ENCONTRO DE BIOÉTICA DO PARANÁ – Bioética início da vida em foco. 1, 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009. Disponível em: http://www.pucpr.br/congressobioetica2009/ 109 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA APLICADA EM CASOS DE INFERTILIDADE ASSOCIADOS À ENDOMETRIOSE Marjuriquelli de Souza1 Leide Conceição Sanches2 Maria Cecilia Da Lozzo Garbelini3 Resumo A endometriose caracteriza-se pela presença de tecido endometrial fora do seu sítio habitual, podendo ocorrer em locais diversos da cavidade abdominal, como ovários, ligamentos uterinos, septo reto-vaginal entre outros. A endometriose atinge hoje cerca de sete milhões de mulheres no Brasil, sendo uma patologia muitas vezes incapacitante, pois em sua sintomatologia apresenta quadros de dor pélvica, representada por dismenorréia, dispareunia, disúria e disquezia. Tem sido observada em mulheres com idade entre 12 e 80 anos, sendo a idade média de diagnóstico em torno de 28 anos. Muitas teorias tentam explicar o surgimento da endometriose, embora nenhuma tenha sido comprovada efetivamente. O tratamento da endometriose varia de acordo com o grau das lesões, podendo ser realizado desde o tratamento farmacológico ate o tratamento cirúrgico radical, onde é realizada uma histerotectomia. Um dos sintomas que pode estar associado à endometriose é a infertilidade. Em muitos casos, mulheres com endometriose, para conseguirem engravidar, necessitam recorrer a métodos de reprodução assistida com a implicação de procedimentos caros e ainda de difícil e demorado acesso no Sistema Único de Saúde. Palavras-chave: Endometriose. Infertilidade. Reprodução assistida. 1 Acadêmica do Curso de Graduação em Biomedicina das Faculdades Pequeno Príncipe. Mestranda em Sociologia, pela UFPR. Professora de Antropologia e Sociologia dos Cursos de Biomedicina, Enfermagem e Farmácia das Faculdades Pequeno Príncipe. 3 Doutora em Biologia Celular e Tecidual. Professora dos Cursos de Biomedicina, Enfermagem e Farmácia das Faculdades Pequeno Príncipe. 2 110 1 INTRODUÇÃO Conceitua-se endometriose como sendo doença não neoplásica, na qual o tecido endometrial ativo, com glândulas e estroma, é encontrado fora do útero, ou seja, fora do seu sítio habitual, que é a cavidade uterina (PIATO, 2002, p. 179). Embora a endometriose tenha sido descrita há mais de um século atrás, a patologia continua a ser uma das enfermidades polêmicas e não completamente elucidada que afeta as mulheres (KISTNER, 1989, p. 420). O local mais comum dos implantes é a cavidade peritoneal, mas lesões têm sido ocasionalmente encontradas na cavidade pleural, fígado, rim, músculos glúteos e bexiga. A localização anatômica e a resposta inflamatória a essas lesões parecem ser responsáveis pelos sinais e sintomas associados ao binômio endometriose / infertilidade (KONDO, 2009, p. 35). Atualmente a mulher assumiu uma dupla jornada de trabalho, ficando assim muitas vezes exposta a uma má alimentação e estresse, condições essas que podem favorecer a uma diminuição do sistema imune deixando-a susceptível ao aparecimento de novas doenças. A nova rotina das mulheres também leva ao adiamento da reprodução, expondo-a a um maior número de ciclos menstruais, o que pode contribuir para o surgimento da endometriose. As condições de endometriose associada à infertilidade apresentam um caráter socioeconômico importante, visto que se houver a necessidade de um tratamento para a infertilidade, o mesmo é de valor alto, sendo de difícil acesso no Sistema Único de Saúde (SUS). O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma revisão da literatura referente aos aspectos gerais da endometriose e sua relação com a infertilidade feminina, assim como a perspectiva da bioética referente ao acesso de pacientes ao tratamento da infertilidade por técnicas de reprodução assistida (RA). Os dados referentes à etiologia da doença, aos números de pacientes afetados e a relação entre a endometriose e infertilidade, são bastante conflitantes e devido a esses fatos compreender as principais características da patologia se faz necessário. Esta revisão bibliográfica tem caráter exploratório e foi realizada através de pesquisa bibliográfica em livros técnico-científicos e artigos científicos encontrados em bases de dados eletrônicas como Scielo, Bireme e Google acadêmico utilizando as seguintes palavras-chave: endometriose, infertilidade, bioética e reprodução assistida. 