34 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. AS DIFICULDADES DA ARTE, DO BELO E DO FEIO Daniel Matos Alvarenga [email protected] Brasília-DF 2007 35 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. AS DIFICULDADES DA ARTE, DO BELO E DO FEIO Daniel Matos Alvarenga1 [email protected] Resumo Com abordagens históricas sobre o Belo, o Feio e a Arte; terá como objetivo, identificar a projeção de pensamentos que se sucedem numa busca para encontrar algum substrato que dê sustento a Arte, ao Belo e ao Feio. Conseqüentemente será dado um salto na história onde percorreremos os problemas suscitados pela Arte Contemporânea. Para nossa “diversão” iremos relacionar as dificuldades que serão expostas com uma composição profícua para nosso debate. Palavras-Chave: Estética - Arte - Belo - Feio - Contemporânea Considerações Primeiras Iniciamos com a preocupação de chegarmos a uma definição comum, mesmo que grosseiramente, do que seja Estética. Ficaremos com a definição como tradicionalmente é tratada, designada como a ciência (filosófica) da arte e do belo. Se é tomado os termos “arte” e “belo” é, sobretudo, devido ao desenvolvimento das investigações sobre esses dois objetos que acabam coincidindo-se, ou mesmo, porque estão estreitamente unidos desde a filosofia moderna e contemporânea. Estética (do grego αισθητική ou aisthésis: percepção, sensação) é uma corrente da filosofia que tem por objecto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. Se preocupa com o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e do trabalho artístico; a idéia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. 1 Graduado em Filosofia. 36 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. No decorrer das abordagens, será explicitado de como o resultado do termo “Estética” passou a ser tomado como filosofia da arte, da qual foi percorrido um longo caminho para assim, a designarmos atualmente. A tarefa inicial que pesa sobre a Estética (Filosofia da Arte) é com os problemas, as teorias, bem como das argumentações proferidas à arte. Quando nos deparamos com algum objeto tido como, surge a preocupação do que é e o que pode ser entendido como arte. Ao percorrer algumas correntes filosóficas durante a história, ver-se-á que esta preocupação tornou-se uma das principais dificuldades a serem abordadas na filosofia da arte. É evidente que, não será a filosofia da arte, responsável por ditar as regras do que seja e o que não seja arte, mas apenas, pensar o que caracteriza algo como arte, como belo, como feio, de como esse “conhecimento” se dá. Nesse sentido, faremos algumas considerações, relações e indicações que serão dadas ao leitor para pensar, e se assim o querer, tomar parte do que quer e aceita como arte. E se é assim, comecemos o jogo! Algumas Abordagens A Estética foi tradicionalmente, com mais ênfase nas épocas “clássicas”, definida como a “Filosofia do Belo”. O Belo era considerado uma propriedade do objeto, e, estando no objeto e como modo de ser, poderia ser captado e estudado. Em outras palavras, o objeto que tinha algo a dizer a quem o captava. O Belo tomava-se em dois aspectos: o Belo da Arte e o Belo da Natureza. Por influência do platonismo, ficou engendrada na filosofia tradicional uma hierarquia entres os dois belos, sendo que o da Natureza tinha prioridade sobre o da Arte. Na filosofia idealística platônica, se afirmava que a beleza de um objeto depende da maior ou menor relação que ele tem com uma Beleza superior, absoluta, única Beleza verdadeira, que subsiste por si só, no mundo supra-sensível das Essências. Assim: Platão via o universo como dividido em dois mundos, o mundo em ruína e o mundo em forma. O nosso mundo, este mundo sensível que temos diante de nossos olhos é o campo da ruína, da morte, da feiúra, da decadência. O mundo autêntico, o mundo em forma do qual o nosso recebe existência e 37 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. significação, e aquele mundo das essências, das Idéias Puras, às quais acabamos de nos referir. É o mundo eterno e imutável que existe acima do nosso e que chama o daqui para seu seio. Nesse mundo, a