Monografia PEDRO UFF - Final 15_03_2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Faculdade de Direito
Departamento de Direito Público
Curso de Especialização em Direito Financeiro e Tributário
Pós-Graduação ―Lato Sensu‖
Pedro Bastos Carneiro da Cunha
INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA NO
BRASIL COM A RIGIDEZ NA DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONAL, AFETANDO A AUTONOMIA FINANCEIRA DOS ESTADOS E
SUAS CAPITAIS.
Rio de Janeiro - RJ
2016
Pedro Bastos Carneiro da Cunha
INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA NO
BRASIL COM A RIGIDEZ NA DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONAL, AFETANDO A AUTONOMIA FINANCEIRA DOS ESTADOS E
SUAS CAPITAIS.
Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação Lato Sensu em Direto Financeiro e
Tributário da Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito para obtenção do título de
Especialista em Direito Financeiro e Tributário.
Orientador: Richard Edward Dotoli
Rio de Janeiro - RJ
2016
À Lais Estebanez de Mello,
Companheira nos bons e maus momentos. Fundamental para a conclusão deste
trabalho.
À equipe da Subsecretaria de Política Fiscal da Secretaria de Fazenda do Estado do
Rio de Janeiro,
Que tanto contribuiu para a evolução deste trabalho e da minha carreira.
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não
geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre estes, só o
primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com sua causa. É
visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar
por felizes se conseguirmos prevê-los. (Frédéric Bastiat, 1850)
RESUMO
Este trabalho debate a incompatibilidade da rigidez na distribuição da competência
tributária e respectiva distribuição de receitas, estabelecida na Constituição Federal
de 1988 com a evolução da conjuntura econômica no Brasil, afetando a arrecadação
dos Estados e suas capitais municipais. Pretende-se demonstrar que a fixação da
arrecadação das receitas dos impostos sobre circulação de mercadorias (ICMS) e
dos impostos sobre serviços (ISS) entre os Estados e os Municípios, pela
Constituição de 1988 impossibilitou a manutenção do equilíbrio federativo instituído
pela mesma, gerando distorções na autonomia financeira dos entres subnacionais,
dada a evolução da atividade econômica nacional no setor industrial e de serviços.
Para chegar a esta conclusão, compara-se a evolução de ambos os setores citados,
com as respectivas arrecadações, ou seja, de ICMS e de ISS, realizando ajustes
para minimizar possíveis distorções. Ao final, apresentam-se resultados das análises
e possíveis alternativas para eliminação, ou ao menos mitigação da problemática
apresentada.
Palavras-chave: Competência Tributária, Arrecadação, Conjuntura Econômica,
Autonomia Financeira.
Sumário
1.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1
2.
A INTEGRAÇÃO ENTRE O DIREITO FINANCEIRO E A ECONOMIA ............................... 5
3.
CONTEXTO JURÍDICO E FISCAL DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NA CONSTITUIÇÃO .... 8
3.1. Evolução e Crítica ao Federalismo Brasileiro ....................................................................... 8
3.2. Rigidez Constitucional Tributária........................................................................................... 13
3.3. Competência e Repartição de Receitas Tributárias ........................................................... 15
4.
EVOLUÇÃO RECENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA NACIONAL.................................. 21
4.1. Evolução Atividade Econômica na ―Nova República‖ ........................................................ 21
4.2. Evolução Atividade Econômica Atual ................................................................................... 22
5. DESCOMPASSO ENTRE A RIGIDEZ CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS
TRIBUTÁRIAS DO ICMS E DO ISS COM A EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE ECONOMICA
NACIONAL ........................................................................................................................................... 26
5.1. Dados Utilizados na Análise .................................................................................................. 26
5.2. Composição e Tabulação dos dados Colhidos................................................................... 27
5.2.1. Arrecadação de ICMS ..................................................................................................... 27
5.2.2. Arrecadação de ISS ......................................................................................................... 28
5.2.3. Atividade Econômica do Setor Industrial e de Serviços ............................................. 29
5.3. Análise Comparativa entre a Arrecadação do ICMS e ISS com a Atividade Econômica
do Setor Industrial e de Serviços .................................................................................................. 31
6.
CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 37
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 40
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende discorrer a respeito da incompatibilidade da
evolução da conjuntura econômica no Brasil com a rigidez na distribuição da
competência tributária estabelecida na Constituição Federal de 1988, afetando a
arrecadação dos Estados e suas capitais municipais.
O direito brasileiro é baseado preponderantemente na corrente juspositivista,
que acredita que a existência do direito e, consequentemente, da justiça está
diretamente atrelada às normas positivadas, em detrimento do jusnaturalismo, que
defende que o direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser
humano.
A Constituição Federal de 1988 é uma das bases do direito positivo no país e
em seu título VI, da tributação e do orçamento, pode-se observar a rigidez imposta
em nosso ordenamento no que tange a ação tributária estatal.
Diversos tributos criados na atual constituição são de competência privativa
de determinado ente. No caso do ISS, que é um imposto que o fato gerador é a
prestação de determinados serviços definidos na Lei complementar (LC) 116/2003, a
competência é dos Municípios, já no caso do ICMS, que o fato gerador incide sobe a
circulação de mercadorias, serviços de comunicação e transportes interestaduais, é
de competência dos Estados.
Desta forma, o ISS está muito mais sujeito a alterações econômicas do setor
de serviços, enquanto o ICMS do setor industrial, pois este depende da fabricação
de produtos que serão posteriormente postos em circulação no mercado, embora o
ICMS sofra impacto do setor de serviços no que tange os serviços de comunicação
e transporte interestadual.
Atualmente, de acordo com PEREIRA DE MELO (1998)1 a conjuntura
econômica mundial e nacional vem apresentando taxas de crescimento do setor de
serviços muito maiores do que as taxas observadas no setor industrial. Este
fenômeno é facilmente observado pela evolução na participação de cada um dos
1
PEREIRA DE MELO, Hildete; ROCHA, Frederico, FERRAZ, Galeno; SABBATO, Di Alberto;
DWECK, Ruth. O Setor Serviços no Brasil: Uma Visão Geral - 1985/95. Texto para Discussão do
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no. 549, 1998. p. 1.
1
setores na composição do PIB ao longo dos últimos anos, conforme apurado por
instituições oficiais como IBGE e IPEA. Outros indicadores também demostram esta
tendência, porém não serão analisados no presente estudo.
Decorrente dessa propensão na evolução do setor de serviços na economia
brasileira, em detrimento ao setor industrial e da rigidez tributária presente na
constituição federal de 1988 na competência e repartição de receita tributária entre
os entes federativos e, ainda, considerando que (i) o principal tributo arrecadado
pelas capitais municipais é o ISS e este depende do setor de serviços e (ii) o ICMS
como o principal tributo arrecadado pelos estados e este depende do setor industrial,
levanta-se a hipótese de que se o juspositivismo e rigidez constitucional tributária
acompanham, ou não, a evolução econômica no Brasil, influenciando na
arrecadação dos Estados e dos municípios capital.
Para avaliar essa proposição, será analisado se as capitais municipais
(admitindo que estes municípios apresentem estrutura propícia para atividade de
serviços) vêm se beneficiando desta rigidez constitucional, aumentando sua
arrecadação de ISS facilmente, enquanto os estados teriam mais dificuldade para
elevar a arrecadação de ICMS.
O presente estudo terá como base e limitação de análise a evolução do PIB
brasileiro, segregada por setores econômicos, com ênfase nos setores de serviços e
industrial. Os dados serão analisados em valores absolutos e em participação
percentual no PIB dos setores econômicos.
Também serão levantados os dados de arrecadação de ISS das principais
capitais e de ICMS dos estados ao longo dos últimos anos para que possa ser
estabelecida uma análise comparativa entre o PIB e estas arrecadações.
O estudo possui diversas limitações, das quais as limitações mais pertinentes
são:
- Alterações na legislação tributária municipal e estadual influenciando na
arrecadação por meio de alterações na alíquota, base de calculo e sujeito passivo;
alterações na administração tributária e concessão de incentivos fiscais.
- Peculiaridades e definições na legislação dos impostos em questão que
inviabilizam uma análise totalmente fidedigna. Tem-se o caso do ISS, que incide
apenas sobre os serviços listados na Lei Complementar nº 116/2003 e não sobre
2
toda a atividade do setor de serviços, um exemplo é o aluguel que não consta na
lista da lei complementar e foi considerada inconstitucional a incidência do ISS sobre
operações de locação de bens móveis pelo STF, culminando na edição da Súmula
Vinculante STF nº 31. E no caso do ICMS, onde o setor de serviços engloba os
serviços de comunicação e de transportes, nos quais incide o imposto estadual.
