a operatividade – uma forma de mediar o pensamento

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A OPERATIVIDADE – UMA FORMA DE MEDIAR O PENSAMENTO
BARBOSA *, Laura Monte Serrat
[email protected]
Resumo
Neste texto, abordam-se a influência do neoliberalismo na educação, seus malefícios na
formação do ser pensante e a necessidade de organizar a resistência já exercida pelos
profissionais docentes, às novidades educacionais que visam à formação do consumidor, e
não do sujeito crítico, capaz de pensar e agir sobre a realidade. Sugere-se que a resistência
seja organizada visando três aspectos importantes: o resgate da autoridade do professor; a
preservação e a reconstrução do espaço coletivo para aprender; a retomada e o
desenvolvimento da atividade docente para promover o pensamento, a interpretação dos fatos
e de seus relatos, assim como a formulação de argumentos. A operatividade aparece como
uma possibilidade de, a partir da diretividade, transformar o aluno em aluno aprendiz.
Palavras-chave: Operatividade; Organização; Resistência; Autoridade; Coletividade.
A operatividade – uma forma de mediar o pensamento
[...]a escola do Capitalismo total1, isto é, a escola que deverá formar para a perda do
sentido crítico de maneira a produzir um indivíduo incerto, aberto a todas as
pressões consumistas (DUFOUR, 2005, p. 146).
Estamos vivendo um momento histórico delicadíssimo, no qual a sociedade vigente, a
sociedade do consumo, a serviço do capital e não das pessoas, produz uma forma de
comunicação que interfere sobremaneira na formação dos seres pensantes.
A publicidade passou a ser o quinto pilar institucional responsável pela formação dos
sujeitos, tendo como objetivo principal vender, e não fazer pensar. Ao lado das outras
instituições, a família, a igreja, a escola e o governo, a publicidade transformou-se em um
mecanismo necessário a, pelo menos, três pilares já existentes na sociedade.
Surge, na contemporaneidade, a igreja que negocia com seus fiéis, que faz adeptos
através dos instrumentos de comunicação de massa, que vende ilusões e que se sustenta por
meio da publicidade; a escola também, principalmente a escola particular, aderiu aos
*
Pedagoga, Especialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem, formada em Psicopedagogia e Teoria e
Técnica de Grupos Operativos, Mestre em Educação pela UFPR.
1
O autor cita o termo cunhado por J. C. Michéa.
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outdoors, vende uniformes, mochilas e outros adereços com suas marcas, além de métodos de
ensino.
Ela organiza seus próprios materiais, reduz o conhecimento em apostilas e introduz
muito pouco o conhecimento historicamente construído em suas formas originais, sem cortes.
Profissionais de todas as áreas, as mais diversas, tornam-se formadores de professores,
vendem seu conhecimento a preço de ouro e oferecem aos professores apenas informações,
roubando deles o tempo para a reflexão e reelaboração do conhecimento.
E o governo, este faz toda sua campanha eleitoral usando os recursos midiáticos para,
na maioria dos casos, maquiar os candidatos, para aperfeiçoar imagens e construir situações
por meio delas, sem conseguir melhorar meios internos para o resgate da moral e dos
costumes humanos.
Segundo Melman, o que está sendo instalado na sociedade é uma nova economia
psíquica que abandonou qualquer forma de autoridade, retirou o impossível como um
elemento formador de desejo e tornou o objeto de desejo totalmente acessível, construindo o
que denominou “um homem sem gravidade”, solto e regido pelo gozo.
Essa nova organização é, então, perfeitamente homogênea, sem que isto seja dito,
sem que seja articulado com o desenvolvimento da economia de mercado. [...] essa
ideologia é anônima, não tem responsável, e é isso que desarticula. Para ser ativa,
ela não tem mais necessidade de voz, não tem mais necessidade de referir-se a um
autor, nem de ser revelada, porque funciona num campo lógico em que não há mais
impossível. Em outras palavras, o real tornou-se, para cada um de nós, uma
dimensão, de tal forma improvável, que não sabemos mais distinguir realidade e
virtualidade (MELMAN, 2003, p. 180).
