ASSOCIAÇÃO DE TÉCNICAS CIRÚRGICAS INTRA E EXTRA-ARTICULAR NO TRATAMENTO DE RUPTURA DO LIGAMENTO CRUZADO CRANIAL EM CÃES DE GRANDE PORTE – RELATO DE CASOS ASSOCIATION OF INTRA AND EXTRA ARTICULAR SURGICAL TECHNIQUES TO TREAT CRANIAL CRUCIATE LIGAMENT RUPTURE IN LARGE DOGS – CASES REPORT Silvio Henrique de Freitas1, Renata Gebara Sampaio Dória2, Lázaro Manoel de Camargo1, Luciane Maria Laskoski3, Mariana Bueno Carvalho1, Cristiano Ian Presser4, Rita de Cássia Souza4, Roberto Moreira6, Marcelo Diniz dos Santos5, Andréia Stragliotto1 Resumo Foram estabilizadas cirurgicamente duas articulações com ruptura de ligamento cruzado cranial em dois cães das raças São Bernardo e Boxer, por meio de associação de técnicas intra e extra-articular. Os animais tinham histórico de claudicação do membro pélvico, instabilidade da articulação do joelho e “sinal de gaveta cranial”. A associação das duas técnicas nestes casos conferiu excelente estabilização articular com ausência de movimentos cranial de gaveta no pós-operatório imediato, utilização precoce do membro acometido e retorno dos pacientes às atividades normais. Palavras chave: Fáscia lata, poliamida, joelho. Summary Two knee joints with cranial cruciate ligament ruptures were surgically stabilized in two dogs of the St. Bernard and Boxer breed, using the association of intra and extra joint techniques. The animals had a history of claudication of the hindlimb, knee joint instability and “cranial drawer signal”. The combination of the two techniques in these cases gave excellent joint stabilization with no “cranial drawer” motion, early support of the affected limb in the postoperative period and return of the patients to the normal activities. Key Word: Fascia lata, poliamide, stifle joint. Introdução O ligamento cruzado cranial (LCC) é um dos componentes de estabilização da articulação fêmoro-tibio-patelar, que impede o deslocamento cranial da tíbia em relação ao fêmur, a hiperextensão e a rotação interna da tíbia (IAMAGUTI et al., 1998). O estresse excessivo sobre essa articulação pode resultar em ruptura completa ou parcial do ligamento cruzado cranial (RLCC) (DUPUIS e HARARI, 1993; MUZZI et al., 2003). O diagnóstico é confirmado por meio de exames físico e ortopédico, realizados com o paciente em decúbito lateral, onde é possível observar o deslocamento cranial da extremidade proximal da tíbia em relação ao fêmur (BIASI et al., 2005). O tratamento pode conservador, com uso de _______________________ 1 Professores de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cuiabá - FMVETUNIC. [email protected]. 2 Professora da Disciplina de Clínica e Cirurgia de Equinos do Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da Universidade de São Paulo (USP). 3 Professora de Clínica de Grandes Animais da Faculdade de Medicina Veterinária - UNIC. 4 Residente da Faculdade de Medicina Veterinária – UNIC. 5 Professor de Reprodução da Faculdade de Medicina Veterinária – UNIC. 6 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biociência Animal da FMVET-UNIC analgésicos e repouso do paciente, ou cirúrgico, utilizando técnicas intra ou extra-articular. A estabilização intra-articular tem como objetivo reparar ou substituir o LCC por tecido autógeno, implante natural ou sintético, enquanto que a técnica extra-articular, além da fáscia lata, também utiliza-se materiais sintéticos, transposição de ligamentos e osteotomias corretivas (SANDMAN e HARARI, 2001; FREITAS et al., 2009). Estabilizar cirurgicamente as articulações dos joelhos com RLCC por meio de uma associação de técnicas intra e extraarticular. Metodologia Foram atendidos no Serviço de Cirurgia de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da Universidade de Cuiabá (HOVET-UNIC), dois caninos, sendo um da raça São Bernardo e outro da raça Boxer, com histórico de claudicação do membro pélvico e instabilidade da articulação do joelho, com diagnóstico confirmado por meio de exames físico e ortopédico, “sinal de gaveta cranial”, ocorrido há 5 dias e 3 meses respectivamente. Ao exame radiográfico da articulação do joelho do primeiro cão, não observou-se alterações que caractrizasse doença osteoarticular degenerativa (DAD), porém, no segundo animal já havia pequenas reações ósseas nas bordas da tróclea. Em seguida, os animais foram encaminhados para cirurgia, onde criou-se uma incisão parapatelar lateral sobre a pele, partindo do terço proximal do fêmur em direção ao terço proximal da tíbia, seguida da divulsão do subcutâneo e visualização da fáscia lata, que foram realizadas duas incisões paralelas, obtendo-se um retalho de 10mm de largura, fixo à crista da tíbia, seguida da artrotomia para remoção dos remanescentes do LCC e avaliação dos meniscos. Realizou-se, então, uma perfuração com perfurador manual de 6,0 mm de diâmetro, partindo da porção crânio-lateral da tíbia, emergindo no ponto de inserção do LCC na mesma e uma segunda perfuração partindo da inserção