111 2 EPIDEMIOLOGIA A endometriose tem sido observada em mulheres com idade entre 12 e 80 anos, sendo a idade média de diagnóstico em torno de 28 anos. A exposição aos hormônios ovarianos parece ser essencial para o desenvolvimento desta condição (KONDO, 2002, p. 34). Hesla e Rock (1997) afirmaram que a prevalência da endometriose situa-se entre 2% e 5% da população feminina em idade reprodutiva. Para Wes (1990) e Candiani (1991) a prevalência varia entre 5% e 10% (PIATO, 2002, p. 180). No Brasil acredita-se que hoje cerca de sete milhões de mulheres sejam afetadas pela endometriose (NAVARRO, 2006). Em mulheres com infertilidade, a prevalência varia de 20 a 50% e acredita-se que a endometriose tenha um papel deletério no potencial de fertilidade dessas mulheres (NAVARRO, 2006). A endometriose pode acometer em ordem decrescente de frequência os seguintes locais: (1) os ovários; (2) os ligamentos uterinos; (3) o septo reto-vaginal; (4) o peritônio pélvico; (5) as cicatrizes de laparotomias; e (6) raramente o umbigo, a vagina e o apêndice. Sendo que desses, o local de acometimento mais comum é o ovário e em 50% das pacientes ambos os ovários estão acometidos (KUMAR, 2002, p. 1131 e KISTNER, 1989, p. 426). É mais comum em mulheres que adiam a procriação. Os fatores de risco para a endometriose podem ser menarca precoce; menstruações regulares com ciclos mais curtos (<27 dias); duração maior do período menstrual (>7 dias) ou fluxo intenso; dor menstrual maior e familiar de primeiro grau acometida (PORTH, 2006, p. 976). É importante ressaltar que em mulheres que têm familiares de primeiro grau afetadas com a enfermidade, a possibilidade de desenvolvimento da endometriose é sete vezes maior, sugerindo que ela pode ser transmitida de uma forma poligenética multifatorial (BADALOTT, 1997). 3 SINTOMATOLOGIA Esta afecção pode cursar com uma grande diversidade de manifestações clínicas. Podemos encontrar desde pacientes assintomáticas até quadros de dor pélvica intensa, sintomas decorrentes de lesão em órgãos não reprodutivos e infertilidade. Os sintomas associados a esta doença geram repercussão em todos os aspectos na vida de suas portadoras, devendo-se dispensar especial atenção a todas as queixas (NAVARRO, 2006). A dor pélvica, representada por dismenorréia, dispareunia, disúria e disquezia, está presente na maior parte das mulheres com endometriose. Geralmente se inicia antes da 112 menstruação e continua durante todo o período menstrual. A dor pode se referida em regiões músculo-esquelético como flancos, região lombar baixa ou panturrilha (KONDO, 2009, p. 33). As irregularidades menstruais são comuns, e a infertilidade corresponde à queixa de 30% a 40% das mulheres (KUMAR, 2002, p. 1131). Dentre todos os sintomas é mais comum que a paciente com endometriose esteja acompanhada da tríade sintomática clássica, dismenorréia, dispareunia e infertilidade (PIATO, 2002, p. 179). 4 ETIOPATOGENIA Ao longo dos anos foram apresentadas várias teorias para explicar a etiopatogenia do processo endometriótico. Nenhuma delas se aplica totalmente em todos os casos e é possível até que as diversas teorias se interajam (PIATO, 2002, p. 181). Estudos clínicos e laboratoriais suportam a idéia de que a endometriose é uma patologia estrógeno dependente, sendo necessária a concentração de estradiol superior a 60 pg/ml para proliferar as lesões endometrióticas. Fatores de crescimento e polipeptídios, estimulados pelos estrógenos, são produzidos nas células peritoneais e colaboram para a proliferação endometriótica. Merece destaque especial o PGF (fator de crescimento de plaquetas), relacionado especialmente com a proliferação estromal. Existem também fatores de crescimento derivados dos macrófagos em concentração aumentada no fluido peritoneal de mulheres com endometriose (PIATO, 2002 p. 181). Existem três explicações possíveis com respeito à origem dessas lesões dispersas, que não são mutuamente excludentes (KUMAR, 2006, p. 1132). 