Melman afirma, ainda, que os primeiros a reconhecer este ser humano novo, sem
gravidade, regido pelo gozo, foi a publicidade, seguida do jornalismo e da política. “E ei-nos,
então, numa sociedade organizada pelo individualismo exacerbado e pela concorrência de um
contra todos. Assim, o homo fabricado substituiu o homo faber” (MELMAN, 2003, p. 182).
Como fazer pensar um ser humano fabricado? A escola tem aí um papel importante e
quase impossível. Sozinha, não conseguirá fazer a mudança, mas poderá incomodar o
funcionamento deste sistema sem dono que, na verdade, somos todos nós.
Não podemos deixar, no entanto, de considerar a escola mergulhada nesse contexto,
reproduzindo o que acontece na sociedade e lutando para criar mecanismos produtores de
pensamento, como se estivesse remando contra uma maré capitalista que, como uma onda
gigante, invade, arrasa, ameaçando todos os mecanismos já conhecidos, construídos na
história humana.
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A escola, portanto, no seu interior, tem reproduzido o movimento necessário para a
formação do cliente, ao invés de formar o aluno aprendiz, capaz de pensar e criticar o sistema
no qual está vivendo. Os professores, por outro lado, têm sido convidados a serem vendedores
desses mecanismos, para que a escola sobreviva. Entretanto, eles resistem; talvez, sejam os
componentes do grupo humano que poderão fazer a diferença. Onde tudo muda
repentinamente, o professor é aquele que imprime a resistência, que será capaz de fazer com
que os freios sejam acionados, para que a mudança seja pensada e organizada.
Essa resistência, no entanto, precisa ser organizada e discutida por nós todos,
professores de formação, que ainda ocupamos o lugar da docência. O movimento precisa ser
acionado a partir de três grandes objetivos de resgate:
- da autoridade na relação professor / aluno / conhecimento;
- do espaço coletivo como espaço de aprendizagem, de pensamento e reflexão;
- da atividade para promover o pensamento e a capacidade crítica dos professores e
dos alunos aprendizes.
Resgatar a autoridade fundamenta-se no fato de que não nascemos prontos e acabados,
como muitos animais. Somos inteiros, mas incompletos; como nos ensinou Paulo Freire,
somos inacabados. Esse inacabamento, esta inconclusão estão relacionadas a todos os seres
vivos. Porém, na espécie humana, existe a consciência de sua existência e, por isso, inventouse a Educação e, como conseqüência, o Ensino e instrumentos para a Aprendizagem.
Segundo nosso mestre, “Ensinar exige a consciência do inacabamento” (FREIRE,
1996, p. 55). Por termos tal consciência é que, como professores, nós não podemos desistir de
nossa autoridade, aquela que se encontra localizada em nosso saber, a ferramenta mais
importante a ser utilizada na relação com o aluno. Não como um instrumento de poder
autoritário, como já foi utilizado, mas como a possibilidade de promover o pensamento e a
reflexão. A partir do saber do aluno, traremos outros saberes para que, ancorando-os naqueles
que já possui, o aprendiz possa ampliar suas possibilidades de pensar o mundo em que está
mergulhado, para poder transformá-lo.
Dufour critica a escola promovida pelo pensamento neoliberal, dizendo que a abolição
da assimetria na relação professor/aluno, como desejam os pedagogos da contemporaneidade
que se submetem a essa forma de pensar, fará cair por terra a fundação educativa e levará ao
desenvolvimento da violência social. Sobre tais pedagogos, a quem chama de pedagogos pósmodernos, escreve:
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Eles não percebem que se, de fato, os numerosos jovens encontram-se hoje
coagidos à violência, é porque o sistema que eles instalaram não lhes deixa outra
saída: eles foram “produzidos” para escapar à relação de sentido e à paciente
elaboração discursiva e crítica. Por isso, pode-se, sem dificuldade, predizer,
contradizendo as certezas dos pedagogos pós-modernos que, quanto menos os
alunos entrarem na relação professor-aluno, mais eles estarão sujeitos à violência.
Com efeito, ao sair da relação de sentido, só se pode ir para a pura relação de forças
e para uma era de violência generalizada (DUFOUR, 2005, p. 143).