- Alterações econômicas causadas por politicas macroeconômicas (fiscal,
monetária e cambial), crises e choques de mercado no ambiente econômico
nacional.
Também não há o intuito de demostrar a correlação econométrica entre a
evolução do PIB do setor de serviços e industrial com a arrecadação de ISS e ICMS,
respectivamente. O PIB está sendo utilizado, no contexto desse trabalho, para
demostrar a tendência econômica brasileira.
A pesquisa verifica uma variação percentual maior na arrecadação de ISS
pelos municípios capital se comparado com a arrecadação de ICMS pelos estados.
No resultado apresentado torna-se evidente que o juspositivismo e rigidez
constitucional na repartição de receita tributária estabelecida pelo constituinte
originário está gerando distorções na distribuição de receitas e na autonomia
econômico-administrativa entre os entes federativos. Uma consequência desta
alteração de poder econômico entre os entes é que as competências de atuação
social que para os municípios é taxativa na constituição e para os estados é residual
serão muito mais facilmente alcançadas pelas capitais municipais do que pelos
estados, sem considerar a evolução das demandas sociais pela intervenção estatal
na vida pública.
O presente estudo está segmentado em cinco capítulos. O primeiro trata da
integração entre o direito financeiro e a economia, já que a questão abrange as
disciplinas do direito e da economia, indiscutivelmente interligados. No segundo
capítulo, procura-se analisar o contexto jurídico e econômico em que a atual
Constituição foi promulgada, discorrendo sobre a evolução do federalismo brasileiro
e as consequências deste no Sistema Tributário Nacional. O terceiro capítulo trata
do âmbito econômico, analisando a evolução da atividade econômica nacional
desde a época da ―Nova República‖ até os dias atuais. No quarto capítulo, realiza-se
a análise comparativa entre a arrecadação do ICMS e do ISS com os dados da
3
atividade econômica no setor industrial e de serviços no PIB brasileiro. E no último
capítulo, apresentam-se as conclusões das análises anteriores e pontuando
possíveis alternativas para eliminação, ou ao menos mitigação da problemática
apresentada.
4
2. A INTEGRAÇÃO ENTRE O DIREITO FINANCEIRO E A ECONOMIA
Como o tema em questão abrange as disciplinas do Direito e da Economia,
torna-se de suma importância tratar primeiramente da integração que existe entre
estas ciências.
Conforme TORRES (2009)2, a matéria financeira é regulada amplamente na
Constituição brasileira. Nesta consta o sistema tributário nacional, onde há o
estabelecimento dos limites ao poder de tributar e dos princípios financeiros básicos.
Partilha os tributos e respectivas arrecadações, dispõe sobre créditos públicos,
define o arcabouço jurídico do orçamento público e determina a fiscalização da
execução orçamentária (art. 70 aos 75 e 145 aos 169). Os princípios, normas e
regras financeiras presentes no texto constitucional da Carta Magna são
formalmente constitucionais, já que estão explicitas e promovem o controle judicial
da constitucionalidade perante normas ordinárias, e também são constitucionais
materialmente, posto que constituem a organização estatal, sendo que diversas
destas possuem eficácia declaratória, por resultarem dos direitos fundamentais e
dos valores jurídicos. Assim, trata-se de um Direito Constitucional Financeiro,
prevalecendo o campo constitucional das normas financeiras, a qual tem por objeto
de estudo as normas e princípios financeiros da Constituição.
O Direito Financeiro está relacionado com diversos aspectos do Direito
Constitucional. Dentre estes está o aspecto político, já que democracia, federalismo
e equilíbrio entre os poderes abarcam questões financeiras; assim como o aspecto
econômico, intrínseco ao mercado social, livre mercado e extrafiscalidade.
As Ciências Políticas e Econômicas sempre influenciaram o pensamento a
respeito da Constituição Financeira, sendo de grande relevância a fiscalidade para a
problemática do Estado. Ainda segundo TORRES (2009)3, embora em determinado
período da história o positivismo e o utilitarismo tenham prevalecido, levando para o
campo da Economia o que antes constituía objeto de pensamento jurídico e
constitucional. Atualmente a Teoria Econômica do Direto está superando o
2
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 16-17.
3
TORRES, Ricardo Lobo. Ob.cit., p. 27-31.
5
positivismo, tornando a Ciência da Constituição Financeira um estudo voltado à
emissão de valores e afastado de neutralidade.
Embora, de acordo com BRITO MACHADO (2009)4, exista uma identificação
específica entre a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro, onde este se trata de
uma disciplina jurídica, e aquela de uma disciplina pré ou metajurídica, atuando no
próprio fato de que se compõe a atividade financeira do Estado, ambas possuem
elementos comuns de estudo.
A partir da postura de ciência valorativa da economia, inicia-se um processo
interdisciplinar, estreitando o relacionamento entre economia e direito, superando a
divisão nos campos acadêmicos e práticos.
Estas emissões de valores no campo da Economia trouxeram um novo
enfoque da fiscalidade. Observando o pensamento de diversos economistas,
extraíram-se grandes reflexões sobre tributação e da repartição dos custos dos
serviços públicos, passando a teoria da justiça econômica a ter na justiça tributária
um de seus aspectos mais debatidos.
É evidente que também há um vínculo muito estreito entre o Direito
Financeiro e a Economia Política. Existem diversos denominadores comuns, que
vão desde problemas especificamente econômicos, como os da extrafiscalidade, do
desenvolvimento e do agregado de tributos, passando por temas como federalismo
fiscal, sistema tributário, redistribuição de renda, e chegando aos alicerces sobre
legitimidade e reforma da Constituição Financeira. Todos estes pontos dependem da
integração e relação entre estas duas disciplinas.
Sendo assim, a construção jurídica do sistema tributário nacional deve ser
formulada sobre uma analise do seu relacionamento com os principais problemas
econômicos, como pleno emprego, redistribuição de renda, controle da inflação,
entre outros.
O relacionamento entre o Direito e a Economia é fundamental no contexto do
federalismo fiscal. Apenas com uma pesquisa interdisciplinar é possível avançar em
problemas como o equilíbrio entre a alocação de recursos entre os entes federados,
eficiência e mudanças econômicas.
4
BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p.
53-55.
6
Como exposto, a Ciência das Finanças, como a Economia Política,
caracterizam-se como ciências normativas e valorativas, e são extremamente
ligadas ao Direito Financeiro. O positivismo, que extirpava da ciência jurídica a
função valorativa, reservada às Finanças, cai por terra ao defender a tese da
incompatibilidade entre a Ciência do Direito Tributário e a Ciência das Finanças,
dada ao alto grau de interseções entre ambas.
Segundo BARROSO (2009)5, a decadência do positivismo é associada ao fim
de regimes fascistas e nazistas, protegidos pela legalidade, na Segunda Guerra.
Assim, a partir da segunda metade do século XX, surge o pós-positivismo, um
modelo que trata as demandas do Direito por clareza e objetividade, mas conectado
a uma filosofia moral e política. A doutrina pós-positivista inspira-se no uso da razão
voltada para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana.
Desta forma, findou-se a teoria casualista da tributação, que limita a Ciência
do Direito Tributário à descrição das normas que regulam as relações jurídicas
privadas, as quais traria base para a tributação.
Com a gradual mitigação do positivismo, o Direito Financeiro e a Ciência das
Finanças adentram integralmente nos estudos de temas tributário relevantes,
decorrentes do grau valorativo de que possuem. Questões como a redistribuição de
renda através de impostos ou da tributação ótima, retornam ao debate, já que não
se limitam a abordagens empíricas ou científicas, passando pelo campo da ética e
filosofia, e alcançando a pesquisa de objetos como o sistema tributário,
descriminação de renda e princípios advindos de ideias de justiça e segurança
jurídica.
Neste contexto uma Constituição Econômica seria a união de normas
voltadas à organização econômica, um conjunto de instituições que determinam o
funcionamento do sistema econômico, constituindo a ordem econômica vigente ou
formada pelo ordenamento da atividade econômica, onde contém princípios e
normas ordenadoras da economia.
5
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 1ª edição, 2009, p. 247-250.
7
3. CONTEXTO
JURÍDICO
E
FISCAL
DO
SISTEMA
TRIBUTÁRIO
NA
CONSTITUIÇÃO
Como exposto anteriormente, existem diversos pontos que tangenciam o
estudo da Economia e do Direito, dentre estes estão o federalismo fiscal e o sistema
tributário. Neste capítulo serão tratados com maiores detalhes a evolução do
federalismo brasileiro e dois dos elementos basilares do sistema tributário nacional,
que são a rigidez na determinação de competências e a repartição das receitas
tributárias, ambas estabelecidas na Constituição Federal de 1988.
