da linguagem e a multiplicidade de funções da língua, onde produzir escrita não é apenas
escrever. Para tal, é preciso pensar sobre a escrita, sobre o que ela realmente representa, é
apropriar-se de aspectos essenciais nas práticas ligadas à escrita, é apropriar-se dela como
objeto de conhecimento.
Parafraseando Tfouni (2005), o desenvolvimento do ser humano vai sendo
determinado por meio dos tempos pelas suas descobertas, invenções, criações de vários tipos,
e também por necessidades que vão se definindo em função das mudanças de vida, geradas
por aquelas descobertas, invenções e outras ações humanas. O fato é que a inventividade
humana construiu o mundo que temos hoje com todos os acertos e erros, vantagens e
desvantagens, certezas e incertezas.
Todos têm direito de ter acesso a esses conhecimentos acumulados historicamente
e de conhecer os contextos em que foram produzidos. O conhecimento da linguagem escrita,
nesse sentido, é fundamental.
A autora defende aqui a questão de não negligenciarmos informações aos nossos
alunos, observando que as criações da humanidade precisam ser do conhecimento de todos e
principalmente do alcance de todos. Ao encararmos a alfabetização sob outra ótica, não
podemos deixar de lado tudo que foi construído historicamente. Os códigos escritos precisam
ser adquiridos, porém sob outra perspectiva.
Os suportes em que a escrita é realizada foram sendo ampliados e transformados
com o passar dos tempos, e hoje temos a escrita em papéis, livros, em faixas de tecido,
madeira, na televisão, nas legendas de filmes, em embalagens, etiquetas, composições
artísticas, e, mais recentemente, nas telas dos computadores, nos marcando de várias maneiras
e com várias finalidades. Ganhou um peso significante (principalmente jurídico), nas
sociedades que a utilizam que, em grande parte das situações sociais que vivemos, a nossa
palavra, a nossa voz, não é suficiente, é necessário escrever e assinar. Tornou-se também um
marcador e separador social forte: os analfabetos e os alfabetizados, gerando preconceitos e
afastando milhões de pessoas de uma participação cidadã no espaço social.
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Nas reflexões de Soares (2005, p. 22) podemos perceber claramente a questão da
situação econômica em relação ao processo de alfabetização: “[...] a escola valoriza a língua
escrita e censura a língua oral espontânea que se afaste muito dela”, o que sem dúvida
dificulta o processo de ensino e aprendizagem, que, segundo a autora, caracteriza-se com seus
preconceitos lingüísticos e culturais que afetam o processo de alfabetização, levando ao
fracasso escolar das crianças das classes populares.
A escola precisa desenvolver e assumir sua responsabilidade política, pois esta
necessita desenvolver a alfabetização como forma de pensamento, processo de construção do
saber e meio de conquista de poder político.
A complexidade da sociedade moderna exige conceitos também complexos para
descrever e entender seus aspectos relevantes. O conceito de letramento surge então para
explicar o impacto da escrita e leitura em todas as esferas de atividades e não somente nas
atividades escolares.
Kleiman (1995), em suas publicações, afirma que letramento não é um método, é
uma prática que envolve um conjunto de atividades visando a um desenvolvimento de
estratégias ativas de compreensão da escrita e da leitura.
O letramento está associado aos muitos conhecimentos que se desenvolveram, a
partir da escrita e com a escrita, como grandes campos de saber. Estes conhecimentos se
organizam de modos diferentes, com textualidades heterogêneas e estão associados a
conteúdos diversos.
A noção de letramento está associada ao papel que a linguagem escrita tem na
nossa sociedade. Logo, o processo de letramento não se dá somente na escola. Os espaços que
freqüentamos, os objetos e livros a que temos acesso, as pessoas com quem convivemos
também são agências e agentes de letramento.
Alfabetização é um conceito mais específico que diz respeito à aprendizagem da
língua escrita como uma nova linguagem, diferente da linguagem oral, mas a ela associada,
isto é, à aprendizagem da escrita como uma nova forma de discurso.
Tfouni (2005), afirma que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal
entendida:
Há duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como
um processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e
escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas
diferentes. O mal entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é que a
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alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser descrita sob a forma
de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que o que
caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.
Embora a escola também não seja o único espaço alfabetizador, o processo de
alfabetização é trabalhado de um modo sistemático. Nesse lugar social é que podemos
compreender e ampliar o nosso conhecimento sobre o mundo da escrita, e não só sobre a
escrita, propriamente. Nesse ponto cruzamos alfabetização e letramento.
Letramento e alfabetização precisam estar associados, pois um complementa e dá
sentido à outra, uma vez que não basta apenas codificar e decodificar, é preciso estabelecer
relações sociais, interpretar e transformar.
Segundo Soares (2005, p. 32):
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais
concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a
entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional
de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse
sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e
indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por
sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização.