5 TEORIA DA MENSTRUAÇÃO RETRÓGRADA Essa hipótese, também conhecida como teoria da implantação, foi proposta por Sampson, em 1892, e segundo a mesma, o transporte do tecido endometrial se dá de forma retrógrada, através das tubas uterinas, mediante condições predisponentes, como a retroflexão uterina (PIATO, 2002, p. 182). A menstruação retrógrada ocorre com regularidade mesmo em mulheres normais e pode possibilitar a disseminação do tecido endometrial pela cavidade peritoneal. A implantação pode ocorrer na superfície peritoneal ou em qualquer outro órgão da cavidade abdominal (PIATO, 2002, p. 183 e KUMAR, 2006, p. 1132). 113 Esta teoria é a mais aceita para explicar boa parte dos implantes peritoneais (PIATO, 2002, p. 183). Se a laparoscopia é realizada durante a menstruação, pode-se demonstrar o fluxo menstrual retrógrado em 90% das mulheres (BADALOTTI, 1997, p. 155). 6 TEORIA DA DISSEMINAÇÃO LINFÁTICA OU HEMATOGÊNICA Como a endometriose pode ocorrer em órgãos à distância, inacessíveis pela menstruação retrógrada (endometriose pulmonar, por exemplo), são impossíveis explicar todos os casos da doença pela teoria anterior. A disseminação através de vasos sanguíneos e linfáticos pélvicos explicaria a presença de lesões endometrióticas nos pulmões como no exemplo citado (PIATO, 2002, p. 183 e KUMAR, 2002, p. 1132). 7 TEORIA DA METAPLASIA CELÔMICA Essa teoria foi proposta por Iwanoff, em 1898 e fundamenta-se na afirmação de que o tecido endometrial ectópico é fruto da diferenciação do epitélio celômico que, embriologicamente, é o tecido precursor da mucosa genital (PIATO, 2002, p. 183). Resumidamente a teoria defende que o endométrio surgiria diretamente do epitélio celômico, a partir do qual os ductos müllerianos e posteriormente o próprio endométrio se originaria durante o desenvolvimento embrionário (KUMAR, 2002, p. 1130). 8 DEFICIÊNCIA IMUNOLÓGICA Essa teoria propõe que alterações no sistema imunitário possibilitam o desenvolvimento de endometriose. A literatura descreve que mulheres com endometriose apresentam uma deficiência na imunidade celular, na habilidade de reconhecer o material endometrial e uma diminuição da citotoxicidade mediada por células T para antígenos do tecido endometrial (OLIVE et al, 1985 e OOSTERLYNCK et al, 1992, p. 296). Em mulheres com endometriose a alteração mais consistente na função do sistema imunológico é ressaltada ao nível do sistema monócito-macrófago. A principal observação refere-se ao número aumentado de macrófagos peritoneais bem como modificação na sua atividade, mas a função citotóxica está suprimida, especialmente em pacientes com endometriose grave (BADALOTTI, 1997, p. 156). Segundo Hesla e Rock (1997) a resposta citotóxica às células endometriais deve-se a 114 um defeito na atividade das células NK (natural killer), favorecendo o aparecimento de tecido endometrial ectópico (PIATO, 2002, p. 184). 9 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO A confirmação diagnóstica é sempre dependente da microscopia, mas a análise diagnóstica é feita por parâmetros clínicos, laparoscópicos, ultra-sonográficos e bioquímicos (PIATO, 2002, p. 184). Embora seja mais complexo e caro, a ressonância magnética tem demonstrado ser mais confiável, apresentando 90% de sensibilidade e 98% de especificidade para lesões endometrióticas ocultas à laparoscopia (PIATO, 2002, p. 185). O tratamento clínico da endometriose varia de acordo com sua extensão, localização e sintomas, assim como com a idade da paciente (JEFFCOATE, 1979, p. 441). O tratamento deve ser individualizado, considerando sempre os sintomas da paciente e o impacto da doença e do tratamento sobre a qualidade de vida (NAVARRO, 2006). As modalidades de tratamento incidem em três categorias: alívio da dor, supressão endometrial e cirurgia (PORTH, 2006, p. 976). 