1 ASPECTOS DE UMA CRISTOLOGIA MESSIÂNICA: A PARTIR DA REFLEXÃO DE JÜRGEN MOLTMANN A relevância do artigo parte do pressuposto que “a discussão teológica presente desenvolve uma tendência difusa de atribuir a cada começo cristológico, um perfil próprio de Jesus que não seja deduzido do judaísmo” 1 daquela época, uma “co-culpa naquele anti-semitismo” 2. Pois assim, soa a argumentação: “Quem o inquebrado ser judeu de Jesus negasse, continuaria fazendo malha na legenda fatal de judeus como ‘os assassinos de Deus’” 3. Essa observação é o caso da teologia sistemática atual, ou a tese reflete somente a falta de conhecimento da matéria e a insensibilidade polemicamente distorcida na reflexão teológica, na base da qual uma voz do dialogo judaicocristão deixou de existir? Para ver isso mais claramente, é preciso questionar a teologia sistemática até que ponto os seus esforços de renovação no dialogo judaicocristão se precipita nela. Para a realização desta reflexão, utiliza-se a obra O Caminho de Jesus Cristo do teólogo alemão Jürgen Moltmann, como base e direcionadora do artigo, que dialoga com outras obras de Moltmann, e com outros teólogos tais como: Guilhermo Cook, R. Gibellini e G. Neuhaus. Entende-se que a abordagem realizada por Jürgen Moltmann acerca do Jesus messiânico, é capaz de aproximar e refletir o diálogo judeu-cristão, e desta forma, elaborar uma teologia sistemática em que a cristologia seja mais “humanizada” e menos anti-semita. 1. A TEOLOGIA COMO DEFENSORA DO JESUS MESSIÂNICO A teologia sistemática deve assegurar a universalidade de Jesus Cristo na história de salvação, como salvador, e conservar tanto o próprio do cristão como do judaico, sem violar a significância para a salvação e a vocação também do judaísmo pós-bíblico como caminho em si próprio de salvação dado por Deus. 1 MOLTMANN, 1997, PP. 110 COOK, 1990, pp. 87 3 NEUHAUS, 1999, pp. 131 2 2 Isso, porém, não deve fazer esquecer o interesse de pesquisas intensas, o qual alcança quase todas as áreas da cristologia cristã, provando com isso, que, no dialogo judaico-cristão, se trata não de um acidente teológico, mas de uma “virada” às origens próprias, de uma mudança de paradigmas da coordenação de cristandade e judaísmo. Nisso, a idéia de “aliança” bíblica se muda cada vez mais fortemente para o centro. “Israel e igreja não estão lado a lado como duas alianças paralelas. Também não estão caminhando num caminho de salvação “duplo”. Ambos estão numa aliança de Deus comum, dinâmica” 4,em que deve ser situado a “Nova Aliança na Antiga”. Só por Jesus os não-judeus recebem participação nas promissões de Deus para salvação. O messianismo é a idéia original mais profunda do judaísmo, reclamava Martin Buber com razão. O messianismo é a idéia com a qual israel presenteou o mundo, concordou G. Scholem. Ele não é apenas uma idéia no Antigo Testamento; muito antes, é o Antigo Testamento em geral, como o ‘livro de uma esperança em constante crescimento (V. Rad), aponta para além de si próprio e de todo cumprimento histórico. Na própria história de Israel acumula-se, segundo sua interpretação profética, um ‘explosivo’ e, ao ‘chegar a explosão, ela não é revolucionária, mas messiânica 5. A missão do cristianismo compreende-se como a forma com a qual Israel perpassa o mundo dos ovos com esperança messiânica pelo Deus vindouro. O cristianismo e a teologia sistemática, nada perdem quando reconhecem esta permanente raiz judaica de sua esperança. 2. A CRISTOLOGIA NO DIALOGO JUDEU-CRISTÃO No centro das conversas judeu-cristãs está inevitavelmente a questão do Messias: “‘És tu aquele que deve vir, ou devemos esperar outro?’ A esperança pelo Messias nos leva até Jesus, mas também impede que os judeus vejam em Jesus que chegou o Messias esperado” 6. Percebe-se que a igreja se sustém na fé do Cristo que veio como a redenção da humanidade, que se tornou acessível através de Deus. Já Israel, 4 NEUHAUS, 1999, pp. 150 MOLTMANN,1989, pp. 19 6 __________,1997, pp. 120 5 3 não pode crer nisto. “Não se trata de falta de vontade ou de fincar pé numa reação de teimosia, porém de um ‘não-poder-aceitar’” 7. 