do LCC no fêmur emergindo no epicôndilo lateral do mesmo. Com intuito de favorecer a fixação da fáscia lata, foi criada uma terceira perfuração, partindo do orifício de saída da segunda perfuração, no epicôndilo lateral do fêmur, emergindo em direção à base distal da fabela lateral. O retalho da fáscia lata foi, primeiramente, introduzido na primeira e segunda perfuração, saindo no epicôndilo lateral do fêmur e, por último, introduzido na terceira perfuração, porém, de maneira retrovertida, ou seja, no orifício de saída, na base da fabela, seguindo em direção à porção lateral epicôndilo femoral, entrando em contato, dessa forma, com a própria fáscia lata. Após flexionar a articulação do joelho em ângulo de estação, rotacionar externamente a tíbia e mantê-la caudalmente para eliminar o movimento de gaveta cranial, a fáscia lata foi fixada a ela mesma, por meio de pontos simples separados com poliamida (2-0) e a capsulorrafia com ácido poliglicólico (3-0). Para estabilização retinacular lateral, criou-se duas perfurações na crista da tíbia com perfuratriz elétrica de baixa rotação com broca de 1,5mm de diâmetro, distando 5mm uma da outra. Pela perfuração proximal, sentido látero-medial, introduziu-se o fio monofilamentar de poliamida (1,2mm), que retornou-se pelo orifício distal, o qual foi direcionado à terceira perfuração, criada previamente no epicôndilo lateral do fêmur, saindo na base distal da fabela e retornando em direção à crista da tíbia, onde tiveram suas extremidades introduzidas, em sentido contrário, numa “luva” de aço cirúrgico inoxidável. Em seguida, as extremidades do fio de poliamida foram conectadas numa pinça auto-estática de ajuste, a estabilidade articular conferida e a “luva” apertada com um alicate de compressão. A articulação foi imobilizada com atadura por duas semanas, caminhadas controlada (guia) e o animal mantido em local com espaço reduzido até a completa recuperação da capacidade de deambulação. Resultados e Discussão O tratamento cirúrgico para a RLCC tem como objetivo estabilizar a articulação, promover o retorno à função normal do membro e reduzir DAD (IAMAGUTI et al., 1998; 2 BIASI et al., 2005). Nas técnicas cirúrgicas tradicionais para reparação cirúrgica intraarticular da RLCC com a fáscia lata, a mesma pode ser fixada ao epicôndilo lateral do fêmur por meio de parafuso com arruela ou suturas simples separadas ao periósteo (SILVA et al., 2000; FREITAS et al., 2009). Contudo, nesse estudo, foi proposta uma modificação das técnicas tradicionais, realizando-se um terceiro orifício (FREITAS et al., 2009) no epicôndilo femoral em direção à pela base da fabela por onde a extremidade próxima foi introduzida de maneira retrovertida e fixada sobre a mesma com sutura simples com poliamida (2-0), associada à estabilização retinacular lateral utilizando fio de poliamida que foi estabilizado com uma “luva” de aço ortopédico. A RLCC, quando não tratada precocemente, pode progredir para DAD (BIASI et al., 2005), o que não estava caso do São Bernardo, provavelmente, devido ao curto espaço de tempo transcorrido do início da afecção até o procedimento cirúrgico, contudo, no segundo paciente, no trans-operatório, notou-se presença de osteófitos localizados nas bordas da tróclea, confirmando doença osteoarticular. Conclusão A associação das duas técnicas nestes casos conferiu excelente estabilização articular com ausência de movimentos cranial de gaveta, utilização precoce do membro acometido no pós-operatório e retorno dos pacientes às atividades normais. Referências Bibliográficas BIASI, F.; RAHAL, S.C.; VOLPI, R.S. et al. Reconstrução do ligamento cruzado cranial em cães, associado ou não ao sulfato de condroitina. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.57, p.442-447, 2005. DUPUIS, J.; HARARI, J. Cruciate ligament and meniscal injuries in dogs. Compendium on Continuing education for the Practicing Veterinarian, v.15, p.215-232, 1993. FREITAS, S. H.; DÓRIA, R. G. S.; SANTOS, M. D. Método alternativo na reparação cirúrgica intra-articular da ruptura do ligamento cruzado cranial em cães - relato de caso. In: XXXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 2009, Porto Seguro. Anais..., Porto Seguro, 2009. CD-ROM. IAMAGUTI, P.; TEIXEIRA, R.B.; PADOVANI, C.F. Ruptura do ligamento cruzado em cães. Estudo retrospectivo da reconstituição com fáscia lata. Ciência Rural, v.34, n.2, p.131138, 1998. MUZZI, L.A.L.; REZENDE, C.M.F; MUZZI, R.A.L. et al. Ruptura do ligamento cruzado cranial em cães: fisiopatogenia e diagnóstico. Clínica Veterinária, v.46: p.32-42, 2003. SANDMAN, K. M.; HARARI, J. Canine cranial cruciate ligament repair techniques: is one best? Veterinary Medicine, v. 96, p.850-856, 2001. SILVA, A. M.; DELCARLO, R. J.; FONSECA, C. C. et al. Aspectos macro e microscópicos da fáscia lata utilizada como substituto autógeno do ligamento cruzado cranial. Estudo experimental em cães. Ciência Rural, v.30, p.275-280, 2000. 3