Essa relação de sentido, a que o autor refere-se, diz respeito a uma relação na qual o
aluno, no discurso do saber, é colocado numa função crítica, e o professor coloca-se numa
função de apresentar as propostas a serem pensadas. Segundo ele, as premissas que lançam a
afirmação da autonomia do aluno, o ensino sem referência à matéria ensinada e a substituição
do aprender pelo fazer são elementos que fazem parte do discurso da educação moderna,
pondo por terra a relação de sentido e a autoridade do professor como alguém que precisa
trazer um outro saber, o qual ultrapassa aquele que o aluno já possui.
No entanto, nesse resgate da autoridade, o cuidado do professor na relação de
ensinar/aprender está relacionado, principalmente, a sua atitude, de manter a distância,
suficientemente ótima, daqueles que ensina, para não se transformar em um professor
autoritário, mas manter sua autoridade, que está relacionada à sua capacidade de ser autor da
sua profissão de professor. Talvez, a maior dificuldade esteja em ensinar colocando o foco no
aprender. Isso não significa, simplesmente, discorrer o seu saber, mas provocar, com o seu
saber, o saber do outro. Ao colocar o foco no aprender, é preciso não desvalorizar o saber a
ser ensinado, fazendo crer que aquilo que os alunos já sabem é o suficiente, que basta
desenvolver a capacidade de aprender (sem conteúdo) para aprender depois.
O que desejo dizer com isso é que é perfeitamente possível resgatarmos a autoridade
docente, sem precisar abandonar a idéia de autonomia, de interdisciplinaridade ou de fazer. O
que é necessário observarmos é o quanto nos curvamos à necessidade do mercado para
decidirmos como será a nossa prática educativa. Se tivermos consciência de que a autonomia
é construída ao longo da vida, que interdisciplinaridade não anula a disciplina e que fazer é
apenas uma dimensão do ser que aprende, podemos manter a assimetria necessária entre os
protagonistas da escola, sem precisarmos retornar aos séculos autoritários.
Outro objetivo importante dessa resistência está ligado ao espaço coletivo como
espaço de aprendizagem, para contrapor o individualismo desvairado que está sendo
alimentado pela sociedade de consumo, pela economia de mercado e pelo pensamento
neoliberal, que chegam com toda a força às escolas.
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Se conseguirmos transformar o espaço de aprender num espaço de construção
coletiva, teremos mais chances de fazer tal resistência, incomodar o sistema e ter alguma
esperança de mudança.
O espaço da sala de aula precisa mudar, para que ali possa existir um espaço coletivo
de aprender. Espaço coletivo não significa apenas trabalhar em grupo, mas um espaço no qual
exista o respeito entre professor-professor, coordenador-professor, professor-aluno e entre
aluno-aluno, se formos nos restringir ao espaço específico de aprendizagem escolar; porém,
esse respeito pode ser ampliado para funcionários, para pais e mães que, também, fazem parte
da escola.
Num espaço coletivo, todos precisam ter voz; no entanto, se esse espaço coletivo
existe para ensinar/aprender, faz-se necessário que o professor tenha a primeira voz da
relação, exponha a proposta, explique como vai funcionar, traga o saber sobre o qual o grupo
trabalhará, para que o grupo possa iniciar seu trabalho a partir dessa proposta. Cabe ao
professor a colocação do entorno para que os alunos não fiquem perdidos, possam conhecer a
tarefa, a fim de poderem se debruçar sobre ela.
O trabalho sobre a proposta pode ser individual ou grupal, pode ser lendo, escrevendo,
fazendo ou pensando. No entanto, ele será coletivo se todos se dedicarem ao que está sendo
proposto naquele momento, respeitarem o espaço de aprender e, posteriormente, puderem
reelaborar as conclusões, junto com todos que participaram e sob uma coordenação docente,
para uma próxima sistematização do conhecimento, a ser retomada pelo professor. Isso
garantirá o avanço do pensamento.
A autonomia (autogoverno) não é indesejada; o que é indesejado é o individualismo.
