A OPERATIVIDADE – UMA FORMA DE MEDIAR O PENSAMENTO BARBOSA *, Laura Monte Serrat [email protected] Resumo Neste texto, abordam-se a influência do neoliberalismo na educação, seus malefícios na formação do ser pensante e a necessidade de organizar a resistência já exercida pelos profissionais docentes, às novidades educacionais que visam à formação do consumidor, e não do sujeito crítico, capaz de pensar e agir sobre a realidade. Sugere-se que a resistência seja organizada visando três aspectos importantes: o resgate da autoridade do professor; a preservação e a reconstrução do espaço coletivo para aprender; a retomada e o desenvolvimento da atividade docente para promover o pensamento, a interpretação dos fatos e de seus relatos, assim como a formulação de argumentos. A operatividade aparece como uma possibilidade de, a partir da diretividade, transformar o aluno em aluno aprendiz. Palavras-chave: Operatividade; Organização; Resistência; Autoridade; Coletividade. A operatividade – uma forma de mediar o pensamento [...]a escola do Capitalismo total1, isto é, a escola que deverá formar para a perda do sentido crítico de maneira a produzir um indivíduo incerto, aberto a todas as pressões consumistas (DUFOUR, 2005, p. 146). Estamos vivendo um momento histórico delicadíssimo, no qual a sociedade vigente, a sociedade do consumo, a serviço do capital e não das pessoas, produz uma forma de comunicação que interfere sobremaneira na formação dos seres pensantes. A publicidade passou a ser o quinto pilar institucional responsável pela formação dos sujeitos, tendo como objetivo principal vender, e não fazer pensar. Ao lado das outras instituições, a família, a igreja, a escola e o governo, a publicidade transformou-se em um mecanismo necessário a, pelo menos, três pilares já existentes na sociedade. Surge, na contemporaneidade, a igreja que negocia com seus fiéis, que faz adeptos através dos instrumentos de comunicação de massa, que vende ilusões e que se sustenta por meio da publicidade; a escola também, principalmente a escola particular, aderiu aos * Pedagoga, Especialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem, formada em Psicopedagogia e Teoria e Técnica de Grupos Operativos, Mestre em Educação pela UFPR. 1 O autor cita o termo cunhado por J. C. Michéa. 4263 outdoors, vende uniformes, mochilas e outros adereços com suas marcas, além de métodos de ensino. Ela organiza seus próprios materiais, reduz o conhecimento em apostilas e introduz muito pouco o conhecimento historicamente construído em suas formas originais, sem cortes. Profissionais de todas as áreas, as mais diversas, tornam-se formadores de professores, vendem seu conhecimento a preço de ouro e oferecem aos professores apenas informações, roubando deles o tempo para a reflexão e reelaboração do conhecimento. E o governo, este faz toda sua campanha eleitoral usando os recursos midiáticos para, na maioria dos casos, maquiar os candidatos, para aperfeiçoar imagens e construir situações por meio delas, sem conseguir melhorar meios internos para o resgate da moral e dos costumes humanos. Segundo Melman, o que está sendo instalado na sociedade é uma nova economia psíquica que abandonou qualquer forma de autoridade, retirou o impossível como um elemento formador de desejo e tornou o objeto de desejo totalmente acessível, construindo o que denominou “um homem sem gravidade”, solto e regido pelo gozo. Essa nova organização é, então, perfeitamente homogênea, sem que isto seja dito, sem que seja articulado com o desenvolvimento da economia de mercado. [...] essa ideologia é anônima, não tem responsável, e é isso que desarticula. Para ser ativa, ela não tem mais necessidade de voz, não tem mais necessidade de referir-se a um autor, nem de ser revelada, porque funciona num campo lógico em que não há mais impossível. Em outras palavras, o real tornou-se, para cada um de nós, uma dimensão, de tal forma improvável, que não sabemos mais distinguir realidade e virtualidade (MELMAN, 2003, p. 180). Melman afirma, ainda, que os primeiros a reconhecer este ser humano novo, sem gravidade, regido pelo gozo, foi a publicidade, seguida do jornalismo e da política. “E ei-nos, então, numa sociedade