Sonia Mansoldo Dainesi DESAFIOS NO LANÇAMENTO DE UM NOVO MEDICAMENTO NA ERA PÓS-GENOMA São Paulo 2004 Sonia Mansoldo Dainesi DESAFIOS NO LANÇAMENTO DE UM NOVO MEDICAMENTO NA ERA PÓS-GENOMA Trabalho apresentado à Fundação Dom Cabral para conclusão do curso MBA Empresarial/2003 (Turma 12) Orientadora: Ms. Cleusa Satico Yamamoto Sponsors: Gerard Libercier/Heraldo Marchezini São Paulo 2004 DEDICATÓRIA Aos meus pais, Sylvio e Josephina. Ao meu marido, Marcos, e meus filhos, André e Lygia. E à Thais, in memoriam. AGRADECIMENTOS A todos aqueles que colaboraram para que este projeto se tornasse uma realidade: aos líderes com quem tive a oportunidade de trabalhar e que me sugeriram caminhos de desenvolvimento pessoal e profissional; aqueles que deram suporte (econômico, técnico e científico) a este MBA e a este projeto empresarial em particular; e aos médicos, profissionais de saúde e pacientes que deram sua colaboração durante as entrevistas. EPÍGRAFE “To him who devotes his life to science, nothing can give more happiness than increasing the number of discoveries, but his cup of joy is full when the results of his studies immediately find practical applications.” Louis Pasteur. RESUMO O progresso recente na área de biologia molecular e o anúncio do Projeto Genoma Humano (em fevereiro de 2001 e completado em abril de 2003) trouxeram subsídios para a busca de tratamentos mais efetivos e menos tóxicos em várias áreas da medicina. Uma das áreas de maior atenção é a Oncologia, uma vez que o câncer é, fundamentalmente, uma doença do genoma, iniciada por alterações que ocorrem dentro do DNA, durante o ciclo de vida celular. A Farmacogenômica é, pois, a aplicação das variações genéticas humanas visando otimizar o desenvolvimento de drogas e o tratamento dos pacientes. Há, sem dúvida, uma série de obstáculos ainda pela frente, tais como aqueles relacionados a questões éticas, regulatórias, sociais, além das clássicas questões de posicionamento estratégico e segmentação de mercado. A Aventis Pharma já está presente de forma importante na área de Oncologia há alguns anos. Recentemente, ficou mais clara a intenção da empresa em focar nesta promissora área, quando algumas alianças foram firmadas com companhias de pesquisa genômica para o desenvolvimento de produtos voltados para focos específicos, ainda em estágio inicial de desenvolvimento, porém com grande potencial de sucesso. Através do perfil farmacogenético, o tratamento de algumas doenças pode se tornar mais racional e certos tumores, por exemplo, poderão ser tratados mais especificamente, com maior chance de sucesso e menor risco de efeitos colaterais. Neste sentido, um produto proveniente de uma das alianças mencionadas está em fase final de desenvolvimento clínico e foi submetido ao FDA (Food and Drug Administration – órgão responsável pela aprovação de novos medicamentos nos EUA) no final de 2003. A empresa tem, portanto, a oportunidade de ter o produto para lançamento mundial no próximo ano, se for concedido o status de fast-track para aprovação pelo FDA. Será o primeiro produto da Aventis nesta linha, o que exigirá, sem dúvida, conhecimento detalhado do assunto, para adequado planejamento estratégico do lançamento e comercialização. O objetivo principal deste projeto será: “Como trabalhar com os diferentes clientes (usuário/comprador/pagador) no lançamento de um novo medicamento na era pósgenoma. Gerar um modelo de perfil do cliente para cada um dos papéis assumidos no lançamento de um novo medicamento”. Os objetivos intermediários serão: “Identificar quais são as preferências de produto, as percepções de valor do novo medicamento e dos medicamentos alternativos pelo usuário (paciente); avaliar os fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos, que exercem o papel de comprador nesta situação; definir quais os fatores influenciadores na decisão e autorização de pagamento de novos medicamentos, geralmente mais caros que os então disponíveis, pelos pagadores no setor de saúde (governo e/ou convênios e/ou paciente)”. A metodologia escolhida para o projeto foi a pesquisa exploratória, por meio de entrevistas em profundidade, além de análise de dados secundários, internos e externos à empresa. Palavras-chave: Genoma, farmacogenoma, droga-alvo, oncologia, câncer, genética, comportamento do cliente. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................011 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA EMPRESA..........................................................013 3 REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................018 4 PROPOSIÇÃO.................................................................................................027 4.1 Importância do projeto para a empresa....................................................... 027 4.1.1 O desenvolvimento de um novo fármaco............................................. ........ 029 4.1.2 Oblimersen (Genasense): O novo produto.................................................032 4.1.2.1 Oblimersen (Genasense): Mecanismo de ação...................................... 033 4.1.2.2 Oblimersen (Genasense): Evidências pré-clínicas..................................035 4.1.2.3 Oblimersen (Genasense): Resultados de estudos clínicos (seres humanos).................................................................................................... 