3.1. Evolução e Crítica ao Federalismo Brasileiro
Segundo GIAMBIAGI (2001)6, a federação brasileira iniciou sua evolução a
caminho da disposição atual, em reação ao império português, buscando autonomia
frente a um governo centralizador, face à dimensão continental do território. Este
primeiro momento ocorreu na proclamação da República em 1889 e, posteriormente,
ampliando-se com a promulgação da primeira constituição republicana em 1891,
onde as províncias, sem autonomia política, deram lugar a entes da República
Federativa do Brasil, com suas respectivas competências. Com a Constituição de
1891 surgiu a primeira importante mudança para o sistema tributário brasileiro, onde
se iniciou a discriminação dos tributos de competência da União e dos Estados.
Conforme REZENDE (2003)7, a Constituição republicana de 1891 abraçou
ideais de descentralização e autonomia federal, iniciando um ciclo que varia entre
períodos de descentralização e centralização do poder, uma característica marcante
da federação brasileira.
Desta forma, de acordo com AFONSO e SERRA (1999)8, entre 1891 e 1930,
no âmbito da República Velha e no ápice da economia cafeeira, o governo central
era relativamente fraco. Nesta época, a participação do governo federal na despesa
6
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro:
Campus, 2001, p. 244-250.
7
REZENDE, F.; AFONSO, J. R. A Federação brasileira: fatos, desafios, perspectivas. Rio de Janeiro,
2003, p. 6.
8
AFONSO, J. R.; SERRA, J. Federalismo fiscal à brasileira: algumas reflexões. Revista do BNDES,
Rio de Janeiro, n. 12, 1999, p. 4.
8
pública nacional encolheu de aproximadamente de três quartos para a metade;
simultaneamente, a parcela da receita total dos governos estaduais, concentrada na
província de São Paulo, subiu de pouco mais de 10 para quase 40 por cento.
Posteriormente, foi iniciada uma etapa de centralização, entre 1930 e 1946,
com início na Revolução de Trinta. Esta etapa sofreu com a depressão econômica
mundial instaurada em 1929 e acarretou na instauração da ditadura de Getúlio
Vargas, período conhecido como Estado Novo. A forte centralização de poder na
União possibilitou que fosse unificado o mercado interno e fortaleceu a
industrialização através das indústrias de base. Ao final deste período, na divisão
governamental da despesa pública, a fatia federal chegou ao patamar de 55%
(cinquenta e cinco por cento).
Com o término da Segunda Guerra Mundial, a redemocratização do país e a
Constituição de 1946 abriram uma nova fase de descentralização. Na distribuição
das despesas públicas, o governo central diminuiu sua participação, voltou a deter
cerca de 50 por cento do total, na década de 1950.
Em um período mais recente da história do federalismo nacional, a partir da
reforma de 1960 e, após a instauração do governo militar em 1964, iniciou-se um
forte movimento de centralização de poder e de recursos no âmbito do governo
central, através da Constituição de 1967, ampliando sua intervenção sobre os entes
subnacionais, reduzindo sua autonomia.
Segundo VARSANO (1981)9, em uma análise específica do Sistema
Tributário Nacional constituído naquele momento, observa-se que estas reformas
apresentavam o objetivo de aumentar a arrecadação do Estado Brasileiro, buscando
solucionar o problema do déficit nas contas nacionais, vivido na época, e dotar a
estrutura tributária de meios necessários para estimular o crescimento econômico.
Concomitantemente, a ampliação da centralização dos recursos através da
concentração da arrecadação e pela perda de autonomia fiscal das unidades
subnacionais se procurava obter uma melhora na qualidade da tributação quanto
aos efeitos alocativos, direcionando os recursos existentes da economia e gerando
benefícios para a população.
9
VARSANO, R. O sistema tributário de 1967: adequado ao Brasil de 80? Pesquisa e Planejamento
Econômico, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, 1981, p. 203-228.
9
A reforma da década de 1960, do ponto de vista da distribuição federativa da
arrecadação, centralizou os recursos na esfera federal, dado que a função de
estabilização da economia é consagrada como uma atribuição exclusiva do governo
central. Desta reforma, houve a orientação de suprir os estados e municípios de
recursos suficientes apenas para que pudessem desempenhar suas funções
constitucionais, mas sem interferir no processo de crescimento do país.
Já no final da década de 1980, visto como essencial ao movimento de
redemocratização do país, após o término da ditadura militar, onde preponderava
um cenário político, econômico e social adverso, a constituição de 1988 veio com o
objetivo de fortalecer financeiramente e politicamente os estados e municípios em
detrimento ao governo central, fortalecendo assim a federação, refletindo no maior
grau de autonomia fiscal dos entes subnacionais e na descentralização de recursos
tributários disponíveis.
Como explicita VARSANO (1996)10, o importante aspecto da constituição de
1988 é que tal descentralização não foi conduzida pelo governo central, mas sim
pelos estados e municípios por meio do legislativo federal. Ressalta-se que a
descentralização fiscal ocorrida através da referida constituição apresentou natureza
eminentemente política. O processo não foi determinado por interesses técnicos ou
econômicos, não partiu de um planejamento advindo de uma estratégia deliberada,
com políticas bem definidas, buscando maior eficiência e eficácia na ação
governamental.
Desta forma, não houve um plano nacional, prévio e ordenado, para a
descentralização, prevendo os meios legais e financeiros para desenvolver um
processo ordenado de descentralização de encargos, tão pouco houve um pacto
entre os representantes dos três níveis de governo, o que acarretou em um
processo descoordenado, destorcido e conflituoso.
A repartição de receitas tributárias entre as esferas de governo decorreu da
negociação política realizada à época da constituição. Assim, o novo Sistema
Tributário Nacional trouxe consigo diversos problemas, sendo o principal deles a
falta de articulação entre os recursos arrecadados e os encargos, o que gerou
10
VARSANO, R. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões
para futuras reformas. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto para discussão n 405,
Rio de Janeiro, 1996.
10
deterioração da qualidade da tributação e, consequentemente, uma piora nos
serviços públicos.
Segundo AFONSO (1996)11, houve acentuado grau de descentralização,
acompanhada de ampla autonomia de ação dos governos estaduais e municipais.
Estes vêm respondendo por crescente parcela da receita e despesa governamental
desde o início dos anos de 1980, sendo a tendência assegurada e acelerada após a
promulgação da constituição de 1988.
Assim, as finanças da União ficaram comprometidas dadas a perda de certas
competências tributárias. Porém, estas perdas foram recuperadas pela instituição de
contribuições especiais, onde sua arrecadação não é repartida com os demais
entes, diferentemente de outros tributos, contribuindo para a ampliação da carga
tributária no país. Conforme explicação de DORNELLES (2008)12, o capítulo
dedicado à seguridade social da Carta Magna abriu caminho para a criação de
novas contribuições, que, na realidade, são impostos disfarçados.
Ainda de acordo com AFONSO (1996)13, outro problema criado a partir da
constituição de 1988, no tocante a tributação estadual e municipal, gira em torno de
excessos na aplicação dos impostos indiretos. No término da década de 1980 e
início de 1990, a ideia da autonomia de cada ente federativo para formular e
executar sua própria política tributária foi exacerbada e distorcida, causando
prejuízos relevantes para a competitividade. Isto se deu devido à atípica divisão de
competências tributárias, que atribui o mais abrangente imposto indireto aos
estados, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação
(ICMS), e aos municípios o imposto sobre serviços (ISS) que ganha cada vez mais
importância, já que é um setor em ascensão no país. Em comparação a países com
um sistema tributário mais desenvolvido, este tipo de tributo encontra-se na
competência do ente central. Neste arranjo institucional não há a mínima
11
AFONSO, J. R. Descentralizar e depois estabilizar: a complexa experiência brasileira. Revista do
BNDES, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, 1996, p. 31-62.
12
DORNELLES, FRANCISCO. Constituição de 1988: O Brasil 20 Anos Depois - Estado e Economia
em Vinte Anos de Mudanças (VOL. IV). O Sistema Tributário da Constituição de 1988. Senado
Federal, 2008, p. 1- 28.
13
AFONSO, J. R. Ob. Cit. p. 31-62.
11
colaboração e integração entre os governos subnacionais, em termos verticais e
horizontais.