Verdade, a Beleza e o Bem são essências superiores, ligadas diretamente ao Ser. Cada ser do nosso mundo em ruína tem, no outro, um modelo: os padrões, ou arquétipos, situam-se entre os seres sensíveis e as essências superiores da Verdade, do Bem e da Beleza. (SUASSUNA, 2004, p. 44). Na teoria de Platão, a alma humana, que é eterna, sofreu uma decadência ao se unirse ao corpo material, sendo assim, ela sente saudades da Beleza Pura, pois, por ser eterna, já contemplou o mundo das Essências Puras. A alma torna-se uma prisioneira do corpo, reivindicando a verdadeira Beleza, sua pátria natural. Para quem é amante da Beleza, de acordo com o pensamento platônico, a Beleza não pode se recriar na Arte. Contudo, funda-se a idéia de que há, de fato, uma idéia ou uma essência do Belo. Outro grande pensador grego e do qual não podemos nos furtar nesse e em outros assuntos, é Aristóteles. Seu pensamento sobre Beleza desvincula-se de Platão radicalmente. Trata a beleza inserida na Harmonia e Proporção. Varre para debaixo do tapete o idealismo platônico, como o fez também em outros campos da filosofia. Para Aristóteles, a beleza de um objeto não depende e não está relacionado com uma maior ou menor participação numa Beleza suprema, absoluta que subsistindo por si mesma no mundo supra-sensível das Essências Puras. Ao contrário, desloca suas observações sobre a Beleza onde a mesma está inserida de certa harmonia, ou ordenação, existentes entre as partes de um determinado objeto e em relação ao todo. O Belo, entre outras características, é importante certa grandeza, tendo ao mesmo tempo, proporção e medida nessa grandeza. A filosofia de mundo de Aristóteles se torna indispensável para entender sua idéia de Beleza. Assim, Para Aristóteles, o mundo vindo do caos, passou a ser regido por uma harmonia. Mas é como se ainda restassem vestígios da desordem anterior, e parece-nos como se o mundo e os homens estivessem sempre numa luta incessante para levar adiante a vitória incompleta da harmonia sobre o caos. 38 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. Esta concepção do mundo e da vida como uma luta entre a harmonia desejada e os destroços do caos ainda aqui existentes é fundamental no pensamento aristotélico. (SUASSUNA, 2004, p. 53). A contribuição de Aristóteles foi, primeiramente, retirar a Beleza de uma esfera transcendental da esfera idealística de Platão onde via a beleza das coisas corpóreas sombras de Beleza divina. Aristóteles, ao contrário, passou a enxergar a beleza nas próprias coisas. Essas primeiras considerações sobre a Beleza se fazem importante pelo conteúdo didático/histórica e, mais uma vez, da importante contribuição da genialidade grega, sobretudo, Platão e Aristóteles. Contudo, essas concepções serão por ora deixadas de lado e daremos um salto histórico e filosófico sobre outro tratamento dado ao belo. Nessa segunda parte ficaremos com Kant. A pretensão de Kant foi deslocar o centro da existência da Beleza do objeto para o sujeito. Kant não tentou a solução dos problemas estéticos, mas, tentou demonstrar que eles eram insolúveis. Resolver os problemas estéticos é impossível. Primeiro porque existe uma diferença radical existente entre os juízos estéticos (juízos de gosto) e os juízos de conhecimento. Para Kant, (...) os juízos de conhecimento emitem conceitos que possuem validez geral, por se basearem em propriedades do objeto. Quando eu digo: “Esta rosa é branca”, estou emitindo um juízo de conhecimento: o resultado dele é um conceito indiscutível, válido para todo mundo, de validez geral, porque baseado em propriedades objetivas da rosa. Já os juízos estéticos não emitem conceitos: decorrem de uma simples reação pessoal do contemplador diante do objeto, e não de propriedades deste. Por isso quando eu digo “Esta rosa é bela”, este juízo exprime somente o fato de que tal rosa me agrada: eu não posso exigir, para ele, como para o outro, o assentimento, a concordância geral, validade geral para aquilo que é resultado de uma simples reação pessoal minha. (SUASSUNA, 2004, p. 71). 