035 4.1.2.4 Oblimersen (Genasense): Conclusões....................................................037 4.1.2.5 Preparando o lançamento do novo produto................................................038 4.2 Objetivos.........................................................................................................039 4.2.1Objetivo Principal............................................................................................. 039 4.2.2 Objetivos Intermediários................................................................................040 5 METODOLOGIA DE PESQUISA.................................................................... 042 5.1 Ordenação da metodologia........................................................................... 043 6 RESULTADOS................................................................................................ 048 6.1 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários............................. 048 6.1.1 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários internos....................048 6.1.2 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários externos...................056 9 6.2 Pesquisa Exploratória: Resultados dos surveys (roteiros de entrevistas)..................................................................................................... 061 6.2.1 Ouvindo os “compradores” (médicos líderes de opinião)..............................061 6.2.2 Ouvindo a ANVISA........................................................................................ 069 6.2.3 Ouvindo os “pagadores”................................................................................ 071 6.2.4 Ouvindo os usuários finais (pacientes) e/ou seus representantes................ 074 6.3 Discussão....................................................................................................... 077 6.4 Análise final dos resultados......................................................................... 085 7 CONCLUSÕES................................................................................................098 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 101 APÊNDICES.............................................................................................................107 Apêndice A .............................................................................................................. 108 Apêndice B............................................................................................................... 111 Apêndice C...............................................................................................................113 Apêndice D...............................................................................................................115 ANEXOS.................................................................................................................. 117 Anexo 1.................................................................................................................... 118 10 Lista de ilustrações Figuras FIGURA 1: Capa da revista Nature, com a publicação do Genoma Humano (Fonte: Nature. The human genome. Vol. 409, 15 fev. 2001)..............................................018 FIGURA 2: Representação esquemática do cromossomo nº 1, como exemplo do seqüenciamento do genoma humano (Fonte: Nature. The human genome. Vol. 409, p. 860-921, 15 fev. 2001)........................................................................................ 019 FIGURA 3: Impulsionadores da disposição para a tecnologia. (Fonte: Adaptado de PARASURAMAN & COLBY, 2002)..........................................................................025 FIGURA 4: Proporção de pacientes cujas células tumorais, no momento do diagnóstico, testaram positivas para expressão ou superexpressão de Bcl-2 (Fonte: AVENTIS, 2003c).....................................................................................................034 FIGURA 5: Tipos de Pesquisa de Marketing (Fonte: Adaptado de MALHOTRA, 2001)........................................................................................................................ 042 FIGURA 6: Análise SWOT do produto GENASENSE para o mercado brasileiro (AVENTIS, Dados internos da empresa, 2003)........................................................049 FIGURA 7: Criando aliados e campeões (Fonte: Adaptado de JOHNSTON & CLARK, 2002)..........................................................................................................081 FIGURA 8. Representação esquemática da dupla-hélice de DNA, formando o cromossomo (Fonte: SIMPSON, 2003)....................................................................098 FIGURA 9: Figura comemorativa dos 50 anos de DNA, disponível no site do National Human Genome Research Institute (<http://www.genome.gov/About/>, 2004).......100 Tabelas TABELA 1. Descrição sumária das fases de pesquisa clínica de medicamentos (DAINESI, 2003).......................................................................................................030 11 1. Introdução Progressos recentes na área de biologia molecular e o anúncio do Projeto Genoma Humano (em fevereiro de 2001 e completado em abril de 2003) trouxeram subsídios para a busca de tratamentos mais