Assim como na reforma de 1960, porém agora devido à descentralização sem
um prévio planejamento e sem cooperação entre os níveis de governo, a função de
estabilização econômica que continuou sendo vista pelos estados e municípios
como competência e preocupação da união, não obstante cada vez mais os entes
subnacionais absorvem responsabilidades, devido à elevação de suas receitas e
despesas governamentais. Contudo, este fato não impediu que fossem formulados e
implementados diversos planos de estabilização, inclusive, o mais bem-sucedido, o
Plano Real.
Conforme
GIAMBIAGI
(2001)14,
a
Constituição
de
1988
possui
a
peculiaridade de ter uma tendência municipalista, passando estes a serem
reconhecidos como membros da federação, estando a partir de então em condições
isonômicas, com direitos e deveres definidos, aos estados e união.
No cenário da década de 1980, os entes subnacionais aumentaram
significativamente sua autonomia e sua participação na totalidade de receitas
tributárias e paralelamente na totalidade dos gastos públicos. Antes mesmo da
constituição de 1988 as descentralizações de recursos ocorriam, principalmente, por
intermédio de emendas constitucionais que elevavam os percentuais dos fundos de
participação dos municípios.
Não obstante o processo de descentralização no Brasil tenha se baseado, em
grande parte, no aumento das transferências do governo federal para os estados e
municípios através dos fundos de participação, isto não inibiu os esforços para
elevação na arrecadação própria dos entes subnacionais.
No processo de descentralização houve a redistribuição de receitas e dos
encargos entre os entes. No entanto, não houve um processo organizado de
transferência de responsabilidades, como a delegação de alguns programas sociais,
prejudicando o atendimento de diversas demandas populares.
Em suma, os recursos fiscais dos estados e municípios aumentaram após a
constituição de 1988, porém sem a delimitação de competências administrativas
14
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro:
Campus, 2001, p. 323-324.
12
destas esferas de governo. Assim, os entes subnacionais expandiram suas
despesas, principalmente nas funções de educação e saúde.
Ainda segundo GIAMBIAGI (2001) 15, é relevante destacar mais uma vez que,
como não houve um processo organizado de descentralização de encargos da
máquina pública, a transferência de responsabilidades gerou distorções no
atendimento de demandas sociais, havendo casos de falta de atendimento
concomitante à superposição de atuação entre os entes em algumas funções. O
contexto ainda é agravado pela não distribuição de parte dos ativos do ente central
aos subnacionais, nem de parcela do quadro de funcionários, gerando a
necessidade de novas obras e novas contratações, muitas vezes desnecessárias,
acarretando em desperdício de recurso público.
Dado o exposto, nota-se que desde os anos 80, em meio a um cenário
adverso na esfera política, econômica e social, o Brasil promoveu uma
descentralização fiscal que se equipara aos níveis de federações avançadas.
Todavia, foi um processo que prosperou de acordo com as circunstâncias de cada
momento, não se constituindo de um programa de governo, gerando assim diversas
distorções e carecendo de muito aperfeiçoamento.
3.2. Rigidez Constitucional Tributária
Segundo BARROSO (2009)16, a premissa na qual se baseia o direito
constitucional contemporâneo é a supremacia da constituição perante as demais
normas. Tal supremacia advém de elementos históricos, lógicos e dogmáticos, na
qual se extraem de diversos fundamentos, como por exemplo, o posicionamento de
hegemonia do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional,
a essência material das normas que contém e seu caráter de conservação.
Na visão de TAVARES (2013)17, a Constituição de 1988 apresentaria um
caráter super-rígida. Sendo a super-rigidez caracterizada pela pretensão de
15
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro:
Campus, 2001, p. 331-332.
16
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 1ª edição, 2009, p. 82-84.
17
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 8671.
13
eternidade, pela impossibilidade de alteração, ou seja, a norma constitucional superrígida é imutável, perene.
De acordo com a tese de DUARTE NETO (2013)18, a Constituição Federal
vigente é considerada rígida. Nela, o procedimento estipulado para sua alteração
formal é altamente criterioso, quando comprado com as demais espécies normativas
presentes em seu artigo 59, incisos II à VII. A imutabilidade relativa é uma
decorrência direta das Constituições rígidas, a sua alteração formal ocorre apenas
dentro de limites determinados originalmente. Como técnica normativa, a rigidez
possibilita que uma Constituição se adapte a uma nova realidade social ao mesmo
tempo em que se protege de mudanças bruscas e inconsequentes, dadas as
dificuldades da modificação da mesma, ou seja, mantém certos aspectos que a
tradição jurídica estabeleceu como relevantes e de caráter inalterável.
A imutabilidade relativa gera a supremacia formal, que se traduz na
superioridade
normativa
que
a
Constituição
possui
sobre
as
normas
infraconstitucionais. Essa superioridade vincula e subordina poderes, órgãos e
autoridades. Estes por sua vez deverão dar execução às diretrizes constitucionais
da forma preestabelecida, com o conteúdo determinado e objetivando atender ao fim
almejado.
Desta forma, a solenidade do procedimento de alteração formal projeta-se em
duas direções simultaneamente, estabilizando opções constitucionais, e vinculando
e subordinando atos infraconstitucionais.
De acordo com BRITO MACHADO (2009)19, o sistema tributário, presente na
Constituição, é considerado rígido, de forma que o legislador ordinário não possui
praticamente nenhuma opção, já que a própria Constituição já a disciplina
completamente, delimitando todas as normas fundamentais do sistema.
Para MACHADO (2013)20, o sistema constitucional brasileiro é classificado
como rígido, sobretudo, tomando por base a forma como é feita a outorga de
competências impositivas. De forma alguma o legislador infraconstitucional é livre
18
DUARTE NETO, José. Rigidez e Estabilidade Constitucional. 2009. 285 f. Tese (Doutorado em
Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2009. p. 213.
19
BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p.
271-275.
20
MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Competência Tributária: Entre a Rigidez do sistema e a
Atualização Interpretativa. 2013. 278 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo. 2013. p. 21-26.
14
para eleger as realidades a serem tributadas, dado que a própria Constituição já
delimita a esfera de exercício.
Em suma, as limitações à reforma surgem como um núcleo, e em seu entorno
gravitam a estabilidade constitucional e a supremacia formal de seu texto.
3.3. Competência e Repartição de Receitas Tributárias
Segundo CARRAZZA (2009)21, a atribuição da competência tributária de cada
ente federado está diretamente relacionada ao princípio federativo e a autonomia
das pessoas política que compõem a própria federação, consagradas pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
As delimitações das competências estão definidas e concatenadas com
mecanismos jurídicos, como a Constituição Federal e leis complementares, que
possuem a função de evitar conflitos.
Como a União, os Estados e os Municípios são entes isonômicos, não existe
a possibilidade de alguma delas adentrar na competência e autonomia das demais,
devendo seguir, estritamente, a rigidez das normas delineadas pela Constituição.
A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que são
hierarquicamente superiores às de nível legal.
A competência tributária é a faculdade de determinado ente federativo editar
leis que criem tributos, em abstrato. É uma competência tributária originária,
validada pela Constituição, ou seja, o próprio Texto Magno consagra-se como a
principal lei do Sistema Tributário Nacional, por possuir diretrizes fundamentais que
são aplicadas para todos os tributos.
Ainda segundo CARRAZZA (2009)22, a competência tributária possui cinco
características basilares de acordo com o ordenamento pátrio, são elas:
privatividade,
indelegabilidade
(abarcando
também
neste
conceito
a
irrenunciabilidade), incaducabilidade, inalterabilidade e facultabilidade de seu
exercício.
21
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2ª edição. Malheiros: São
Paulo, 2009, p. 467-503.
22
CARRAZZA, Roque Antônio. Ob.cit., p. 615-652.
15
A Constituição delimita as competências tributárias privativas de cada pessoa
política nacional. Desta forma, ao mesmo tempo em que afirma a competência de
um ente, nega esta aos demais.
Quando o Texto Magno outorga uma competência a determinado ente político
visa perseguir o interesse público, que considera atingível apenas através da
atuação do titular designado. Desta forma, a competência é indelegável, e
complementar a esta ideia, também é irrenunciável.
No entanto, as pessoas políticas, embora não possam delegar suas
competências tributárias, por força da rigidez constitucional, são livres para delas se
utilizarem ou não.
Considera-se incoadunável, já que o não exercício da competência tributária
não tem o poder de proibir que a pessoa política venha a criar tributo após
determinado lapso temporal.
A competência tributária é inalterável, não sendo possível ter suas dimensões
alteradas pelo próprio ente federado que a detém. Apenas emenda constitucional
pode redefinir o campo tributário de determinado ente graças à rigidez constitucional
dirimida no tópico anterior deste capítulo.