Do ponto de vista das autoras em questão, entretanto, podemos dizer que, hoje,
alfabetizar distanciando as crianças do mundo letrado, isto é, dando ênfase à língua como um
sistema, e não à língua como um bem cultural, como uma linguagem social, é sonegar
informações importantes às crianças, que são decisivas para a sua entrada no mundo letrado.
Por muito tempo, as práticas escolares objetivaram apenas a codificação e
decodificação sem a preocupação com o entendimento, com a interpretação do que era lido ou
escrito. A criança não era estimulada a produzir seus próprios textos ou ler por prazer. Tudo
era feito pela imposição, não havia relação afetiva e prazerosa com o livro de histórias, a
escrita estava muito distante das funções comunicativas e expressivas dos atos de ler e
escrever.
A escola, por sua vez, cumpre, ou pelo menos pensa que cumpre, seu papel de
informar os educandos sobre a funcionalidade da escrita. Nesse aspecto seria interessante que
a escola legitimasse seu papel como mediadora desse processo de alfabetização, colocando o
educando em contato direto com os textos que circulam em nossa sociedade e possuem, por
sua vez, uma função definida e principalmente real.
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Tfouni (2005) ressalta uma preocupação com os sentidos que vêm sendo
atribuídos à palavra letramento nos tempos atuais. Em muitas publicações ela é usada como
sinônimo de alfabetização, descaracterizando sua verdadeira abrangência. A autora ressalta
que essas contradições acerca do significado real e específico da palavra letramento têm raízes
em traduções feitas da língua inglesa, que é citada descuidadamente, por muitos, sob o rótulo
de literacy, que abrange uma variedade de definições e visões.
Segundo a autora, está aí uma das causas do mal-entendido sobre letramento,
reduzindo-o a algumas traduções da literatura inglesa, principalmente norte-americana, que
entre outras perspectivas denomina letramento unicamente para a aquisição da leitura/escrita,
considerando-se aí, portanto, a aquisição da escrita como código, do ponto de vista do
indivíduo que aprende. A autora ressalta que é daí que se estabelece uma relação sobre
literacy, escolarização, ensino formal, e aprendizado de habilidades específicas, como
aprender o alfabeto. Nesses termos, letramento se confunde com alfabetização.
Um estudo mais aprofundado na história da educação demonstra que o marco
dessas superposições foram, com certeza, os modismos, que levaram grandes propostas à
ruína total. Assim que novas tendências foram aparecendo e se firmando, a classe de
educadores, em sua maioria, adotava novas posturas sem ao menos conhecê-las ou estudá-las
em sua totalidade. Apenas seguindo algumas interpretações, era posto em prática algo
desconhecido e sem validade científica.
Se afirmarmos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então
dizemos que ela tem um continuum, e, ainda, poderíamos dizer que este é o letramento. Com
isso, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma
ordem, ou seqüência, o que pretendemos é ressaltar que o educador deve fazer uso do
conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim
o educador poderá alfabetizar letrando.
Baseados nessas considerações, podemos afirmar que aprender a ler e a escrever,
nesse contexto, demanda conhecer não só vários assuntos, mas saber registrá-los de formas
socialmente legitimadas e valorizadas. A prática corrente tem sido uma preocupação intensa
com a mecânica da escrita, isto é, com a análise da língua e com o desenho e soletração das
palavras, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Soares (2005, p. 47), exemplifica que uma criança mesmo antes de estar em
contato com a escolarização (que não saiba ainda ler e escrever), mas tem contato com livros,
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revistas, com histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de
escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus
próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada. E ainda há casos de
indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que apresentam níveis
baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Esses são capazes de ler e escrever,
contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não lêem
revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas
de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como
também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete.
Sendo assim, esta pesquisa analisa algumas das dificuldades encontradas durante
o processo de alfabetização na 1ª série do Ensino Fundamental. Para tanto, foi necessário um
suporte teórico que subsidiasse nossa sistematização e análise dos dados coletados. É
importante salientar que usamos a nomenclatura série e não ano, pois durante o período de
pesquisa ainda estava em vigor tal nomenclatura.
O processo de investigação, pautou-se na coleta de dados fidedignos para
podermos responder a todas as indagações pertinentes ao nosso projeto de pesquisa. Para
tanto, utilizamos uma série de instrumentos que nos viabilizaram uma aproximação mais clara
e objetiva em relação ao nosso objeto de estudo.