10 TRATAMENTO MEDICAMENTOSO Em mulheres jovens e não-casadas, a simples observação e analgésicos à base de antiprostaglandina (drogas antiinflamatórias não esteroidais) podem ser suficientes para o tratamento (PORTH, 2006, p. 977). O uso de terapia medicamentosa para endometriose é baseada no fato de que a endometriose responde a hormônios. Duas condições fisiológicas, gravidez e menopausa, estão freqüentemente associadas à resolução da dor provocada pela endometriose. Os análogos farmacológicos destas condições são os progestágenos e contraceptivos orais combinados, que levam a condições hormonais semelhantes a ocorrida durante a gravidez, e os androgênios e GNRHa, que promovem supressão do estrogênio endógeno (NAVARRO, 2006). O danazol é um androgênio que suprime as gonadotrofinas e age inibindo a ovulação. Seu uso no tratamento da endometriose está descrito desde 1971 (NAVARRO, 2006). O danazol apresenta pelo menos quatro propriedades farmacológicas que seriam responsáveis pela eficácia no tratamento da endometriose: (1) supressão do hormônio liberador da gonadotrofina; (2) interação direta com os receptores de andrógenos e progesterona 115 endometriais; (3) inibição direta da esteróidogênese ovariana e (4) aumento do clearance metabólico do estradiol e progesterona. Estas propriedades produzem uma condição endócrina que inibe o crescimento do tecido endometrial (KISTNER, 1989, p. 429). 11 TRATAMENTO CIRÚRGICO A cirurgia é o tratamento mais definitivo para muitas mulheres com endometriose (PORTH, 2002, p. 977). Se tratando de lesões com mais de 2 cm o tratamento deve ser cirúrgico. O objetivo da cirurgia deve ser a restauração das relações anatômicas, devendo-se ressecar ou fulgurar o máximo possível de focos de endometriose (PIATO, 2002, p. 185). A opção entre laparoscopia e laparotomia depende da experiência do cirurgião, da disponibilidade dos equipamentos, da extensão da doença e das condições locais da pelve. A cirurgia pode ser conservadora ou radical (PIATO, 2002, p. 187). O tratamento cirúrgico radical, só é recomendado em casos de intensa proliferação de focos endometrióticos, causando sintomatologia exuberante, em mulheres sem intenção de reprodução futura. Nesta cirurgia inclui-se a histerectomia (BASTOS, 1991, p. 229). 12 INFERTILIDADE ASSOCIADA À ENDOMETRIOSE A associação de endometriose e infertilidade já mostra evidencias, através de números, porém é difícil afirmar qual é a causa e qual é o efeito (JEFFCOATE, 1979, p. 446). Alguns estudos relatam que 20 a 50% das mulheres inférteis têm endometriose e 30 a 50% das mulheres com endometriose são inférteis, sugerindo um possível papel da endometriose na etiopatogênese da infertilidade (NAVARRO, 2006). Em casos mais graves de endometriose, em que é possível a observação de alterações da anatomia pélvica, não fica difícil entender que exista uma clara associação entre a endometriose e a infertilidade subsequente. Nestes casos, a fibrose, aderências, grandes destruições ovarianas nos dão uma explicação com base mecânica (MAHMOOD; TEMPLETON, 1990, p. 770). Vários mecanismos têm sido propostos para justificar a menor fertilidade em mulheres portadoras de endometriose, incluindo alteração na foliculogênese, levando à disfunção ovariana e pior qualidade dos oócitos, assim como os defeitos na fase lútea, levando a uma taxa de fertilização diminuída e a embriogênese anormal (KONDO, 2009, p. 34). 116 13 FOLICULOGÊNESE A foliculogênese alterada em mulheres com endometriose pode contribuir para disfunção ovulatória, pior qualidade dos oócitos, taxas de fertilização reduzidas, piores embriões e menores taxas de implantação (PELLICER et al, 2000). Mulheres portadoras de endometriose ovulam precocemente ou tardiamente. Os oócitos podem apresentar-se com capacidade de fertilização diminuída ou imatura no momento de sua liberação através dos ovários (ISAIA FILHO, 2006). 