A autonomia precisa se desenvolver na medida em que os alunos aprendam conteúdos, formas
de tratá-los e atitudes para aprender. Não é preciso autorizar uma autonomia se não existir
condição para ela naquele momento. A escola não quer permanecer autoritária, como foi em
um tempo, mas não precisa se despir dos limites para julgar-se desenvolvendo seres
autônomos. A autonomia, para Piaget (1998), é resultado de uma construção que passa pela
anomia (indiferenciação) e pela heteronomia (controle externo). É impossível alguém ser
autônomo em algo se não tiver conquistado a saída da dependência e desenvolvido
mecanismos de superação de conflitos, condições necessárias para poder realizar o
autogoverno para determinada situação. Autonomia não pode ser confundida com ausência de
limites; esta leva à insegurança, e a insegurança pode levar à agressividade, origem da
violência.
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O espaço coletivo, portanto, passa a existir quando o respeito está instituído, a opção
de trabalho está clara, quando todos sabem o que vai acontecer e porque vai acontecer. A esse
respeito, discorre Paulo Freire:
O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a toda
prova, aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos educadores e
às educadoras por parte da administração pública ou privada das escolas; o respeito
aos educandos, assumido e praticado pelos educadores, não importa de que escola,
particular ou pública. É por isso que devo lutar sem cansaço. Lutar pelo direito que
tenho de ser respeitado e pelo dever que tenho de reagir se me destratarem
(FREIRE, 1996, p. 125-126).
Quando existirem combinados verdadeiros, quando existir a discussão sobre os papéis
de aluno e de professor, quando existir conteúdo a ser ensinado, a ser aprendido, a ser
reelaborado, a ser transformado em conhecimento e saber, quando existirem objetivos claros e
instrumentos de avaliação não-autoritários, nós teremos instituído um espaço coletivo de
aprendizagem no qual todos possuam direitos e deveres. Então, aprenderemos pelo exemplo,
o que significa respeito.
Como professores, não será possível desenvolver esse respeito se nos colocarmos
como autoritários irracionais, exigindo por exigir, nem se nos colocarmos na posição do
vendedor, expondo seu produto, fazendo propaganda dele e vendendo a quem quiser comprar.
Por isso, é preciso planejar, propor o que foi planejado, expor sobre os papéis de cada
um na tarefa, partir do que os alunos já aprenderam sobre o que vai ser trabalhado, discutir
sobre os objetivos para avaliá-los a seguir e deixar claro o que já foi conseguido e o que ainda
falta.
Nesse resgate do espaço coletivo, está também uma necessidade de entender que a
aprendizagem verdadeira precisa ir além da simples informação e sua reprodução. Ela precisa
passar por dentro do aprendiz, dizer algo importante para ele, a fim de que ele possa trazer à
roda, perguntar, inquietar outras pessoas, desequilibrar-se para buscar o equilíbrio em um
novo nível de sua caminhada de aprendizagem, oferecendo a oportunidade para o grupo que
está pensando e fazendo reflexões com ele.
Além da resistência para resgatar a verdadeira autoridade do professor e o espaço
coletivo para aprender, será necessário resistir para resgatarmos instrumentos que auxiliem no
desenvolvimento da capacidade de pensar e de fazer a crítica a este sistema regido pela
economia de mercado, que tem como objetivo a obnubilação do pensamento.
Penso que a diretividade que faz parte da função do professor não deve ser derrubada
em sua totalidade, e sim ser resgatada em sua essência, pois não podemos caminhar sem
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direção. Porém, tal direção não precisa ser imposta de forma autoritária, nem impedir o
desenvolvimento do pensamento.
Existe entre professor e aluno uma grande diferença; é uma relação assimétrica, e não
pode ser diferente, pois um precisa ensinar e outro precisa aprender. Nada impede, porém, que
aquele que ensina aprenda, nem que aquele que aprende ensine. Por outro lado, a distância
existe, e não deve ser mantida pelo autoritarismo, nem pela arrogância, nem pela violência; é
uma distância que é mantida pelo respeito.
Como afirma Larrosa, essa distância deve ser mantida por algo que não está no
método utilizado, e sim na atitude do professor.
Algo que, obviamente, passa por coisas mais profundas e mais sutis que o método
didático, e que não tem nada a ver com essas dicotomias. Algo que talvez tenha a
ver com o tom da voz, a altura do olhar, a arte das distâncias, esses velhos valores
em desuso que se chamam respeito, humildade, honestidade, com a relação que se
mantém com as idéias e as palavras que constituem a matéria da transmissão e
também, naturalmente, com a forma da relação que se estabelece com a palavra, o
pensamento, o silêncio e a presença dos estudantes (LARROSA, 2004, p. 268).