Seguindo TORRES (2009)23, a doutrina mais moderna e preponderante
acredita que a definição da relação jurídica tributária depende da própria
conceituação do Estado, isto porque, o estuda a partir do prisma constitucional e sob
a visão do Estado do Direito, afastando-a das relações jurídicas de direito privado.
A relação jurídica tributária continua a se definir como obrigação advinda da
lei, apesar da abordagem constitucional do problema. Mas a sua origem legal se
completa e se equilibra com os momentos que antecedem o exercício do poder de
administrar e de julgar as controvérsias surgidas da aplicação da lei, sem os quais
não se forma o vínculo de direito.
Além disso, a relação jurídica tributária não se esgota na lei formal, devendo
também buscar o seu fundamento na ideia de justiça e nos princípios constitucionais
dela derivados.
23
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 235-236.
16
TORRES
(2009)24 afirma
ainda
que
o sistema
tributário federado,
inteiramente delimitado na Constituição, se estrutura a partir da consideração da
pessoa jurídica titular da competência impositiva. Este é o chamado sistema do
federalismo fiscal, ou da partilha tributária, ou da discriminação de rendas,
expressões tomadas com sinônimos.
Do ponto de vista jurídico, a sistematização dos tributos no federalismo fiscal
tem, o objetivo de proceder à separação do poder tributário, contribuindo para a
autonomia dos entes federativos. Tal poder, por ter aptidão para destruir a liberdade,
já nasce rigidamente limitado pela Constituição, sendo a partilha da receita um dos
instrumentos mais eficazes para garantir os direitos fundamentais.
Segundo BRITO MACHADO (2009)25, é de suma importância atentar que a
Constituição Federal estabelece os limites da matéria fática a serem aplicados pelo
legislador na instituição dos tributos. Com relação aos impostos a Constituição o faz
ao partilhar competências entre os entes federados. Ao estabelecer a respectiva
competência para instituir impostos específicos, a Constituição Federal delimita a
matéria de que pode valer cada uma destas pessoas jurídicas de Direito Público
para instituí-los, ou seja, para definir a hipótese de incidência de cada um desses
impostos.
Portanto, em decorrência da supremacia constitucional, tem-se como primeira
e basilar das diversas limitações constitucionais da competência tributária, a matéria
fática colocada pela Constituição Federal à disposição do legislador de cada uma
das entidades tributantes.
Vigora no atual sistema tributário o regime das competências privativas, tanto
para impostos como para os demais tributos. Em relação aos tributos cujos fatos
geradores são, ou estão ligados, as atividades estatais, como é o caso da taxa e da
contribuição de melhoria, a competência tributária decorre da competência para a
prestação do serviço ou para o exercício do poder de polícia e para a realização de
obra pública. No que se refere aos impostos, a competência se encontra
propriamente no campo do Direito Tributário.
24
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 359-360.
25
BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p.
271-275.
17
A atribuição de competência para instituir impostos constitui uma forma de
limitação ao poder de tributar, na medida em que, ao determinar quais são os
impostos que podem ser criados pelos entes federativos, assim, a Constituição
delimita o campo fático que pode servir de suporte a esses impostos.
O legislador infraconstitucional de cada uma das pessoas jurídicas de Direito
Público, ao criar um imposto, não pode atuar fora dos limites que a Constituição
Federal lhe reserva. Por essa razão não é permitida a alteração dos conceitos que a
Constituição utiliza ao fazer a discriminação das competências impositivas, tão
pouco pode desconstruir conceitos legais que impliquem alterações das regras
constitucionais.
Conforme tese de MACHADO (2013)26, no vocabulário jurídico, sobretudo na
teoria do Direito Administrativo, ―a palavra competência representa a atribuição ou o
reconhecimento de um poder, cujos contornos são delimitados, para realizar uma
dada atividade administrativa, elaborar uma norma ou executar a atividade
jurisdicional. (...) A competência é a autorização normativa mínima, sem a qual não
se pode praticar o ato validamente‖.
Entre os teóricos do Direito Tributário, a expressão competência tributária é
utilizada para designar e delimitar o poder dos entes da Federação de elaborar
normas para a criação de tributos, devidamente reconhecido, limitado e dividido em
seu exercício por normas de uma Constituição, caso do Direito Tributário brasileiro.
Tratando da repartição de receitas tributárias, de acordo com CARRAZZA
(2009)
27
, a regra é que a pessoa política fique com o produto da arrecadação de
seus tributos, com o que obtém os meios econômicos e necessários à realização
dos objetivos que a Carta Magna e as leis lhe assinalem. Porém, frequentemente, a
Constituição determina que uma pessoa política deva partilhar do produto da
arrecadação de determinados tributos de outras.
Ainda na linha de pensamento de CARRAZZA (2009)28, a Constituição
Federal acolhe duas modalidades de competência: a tributária (faculdade de instituir
26
MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Competência Tributária: Entre a Rigidez do sistema e a
Atualização Interpretativa. 2013. 278 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo. 2013. p. 21-26.
27
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2ª edição. Malheiros: São
Paulo, 2009, p. 646.
28
CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. Cit. p. 652.
18
tributos) e a financeira (direito de participar do produto de sua arrecadação). Ambas
ocupam a mesma hierarquia, ou seja, geram o mesmo tipo de direito às pessoas
políticas que as possuem: o direito de obter fundos, seja por arrecadação própria,
seja mediante participação no produto de arrecadação alheia.
Este conceito é muito semelhante ao de discriminação constitucional
apresentado por BRITO MACHADO (2009)29, onde a discriminação constitucional de
renda é expressão genérica, na qual compreende a atribuição de competência
(partilha de poder tributário) e a distribuição de receitas tributárias. Pela atribuição de
competências divide-se o próprio poder de instituir e cobrar tributos, entregando aos
entes federados parcelas deste poder de tributar através da Constituição Federal
(arts. 153 a 156). Pela distribuição de receitas o que se divide entre as referidas
entidades é o produto da arrecadação do tributo por delas instituídos e cobrados.
Não é de interesse de o presente estudo dirimir por completo toda a
repartição de receitas tributárias constantes no Sistema Tributário Nacional. Para
que haja clareza e entendimento pleno do tema, basta que sejam abordadas as
competências tributárias privativas dos Estados para com o Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e dos
Municípios para com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e suas
respectivas competências financeiras.
Como citado, através do artigo 155, inciso II, a Constituição consagra a
competência tributária dos Estados para instituir o ICMS. Já no que concerne à
repartição das receitas tributárias, o artigo 158, inciso III, da Carta Magna, obriga os
Estados a entregar aos Municípios localizados em seus territórios ―vinte e cinco por
cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre as operações relativas
à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação‖.
A Constituição Federal através do artigo 156, inciso III, estabelece que os
impostos sobre ―serviços de qualquer natureza‖ são de competência dos Municípios.
Como a regra é que a pessoa política fica com o produto da arrecadação de seus
29
BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009. p.
293-294.
19
tributos e a Constituição não criou nenhuma norma repartindo esta arrecadação,
todo o recurso obtido com este imposto pertence ao Município.
20
4. EVOLUÇÃO RECENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA NACIONAL
Neste momento é relevante demonstrar o contexto vivido no país na ―Nova
República‖, época da promulgação da Constituição Federal, e o contexto atual,
constatando a diferença existente na atividade econômica entre estes períodos no
país.
4.1. Evolução Atividade Econômica na “Nova República”
Conforme descrito por GIAMBIAGI (2011)30, o período histórico chamado de
―Nova República‖, que foi de 1985 a 1989, foi marcado pela tentativa frustrada de
combate à inflação, com a implantação de três planos de estabilização; Plano
Cruzado, Plano Bresser e Plano Verão. Embora ineficientes para conter a inflação
(média de 471,7% ao ano), estes planos colaboraram para alavancar o crescimento
nacional (média de 4,3% ao ano). Com exceção do período do Plano Cruzado, as
exportações puxaram o crescimento do PIB no período (elevação de mais de 6% ao
ano).
Embora este período apresente uma alta taxa de crescimento, quando
comparado ao restante da década, os fatores que determinam a atividade
econômica variaram significativamente nesse período.
No Plano Cruzado, 1986, a indústria liderou o crescimento, com uma
expansão de 12% em relação ao ano anterior. Esta expansão ocorreu
principalmente em bens de consumo duráveis e em investimentos. Neste ano a
produção doméstica procurou satisfazer a demanda interna, a qual apresentou uma
expansão de 22,8% no primeiro semestre, se comparado ao mesmo período de
1985.