Assim, ao iniciar o processo de investigação, procuramos primeiramente uma
fundamentação teórica quanto à metodologia científica, pois precisávamos de um suporte
teórico que orientasse a natureza da investigação a ser realizada. Descobrimos em Gil (1987)
uma metodologia científica que vai ao encontro dos nossos propósitos, pois entendemos ser
de fundamental importância identificar os fatores que determinam a atual situação da
alfabetização. Dessa forma, podemos verificar que, segundo Gil, (1987) a pesquisa explicativa
busca identificar os fatores que possibilitam a ocorrência dos fenômenos e assim, proceder
uma análise mais precisa. Posto isso, optamos por realizar uma pesquisa explicativa, uma vez
que nossa preocupação central é a identificação das concepções de alfabetização e letramento
e as práticas sociais de leitura e escrita utilizadas pela professora. O que, sem dúvida, trará à
tona vários fatores que contribuem ou que dificultam o processo de ensino e de aprendizagem
na fase de alfabetização.
Para realizar nossa pesquisa, escolhemos uma escola de grande porte, da Rede
Municipal de Ensino, localizada na periferia da cidade de Campo Grande – MS. Nos
momentos de observação, acompanhamos de perto as dificuldades, anseios e queixas dos
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professores em relação ao processo de alfabetização das crianças da 1ª série do Ensino
Fundamental e as conseqüências desse processo nas séries subseqüentes.
Tivemos como procedimentos de pesquisa a observação da sala, acompanhamento
do planejamento da professora, entrevista e aplicação de questionário com a professora,
alunos, pais, orientadora, supervisora e o presidente da Associação de Pais e Mestres - APM.
Também foi realizada a análise documental do Projeto Político Pedagógico da escola.
Vale lembrar que essa escola funciona nos três períodos, possui 32 salas de aula,
atendendo a uma clientela que vai desde a Educação Infantil até a 8º série do Ensino
Fundamental, além do Programa de Aceleração que atende a jovens e adultos, totalizando
2.027 alunos, que estão distribuídos nos períodos matutino, vespertino e noturno.
A comunidade atendida por essa escola possui, em sua maioria, alunos que não
residem em casa própria ou são moradores de áreas não regularizadas. Por isso as mudanças
de bairro e, conseqüentemente, de escola são constantes. Conforme pudemos observar no
Projeto Político Pedagógico – PPP da escola,
[...] um grande número de alunos e suas respectivas famílias são contemplados por
vários programas e/ou benefícios sociais, onde nota-se uma relevante carência
financeira, que afeta diretamente os aspectos cognitivo, psicológico e motor das
crianças. Sendo que a maioria destes alunos são oriundos de lares desestruturados,
muitas vezes vítimas de maus tratos ou abuso sexual, convivendo rotineiramente
com as mais variadas situações de violência. (PPP, 2006, p. 19)
A análise do PPP se deu de maneira um tanto conturbada: foi difícil de ser
encontrado, pois existe somente uma cópia na escola, que não fica ao alcance dos professores,
No entanto, contamos com a colaboração de uma das supervisoras que prontamente nos
auxiliou na localização do referido documento.
De posse desse documento, foi possível observar que o Projeto Político
Pedagógico é bem redigido e fundamenta-se em princípios que promovem uma educação
cidadã, possuindo em seus pressupostos a descrição de um modelo de escola onde “[...] o
conhecimento não é apenas o acúmulo de informações, ele acontece quando existe uma
interação efetiva entre o aluno e o conteúdo a ser desenvolvido.” (PPP, 2006, p.12)
Além de procurar suprir algumas das necessidades básicas dessas crianças e
adolescentes, a escola prioriza em seu Projeto Político Pedagógico um professor que possua
um perfil caracterizado pela responsabilidade em ensinar e que busca ressignificar o sentido
da educação, ou seja, um profissional disposto a desenvolver a cidadania por meio da escola.
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Observamos uma sala da primeira série do período matutino, que funciona no
horário das 7 h às 11h 10 min, com 32 alunos. Permanecemos na sala durante o mês de
novembro de 2006, onde geralmente fazíamos nossa observação durante dois dias da semana.
Entendemos que nossa presença diária poderia influenciar muito na rotina das aulas e este não
era o nosso objetivo. A análise dos documentos foi realizada em três dias, e as entrevistas e
conversas informais eram feitas sempre que tínhamos a oportunidade de conversar com as
pessoas envolvidas na pesquisa. Dessa forma sentimos que as respostas eram mais
espontâneas e as pessoas se sentiam menos apreensivas.
Observarmos que a disposição da sala é feita em fileiras, e que esta forma de
fileiras, mantém-se até o final da aula, onde os alunos desenvolvem suas atividades, ora
copiadas do quadro, ora mimeografadas.
Os textos trabalhados pela professora são geralmente curtos e retirados de
cartilhas ou do caderno de planejamento de anos anteriores. E são passados aos alunos
mediante folhas mimeografadas ou transcritos no quadro negro. A exploração dos textos é
feita por meio de interpretação oral e escrita, com perguntas objetivas de múltipla escolha e
dissertativas. Observamos que durante nossa pesquisa não encontramos na sala nenhum texto
de circulação social, que pudesse estar sendo usado no processo de alfabetização. Em nenhum
momento as crianças tiveram a oportunidade de trabalhar com receitas, cartas, notícias,
parlendas, ou quaisquer outros textos de circulação social.