organizada pelo individualismo exacerbado e pela concorrência de um contra todos. Assim, o homo fabricado substituiu o homo faber” (MELMAN, 2003, p. 182). Como fazer pensar um ser humano fabricado? A escola tem aí um papel importante e quase impossível. Sozinha, não conseguirá fazer a mudança, mas poderá incomodar o funcionamento deste sistema sem dono que, na verdade, somos todos nós. Não podemos deixar, no entanto, de considerar a escola mergulhada nesse contexto, reproduzindo o que acontece na sociedade e lutando para criar mecanismos produtores de pensamento, como se estivesse remando contra uma maré capitalista que, como uma onda gigante, invade, arrasa, ameaçando todos os mecanismos já conhecidos, construídos na história humana. 4264 A escola, portanto, no seu interior, tem reproduzido o movimento necessário para a formação do cliente, ao invés de formar o aluno aprendiz, capaz de pensar e criticar o sistema no qual está vivendo. Os professores, por outro lado, têm sido convidados a serem vendedores desses mecanismos, para que a escola sobreviva. Entretanto, eles resistem; talvez, sejam os componentes do grupo humano que poderão fazer a diferença. Onde tudo muda repentinamente, o professor é aquele que imprime a resistência, que será capaz de fazer com que os freios sejam acionados, para que a mudança seja pensada e organizada. Essa resistência, no entanto, precisa ser organizada e discutida por nós todos, professores de formação, que ainda ocupamos o lugar da docência. O movimento precisa ser acionado a partir de três grandes objetivos de resgate: - da autoridade na relação professor / aluno / conhecimento; - do espaço coletivo como espaço de aprendizagem, de pensamento e reflexão; - da atividade para promover o pensamento e a capacidade crítica dos professores e dos alunos aprendizes. Resgatar a autoridade fundamenta-se no fato de que não nascemos prontos e acabados, como muitos animais. Somos inteiros, mas incompletos; como nos ensinou Paulo Freire, somos inacabados. Esse inacabamento, esta inconclusão estão relacionadas a todos os seres vivos. Porém, na espécie humana, existe a consciência de sua existência e, por isso, inventouse a Educação e, como conseqüência, o Ensino e instrumentos para a Aprendizagem. Segundo nosso mestre, “Ensinar exige a consciência do inacabamento” (FREIRE, 1996, p. 55). Por termos tal consciência é que, como professores, nós não podemos desistir de nossa autoridade, aquela que se encontra localizada em nosso saber, a ferramenta mais importante a ser utilizada na relação com o aluno. Não como um instrumento de poder autoritário, como já foi utilizado, mas como a possibilidade de promover o pensamento e a reflexão. A partir do saber do aluno, traremos outros saberes para que, ancorando-os naqueles que já possui, o aprendiz possa ampliar suas possibilidades de pensar o mundo em que está mergulhado, para poder transformá-lo. Dufour critica a escola promovida pelo pensamento neoliberal, dizendo que a abolição da assimetria na relação professor/aluno, como desejam os pedagogos da contemporaneidade que se submetem a essa forma de pensar, fará cair por terra a fundação educativa e levará ao desenvolvimento da violência social. Sobre tais pedagogos, a quem chama de pedagogos pósmodernos, escreve: 4265 Eles não percebem que se, de fato, os numerosos jovens encontram-se hoje coagidos à violência, é porque o sistema que eles instalaram não lhes deixa outra saída: eles foram “produzidos” para escapar à relação de sentido e à paciente elaboração discursiva e crítica. Por isso, pode-se, sem dificuldade, predizer, contradizendo as certezas dos pedagogos pós-modernos que, quanto menos os alunos entrarem na relação professor-aluno, mais eles estarão sujeitos à violência. Com efeito, ao sair da relação de sentido, só se pode ir para a pura relação de forças e para uma era de violência generalizada (DUFOUR, 2005, p. 143). Essa relação de sentido, a que o autor refere-se, diz respeito a uma relação na qual o aluno, no discurso do saber, é colocado numa função crítica, e o professor coloca-se numa função de apresentar as propostas a serem pensadas. Segundo ele, as premissas que lançam a afirmação da autonomia do