14 REAÇÃO INFLAMATÓRIA A endometriose está associada com alterações inflamatórias no fluido folicular e no fluido peritoneal. Concentrações aumentadas de linfócitos B, células natural killer, monócitos-macrófagos, interleucinas (IL-6, IL-1b, IL-10) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), assim como diminuição do fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) têm sido documentados no fluido folicular de parentes com endometriose e infertilidade (PELLICER et al, 1998). A reação inflamatória também é responsável por aderências nas tubas uterinas, ovários, útero e intestinos. Quando isto acontece, temos o comprometimento de maior gravidade, principalmente, quando estas aderências envolvem tubas uterinas e ovários, trazendo um real impedimento para que ocorra a fecundação e, consequentemente, a gravidez (ISAIA FILHO, 2006). 15 FUNÇÃO ESPERMÁTICA A reação inflamatória constante na cavidade peritoneal pode dificultar a mobilidade dos espermatozóides no interior das tubas uterinas dificultando ou até impedindo a fecundação (ISAIA FILHO, 2006). 16 TRATAMENTO DA ENDOMETRIOSE ASSOCIADA À INFERTILIDADE Alguns ensaios clínicos randomizados e controlados demonstraram que a administração de danazol, progestágenos ou agonistas do GnRHa não foi efetiva no tratamento da infertilidade associada a endometriose mínima ou leve. Assim, a supressão da 117 função ovariana por meio de terapia hormonal para melhorar a fertilidade nos casos de endometriose mínima e leve não é efetiva, retarda a possibilidade de gravidez e não deve ser oferecida como abordagem terapêutica única (NAVARRO, 2006). Os objetivos principais da cirurgia em pacientes com endometriose são retirar a maior quantidade de tecido possível e restabelecer a anatomia normal da pelve. O manejo delicado do tecido e a hemostasia meticulosa são fundamentais para evitar a formação de novas aderências e focos endometrióticos (NAVARRO, 2006). A cirurgia apresenta papel importante no tratamento de pacientes com endometriose grave acompanhada de alterações anatômicas, pois através da técnica cirúrgica é possível o restabelecimento da anatomia normal (KISTNER, 1989, p. 431). 17 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E FERTILIZAÇÃO IN VITRO (FIV) A realização de estimulação ovariana controlada com citrato de clomifeno ou gonadotrofinas, associada à inseminação intra-uterina, melhora a fertilidade em pacientes com endometriose mínima e leve (NAVARRO, 2006). Habitualmente, ocorrem divergências quanto à indicação das técnicas de reprodução assistida, na situação em que a presença de endometriose não esteja causando distorções nas tubas uterinas. Nesse caso, alguns médicos preferem a estimulação ovariana seguida de inseminação artificial com o esperma do marido (KIM et al,1996, p. 399). Para outros, a técnica de transferência intratubária de gametas seria a melhor alternativa terapêutica, particularmente nas pacientes com estádios mais leves de endometriose. Em geral, nas pacientes com endometriose mínima e leve, os resultados com o emprego da técnica de FIV são semelhantes aos observados nas pacientes sem endometriose (CHILLIK et al, 1985, p. 58). Naquelas pacientes com endometriose moderada e severa a aplicação da técnica de FIV pode apresentar resultados ruins (CHILLIK et al, 1985, p. 58). Por outro lado, segundo alguns autores os resultados com FIV são semelhantes nos diferentes estágios de evolução da doença (NAVARRO, 2006). 18 ENDOMETRIOSE, UMA DOENÇA DA MULHER MODERNA A endometriose ataca milhões de mulheres no mundo inteiro de maneira progressiva. Atualmente as mulheres têm menos filhos e consequentemente mais menstruações. Além 118 disso, com a dupla jornada de trabalho, a mulher de hoje está sujeita a uma má alimentação, estresse, condições desfavoráveis a manutenção da homeostase do organismo e principalmente do sistema imunológico. Esses fatores contribuem então para o aparecimento de patologias. Embora ainda não completamente elucidados, esses fatores podem contribuir para o surgimento da endometriose. Como foi descrito anteriormente, a endometriose pode ter uma relação direta com infertilidade. A endometriose apresenta um caráter socioeconômico importante, pois embora alguns autores já tenham relacionado esta patologia com mulheres de níveis sociais mais elevados, hoje sabe-se que ela pode afetar mulheres de todas as classes sociais. Em casos de infertilidade, a bioética a ser discutida é o acesso a técnicas de reprodução assistida, por mulheres de baixo poder aquisitivo, visto que o valor desses procedimentos em âmbito particular é de um valor elevado. 