A maioria dos alunos produz pequenos textos, que seguem os padrões
estabelecidos nos textos trabalhados pela professora, porém com muitos erros gramaticais e
sem enredo, tornando-os desinteressantes e sem coerência. Percebemos que a professora não
consegue acompanhar as produções de todos. As dúvidas e questionamentos dos alunos são
constantes e em grande número. Sem contar que existem ainda aqueles que não conseguem
escrever nenhuma palavra sem a ajuda da professora ou de um colega mais capaz naquele
momento.
Tivemos também a oportunidade de, durante duas semanas, num período de duas
horas por semana, acompanhar o planejamento da professora, que é feito na sala dos
professores com algumas outras profissionais de turmas de primeira série, o que ocorre
geralmente quinzenalmente. Verificamos que estas não trocam muitas idéias e não discutem
as dificuldades de cada uma, pois a conversa se restringe a comentários e reclamações sobre
indisciplina e dificuldades de aprendizagem. Não existe troca de experiências e busca de
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soluções para os problemas encontrados. Cada professora acaba fazendo o seu planejamento
de forma individual.
A supervisora escolar procura acompanhar o planejamento, dando sugestões e
discutindo o andamento de cada turma, mas também não questiona a metodologia adotada
pelas professoras. Cada uma escolhe e faz uso daquela metodologia na qual acredita.
Com a intenção de conhecermos um pouco mais sobre as concepções das pessoas
envolvidas no processo, utilizamos uma entrevista por meio de questionário. De posse desses
questionários, já respondidos, observamos que a formação da supervisora que atende a sala
pesquisada é Pedagogia e Especialização em Supervisão Escolar, além de estar cursando pósgraduação em Alfabetização. Em suas respostas, deixou claro que na sua opinião a
alfabetização é o processo de aquisição das técnicas que possibilitam escrever e ler (codificar
e decodificar mensagens escritas).
A orientadora entrevistada é formada em Pedagogia e Psicologia. Segundo as
respostas obtidas no questionário, ela acredita que alfabetização é “realizar uma aprendizagem
no indivíduo onde ele aprende a ler e a escrever e também interpretar”. Acredita, ainda, que
cada pessoa tem o seu tempo para ser alfabetizada, mas também diz que a alfabetização é um
processo contínuo e que pode levar anos
A professora da sala é formada em Pedagogia, e no questionário respondido
conceituou alfabetização como “a prática de decifrar códigos, ler, escrever, interpretar,
produzir transmitir com domínio o conhecimento através da mensagem oral (clareza),
coerência textual, fazer relações, construir conhecimento, expressar idéias, compreender o que
lê, interpretar a leitura e a escrita e registrar seus pensamentos através da escrita”. Pensa que
não existe um tempo determinado para acontecer a alfabetização, depende muito de cada
criança, do conhecimento prévio que já traz de casa e do desenvolvimento na sala de aula.
Afirma que a alfabetização acontece naturalmente, no decorrer das atividades propostas.
Acredita que o profissional, para trabalhar com alfabetização, deve ser crítico, espontâneo,
compreensivo e propor desafios, ser organizado, acolhedor, entre outras.
Outro aspecto observado durante a trajetória de nossa pesquisa foi em relação aos
pais dos alunos no que tange à promoção e acesso de seus filhos ao mundo letrado. Para tanto,
realizamos entrevistas com dez pais de alunos da turma pesquisada. Sendo sete mulheres
(mães e avós), com idades entre dezenove e sessenta e dois anos e três homens (pais e avôs),
com idades entre vinte e cinco e setenta anos, que responderam sem cerimônia que seus filhos
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não possuem acesso a materiais escritos, tais como: revistas, livros, gibis e outros, e muito
menos freqüentam teatro, cinema ou qualquer outra forma de divulgação da cultura.
Afirmaram que o único meio de comunicação e informação a que têm acesso é a televisão e o
rádio e que não têm o hábito de ler para seus filhos. Alguns se dizem analfabetos e outros
alegam que saem cedo de casa para o trabalho e à noite retornam cansados e muitas vezes as
crianças já estão até dormindo, sendo que as tarefas de casa, geralmente, são feitas pelas
crianças sem o acompanhamento dos pais, e que os irmãos mais velhos ou amigos mais
próximos são as pessoas que costumam ajudar.
O presidente da Associação de Pais e Mestres (APM), nos relatou que a
comunidade também é bastante carente no aspecto cultural, e que a escola procura favorecer
aos seus alunos e pais, promovendo palestras e cursos nos finais de semana, por meio do
Projeto Escola Viva, que oferece atividades diversificadas para a comunidade.
