recomendação administrativa

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RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA nº 25/2013
Inquérito Civil n. MPPR -0097-11.000063-1
CONSIDERANDO ter chegado ao conhecimento desta
Promotoria de Justiça, no atendimento diário ao público, bem como no contido
em autos de expedientes relacionados à não prestação de assistência
farmacêutica integral a pacientes usuários do SUS neste Município: 1) inúmeras
prescrições médicas advindas de médicos vinculados ao SUS (inclusive da rede
assistencial própria do Município de Palmas/PR), de medicamentos pelo nome
comercial (marca), bem como de drogas não constantes da Relação Nacional de
Medicamentos (RENAME) e/ou nos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas (PCDTs), sem nenhuma justificativa técnica para tanto, e 2)
dispensação de medicamentos pela Secretaria Municipal de Saúde mediante
apresentação apenas de prescrição médica oriunda da iniciativa privada, de
tratamento médico fora do Sistema Único de Saúde;
CONSIDERANDO que pretensões dessa natureza,
reclamando a dispensação de fármacos pelo SUS, ora de medicamentos não
constantes da RENAME, da relação municipal de medicamentos e/ou nos
PCDT, ora de medicamentos prescritos por médicos da iniciativa privada, em
tratamento não executado pelo SUS, têm aumentado muito, não só nesta
Promotoria de Justiça, mas sobretudo em processos em trâmite no Poder
Judiciário, nesta Comarca de Palmas/PR;
CONSIDERANDO, também, que pode haver influência da
indústria farmacêutica, incentivando a receita indiscriminada de remédios;
CONSIDERANDO que, muitas vezes, não há evidência de
terem sido esgotadas as alternativas terapêuticas oferecidas pelo SUS no
tratamento;
CONSIDERANDDO a ocorrência de prescrição de
medicamentos de eficácia discutível para o caso concreto ou até mesmo de
natureza experimental;
CONSIDERANDO que esta relação de indução à
prescrição, pelo produtor da droga, já foi objeto de discussão no Conselho
Federal de Medicina (Medicina – Conselho Federal, n.º 159, de
abril/maio/junho de 2006);
CONSIDERANDO que os médicos prestadores de
serviços ao SUS executam atividade tipicamente pública, ao ponto de suas
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prescrições exprimirem a própria vontade e responsabilidade do poder público
na adequada execução de suas obrigações sanitárias, sendo, portanto,
contraditório ao Sistema Único de Saúde, por seus prepostos, em alguns casos,
prescrever o medicamento e, ao mesmo tempo, negar sua dispensação;
CONSIDERANDO que gastos divorciados da estrita
necessidade técnica, motivados exclusivamente pela propaganda ou vantagens
oferecidas pelos laboratórios farmacêuticos, não são técnica, razoável, moral ou
eficazmente justificáveis;
CONSIDERANDO o contido no art. 3º da Lei n. 9787/99:
Art. 3o As aquisições de medicamentos, sob qualquer
modalidade de compra, e as prescrições médicas e odontológicas
de medicamentos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS,
adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira
(DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional
(DCI).
CONSIDERANDO que a listagem da Denominação
Comum Brasileira (DCB) está contida na Resolução da Direção Colegiada RDC)
n. 211/2006, da ANVISA, com posteriores atualizações;
CONSIDERANDO que o artigo 15, inciso II, da Lei
Federal n.º 8080/90 expressa ser atribuição comum dos entes públicos a
“administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à
saúde”;
CONSIDERANDO que o inciso II, do artigo 7.º, da Lei
Federal n.º 8080/90, prega a “integralidade de assistência, entendida como conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”;
CONSIDERANDO que a alínea ‘d’, do inciso I, do artigo
6.º, da Lei Federal n.º8080/90, expressa estar incluída no SUS a “assistência
terapêutica integral, inclusive farmacêutica”;
CONSIDERANDO que hoje a assistência farmacêutica no
Sistema Único de Saúde tem critérios norteadores previstos no art. 19-M e
seguintes, da Lei n. 8080/90, com as alterações da Lei n. 12.401/2001:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a
alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a
saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as
diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico
para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na
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falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;
(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
(...)
Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas
deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários
nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde
de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de
eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa
relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou
procedimento de primeira escolha. (Incluído pela Lei nº 12.401,
de 2011)
Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou
produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles
avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custoefetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do
agravo à saúde de que trata o protocolo. (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz
terapêutica, a dispensação será realizada: (Incluído pela Lei
nº 12.401, de 2011)
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo
gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas
nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada
na Comissão Intergestores Tripartite; (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma
suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas
pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo
fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com
base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores
municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será
pactuada no Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
(...)
Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:
(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de
medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico
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experimental, ou de uso não autorizado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; (Incluído pela
Lei nº 12.401, de 2011)
II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso
de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro
na Anvisa.”
CONSIDERANDO que, ainda assim, é possível que, no
caso concreto, todas as alternativas terapêuticas oferecidas pelo poder público
(quer seja aquelas constantes na RENAME ou nas relações municipais de
medicamentos, quer seja aquelas constantes nos PCDTs) já tenham sido
utilizadas, sem resultado adequado (refratariedade, etc), ou não possam ser
adotadas (intolerância, reações adversas importantes e persistentes, interações
medicamentosas, etc);
CONSIDERANDO que, nessas hipóteses, pode justificarse, em tese e por exceção, rigorosa prescrição médica de fármacos não
protocolizados (e a consequente dispensação pelo SUS), desde que
comprovado, em justificativa técnica subscrita pelo mesmo médico assistente
do paciente e responsável pela prescrição, o esgotamento das alternativas
terapêuticas disponíveis no SUS e/ou a impossibilidade de sua adoção para o
paciente (refrateriedade, intolerância, interações medicamentosas, reações
adversas, etc);
CONSIDERANDO que é imprescindível que o médico
vinculado ao SUS (da rede própria ou da rede conveniada/contratada), ao
prescrever fármaco não constante da RENAME, da relação municipal de
medicamentos ou dos PCDT, o faça acompanhado da referida justificativa
técnica;
CONSIDERANDO o inciso V, do artigo 18, da mesma
norma, que dispõe caber ao gestor municipal do SUS “dar execução, no âmbito
municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde”;
CONSIDERANDO o inciso IV, do artigo 13, da Lei
Estadual n.º13.33101 (“compete à direção municipal do SUS, além do constante
na Lei Orgânica da Saúde: IV – executar, no âmbito municipal, a política de
insumos e equipamentos para a saúde”);
CONSIDERANDO também que compete aos gestores do
SUS, nos seus âmbitos de atribuições, garantir a integralidade das ações e
serviços de saúde (dentre as quais a assistência farmacêutica) mediante
orientações e ordenações dos fluxos, como especificado no art. 13, do Decreto n.
7508/2011;
CONSIDERANDO que o Decreto n. 7508/2001, prevê que:
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Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência
farmacêutica pressupõe, cumulativamente:
I - estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde
do SUS;
II - ter o medicamento sido prescrito por profissional de
saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;
III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação
específica complementar estadual, distrital ou municipal de
medicamentos; e
IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela
direção do SUS.
CONSIDERANDO que o Sistema Único de Saúde é
integral e não “complementar” ao sistema privado, ou seja, embora seja de livre
escolha do paciente, a adoção do sistema público deve se dar de forma integral
e não fracionada, como regra;
CONSIDERANDO que o art. 199, §1º, da Constituição
Federal prevê que as instituições privadas é que são “complementares” ao
Sistema Único de Saúde e não o contrário;
CONSIDERANDO que a assistência terapêutica, garantida
como direito universal e gratuito, é aquela ministrada pelos órgãos e entidades
que integram o Sistema Único de Saúde, sob responsabilidade de seus
profissionais, não podendo ser utilizada terapia fracionada de procedimentos
ou medicamentos para pacientes que estejam sob tratamento e
responsabilidade de profissionais que não pertencem ao SUS;
CONSIDERANDO que fornecer medicamentos àqueles
que não estão sendo tratados pelo Sistema Único de Saúde, como regra,
significa dar a eles tratamento privilegiado em detrimento dos que aguardando
pelo atendimento no sistema público, em violação ao art. 7º, IV, da Lei n. 8080:
“IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou
privilégios de qualquer espécie”
CONSIDERANDO que fornecer medicamentos para
pessoas não inseridas no Sistema Único de Saúde dificulta o planejamento
adequado de quantos e quais medicamentos devem ser adquiridos pelo gestor
municipal, uma vez que ele não possui informações sobre o paciente do sistema
privado;
CONSIDERANDO o contido no artigo 127, da
Constituição Federal, que dispõe ser “o Ministério Público instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
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do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis";
CONSIDERANDO o disposto nos artigos 129, inciso II, da
mesma Carta Constitucional, bem como no artigo 120, inciso II, da Constituição
do Estado do Paraná, que atribuem ao Ministério Público a função institucional