39 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. E o que teria Hegel a nos fornecer sobre Estética? Hegel não elabora, como Kant o fez, uma teoria do juízo estético, mas uma teoria da arte e do seu devir. O devir é inserido porque em Hegel surge outra concepção em filosofia: a idéia de história. Dufrenne, diz que: Ficamos sabendo que os semblantes do belo são múltiplos e sua diversidade é irredutível através do tempo. Mas isso não nos deve conduzir a um relativismo ou a um ceticismo superficiais, pois o devir é pensado por Hegel sob os auspícios da dialética: obedece a uma necessidade lógica, que o orienta e o racionaliza (a tal ponto que quase deixa de ser devir: é um problema momentoso – que não será por nós aqui abordado – saber em que medida a dialética pode recuperar a história e se o lógico não corre o risco de suprimir, de alguma forma, o cronológico por ele suscitado e ilustrado. (DUFRENNE, 1998, p. 43). Para Hegel, a arte não tem a função de imitação. Ela não imita. Idealiza. A arte manifesta o universal no particular. Esse tratamento se dá pela perspectiva histórica introduzida por ele. O devir do belo está estreitamente condicionado ao devir da idéia. Arte: O Belo, o Feio e o “Baleiro” Percorremos alguns caminhos da história, escolhendo alguns filósofos e rejeitando as abordagens de outros. A busca de uma base em que podemos nos sustentar pode desabar com a força dos ataques e, nossas primeiras tentações de nos sucumbirmos a alguma teoria fracassam. Num primeiro momento, foi percorrido um caminho histórico/didático, dando ao leitor, mesmo que rapidamente, alguma noção da discussão que envolve a filosofia da arte e, se assim o quiser, poderá tomar partido da teoria que melhor lhe agrada. Pode ser mesmo que seja um incentivo para percorrer outros caminhos que aqui não foram expostos, devido à diversidade de correntes na Filosofia da Arte. A tarefa, de agora em diante, assume a simplicidade de abordarmos o Belo na arte de hoje. Encarar o Belo na concepção contemporânea, onde o mesmo adquiriu uma maior exigência de tratamento. Talvez mesmo pela desvinculação de uma arte regida com normas, pela tradição, ou mesmo, por 40 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. conseqüência do “rompimento”, ter que assumir outras perspectivas para encarar a arte. Nas épocas “clássicas”, a Estética era definida como a “Filosofia do Belo”, sendo que o Belo era parte do objeto, uma propriedade que estando no objeto, era captado e estudado. O Belo assumia duas nuances o belo da arte e o belo da natureza. Marcada pelo pensamento platônico, a filosofia tradicional assumia uma hierarquia entre os dois belos, sendo que o da Natureza tinha primazia sobre o da Arte. Somente a partir do idealismo germânico que o belo da Arte começa a ser tido como superior ao belo da Natureza. “(...) na verdade é Hegel quem formula a idéia de que a Beleza artística tem mais dignidade do que a da Natureza, porque, enquanto esta é nascida uma vez, a da Arte é como que nascida duas vezes do Espírito: razão pela qual a Estética deve ser fundamentalmente, segundo ele, uma filosofia da Arte. (SUASSUNA, 2004, p. 21). O desafio que podemos agora percorrer, decorre de questões que envolvem não mais a busca de um conceito singular ou universal que “imponha” regras a serem seguidas. O empreendimento é tentar identificar o que seja considerado Arte, bem como o que é Belo ou Feio numa perspectiva contemporânea. É comum, principalmente hoje, nos depararmos com a Arte, seja através dos livros, presencialmente, ou pelos meios de comunicação. Há certa “facilidade” de a encontrarmos. Mas, “facilidade” adquirida, surge outro problema a ser resolvido hoje. Quem ao se deparar com certo tipo de arte, não se perguntou: isso é arte? Além de fazermos essa indagação, complementamos dizendo que podemos fazer igual ou até melhor. Essa dificuldade hoje de definir a Arte, pode por um lado ser benéfico, por outro, não muito. Não podemos esquecer que a Arte por muito tempo, para ser definida como tal, tinha que seguir um cânone de regras, como de Proporção e Harmonia de Aristóteles. E por muito tempo, a criação do artista era medida com certo dogmatismo pela tradição. Outra perspectiva é