19 ACESSO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA ATRAVÉS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Elaborada pelo campo da medicina reprodutiva, a Reprodução Assistida (RA) descreve um conjunto de técnicas conceptivas que possibilitam a manipulação, seleção, doação e congelamento de gametas, tais como a Inseminação Artificial (IA), a Fertilização In Vitro (FIV), a Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide (ICSI), entre outras (ALFANO, 2008). Muitas mulheres e homens com problemas de fertilidade ainda se deparam com condições econômicas desfavoráveis para arcar com as despesas de um tratamento que chega a custar R$ 12 mil por tentativa (SAMRSLA, 2007). Instituído pela Constituição Federal de 1988, o SUS preconiza o acesso integral, universal e eqüitativo à saúde como direito de cidadania. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, no artigo XVI, prevê: "Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar a família", entendendo-se por família, marido, mulher e filhos (SAMRSLA, 2007). Em 2003, das 117 clínicas cadastradas na Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), nada menos que 47% estavam concentradas no estado de São Paulo e, destas, 54% estavam localizadas na capital. Até o ano de 2008, existiam apenas seis unidades de saúde pública oferecendo o tratamento de RA (SAMRSLA, 2007). No caso da reprodução humana assistida, a desigualdade no acesso a este serviço de saúde, é agravada pela inexistência, até o momento, de uma regulamentação específica sobre RA no Brasil, que 119 estivesse baseada nos preceitos do SUS e nos acordos internacionais de direitos fundamentais do indivíduo (ALFANO, 2008). As técnicas de RA deixam um campo aberto de discussão bioética. Com o desenvolvimento das novas tecnologias reprodutivas, o objeto de estudo da bioética se desloca tanto para a discussão do acesso igualitário à técnica de reprodução assistida, assim como para discussões no que diz respeito ao destino dos embriões supranumerários provenientes de procedimentos já realizados. Segundo Loyola (2005), poucos são os departamentos universitários especializados em bioética no Brasil, deixando clara a importância da criação de comitês responsáveis por essas discussões. 20 CONCLUSÃO A endometriose é uma patologia enigmática e embora ainda não completamente elucidada, apresenta alta taxa de prevalência entre as mulheres. Sendo uma doença progressiva o diagnóstico precoce e preciso é fundamental para o sucesso do tratamento. Em casos mais graves de endometriose é possível encontrar uma relação entre o binômio endometriose e infertilidade. O impacto bio-psico-social desta doença é elevado, tanto em nível individual, como de saúde pública. O tratamento deve ser individualizado, sendo importante não somente o diagnostico clínico como o diagnostico laboratorial complementar. É importante buscar com o tratamento não somente a cura da patologia como a melhoria no bem estar da paciente. Em casos de infertilidade, é importante buscar soluções no que se refere ao acesso das pacientes de baixo poder aquisitivo às técnicas de RA. Hoje são poucos os serviços públicos de saúde que disponibilizam técnicas de RA gratuitamente. Os objetivos do trabalho foram alcançados, à medida que foi possível apresentar as características gerais da endometriose e sua relação com a infertilidade, assim como deixar claro que o acesso ao tratamento por técnicas de RA, no SUS ainda é deficitário. 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