Essa atitude, no entanto, não deve ter nenhuma relação com neutralidade ou com
submissão, e sim com a certeza de que o papel de professor exige que se exponha o saber, a
autoria, sem imposições, nem arrogância e, menos ainda, sem desvalorizações daqueles que
aprendem.
Ao professor, cabe dirigir a classe; ao dirigi-la, precisa mostrar o caminho que seguirá.
Entretanto, nessa viagem, pode contar com o saber daqueles que estão ali para aprender o seu
caminho. Uma forma de enriquecer a atitude diretiva, já sua conhecida, é atrelá-la à atitude
operativa, que permite a distância ótima entre professor e aluno, oportuniza a participação do
aprendiz, provoca seu interesse e promove o desconforto necessário para pensar.
Operatividade é um termo utilizado por Pichon-Rivière desde a Experiência Rosário,
uma investigação operativa que antecedeu a elaboração da concepção de grupos operativos,
tal como a conhecemos hoje. Esse termo indica a realização de uma atividade grupal que
objetiva a mobilização das estruturas estereotipadas devido ao nível de ansiedade despertado
pela necessidade de mudança, que toda aprendizagem propõe. O coordenador de um grupo
operativo funciona como um co-pensador1.
1
Neologismo introduzido por Pichon-Rivière para indicar o coordenador como aquele que pensa junto com o
grupo, ao mesmo tempo em que integra os elementos do pensamento grupal.
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Nestas técnicas grupais, a função do coordenador, ou do “co-pensador”, consiste,
essencialmente, em criar, manter e fomentar a comunicação, chegando esta, através
de um desenvolvimento progressivo, a tomar a forma de uma espiral, na qual
coincidem didática, aprendizagem, comunicação e operatividade (PICHONRIVIÈRE, 1988, p. 92).
Essa coordenação de grupos operativos necessita de uma formação específica, pois
envolve a leitura do que emerge no grupo e daquilo que está latente.
Na formação de Teoria e Técnica de Grupos Operativos, nosso professor Jorge Visca
falava sobre uma atitude operativa, que íamos adotando durante o curso e em vários
momentos de nossa vida, não somente diante de grupos a serem coordenados.
Apesar de Visca utilizar o termo em suas aulas, não escreveu nada sobre isso. Rubens
(1972), em um texto sobre seu trabalho na Escola Privada de Psicologia Social, fundada por
Pichon-Rivière, utilizou rapidamente o termo ação útil ou operativa, para a ação do
coordenador de grupos operativos, que integra o sentimento e o pensamento do grupo,
permitindo uma intervenção que promova o avanço da tarefa grupal.
Os conhecimentos adquiridos nesse curso de formação, a modalidade de coordenação
de grupos de nosso professor, que havia sido aluno de Pichon-Rivière, e a vivência da
operatividade como integrante de um grupo de aprendizagem, juntamente com as experiências
de coordenação de grupos e as discussões que desenvolvemos na Síntese, permitiram-me
sistematizar o conceito de atitude operativa, como sendo a atitude do coordenador de grupos
que provoca no grupo ou na pessoa o movimento de aprender, de operar sobre a realidade.
A partir daí, acreditei que professores podem desenvolver atitudes operativas que
podem auxiliar na sua ação educativa junto aos seus alunos.
Os estudos que venho desenvolvendo junto com Simone Carlberg, minha principal
interlocutora nesse tema, constatam que a operatividade é uma forma de agir na vida, que
grupos operativos não são uma técnica, mas uma ideologia, no sentido de um marco
referencial teórico e valorativo que organiza a percepção, o pensamento e a ação do
coordenador de grupos. Essa forma de ação pode ser realizada a partir de uma série de
distintos instrumentos.
Atualmente, dentro desse tema, além da atitude operativa, temos desenvolvido a
observação operativa e a ação educativa por meio de consignas, que visam também provocar
o aprendiz a pensar, a exercitar a auto-regulação e a agir de forma mais eficiente, dependendo
do momento e do contexto. É a esse conjunto que temos nos referido com a palavra
Operatividade.