Ainda de acordo com dados do IBGE apresentados por GIAMBIAGI (2011)31
no início do Plano Cruzado houve um crescimento de 20% nos postos de trabalho
criados no primeiro quadrimestre de 1986, quando comparado a igual período de
30
GIAMBIAGI, F. Economia Brasileira Contemporânea (1945 - 2010). Rio de Janeiro: Campus, 2011,
p. 97-125.
31
GIAMBIAGI, F. Ob. Cit. p. 97-125.
21
1985. Salientando que produção industrial havia crescido 8,3% em 1985, ano em
que se constatou uma demanda nacional já aquecida. Comparando o mês de julho
de 1986 ao mesmo mês de 1985, a produção de bens de consumo duráveis
aumentou 33,2%.
Já no Plano Bresser, 1987, a agricultura, com um crescimento de 15%, foi a
principal colaboradora para o desempenho positivo do PIB, tendo parcela
significativa da produção agrícola exportada. Uma piora no poder aquisitivo dos
salários e aumento dos juros reais prejudicou o setor industrial e de serviços neste
ano. No ano de 1988 o PIB apresentou o pior desempenho do período histórico, com
queda de 0,1%.
Na ―Nova República‖, o setor de serviços apresentou o maior crescimento
entre os setores que compõem o PIB (4,8%), contudo deve-se somente ao
desempenho verificado em 1986 (17,8%), quando houve incentivos pelo Plano
Cruzado.
4.2. Evolução Atividade Econômica Atual
Para GIAMBIAGI (2011)32, a partir de 2003, o desenvolvimento da economia
nacional foi influenciado pela evolução econômica internacional e, face à
continuidade do regime de metas de inflação, instituída em 1999, além da taxa de
cambio favorável e controle da inflação. Embora um crescimento modesto (1,1%) em
2003, devido aos efeitos da alta taxa de juros, nos anos seguintes a economia
brasileira apresentou um maior dinamismo, acompanhando o crescimento
econômico mundial. No quinquênio 2004-2008 a taxa média de crescimento do PIB
foi de 4,8%. Apenas no término de 2008 o crescimento iria sessar dada à crise
financeira mundial.
Até a crise, o controle da inflação se mantendo dentro do intervalo das metas
estabelecidas no sistema, mostrando uma trajetória descendente. Adicionalmente, o
maior otimismo com as perspectivas da economia resultou na expansão de
32
GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de; HERMANN, Jennifer (2011).
Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Campus. P. 211 e p. 217-218.
22
investimentos e aumento da demanda por empregos, onde a taxa de desemprego
variou de 12% em 2002 para 7% em 2010.
De acordo com GIAMBIAGI (2014)33 a conjuntura econômica mundial e
nacional foi afetada pela crise dos subprimes no ano de 2008. Como consequência
desta crise a economia mundial encolheu 0,4% no ano de 2009, contudo retorna o
crescimento em 2010 e em 2011 com um crescimento de 3,9% e em 2012 e 2013
um pouco menos, mas com uma taxa ainda assim favorável de 3%. No Brasil, no
período de 2010 a 2014, a média de crescimento foi de 2,2%.
De acordo com o Boletim do Banco Central do Brasil - Relatório Anual 2013
34
, a retomada da atividade em 2013, evidenciada pelo crescimento anual de 2,3%
do PIB (aumento de 1,0% em 2012), em valores correntes a preços de mercado
atingiu R$ 4.838 bilhões, foi sustentada, em especial, pelo desempenho da
agropecuária e é importante ressaltar, adicionalmente, os resultados anuais
favoráveis da indústria e do setor de serviços.
Nesse cenário, a continuidade do processo de retomada da atividade global,
iniciada em 2013, deverá exercer contribuição adicional para a consolidação do atual
ciclo de crescimento econômico.
Pela ótica da oferta, destacou-se o crescimento anual de 7,0% na produção
agropecuária, favorecido pelo desempenho das lavouras de soja, cana-de-açúcar,
milho e trigo, e pela expansão nos abates de bovinos e aves. O setor de serviços
cresceu 2,0% em 2013, impulsionado pelas atividades serviços de informação
(5,3%), transporte, armazenagem e correio (2,9%) e comércio (2,5%), e a produção
da indústria aumentou 1,3% no ano, com ênfase nos crescimentos da produção e
distribuição de eletricidade, água e gás (2,9%), da construção civil (1,9%) e da
indústria de transformação (1,9%).
Assim como o Boletim do Banco Central do Brasil - Relatório Anual 2013, o
Boletim Macro IBRE/FGV de dezembro de 201335, constatou que o ano de 2013
termina com crescimento do PIB bem superior ao do ano anterior (2,3%, ante 1,0%
registrados em 2012); com inflação medida pelos preços ao consumidor ligeiramente
33
GIAMBIAGI, F. e SCHWARTSMAN, A.(2014). Complacência, Rio de Janeiro: Campus Elsevier. P.
13-14.
34
BACEN. Boletim do BC. Relatório anual 2013. Brasília DF: Banco Central do Brasil, 2014, p. 15-36.
35
FGV. Boletim Macro IBRE. Dezembro de 2013. 2013, p. 1-6.
23
abaixo da de 2012, dentro da meta estipulada pelo governo; desemprego médio no
ano também levemente inferior ao do ano anterior; e rendimentos médios reais ainda
em elevação. Mas com superávit primário abaixo do desejável e, especialmente,
déficit em transações correntes bastante elevado, da ordem de 3,7% do PIB. Em
suma, uma mescla de resultados relativamente positivos ao lado de outros que
deixam a desejar e que exibem desequilíbrios reais e riscos potenciais.
Muito da discussão atual sobre a conjuntura no Brasil está centrada em
determinar o momento em que os formuladores de política econômica irão, ou terão
que, atuar para corrigir os desequilíbrios e fragilidades que podem comprometer um
funcionamento saudável do sistema econômico em longo prazo.
Este momento será também afetado pelo desenrolar de importantes
iniciativas governamentais e eventos recentes, como o deslanchar das concessões
na área da infraestrutura, o reconhecimento de que o crédito dos bancos públicos
vem se desacelerando - refletindo um certo esgotamento do modelo de expansão do
consumo baseado no crédito, público e privado -, o receio de que haja rebaixamento
da nota de crédito soberano e da evolução da inflação em face de uma política fiscal
que continua expansionista. Com todos esses constrangimentos, a ação recente do
BC, aliás, tem perseguido simultaneamente os objetivos de suavizar os movimentos
cambiais para ajudar no controle da inflação, com o auxílio dos aumentos de juros,
tentando contrabalançar o expansionismo fiscal para evitar o rebaixamento do rating.
A tensão existente, detectada e vivida pelos agentes econômicos tem a ver
com o caráter errático de alguns desses desenvolvimentos. No caso do crédito
público, por exemplo, a tensão tem origem no caráter intermitente das concessões.
Na área das variáveis reais, prevê-se que o investimento em capital fixo deverá
desacelerar a curto prazo, depois da recuperação de 2013. O mercado de trabalho
seguirá aquecido, mas o crescimento da massa salarial provavelmente vai
desacelerar ou mesmo desaparecer com a manutenção da inflação nos patamares
atuais, mesmo com o reajuste do salário mínimo em janeiro. O crédito para consumo
quase não cresce em termos reais, em parte como resultado da moderação
(intermitente, como dito anteriormente) do crédito público.
Em uma comparação entre a atividade econômica do período da Nova
República e o momento mais atual da economia nacional, percebe-se que o setor de
24
serviços tem se destacado em relação ao setor industrial. Como exposto, na Nova
República apenas no ano de 1986 a indústria apresentou um desempenho melhor,
porém neste período histórico o setor de serviços demonstrou um maior
crescimento. Já na atualidade econômica, mesmo em um contexto de variáveis
macroeconômicas diversas da segunda metade da década de 1980, o setor de
serviços permanece apresentando um maior crescimento, representando cada vez
maior proporção do PIB nacional, em detrimento do setor industrial.
25
5. DESCOMPASSO
ENTRE
A
RIGIDEZ
CONSTITUCIONAL
DAS
COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS DO ICMS E DO ISS COM A EVOLUÇÃO DA
ATIVIDADE ECONOMICA NACIONAL
Neste capítulo são feitas as análises dos dados coletados sobre o Produto
Interno Bruto (PIB) e arrecadação do ICMS dos Estados e do ISS das Capitais
Municipais. Os dados do PIB serão comparados aos de arrecadação para verificar
se há relação entre estes. Serão abordadas diferentes formas de comparação dos
dados para que as possíveis limitações do estudo sejam minimizadas.