2.1. REFLEXÃO JUDAICA Na reflexão judaica entende-se que a história do mundo não se rompeu até o seu fundamento, que o mundo ainda não está liberto. Experimenta-se o mundo não liberto. É justamente essa experimentação que a igreja pode ou deve compreender como a consciência judaica da não libertação. A libertação do mundo do mundo para o judeu, significa uma unidade indissociável com a plenificação da criação, com a instituição da unidade, que não pode mais ser impedida por nada, que não comporta mais contrariedades e que se realiza no todo da diversidade do mundo; unidade como o reinado pleno de Deus.8 Os judeus não concebem uma cisão na história. Não vê nela nenhum meio, porém só uma meta, a meta do caminho de Deus que não se detém no seu caminho. Libertação ou remição, para o judeu, significa libertação de todo o mal. 2.2. REFLEXÃO CRISTÃ Para cristologia da igreja histórica, Jesus e Nazaré, o messias que veio, é o servo de Deus sofredor, que cura pelas suas feridas e vence pelo seu sofrimento. Ele ainda não é o Cristo da parusia, que vem na glória de Deus que liberta o mundo para o reino. [...] Ele é o cordeiro de Deus e ainda não o leão de Judá. O que já veio a esse mundo através do Cristo que veio e está presente são as justificações dos gentios e a reconciliação dos inimigos, porém ainda não a “libertação do mundo” [...] O amor de Deus manifestou-se através de Cristo. A glória de Deus, porém, ainda não irrompeu de seu velamento. Por isso, a vida dos cristãos aqui e agora está ainda “escondida com Cristo em Deus” por força da esperança de que quando Cristo se revelar, eles também serão revelados com ele na sua glória 9. Como os homens já gozam agora de paz com Deus e através de Cristo, não mais se conformam com esse mundo sem paz. Porque estão reconciliados com Deus eles sofrem nesse “mundo não-liberto” e “suspiram” juntos com toda 7 MOLTMANN, 1997, pp.120 MOLTMANN, 1997, pp.121 9 __________, 1997, pp. 123 8 4 a criação escravizada, pela vinda da glória de Deus. “O sim cristão a Jesus, o Cristo, não está, portanto, encerrado em si mesmo e pronto, porém aberto para o futuro messiânico de Jesus” 10. Trata-se de um sim escatológico-antecipador e precedente. 3. UMA CRISTOLOGIA JUDAICO-CRISTÃ Se se há que procurar o “sim” cristão, no sentido de descobrir no “não” judaico a positividade e a vontade de Deus, este deverá ser o ponto de partida para uma “teologia cristã do judaísmo”, não em uma cristologia anti-judaica, mas numa cristologia pró-judaica. Para a cristologia cristã, porém, ela só é possível “quando também a teologia judaica procura compreender o ‘mistério’ do cristianismo sob a ótica do ‘não’ judaico” 11. A idéia do Deus que promete o messias por meio de seu esperar é uma idéia bonita, porque “nela se concebe a Deus não apenas de modo ativo, mas também passivo. Deus não dá somente, mas também recebe” 12. Deus permite que o messias venha por meio de seu esperar. Ele lhe concede seu próprio espaço. No entanto o messias vem para preparar para o próprio Deus o caminho para seu descanso. A esperança messiânica jamais foi a esperança dos vencedores e dos dominantes, mas sempre a esperança dos vencidos e subjugados. “A esperança do povo pobre oura não é senão a esperança messiânica” 13. Desta forma, a concepção de uma cristologia judaico-cristão, é fundamental para o desenvolvimento teológico, e para que a teologia sistemática consiga atuar de forma “completa” em deveras áreas através da cristologia. 4. CONCLUSÃO Não existe a cristologia incondicional. A condição histórica da cristologia é a promessa do messias do AT. E a esperança judaica fundamentada na Bíblia hebraica. Somente se reconhece à Cristo de forma autêntica quando se reconhece a ele e a sua história à luz das promessas do AT. E da história de 10 GIBELLINI, 1998, pp. 31 MOLTMANN,1997, pp. 129 12 __________, 1988, pp 32 13 __________, 1988, pp. 33 11 5 esperança do Israel atual. “Que outra coisa significa ‘cristologia’ senão messianologia? ‘O Cristo’ é o messias de Israel. O messias de Israel é o ‘ungido de Javé’“ 14. Sem dúvida, a messianologia cristã tem marca da figura de Jesus, de sua mensagem e sua especial história com Deus. Nenhuma cristologia cristã deve tentar liquidar a esperança messiânica judaica. “Jesus não é o fim do messias. Também não deve querer herdar a esperança messiânica judaica, para com isso, de forma inconsciente ou consciente, declare morto o messias” 15. desistir da esperança messiânica de Israel. Autor: Douglas Siqueira dos Santos 14 15 __________, 1988, pp. 17 Ibidem, pp. 19 Nenhuma cristologia cristã pode 6 5. BIBLIOGRAFIA COOK, Guillermo. Teologia Alemana y Teologia latinoamericana: de la liberacion, um esfuerzo de diálogo... GIBELLINI, R., A Teologia do Século XX, trad. João Peixoto Neto, São Paulo: Edições Loyola, 1998. MOLTMANN, Jürgen. Quem é Jesus Cristo para nós hoje?... MOLTMANN, Jürgen. O Caminho de Jesus Cristo: cristologia em dimenssões messiânicas... NEUHAUS, Gerd. Nenhuma paz sem reivindicação absoluta cristã...