Buscamos analisar e discutir as observações realizadas durante a trajetória da
pesquisa, fundamentando nossas considerações, embasadas em autores como: Soares (1998,
2005), Tfouni (2005), Kleiman (1995) e Demo (1991, 1996), para que, assim, possamos
discutir o que foi observado, de maneira responsável e, sobretudo, apresentando reflexões
seguras.
Procuramos defender a especificidade da alfabetização e sua importância na escola ao
lado do letramento. Faz-se necessário, nesse aspecto, chamar a atenção para o acesso da
criança ao mundo da escrita num sentido amplo, ou seja, o processo de alfabetização,
considerando seus aspectos sociais.
Destacamos, também, o fato de as atividades serem, em sua maioria, retiradas de
cartilhas, apresentando textos pouco significativos, o que de certa forma desmotiva as
crianças, pois estas demonstravam não estarem interagindo com as atividades propostas,
constantemente se dispersando com conversas ou brincadeiras de qualquer natureza.
Nesta idade de 07 e 08 anos em que os alunos se encontram, é de fundamental
importância que a professora faça uso de jogos, parlendas, cantigas, adivinhas e outras
atividades que chamem a atenção das crianças e sejam interessantes para elas, pois assim
terão maior satisfação em participar e realizar as atividades propostas, o que, certamente,
tornará a aprendizagem mais significativa e eficaz.
Analisando as atividades trabalhadas em sala de aula, tais como: cópia de textos
sem exploração contextualizada, escrita de palavras que começam com determinada família
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silábica, ditado de palavras aleatórias, além de produções de textos descontextualizados, sem
discussão ou comentários antes de iniciar a produção, fica claro que são exemplos de
atividades que pouco favorecem o processo de alfabetização no qual acreditamos. Não
atribuem a esse processo uma orientação compreensiva, holística, inovadora e transformadora.
No entanto, evidenciam as concepções de alfabetização que a professora da escola pesquisada
possui.
Constatamos que nas respostas ao questionário aplicado, a professora deixou claro
que, para ela, “alfabetização é decifrar códigos, ler, escrever, interpretar, produzir, transmitir
com domínio o conhecimento através da mensagem oral...”.
Dessa forma, foi possível compreendermos algumas lacunas desse processo, no
qual saber decodificar é o principal objetivo do trabalho realizado pela professora. De acordo
com nossa fundamentação teórica, para fazer com que as crianças participem de atividades de
leitura e escrita, a escola precisa criar pontes entre as práticas de leitura e da escrita da casa,
da escola, e da comunidade, oferecendo aos alunos um contexto e um sentido, um propósito e
uma finalidade significativa e relevante, estimulando a utilização de estratégias similares às
usadas pelos sujeitos alfabetizados fora do âmbito escolar, para compreender e aprender a
partir de um texto escrito ou para exprimir e comunicar idéias por escrito, como meio de os
alunos apreenderem na escola os usos sociais e culturais da língua escrita e suas estratégias de
utilização autônoma e crítica.
O que precisamos ter claro é que a alfabetização precisa ser significativa,
envolvente, os alunos precisam sentir-se como parte integrante do processo, onde seu
cotidiano, suas histórias e idéias sejam valorizadas e incorporadas nas atividades realizadas. É
isso que, infelizmente, não ocorre na sala pesquisada, pois os alunos não têm a oportunidade
de discutir, estabelecer relações com sua história de vida, porque os textos trabalhados não
são contextualizados.
A alfabetização deve ser um processo de construção de hipóteses sobre o
funcionamento do sistema alfabético de escrita. Para aprender a ler e escrever, o aluno precisa
participar de situações que provoquem a necessidade de refletir, transformando informações
em conhecimento próprio e enfrentando desafios. É utilizando textos reais, como listas,
poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas etc., que os alunos podem aprender muito sobre a
escrita.
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No entanto, os textos de cartilha utilizados pela professora, em sua maioria, não
possuem função social. São textos com simples agrupamento de frases que não condizem com
o cotidiano dos alunos. Ao invés de instigar a reflexão e o estabelecimento de relações por
parte dos alunos, estes precisam direcionar sua atenção no intuito de imaginar situações que
geralmente não fazem parte da sua realidade.
Dessa forma, observamos que o processo realizado na sala pesquisada se restringe
apenas a um dos aspectos pertinentes à alfabetização, deixando de lado as reflexões que
deveriam ser feitas acerca da leitura e da escrita. Sendo que estas só constituem significado se
inseridas em um contexto social. Parafraseando Soares (1998), ressaltamos que este processo
não pode se desvincular, mas sim acontecer de maneira simultânea.
Constatamos também que tanto a orientadora como a supervisora, que participam
do processo de alfabetização, pouco contribuem para que este tome caminhos mais
significativos e contextualizados. A supervisora, no momento do planejamento, não interfere
na prática da professora de sala. Ajuda com sugestões de atividades. No entanto, não
argumenta sobre a importância da aplicação dessas atividades de maneira significativa e,
sobretudo, pautadas em um planejamento coerente com o desenvolvimento cognitivo de seus
alunos. Além disso, não questiona o tipo de atividades que a professora costuma usar, apenas
quer ver o resultado final, sem debater o caminho que está sendo percorrido.