de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia”;
CONSIDERANDO, ainda, o artigo 27, parágrafo único,
inciso IV, da Lei Federal n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o qual faculta ao
Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da
administração pública federal, estadual e municipal, requisitando ao
destinatário adequada e imediata divulgação;
CONSIDERANDO o artigo 57, V, da Lei Complementar
n.º 85, de 27 de dezembro de 1999, que define como função do órgão do
Ministério Público, entre outras, a de promover a defesa dos direitos
constitucionais do cidadão para a garantia do efetivo respeito pelos Poderes
Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública;
o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, no
exercício das suas funções institucionais de que tratam os artigos 127 e 129, II,
da Constituição Federal, e arts. 5º, I, “h”, II, “d”, III, “e”, e IV, e 6º, VII, “a” e “c”,
da Lei Complementar nº 75/93, e art. 27, parágrafo único, IV, da Lei Federal nº
8.625/93, bem como no artigo 120, II, da Constituição do Estado do Paraná,
dentre outros dispositivos legais, expede a presente
RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA
ao DIRETOR DO DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE
SAÚDE DE PALMAS/PR, Sr. ALEXANDRE LUSTOZA DE CARLI, a fim de
que, tendo em vista as disposições acima mencionadas, adote providências
administrativas imediatas, no âmbito do Sistema Único de Saúde, para
1) capacitar e orientar os profissionais médicos do
Sistema Único de Saúde em Palmas, da rede própria, contratada e
conveniada, a:
a) Prescreverem medicamentos pela Denominação Comum Brasileira (DCB)
ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), vedando-se a
prescrição isolada pelo nome comercial (de marca);
b) Esgotarem as alternativas de fármacos previstas na Relação Nacional de
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Medicamentos (RENAME), nas relações complementares estaduais e
municipal de medicamentos, bem como nos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas do Ministério da Saúde e demais atos que lhe forem
complementares, antes de prescreverem tratamento medicamentoso diverso
aos pacientes;
c) Se ainda assim for prevalente tecnicamente a prescrição de droga curativa
não contemplada nas referidas Relações ou apresentada nos Protocolos, o
profissional responsável deverá elaborar formal justificativa técnica
consistente, fundamentando, assim, essa excepcional orientação clínica (tendo
em vista os imperativos advindos da Lei n. 12.401/2011 e do Decreto n.
7508/2011), na qual indique:
c.1) Qual a doença, com o respectivo n. de CID;
c.2) Quais os motivos da exclusão dos medicamentos previstos nos
regulamentos citados, em relação ao paciente (refratariedade, intolerância,
interações medicamentosas, reações adversas, etc);
c.3) Menção à eventual utilização anterior, pelo usuário, dos fármacos
protocolizados, sem resposta adequada;
c.4) Quais os benefícios do medicamento prescrito no caso concreto;
c.5) Apresentação de estudos científicos eticamente isentos e comprobatórios
dessa eficácia (revistas indexadas e com conselho editorial);
c.6) Informação sobre existência de prova de segurança, eficácia, efetividade e
custo/efetividade do insumo em causa, conforme critérios propostos pela
Medicina Baseada em Evidências (MBE);
c.7) Informação sobre existir (ou estar em curso) deliberação da Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC-MS) a respeito da
possível incorporação do fármaco no SUS (art. 19-Q, da Lei n. 8080/80), e, por
fim,
c.8) Manifestação sobre possíveis vínculos, formais ou informais, do prescritor
com o laboratório fabricante do remédio em comento,
d) Da mesma forma dever-se-á proceder quando o fármaco prescrito, embora
constante dos Protocolos, for receitado em face de situação diversa da ali
descrita (excluindo-se o uso de medicamentos experimentais, sujeitos à
disciplina à parte).
2) Disciplinar a assistência farmacêutica do Município
de Palmas à observância do contido no art. 28 do Decreto n. 7508/2011,
condicionando a dispensação do fármaco a “estar o usuário assistido por ações e
serviços de saúde do SUS”, bem como “ter o medicamento sido prescrito por
profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS”, sem prejuízo de
7
ressalvas em casos de urgência/emergência, devida e comprovadamente
justificadas, com iminente risco de morte ou em condição de grave e/ou
irreparável prejuízo à saúde.
Fica estabelecido o prazo de 30 (trinta) dias a partir do
recebimento desta para manifestação do destinatário, acerca das medidas
apontadas na presente Recomendação.
Dê-se ciência ao Conselho Regional de Medicina do
Paraná, ao Conselho Municipal de Saúde e à Câmara de Vereadores.
Palmas, 27 de junho de 2013
JULIANA MITSUE BOTOMÉ
PROMOTORA DE JUSTIÇA
FELIPE LISBOA BARCELOS
PROMOTOR SUBSTITUTO
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