aluno, o ensino sem referência à matéria ensinada e a substituição do aprender pelo fazer são elementos que fazem parte do discurso da educação moderna, pondo por terra a relação de sentido e a autoridade do professor como alguém que precisa trazer um outro saber, o qual ultrapassa aquele que o aluno já possui. No entanto, nesse resgate da autoridade, o cuidado do professor na relação de ensinar/aprender está relacionado, principalmente, a sua atitude, de manter a distância, suficientemente ótima, daqueles que ensina, para não se transformar em um professor autoritário, mas manter sua autoridade, que está relacionada à sua capacidade de ser autor da sua profissão de professor. Talvez, a maior dificuldade esteja em ensinar colocando o foco no aprender. Isso não significa, simplesmente, discorrer o seu saber, mas provocar, com o seu saber, o saber do outro. Ao colocar o foco no aprender, é preciso não desvalorizar o saber a ser ensinado, fazendo crer que aquilo que os alunos já sabem é o suficiente, que basta desenvolver a capacidade de aprender (sem conteúdo) para aprender depois. O que desejo dizer com isso é que é perfeitamente possível resgatarmos a autoridade docente, sem precisar abandonar a idéia de autonomia, de interdisciplinaridade ou de fazer. O que é necessário observarmos é o quanto nos curvamos à necessidade do mercado para decidirmos como será a nossa prática educativa. Se tivermos consciência de que a autonomia é construída ao longo da vida, que interdisciplinaridade não anula a disciplina e que fazer é apenas uma dimensão do ser que aprende, podemos manter a assimetria necessária entre os protagonistas da escola, sem precisarmos retornar aos séculos autoritários. Outro objetivo importante dessa resistência está ligado ao espaço coletivo como espaço de aprendizagem, para contrapor o individualismo desvairado que está sendo alimentado pela sociedade de consumo, pela economia de mercado e pelo pensamento neoliberal, que chegam com toda a força às escolas. 4266 Se conseguirmos transformar o espaço de aprender num espaço de construção coletiva, teremos mais chances de fazer tal resistência, incomodar o sistema e ter alguma esperança de mudança. O espaço da sala de aula precisa mudar, para que ali possa existir um espaço coletivo de aprender. Espaço coletivo não significa apenas trabalhar em grupo, mas um espaço no qual exista o respeito entre professor-professor, coordenador-professor, professor-aluno e entre aluno-aluno, se formos nos restringir ao espaço específico de aprendizagem escolar; porém, esse respeito pode ser ampliado para funcionários, para pais e mães que, também, fazem parte da escola. Num espaço coletivo, todos precisam ter voz; no entanto, se esse espaço coletivo existe para ensinar/aprender, faz-se necessário que o professor tenha a primeira voz da relação, exponha a proposta, explique como vai funcionar, traga o saber sobre o qual o grupo trabalhará, para que o grupo possa iniciar seu trabalho a partir dessa proposta. Cabe ao professor a colocação do entorno para que os alunos não fiquem perdidos, possam conhecer a tarefa, a fim de poderem se debruçar sobre ela. O trabalho sobre a proposta pode ser individual ou grupal, pode ser lendo, escrevendo, fazendo ou pensando. No entanto, ele será coletivo se todos se dedicarem ao que está sendo proposto naquele momento, respeitarem o espaço de aprender e, posteriormente, puderem reelaborar as conclusões, junto com todos que participaram e sob uma coordenação docente, para uma próxima sistematização do conhecimento, a ser retomada pelo professor. Isso garantirá o avanço do pensamento. A autonomia (autogoverno) não é indesejada; o que é indesejado é o individualismo. A autonomia precisa se desenvolver na medida em que os alunos aprendam conteúdos, formas de tratá-los e atitudes para aprender. Não é preciso autorizar uma autonomia se não existir condição para ela naquele momento. A escola não quer permanecer autoritária, como foi em um tempo, mas não precisa se despir dos limites para julgar-se desenvolvendo seres autônomos. A autonomia, para Piaget (1998), é resultado de uma construção que passa pela anomia (indiferenciação) e pela heteronomia (controle externo). É impossível alguém ser autônomo em algo se não tiver conquistado a saída da dependência e desenvolvido mecanismos de superação de conflitos, condições necessárias para poder realizar o autogoverno para determinada situação. Autonomia não pode ser confundida com ausência de limites; esta leva à insegurança, e a insegurança pode levar à agressividade, origem da violência. 