Outro aspecto relevante é o planejamento que não pode ser um ato isolado, onde a
professora senta na sala dos professores e, de posse de alguns livros e cartilhas, define o que
será trabalhado durante a semana ou quinzena. Precisa de maior envolvimento, discussão com
toda a equipe técnica, para que, assim, possa expressar suas dúvidas e angústias, em busca de
soluções. Porém, essa prática não vem ocorrendo com a professora pesquisada. Não
presenciamos nenhum momento de reflexão e debate com outros professores e nem com a
equipe técnica.
O debate, a reflexão e a troca de idéias e experiências são elementos
importantíssimos para o momento do planejamento, pois além de integrar a equipe em busca
dos mesmos objetivos, permite a socialização de saberes, o aprimoramento e a apropriação de
fundamentações teóricas que sejam colocadas em discussão e análise.
Percebemos que a orientadora limita seu trabalho à resolução de questões
disciplinares e de freqüência. E em razão disso se envolve pouco com as questões
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pedagógicas. Sendo assim, a professora fica, na maioria das vezes, trabalhando apenas em
cima de suas concepções e se distancia das atuais discussões sobre alfabetização.
A orientadora tem um papel importante a ser desempenhado no processo de
alfabetização: junto com a professora, poderia identificar os problemas de aprendizagem e
conduzir os alunos aos profissionais competentes, oferecidos pelo Poder Público, a fim de
minimizar ou até mesmo sanar problemas oftalmológicos, psicológicos e outros.
Acreditamos que, tanto a supervisora como a orientadora, deveriam buscar
caminhos mais eficazes de contribuição para o trabalho da professora. A Rede Municipal de
Ensino proporciona vários momentos de estudos (cursos específicos, palestras, seminários,
encontros em pólos para formação continuada) que são instrumentos de reflexão e deveriam
servir como referencial para o trabalho da professora.
Outro fator relevante desta pesquisa é com relação à contribuição dos pais no
processo em questão, pois percebemos que eles não encaram a fase da alfabetização como
uma fase determinante na vida dos filhos. Diante das respostas obtidas durante a entrevista
que mantivemos com alguns pais, estes não pareceram suficientemente preocupados e
engajados no que diz respeito ao processo de alfabetização em que seus filhos se encontram,
pois afirmaram que dificilmente acompanham tal processo, o que pode desfavorecer a
aprendizagem, porque o interesse demonstrado pelos pais, em relação às tarefas de casa ou no
questionamento em relação às atividades realizadas, ou não na escola, muitas vezes serve
como estímulo para as crianças, pois estas precisam se sentir observadas ou até mesmo
cobradas, para que assim possam se sentir mais responsáveis e dedicadas.
Podemos perceber, então, que as experiências das pessoas com a leitura e a escrita
variam muito conforme a classe social a que pertencem. Em certas famílias, a leitura e a
escrita fazem parte da vida cotidiana: jornais e cartas são lidos e comentados, bilhetes e listas
de compras são escritos, cheques são preenchidos. Na maioria das famílias pobres, como é o
caso das famílias pesquisadas, os atos de leitura e escrita são raros ou mesmo inexistentes,
seja porque as pessoas não aprenderam a ler, seja porque as suas condições de vida e trabalho
não exigem o uso da língua escrita.
Quando o ensino das primeiras letras é muito dissociado dos usos da leitura na
vida social, muitas vezes o aluno conclui que se aprende a ler e escrever para passar de ano e
para copiar os exercícios dados pela professora. No entanto, se a alfabetização for conduzida
de forma a demonstrar que a leitura e a escrita têm função aqui e agora, e não apenas num
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futuro distante, é provável que o indivíduo se sinta mais motivado para o esforço que a
aprendizagem exige.
Partindo desse pressuposto é que acreditamos que seria de maior interesse para as
crianças se as atividades propusessem escrita para destinatários reais, contendo um objetivo e
uma finalidade específica, sempre envolvidas por momentos de socialização, onde poderiam
conversar com os colegas e comparar suas hipóteses, revisando e aprimorando o que
escrevem.
Esses momentos precisam contar com situações conflituosas, desafiadoras, para
que, com os erros e acertos, as crianças procurem desvendar de maneira significativa esse
mundo letrado, a fim de fazerem uso da língua de acordo com suas aplicações sociais.