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Quando criou a teoria e a técnica de Grupos Operativos, Pichon-Rivière mostrou o
quanto é importante organizar o trabalho, trazer o tema a ser pensado e permitir que o grupo
re-trabalhe sobre ele, reelaborando-o de tal forma que o conteúdo seja apropriado pelos
integrantes do grupo. Para que isso aconteça, no entanto, existe uma outra tarefa, a qual
chamou de Tarefa Subjetiva. Trata-se do re-trabalho que o grupo precisa, constantemente,
fazer com as ansiedades que são mobilizadas pela Tarefa Objetiva.
Acreditamos que os estudos de Pichon-Rivière e a sua aplicabilidade, já
experimentada por nós, com conhecimento de causa, desde o final da década de 1980, possam
auxiliar outros professores da mesma forma como auxiliaram a mim e a todos os profissionais
da Psicopedagogia que tiveram a oportunidade de viver tal forma de trabalho e estenderam-na
também para a docência.
Acoplar a atitude operativa à atitude diretiva já experimentada pelo professor, visando
à tarefa de mediar a formação da capacidade de pensar, significa considerar a dimensão
afetiva e relacional, além da racional, no trabalho de ensino-aprendizagem, que é realizado em
sala de aula e que precisa, com urgência, resultar em capacidade de pensar dos nossos alunos,
para que eles transformem-se em alunos aprendizes, e não em consumidores de objetos,
idéias, informações e afetos.
A direção, então, continua sendo representada pela aula, pelo texto, pelo filme ou por
qualquer outro recurso que o professor escolha para trabalhar o tema elencado a uma
determinada aprendizagem. A operatividade, pois, estará na oportunidade que o professor
dará ao grupo de alunos de reelaborarem o tema, relacionando-o aos conhecimentos que já
possuem, às suas vivências e às diferenças de possibilidades de pensar sobre o tema, as quais
vão surgir nesse grupo. Enquanto os alunos reelaboram, pensam sobre o que foi trabalhado, o
professor intervém de tal forma que os ajude a pensar, a lembrar de outros aspectos, a fazer
novas relações, com intervenções realizadas por meio de perguntas, de rememorações, de
sinalizações que os mobilizem, e que, principalmente nesse momento do trabalho, não tragam
nenhuma resposta pronta.
As sistematizações necessárias poderão ser realizadas no momento mais diretivo para
que, posteriormente, nas reelaborações, o grupo possa avançar no desejo de buscar, em outros
recursos, e não só na fala do professor, as respostas para suas angústias.
Se a Operatividade for incorporada à formação dos professores, como uma forma de
ensinar, embutida na ação educativa, eles poderão fortalecer seu repertório, a fim de promover
o trabalho com o pensamento, na sala de aula e em outros lugares nos quais costumam
ensinar/aprender com seus alunos.
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Para Bleger (1991), ensinar e aprender são passos dialéticos inseparáveis; por isso, há
a necessidade de suprimir a divisão rígida entre quem ensina e quem aprende. Muitas vezes, a
visão de que ensino e aprendizagem podem interagir gera ansiedades, no sentido que rompem
com estereótipos já existentes. Tal interação, no entanto, não torna o professor exatamente
igual ao aluno; como coordenador, ele precisará fazer a síntese entre o que o grupo pensa e o
que ele sente.
Por meio da problematização, da vivência de conflitos, da indagação e da paciência de
esperar o grupo de alunos pensar e formular suas conclusões, o professor poderá deixar
espaço para que os alunos operem seus pensamentos e sentimentos. É exatamente a essa
paciência e a essa capacidade de questionar e instigar que chamamos de Atitude operativa.
Organizemos, portanto, nossa resistência para que não aceitemos alunos fabricados
apenas para consumir, mas sim para pensar e também para produzir!
REFERÊNCIAS
BLEGER, J. Temas de Psicologia. Entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
DUFOUR, D. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Rio
de Janeiro: Companhia de Freud, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
LARROSA, J. Linguagem e educação depois de Babel. Tradução Cynthia Farina. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
MELMAN, C. O homem sem gravidade. Gozar a qualquer preço. Entrevistas por JeanPierre Lebrun. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
RUBENS, R. J. Premisas básicas para la estructuración del quipo coordinadorobservadores, en los grupos operativos de aprendizaje. Buenos Aires, mar. 1972.
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