4267 O espaço coletivo, portanto, passa a existir quando o respeito está instituído, a opção de trabalho está clara, quando todos sabem o que vai acontecer e porque vai acontecer. A esse respeito, discorre Paulo Freire: O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a toda prova, aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos educadores e às educadoras por parte da administração pública ou privada das escolas; o respeito aos educandos, assumido e praticado pelos educadores, não importa de que escola, particular ou pública. É por isso que devo lutar sem cansaço. Lutar pelo direito que tenho de ser respeitado e pelo dever que tenho de reagir se me destratarem (FREIRE, 1996, p. 125-126). Quando existirem combinados verdadeiros, quando existir a discussão sobre os papéis de aluno e de professor, quando existir conteúdo a ser ensinado, a ser aprendido, a ser reelaborado, a ser transformado em conhecimento e saber, quando existirem objetivos claros e instrumentos de avaliação não-autoritários, nós teremos instituído um espaço coletivo de aprendizagem no qual todos possuam direitos e deveres. Então, aprenderemos pelo exemplo, o que significa respeito. Como professores, não será possível desenvolver esse respeito se nos colocarmos como autoritários irracionais, exigindo por exigir, nem se nos colocarmos na posição do vendedor, expondo seu produto, fazendo propaganda dele e vendendo a quem quiser comprar. Por isso, é preciso planejar, propor o que foi planejado, expor sobre os papéis de cada um na tarefa, partir do que os alunos já aprenderam sobre o que vai ser trabalhado, discutir sobre os objetivos para avaliá-los a seguir e deixar claro o que já foi conseguido e o que ainda falta. Nesse resgate do espaço coletivo, está também uma necessidade de entender que a aprendizagem verdadeira precisa ir além da simples informação e sua reprodução. Ela precisa passar por dentro do aprendiz, dizer algo importante para ele, a fim de que ele possa trazer à roda, perguntar, inquietar outras pessoas, desequilibrar-se para buscar o equilíbrio em um novo nível de sua caminhada de aprendizagem, oferecendo a oportunidade para o grupo que está pensando e fazendo reflexões com ele. Além da resistência para resgatar a verdadeira autoridade do professor e o espaço coletivo para aprender, será necessário resistir para resgatarmos instrumentos que auxiliem no desenvolvimento da capacidade de pensar e de fazer a crítica a este sistema regido pela economia de mercado, que tem como objetivo a obnubilação do pensamento. Penso que a diretividade que faz parte da função do professor não deve ser derrubada em sua totalidade, e sim ser resgatada em sua essência, pois não podemos caminhar sem 4268 direção. Porém, tal direção não precisa ser imposta de forma autoritária, nem impedir o desenvolvimento do pensamento. Existe entre professor e aluno uma grande diferença; é uma relação assimétrica, e não pode ser diferente, pois um precisa ensinar e outro precisa aprender. Nada impede, porém, que aquele que ensina aprenda, nem que aquele que aprende ensine. Por outro lado, a distância existe, e não deve ser mantida pelo autoritarismo, nem pela arrogância, nem pela violência; é uma distância que é mantida pelo respeito. Como afirma Larrosa, essa distância deve ser mantida por algo que não está no método utilizado, e sim na atitude do professor. Algo que, obviamente, passa por coisas mais profundas e mais sutis que o método didático, e que não tem nada a ver com essas dicotomias. Algo que talvez tenha a ver com o tom da voz, a altura do olhar, a arte das distâncias, esses velhos valores em desuso que se chamam respeito, humildade, honestidade, com a relação que se mantém com as idéias e as palavras que constituem a matéria da transmissão e também, naturalmente, com a forma da relação que se estabelece