Ressaltamos que durante a observação da conduta da aula, podemos observar que
a professora somente leu para os alunos textos retirados de cartilhas que não traziam em seu
conteúdo nenhuma função social. No entanto, acreditamos que a professora deveria fazer
leituras orais de diferentes tipologias textuais, para, assim, facilitar as trocas entre os alunos e
provocar reflexões, pois a professora que lê para a turma “acorda” as histórias que dormem
nos livros. Os alunos recontam essas histórias, aprendendo a perceber as diferenças entre
língua falada e escrita.
Esse trabalho é importantíssimo para a formação de leitores. Mas as crianças não
devem ficar limitadas às narrativas literárias, pela voz da professora, podem e devem entrar
em contato com notícias do jornal, cartas, cartões postais, documentos, anúncios, enfim, os
diversos tipos de impressos que circulam no meio em que vivem.
Exercícios escritos, cartas e bilhetes para os pais, convites, murais, cartazes e
jornais são alguns tipos de escritos com estruturas textuais diferentes, tradicionalmente
presentes na cultura escolar. Quando aparece ou é criada a ocasião para usar determinado tipo
de texto, a professora alfabetizadora, ou das séries iniciais, pode servir de escriba: ela ouve as
idéias dos alunos, comenta, incentiva a participação de todos e escreve o texto, diante da
turma, chamando a atenção para o fato de que aquilo que se diz (a língua oral) não é
exatamente igual ao que se escreve (a língua escrita). Assim se faz a transição da oralidade
para a escrita.
Uma maneira prática e eficaz de trabalhar a leitura é por meio das rodas de leitura,
que são encontros, dentro ou fora das salas de aula, em que um leitor-guia seleciona e lê em
voz alta um texto, que pode ser um conto, parlendas, adivinhas, poemas, fábulas, ou outra
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tipologia textual que seja apreciada pelo público em questão. É importante que estas leituras
sejam feitas por diferentes leitores, não somente pelo professor, mas também pelos próprios
alunos.
Geralmente a criança convive socialmente com diversas formas de leitura e
escrita, o que contraria ensiná-las apenas a codificar e decodificar aleatoriamente, sem dar
sentido à função da leitura e escrita.
Para proporcionar uma alfabetização mais prazerosa e eficaz é de suma
importância que o professor tenha claro a necessidade dos espaços de leitura, sendo que não
adianta somente variar a tipologia textual, é interessante que a criança possa descobrir
diferentes espaços de leitura, pois assim poderá assimilar conhecimentos e fazer reflexões em
contato com diferentes situações e momentos.
É inadmissível que as crianças passem todo um período de aula dentro de uma
sala superlotada, onde mal conseguem se mexer, apenas ouvindo as orientações da professora
e copiando atividades da lousa. O espaço físico da escola precisa ser aproveitado: o pátio, a
biblioteca e outros espaços podem e devem ser usados. A roda de leitura, por exemplo, fica
muito mais gostosa e interessante quando feita fora das quatro paredes da sala de aula.
Entendemos que os problemas encontrados no processo de alfabetização não
podem ser atribuídos única e exclusivamente à professora, pois a falta de incentivo dos pais, o
acesso restrito a materiais do mundo letrado por parte das crianças, e a falta de interação e
apoio por parte da equipe técnica da escola são fatores que desfavorecem o êxito desse
processo.
Percebemos assim, que a escola como um todo precisa caminhar unida, pois não
basta apenas ter um Projeto Político Pedagógico, é necessário que este seja do conhecimento
de todos, para que dessa forma possa ser discutido e analisado de maneira crítica, em busca de
objetivos comuns. Para tanto, a fundamentação teórica torna-se imprescindível, uma vez que
só podemos discutir métodos e conceitos se estivermos teoricamente embasados para defender
nossa prática pedagógica e/ou propor mudanças, ou tecer críticas em relação a determinados
métodos ou concepções.
Esta pesquisa buscou desvendar alguns aspectos específicos sobre o ensino da
escrita e da leitura, na primeira série do Ensino Fundamental, na escola anteriormente
mencionada, traduzindo uma idéia sobre como esse ensino vem ocorrendo, e a discussão
sobre as práticas sociais dessa alfabetização.
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Nossa observação constatou que a escola, como um todo, precisa redimensionar
suas concepções da língua escrita e ampliar suas reflexões sobre o significado da
aprendizagem, proporcionando momentos de interação entre toda a equipe técnica e
pedagógica, para que, assim, possam buscar, juntos, soluções para os problemas mais
recorrentes, melhorando a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem.
Gostaríamos de propor que essa instituição abra espaços de leitura variados, para
criar um “ambiente lingüístico/alfabetizador”. Esse ambiente pode comportar a sala de aula,
corredores, pátios escolares, bibliotecas, ou seja, todo e qualquer local que possa ser
aproveitado, porque onde quer que os textos existam, também existem espaços de leitura.