5.1. Dados Utilizados na Análise
Para realizar a análise aqui proposta, foi feito o levantamento dos dados de
arrecadação do ICMS dos vinte e seis (26) Estados brasileiros (o Distrito Federal foi
desconsiderado na análise, já que não enfrenta a problemática abarcada neste
estudo, por possuir tanto a competência para o ICMS como para o ISS), do ISS da
capital de cada Estado e da atividade econômica do Brasil, através da
decomposição do PIB, em valores nominais, do setor industrial e de serviços, para o
período de 2007 a 2013.
Os dados foram coletados a partir das páginas eletrônicas do IPEA
(Ipeadata)36, CONFAZ37 e Meu Município38, sendo que este último extrai suas
informações do banco de dados da STN e IBGE. Todos os dados foram coletados
no início do ano de 2015.
O intervalo de tempo, compreendido dentre os anos de 2007 e 2013, foi
determinado para que fosse possível uma análise comparativa. Este intervalo não foi
mais extenso posto que foram utilizadas diferentes fontes de dados e nem todas as
fontes possuíam outros exercícios além dos encontrados, ou seja, o período foi
definido de acordo com os dados presentes em cada fonte para os mesmos anos.
36
http://www.ipeadata.gov.br/
https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms
38
http://www.meumunicipio.org.br/meumunicipio/home
37
26
5.2. Composição e Tabulação dos dados Colhidos
Nesta sessão estão dispostos os dados coletados nas fontes selecionadas,
devidamente tabulados, para posterior análise.
5.2.1. Arrecadação de ICMS
Foram tabulados os valores de arrecadação de todos os Estados brasileiros e
o valor agregado da arrecadação deste imposto por região e nacionalmente. Não é o
foco de este trabalho proceder com a coleta de dados de arrecadação por segmento
da economia, como por exemplo, de telecomunicações, petróleo, importações etc. O
presente estudo toma como premissa que o ICMS depende, de forma geral, da
produção industrial para que em seguida os produtos gerados sejam circulados na
economia, ocorrendo assim o fato gerados do imposto em questão e sua
consequente arrecadação.
Abaixo se encontra a Tabela 01, que apresenta os dados de arrecadação de
cada estado e agregado por região e nacional, do período de 2007 a 2013, além da
variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano da série histórica.
27
Tabela 01- Arrecadação de ICMS
Fonte: CONFAZ - Secretaria de Fazenda, Finanças ou Tributação
(http://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms) Acesso em 06/01/2015.
5.2.2. Arrecadação de ISS
Também foram tabulados os valores de arrecadação, porém desta vez do
ISS, de todas as capitais municipais dos Estados brasileiros e o valor agregado da
arrecadação deste imposto por região e nacionalmente. Importante lembrar que o
ISS atinge apenas o setor de serviços, mais especificamente os serviços constantes
na lista anexa na Lei Complementar nº 116.
Abaixo se encontra a tabela apresentando os dados de arrecadação de
capital municipal de cada estado e agregado por região e nacional, do período de
2007 a 2013, além da variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano
da série histórica.
28
Tabela 02 – Arrecadação de ISS
Fonte: Meu Município (http://www.meumunicipio.org.br) Acesso em 11/03/2015 e IPEADATA
(http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.
5.2.3. Atividade Econômica do Setor Industrial e de Serviços
Foram tabulados os dados do valor do PIB brasileiro no setor industrial e de
serviços entre o período de 2007 e 2013.
O PIB pode ser desmembrado entre os setores agrícola, industrial e de
serviços. Para o presente estudo o setor agrícola não foi considerado, pois como
demonstra o Gráfico 01, sua participação no agregado do PIB é relativamente baixa
e constante, não sendo esta uma variável relevante a ser analisada.
29
Gráfico 1 - Produto Interno Bruto (PIB) por Atividade Econômica
Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.
Em contrapartida, o setor industrial e de serviços merecem atenção. Desta
forma estes foram desmembrados em seus componentes (conforme metodologia do
IBGE).
O setor industrial é dividido nas seguintes atividades: (1) construção; (2)
extrativa mineral; (3) eletricidade, gás e água; e (4) transformação.
Já o setor de serviços é dividido nas seguintes atividades: (1) administração,
saúde e educação pública; (2) atividades imobiliárias e aluguel; (3) comércio; (4)
serviços de informação; (5) intermediação financeira; (6) transporte, armazenamento
e correio; e (7) outros.
Segue, abaixo, as Tabelas 03 e 04, com os valores nominais do PIB do
período de 2007 à 2013, assim como composição apresentada acima, além da
variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano da série histórica.
30
Tabela 03 - PIB do Setor de Serviços
Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.
Tabela 04 - PIB do Setor Industrial
Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.
5.3. Análise Comparativa entre a Arrecadação do ICMS e ISS com a Atividade
Econômica do Setor Industrial e de Serviços
Proporcionar uma análise comparativa direta entre a arrecadação do ICMS e
ISS com a atividade econômica do setor industrial e de serviços pode vir a ser
considerado algo trivial e inconsistente. Contudo este foi o ponto de partida da
pesquisa.
Esta simples análise demonstrou através da variação percentual de
arrecadação e de crescimento de cada setor, em cada ano com relação ao primeiro
da série temporal, que a arrecadação de cada imposto acompanha o crescimento de
cada setor da economia, conforme se pode observar na Tabela 5 e nos Gráficos 2 e
3.
31
Tabela 5 - Variação Percentual em relação ao ano de 2007
Fonte: Elaborado pelo Autor
Gráfico 2 - Comparação da Arrecadação de ISS com Atividade Econômica do Setor
de Serviços
Fonte: Elaborado pelo Autor
Gráfico 3 - Comparação da Arrecadação de ICMS com Atividade Econômica do
Setor Industrial
Fonte: Elaborado pelo Autor
32
A variação entre os anos de 2007 e 2013 demonstra que o PIB do setor
industrial cresceu 61,35% e o PIB do setor de serviços 86,91%, enquanto a
arrecadação de ICMS cresceu 97,17% e a arrecadação de ISS 121,49%. A partir
destas informações seria possível chegar a uma conclusão, como afirmado
anteriormente em uma análise simplista, de que a arrecadação de cada imposto
acompanha a evolução de cada segmento da economia.
Em uma análise por região do país, é possível pulverizar os dados nacionais,
observando alguns comportamentos da evolução da arrecadação e do PIB de cada
setor.
Segue gráfico com a evolução percentual acumulada da arrecadação de ISS,
ICMS e das atividades econômicas.
Gráfico 4 - Evolução Acumulada da Arrecadação do ICMS
Fonte: Elaborado pelo Autor
Gráfico 5 - Evolução Acumulada da Arrecadação do ISS
Fonte: Elaborado pelo Autor
33
O gráfico 4 apresenta uma queda do PIB do setor industrial no ano de 2012.
Esta redução na atividade econômica deste setor é acompanhada pela redução da
arrecadação de ICMS de algumas regiões, dando destaque à região sudeste, que
correspondeu a 53,7% da arrecadação deste imposto no país neste ano.
Já no gráfico 5, percebe-se que há um crescimento acentuado tanto na
evolução do PIB do setor de serviços, quanto da arrecadação de ISS pelos
municípios. Ambos os gráficos apresentam uma conclusão semelhante ao da
arrecadação agregada.
Contudo, para que haja uma melhor comparação entre os dados de
arrecadação e da atividade econômica são necessários alguns ajustes, já que os
impostos em questão apresentam fatos geradores que não incidem diretamente
sobre cada setor da economia em sua totalidade (ICMS: Lei Complementar 87, art.
2° e ISS: Lei Complementar 116, art. 1º).
Conforme exposto, é preciso fazer a comparação dos dados de arrecadação
dos referidos impostos apenas com as componentes que são atingidos por seus
respectivos fatos geradores.
Contudo, como a incidência do fato gerador destes impostos é em demasiado
delimitado, como no caso do ISS, que abarca apenas os serviços constantes da lista
anexa na Lei Complementar nº 116, os ajustes propostos neste estudo não tornarão
as comparações precisas, já que as fontes onde os dados foram coletados não
conseguem fornecê-los de forma tão delimitada quanto a da incidência dos fatos
geradores. Cabendo a presente pesquisa apenas mitigar as distorções geradas pela
análise simplista demonstrada anteriormente.
Assim os dados de arrecadação do ICMS são comparados com a totalidade
dos componentes do setor industrial e alguns componentes do setor de serviços
(comércio, serviços de informação e transporte, armazenagem e correio), já que
ocorre fato gerador do imposto em questão sobre estas atividades.