que com isso deixamos de ter certo “parâmetro”, deixando-nos conduzir por tudo que se apresenta como Arte. 41 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. Mas, o que é o Belo? Como identificamos o Belo num determinado objeto de arte? Por que, ora tomamos um objeto como Belo, ora como Feio? Como somos guiados a apreender que determinado objeto é arte? Será que tudo é arte? Contudo, para exemplificar a discussão, podemos tomar a composição de Zeca Baleiro para fazermos uma relação sobre o que estamos discutindo: Desmaterializando a obra de arte do fim do milênio Faço um quadro com moléculas de hidrogênio Fios de pentelho de um velho armênio Cuspe de mosca, pão dormido, asa de barata torta Teu conceito parece, à primeira vista, Um barrococó figurativo neo-expressionista Com pitadas de art nouveau pós-surrealista Ao cabo da revalorização da natureza morta Minha mãe certa vez disse-me um dia, Vendo minha obra exposta na galeria, “Meu filho, isso é mais estranho que o cú da gia E muito mais feio que um hipopótamo insone." Com a diversidade do que é tido como Arte, como o risco do próprio vínculo materno reprovar nossa arte. Mas, deve a criação estar pautada pela aprovação ou reprovação dos especialistas e da própria sociedade? Não seria castrar a imaginação, a criatividade do artista em prol de um estereótipo de Arte como no passado? Parece que o que decidimos quando temos contato com a Arte, é aquilo que nos agrada, que nos faz bem. A Arte vista assim, corre o risco de ser pautada por certo subjetivismo. Corremos um grande risco se assim o fizermos, pois, em que lugar será posto o Feio? Aquilo que tomo como feio, não é Arte? Não seria o Feio uma revolta contra as normas estéticas? Nota-se que quando fechamos uma porta, outra logo se abre e o dilema continua. Seguimos com a letra: Pra entender um trabalho tão moderno É preciso ler o segundo caderno, Calcular o produto bruto interno, 42 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. Multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone, Rodopiando na fúria do ciclone, Reinvento o céu e o inferno Minha mãe não entendeu o subtexto Da arte desmaterializada no presente contexto Reciclando o lixo lá do cesto Chego a um resultado estético bacana Com a graça de Deus e Basquiá2 Nova York, me espere que eu vou já Picharei com dendê de vatapá Uma psicodélica baiana Misturarei anáguas de viúva Com tampinhas de Pepsi e Fanta uva Um penico com água da última chuva, Ampolas de injeção de penicilina Desmaterializando a matéria Com a arte pulsando na artéria Boto fogo no gelo da Sibéria Faço até cair neve em Teresina Com o clarão do raio da siribrina Desintegro o poder da bactéria Com o clarão do raio da siribrina Desintegro o poder da bactéria (Zeca Baleiro) Considerações Finais Parece que ao assumirmos uma determinada concepção do que seja a Arte, de definir o que seja o Belo e o Feio, correremos o risco de estigmatizá-la. Outro perigo que corremos é com o subjetivismo. Com esse, o perigo passa a ser ainda maior pela diversidade de posicionamentos que poderemos encontrar e com a conseqüência de encerrarmos qualquer debate, pois, o que valerá será a opinião singular de cada um. Foram expostas, resumidamente, algumas teorias para rejeitarmos ou nos identificarmos com ela. Do mesmo 2 Jean-Michel Basquiat (1960-1988) considerado um dos grandes representantes da Arte Contemporânea. 43 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. modo que alguns problemas foram expostos não com objetivo de respondê-los, mas apenas de expor a relevância de nos atermos a certas questões que embora pareçam ingênuas carregam uma variedade de problemas à filosofia da arte. E por que não certa exigência de alguma teoria do conhecimento? Por ora, ficamos por aqui, agora é sua vez de jogar! 44 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 2, Edição 4, Ano 2007. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABBAGNAMO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. DUFRENE, M. Estética e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 1998. SUASSUNA, A. Iniciação à Estética. Rio de Janeiro: José Olimpio, 2004.