com a palavra, o pensamento, o silêncio e a presença dos estudantes (LARROSA, 2004, p. 268). Essa atitude, no entanto, não deve ter nenhuma relação com neutralidade ou com submissão, e sim com a certeza de que o papel de professor exige que se exponha o saber, a autoria, sem imposições, nem arrogância e, menos ainda, sem desvalorizações daqueles que aprendem. Ao professor, cabe dirigir a classe; ao dirigi-la, precisa mostrar o caminho que seguirá. Entretanto, nessa viagem, pode contar com o saber daqueles que estão ali para aprender o seu caminho. Uma forma de enriquecer a atitude diretiva, já sua conhecida, é atrelá-la à atitude operativa, que permite a distância ótima entre professor e aluno, oportuniza a participação do aprendiz, provoca seu interesse e promove o desconforto necessário para pensar. Operatividade é um termo utilizado por Pichon-Rivière desde a Experiência Rosário, uma investigação operativa que antecedeu a elaboração da concepção de grupos operativos, tal como a conhecemos hoje. Esse termo indica a realização de uma atividade grupal que objetiva a mobilização das estruturas estereotipadas devido ao nível de ansiedade despertado pela necessidade de mudança, que toda aprendizagem propõe. O coordenador de um grupo operativo funciona como um co-pensador1. 1 Neologismo introduzido por Pichon-Rivière para indicar o coordenador como aquele que pensa junto com o grupo, ao mesmo tempo em que integra os elementos do pensamento grupal. 4269 Nestas técnicas grupais, a função do coordenador, ou do “co-pensador”, consiste, essencialmente, em criar, manter e fomentar a comunicação, chegando esta, através de um desenvolvimento progressivo, a tomar a forma de uma espiral, na qual coincidem didática, aprendizagem, comunicação e operatividade (PICHONRIVIÈRE, 1988, p. 92). Essa coordenação de grupos operativos necessita de uma formação específica, pois envolve a leitura do que emerge no grupo e daquilo que está latente. Na formação de Teoria e Técnica de Grupos Operativos, nosso professor Jorge Visca falava sobre uma atitude operativa, que íamos adotando durante o curso e em vários momentos de nossa vida, não somente diante de grupos a serem coordenados. Apesar de Visca utilizar o termo em suas aulas, não escreveu nada sobre isso. Rubens (1972), em um texto sobre seu trabalho na Escola Privada de Psicologia Social, fundada por Pichon-Rivière, utilizou rapidamente o termo ação útil ou operativa, para a ação do coordenador de grupos operativos, que integra o sentimento e o pensamento do grupo, permitindo uma intervenção que promova o avanço da tarefa grupal. Os conhecimentos adquiridos nesse curso de formação, a modalidade de coordenação de grupos de nosso professor, que havia sido aluno de Pichon-Rivière, e a vivência da operatividade como integrante de um grupo de aprendizagem, juntamente com as experiências de coordenação de grupos e as discussões que desenvolvemos na Síntese, permitiram-me sistematizar o conceito de atitude operativa, como sendo a atitude do coordenador de grupos que provoca no grupo ou na pessoa o movimento de aprender, de operar sobre a realidade. A partir daí, acreditei que professores podem desenvolver atitudes operativas que podem auxiliar na sua ação educativa junto aos seus alunos. Os estudos que venho desenvolvendo junto com Simone Carlberg, minha principal interlocutora nesse tema, constatam que a operatividade é uma forma de agir na vida, que grupos operativos não são uma técnica, mas uma ideologia, no sentido de um marco referencial teórico e valorativo que organiza a percepção, o pensamento e a ação do coordenador de grupos. Essa forma de ação pode ser realizada a partir de uma série de distintos instrumentos. Atualmente, dentro desse tema, além da atitude operativa, temos desenvolvido a observação operativa e a ação educativa por meio de consignas, que visam também provocar o aprendiz a pensar, a exercitar a auto-regulação e a agir de forma mais eficiente, dependendo do momento e do contexto. É a esse conjunto que temos nos referido com a palavra Operatividade. 