Parece óbvio dizer que os espaços de leitura acompanham a presença dos escritos
na sociedade. Entretanto, não basta que existam materiais escritos em diversos lugares se
esses materiais não se tornam observáveis como objeto de interesse e façam sentido para os
alunos. Nesse caso, faz diferença o trabalho do professor: esse profissional precisaria
trabalhar com a tarefa de criar um motivo para que os aprendizes olhassem com outros olhos
coisas (suportes/ textos) aparentemente “naturais”, que fazem parte do cotidiano da escola e
da sociedade.
Quando apresentamos reflexões sobre o funcionamento do mundo da escrita no
espaço escolar, estamos propondo uma intervenção que envolva a descoberta, a convivência e
a identificação de suportes e a compreensão do modo como circulam e como são classificados
os textos, atividades estas que podem ser desenvolvidas paralelamente ao trabalho de
construção do sentido dos textos e da decodificação. Essas são práticas que trabalham não só
a leitura em si, mas também o que a antecede, e o que pode prolongá-la, numa visão das
condições sociais que determinam a leitura e a escrita.
Não estamos aqui sugerindo mudanças instantâneas no processo de ensino da
professora em questão, pois a introdução de novos usos também é decorrente de outras
questões que extrapolam os aspectos específicos da leitura. Não somente ela, mas toda a
escola deverá preocupar-se em introduzir materiais que respondam a alguns desafios inerentes
às inovações pedagógicas, com foco na interdisciplinaridade, em novas metodologias – como
a de trabalho com projetos, em conteúdos próprios da contemporaneidade, respondendo a uma
necessidade de contextualização das aprendizagens.
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Com essas inovações os materiais de leitura serão reordenados no âmbito das
necessidades pedagógicas gerais. Algumas dessas necessidades também vão interferir nas
práticas culturais de leitura e escrita na escola.
Saber ler, escrever, interpretar e ainda fazer o uso correto dessas habilidades é
fundamental. Temos de saber fazer a leitura crítica de tudo o que nos rodeia (a leitura de
mundo) e exercer realmente o papel de cidadão.
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CONCLUSÃO
Concluímos que, como educadores, é necessário repensar a nossa prática
pedagógica, alicerçando nossa trajetória em bases teóricas sólidas, que nos dêem suporte para
realizarmos uma atividade docente significativa, encarando os vários aspectos da
alfabetização.
Para o educador se tornar um “professor-letrador” é necessário, primeiramente,
obter informações a respeito do tema letramento, as suas dimensões e, sobretudo, a sua
aplicação. Esta última é desenvolvida por meio de pesquisa e investigação, que geram
subsídios e suportes.
Sabemos que o processo pode ser lento, mas é preciso mudar. E para isso a
formação e as concepções das pessoas envolvidas no processo de alfabetização precisam ser
colocadas em questão, para que, por intermédio de fundamentações teóricas e profundas
reflexões, possam encontrar possibilidades de mudança em busca de uma educação de melhor
qualidade.
Uma primeira mudança nesse aspecto é a de não esperar que as crianças saibam ler
ou escrever para que tenham acesso aos conteúdos dos textos. A professora deve assumir, ela
mesma, o papel de leitora e escritora, mediando o aspecto da decodificação, para que os
alunos tenham acesso aos diferentes aspectos da significação. Os textos também podem ser
lidos ou escritos por alunos que “já sabem ler e escrever”, da mesma turma ou de outras
turmas, alterando os papéis e posições de quem pode ler e escrever para o outro.
Diversificando-se, assim, o uso da modalidade oral e escrita em contrapartida a uma prática
de leitura silenciosa e individual, priorizada em outras situações e momentos das aulas.
Esta prática não partirá do princípio da verificação de competências de leitura e
escrita, ou seja, para avaliá-las, mas como uma prática que visa favorecer e democratizar o
acesso a conteúdos e gêneros.
Nesse primeiro momento, propomos que não haja a preocupação com prérequisitos para a leitura ou escrita. Essa lógica de pré-requisitos excluiu os alunos, por muito
tempo, do acesso a textos plenos de sentidos e a usos mais elaborados da leitura e escrita. Na
leitura e escrita feita nesse sentido, prioriza-se o uso social, o sentido e a entrada no mundo da
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escrita, ou seja, na cultura do escrito, pois formar crianças letradas é dar-lhes instrumentos
para obter informações, atualizar-se, conhecer o ponto de vista de pessoas próximas ou
distantes, e ainda viver as emoções e aventuras narradas pelos autores de obras literárias.
Com essa análise, nota-se a importância de determinados procedimentos que
facilitem esse processo de mudança, além de tentarmos compartilhar com a escola e sobretudo
com a professora, idéias que provoquem uma inquietação em sua prática docente, pois, como
já mencionamos anteriormente, após realizarmos a pesquisa, sentimo-nos cúmplices desse
processo, e dessa forma procuraremos, a partir desta pesquisa, contribuir para que as crianças
observadas possam ter acesso a melhores condições de aprendizagem.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2005.
______. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2005.
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