Já os dados de arrecadação do ISS são comparados apenas com alguns
componentes do setor de serviços, são eles: comércio, intermediação financeira,
outros serviços e transporte, armazenagem e correio. O componente ―administração,
saúde e educação pública‖ é extirpado desta análise, já que não é cobrado ISS
34
sobre estes serviços. O componente ―atividades imobiliárias e aluguel‖ também não
será considerado, já que
inconstitucional
a cobrança de ISS nesta atividade foi considerada
pelo STF através da Súmula Vinculante 31. E por último o
componente ―serviços de informação‖ sofre incidência apenas do ICMS.
Observa-se que em ambas as comparações existem componentes em
comum, já que estes geram efeitos na arrecadação de ambos os impostos.
Tabela 6 - Evolução dos componentes do PIB que influenciam a arrecadação
de ISS.
Fonte: Elaborado pelo Autor
Tabela 7 - Evolução dos componentes do PIB que influenciam a arrecadação
de ICMS.
Fonte: Elaborado pelo Autor
Após os ajustes propostos, as variações entre o primeiro ano da série
temporal (2007) e o último ano (2013) apresentaram percentuais semelhantes aos
da análise basilar. A partir das informações geradas, observa-se que a parcela do
PIB que impacta na arrecadação de ICMS cresceu 68,81% e a parcela do PIB que
impacta a arrecadação de ISS expandiu em 88,26%. Assim, como visto
anteriormente, com uma evolução na arrecadação do ICMS acumulada de 97,17% e
35
uma arrecadação do ISS de 121,49%, pode-se afirmar que há uma alta correlação
entre estes indicadores.
Desta forma, entende-se que, embora haja algumas limitações na
comparação dos dados, de fato há uma relação direta entre a atividade econômica
do setor industrial com a arrecadação de ICMS, assim como há uma relação direta
entre a atividade econômica do setor de serviços com a arrecadação de ISS.
36
6. CONCLUSÃO
O presente trabalho concentra sua atenção na questão da repartição de
competências tributárias dos principais tributos dos entes subnacionais (ICMS Estados e ISS - Municípios), contudo o assunto é inerente a diversos âmbitos da
organização do Estado e da sociedade. É impossível tratar da arrecadação destes
impostos sem enfrentar a temática do federalismo fiscal, rigidez constitucional do
sistema tributário e autonomia administrativa e financeira dos estados e municípios.
Não obstante as questões características da Constituição Federal e do
próprio Estado brasileiro, é importante salientar as diferenças no cenário econômico,
social e político em que o país se encontrava no momento da promulgação da atual
constituição e o cenário atual, mais de vinte e cinco anos depois.
Conforme exposto no decorrer deste trabalho, e verificado de forma analítica
e gráfica no capítulo anterior, o engessamento constitucional da competência
tributária do ICMS, dos Estados, e do ISS, dos Municípios, na Constituição de 1988,
associado à evolução na composição de cada setor da economia no PIB ao longo do
tempo, fez com que as Capitais Municipais tivessem um crescimento na arrecadação
maior do que o crescimento dos Estados, dado que o setor de serviços, o qual
baseia a arrecadação do ISS, apresentou um crescimento muito maior do que o
setor industrial, o qual baseia a arrecadação do ICMS.
Diante do contexto descrito, percebe-se que alterações no arcabouço jurídico
tributário poderiam trazer vantagens significativas ao cenário socioeconômico
brasileiro.
Não é novidade que diversos economistas e juristas já tenham proposto
variadas alternativas para o aprimoramento do sistema tributário nacional. Dentre
tais alternativas, está a de BRIGAGÃO39, expondo justificativas para a substituição
dos diversos impostos indiretos por apenas um IVA (Imposto por Valor Adicionado)
federal, afirmando que a pluralidade de tributos contribui para o agravamento dos
principais problemas do Sistema Tributário Nacional, como a carga tributária elevada
39
BRIGAGÃO, Gustavo. IVA único e federal deveria substituir a tributação indireta no país. Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2015-mar-25/consultor-tributario-iva-unico-federal-deveria-substituirtributacao-indireta. 22/11/2015.
37
e crescente, complexidade e onerosidade da legislação, conflito de competências,
entre outros. Outro exemplo de alternativa a reforma do sistema tributário parte da
visão de VARGAS e MARRAFON40 onde antes mesmo da reforma tributária deveria
haver uma reforma no federalismo atual, considerado por estes um federalismo
formal, simétrico, estático, medíocre, injusto e ensimesmado. Para eles um
federalismo ideal deve manter a unidade, respeitar as diferenças entre os entes e
promover a liberdade para que se diminuam as desigualdades.
Importante destacar nesta conclusão, que os questionamentos presentes
neste estudo já vêm sendo foco de atenção por muito tempo, conforme se pode
observar na fala do constituinte José Serra nos Anais do Senado Federal 41, aqui
transcrito, e que demonstra muito bem a importância da analise de consequências
não imediatas no ordenamento jurídico.
O que acontece num País que se vai desenvolvendo? Isso podemos
observar, num corte a nível internacional, comparando países de
desenvolvimento diferente, como vimos ao longo do processo de
desenvolvimento. Acontece é que o peso dos serviços modernos na
economia vai aumentando. A lei de desenvolvimento é inexorável. Vai
perdendo peso a agricultura, vão perdendo peso os serviços tradicionais, a
indústria atinge certo peso, que vai entre 30 e,40% do PIB, estaciona ai, e
há um desenvolvimento muito grande do setor de serviços. No Brasil isso
tem ocorrido. Acontece que esse setor, em geral, nunca teve tratamento
tributário adequado. Então, os impostos sobre os outros setores têm que
aumentar para que a carga tributária não diminua, para que a fração do PIB
dos impostos não diminua, a fim de que os governos não se desfinanciem.
É um paradoxo, não esta acontecendo nada A economia está se
desenvolvendo, o peso do setor de serviços aumenta e a geração de
impostos diminui. V. Ex.ª podem observar isso, inclusive, no Brasil. Basta
olhar as regiões mais desenvolvidas: o caso de São Paulo. Este problema é
crescente, porque a indústria tem perdido lugar, do ponto de vista de
crescimento, para o setor do serviço mais sofisticado, desde comércio,
finanças e tudo. Lembro que o setor financeiro aumentou a sua participação
no PIB, no Brasil, de 4 para 14% em 15 anos. Precisamos ter uma estrutura
tributária mais moderna, mais ligada à estrutura de crescimento da
economia. Para isso, é preciso passar o ISS para os Estados, porque só
eles vão ter força, peso político e estrutura, para poder realmente
reorganizar o Imposto Sobre Serviços. Enquanto se deixar isto no âmbito do
município, ficará muito limitado; grande parte não cobra, há uma guerra
fiscal típica, no caso da capital de São Paulo, por exemplo, onde as cidades
em volta não cobram para atrair as empresas para lá. Então, as empresas
40
MARRAFON, Marco Aurélio; VARGAS, Daniel. Revolucionar o federalismo é decisivo para o
desenvolvimento do país. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-nov-06/revolucionarfederalismo-decisivo-desenvolvimento-pais. 10/01/2016.
41
SENADO FEDERAL. Anais do Senado Federal, Subcomissão de Tributos, Participação e
Distribuição das Receitas, Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. Ata da décima
reunião ordinária, realizada em 7 de maio de 1987. P. 195.
38
ficam nominalmente lá, mas funcionam na capital, o que é um absurdo. E
por aí vai. Precisamos dar outro status ao Imposto Sobre Serviços,
exatamente para sobrecarregar menos, inclusive, os setores produtivos,
que, inexoravelmente, vão sendo mais carregados por causa do fenômeno
que apontei.
São diversas as alternativas plausíveis para aperfeiçoar o Sistema Tributário
Nacional, visto o cenário e variáveis existentes atualmente. Contudo, para que este
aperfeiçoamento seja atingido, independente da ideologia ou visão política do
governo que tome a iniciativa de realizar as reformas necessárias, a repartição de
competências tributárias e a repartição das respectivas receitas arrecadadas devem
ser revistas, findando, ou mitigando, com a vinculação da arrecadação de
determinados tributos, correlacionados a setores específicos da economia, a entes
da federação.
Este ponto na reforma tributária seria fundamental para corrigir imperfeições,
que foram negligenciadas no texto originário da constituição de 1988, conforme
exposto na citação acima. Estas alterações trariam benefícios ao pacto federativo e
tornariam a autonomia administrativa e financeira entre os estados e municípios
mais equitativa, de acordo com suas respectivas competências constitucionais.
39
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reflexões. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 12, 1999, p. 4.
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42
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