4270 Quando criou a teoria e a técnica de Grupos Operativos, Pichon-Rivière mostrou o quanto é importante organizar o trabalho, trazer o tema a ser pensado e permitir que o grupo re-trabalhe sobre ele, reelaborando-o de tal forma que o conteúdo seja apropriado pelos integrantes do grupo. Para que isso aconteça, no entanto, existe uma outra tarefa, a qual chamou de Tarefa Subjetiva. Trata-se do re-trabalho que o grupo precisa, constantemente, fazer com as ansiedades que são mobilizadas pela Tarefa Objetiva. Acreditamos que os estudos de Pichon-Rivière e a sua aplicabilidade, já experimentada por nós, com conhecimento de causa, desde o final da década de 1980, possam auxiliar outros professores da mesma forma como auxiliaram a mim e a todos os profissionais da Psicopedagogia que tiveram a oportunidade de viver tal forma de trabalho e estenderam-na também para a docência. Acoplar a atitude operativa à atitude diretiva já experimentada pelo professor, visando à tarefa de mediar a formação da capacidade de pensar, significa considerar a dimensão afetiva e relacional, além da racional, no trabalho de ensino-aprendizagem, que é realizado em sala de aula e que precisa, com urgência, resultar em capacidade de pensar dos nossos alunos, para que eles transformem-se em alunos aprendizes, e não em consumidores de objetos, idéias, informações e afetos. A direção, então, continua sendo representada pela aula, pelo texto, pelo filme ou por qualquer outro recurso que o professor escolha para trabalhar o tema elencado a uma determinada aprendizagem. A operatividade, pois, estará na oportunidade que o professor dará ao grupo de alunos de reelaborarem o tema, relacionando-o aos conhecimentos que já possuem, às suas vivências e às diferenças de possibilidades de pensar sobre o tema, as quais vão surgir nesse grupo. Enquanto os alunos reelaboram, pensam sobre o que foi trabalhado, o professor intervém de tal forma que os ajude a pensar, a lembrar de outros aspectos, a fazer novas relações, com intervenções realizadas por meio de perguntas, de rememorações, de sinalizações que os mobilizem, e que, principalmente nesse momento do trabalho, não tragam nenhuma resposta pronta. As sistematizações necessárias poderão ser realizadas no momento mais diretivo para que, posteriormente, nas reelaborações, o grupo possa avançar no desejo de buscar, em outros recursos, e não só na fala do professor, as respostas para suas angústias. Se a Operatividade for incorporada à formação dos professores, como uma forma de ensinar, embutida na ação educativa, eles poderão fortalecer seu repertório, a fim de promover o trabalho com o pensamento, na sala de aula e em outros lugares nos quais costumam ensinar/aprender com seus alunos. 4271 Para Bleger (1991), ensinar e aprender são passos dialéticos inseparáveis; por isso, há a necessidade de suprimir a divisão rígida entre quem ensina e quem aprende. Muitas vezes, a visão de que ensino e aprendizagem podem interagir gera ansiedades, no sentido que rompem com estereótipos já existentes. Tal interação, no entanto, não torna o professor exatamente igual ao aluno; como coordenador, ele precisará fazer a síntese entre o que o grupo pensa e o que ele sente. Por meio da problematização, da vivência de conflitos, da indagação e da paciência de esperar o grupo de alunos pensar e formular suas conclusões, o professor poderá deixar espaço para que os alunos operem seus pensamentos e sentimentos. É exatamente a essa paciência e a essa capacidade de questionar e instigar que chamamos de Atitude operativa. Organizemos, portanto, nossa resistência para que não aceitemos alunos fabricados apenas para consumir, mas sim para pensar e também para produzir! REFERÊNCIAS BLEGER, J. Temas de Psicologia. Entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. DUFOUR, D. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. LARROSA, J. Linguagem e educação depois de Babel. Tradução Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. MELMAN, C. O homem sem gravidade. Gozar a qualquer preço. Entrevistas por JeanPierre Lebrun. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003. PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988. RUBENS, R. J. Premisas básicas para la estructuración del quipo coordinadorobservadores, en los grupos operativos de aprendizaje. Buenos Aires, mar. 1972.