efetivos e menos tóxicos em várias áreas da medicina. Uma vez revelados os segredos do código genético, os cientistas estão buscando mais informações sobre a importância das variações entre as proteínas codificadas pelos genes e na determinação de como os indivíduos respondem aos medicamentos. Duas novas disciplinas entram em jogo: a Farmacogenética e a Farmacogenômica, a primeira focando o papel dos genes individualmente e, a segunda, a coleção toda de genes, o genoma em si. A área de Oncologia é uma das áreas onde provavelmente haverá maior concentração de pesquisas relacionadas ao genoma. A Aventis Pharma já está presente de forma importante na área de Oncologia há alguns anos. Recentemente, ficou mais clara a intenção da empresa em focar nesta promissora área, quando algumas alianças foram firmadas com companhias de pesquisa genômica para o desenvolvimento de produtos voltados para focos específicos, ainda em estágio inicial de desenvolvimento, porém com grande potencial de sucesso. Através do perfil farmacogenético, o tratamento de algumas doenças pode se tornar mais racional e certos tumores, por exemplo, poderão ser tratados mais especificamente, com maior chance de sucesso e menor risco de efeitos colaterais. Um medicamento proveniente de uma das alianças mencionadas está em fase final de desenvolvimento clínico e foi submetido ao FDA (Food and Drug Administration – órgão responsável pela aprovação de novos medicamentos nos EUA) no final de 2003. Uma vez aprovado, trará o desafio do lançamento em uma classe terapêutica nova, provavelmente ainda em 2004. 12 O objetivo deste projeto é avaliar os fatores que conduzem a relacionamentos satisfatórios com os clientes, quando há tecnologia envolvida. Serão avaliados os vários papéis de clientes, representados pelo paciente (usuário), pelo médico (comprador) e pelo pagador (convênios, governo ou o próprio paciente). Suas preferências, tendências e fatores influenciadores serão discutidos e analisados. 13 2. Contextualização da Empresa Antes de dar início ao projeto propriamente dito, serão apresentados alguns dados da empresa Aventis Pharma, onde trabalho, com o objetivo de esclarecer como o projeto está inserido no contexto da empresa. A Aventis Pharma é uma empresa farmacêutica franco-alemã, oriunda da fusão da Rhone-Poulenc Rorer e Hoechst Marion Roussel, cuja consolidação ocorreu em 2000. Somente em 2002 a empresa se tornou uma empresa puramente farmacêutica, após vender outros negócios que não faziam parte do core business da empresa. Tem como estratégia desenvolver, lançar e alcançar uma bem sucedida comercialização de produtos farmacêuticos inovadores, que satisfaçam necessidades médicas não atendidas em grandes populações de pacientes, isto é, que sejam percebidos pelos clientes como um real avanço. O compromisso assumido é, portanto, fornecer soluções na área de saúde que sejam realmente efetivas e com boa relação custo-benefício, isto em um cenário de dramáticos avanços tecnológicos e importantes desafios econômicos. A Aventis fechou o ano de 2002 com um importante crescimento em suas vendas (dois dígitos) e acima da média da indústria farmacêutica mundial. Estes resultados vêm basicamente da performance em produtos estratégicos (aqueles que têm grande potencial de crescimento e estão disponíveis no mundo todo), que respondem atualmente por 55% das vendas, comparado com 47% em 2001. As vendas nos EUA, maior mercado farmacêutico mundial, cresceram 21% e representam atualmente 39% das vendas mundiais (AVENTIS, 2004a). No Brasil, a Aventis foi líder do mercado farmacêutico desde sua formação, em 2000 até 2002. Em 2003, com a aquisição da Pharmacia pela Pfizer, a Aventis passou ao segundo lugar em valor (IMS, 2004). 14 O Brasil ocupa hoje a 12ª posição no mercado mundial, tendo já ocupado a 6ª posição na década passada. Perdeu sua condição de líder de mercado na América Latina para o México, que atualmente é o 9º mercado farmacêutico mundial. Vale mencionar que, na América Latina, a auditoria IMS cobre apenas o varejo, enquanto que, praticamente, em todos os outros países o mercado hospitalar também é captado (IMS, 2003). O mercado farmacêutico brasileiro vem crescendo (em reais) nos últimos anos, mas sem demonstrar aumento no número de unidades vendidas (em torno de 1,28 bilhões de unidades em 2002). Com a entrada dos genéricos no mercado, nos últimos três anos, as empresas baseadas em produtos originais ou de inovação, como é o caso da Aventis, vêm perdendo parte de seu market share para este novo tipo de competidores. Mesmo assim, estas empresas vêm mantendo seus níveis de investimento em P&D no mundo e mesmo no Brasil. Apesar deste contínuo investimento, o número de NCEs (New Chemical Entities), isto é, moléculas originais aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration, agência responsável pela aprovação de novos medicamentos nos EUA) vêm diminuindo nos últimos dois anos. Em 2003, entretanto, representando uma aparente recuperação, a FDA aprovou 21 novas moléculas (ou NCEs), comparado com 16 em 2002. Além destas, 13 produtos adicionais, classificados como biológicos, foram aprovados, entre eles, proteínas recombinantes e anticorpos monoclonais (FDA, 2004). Em termos de mercado farmacêutico mundial, os EUA são responsáveis por mais de 50% do mercado mundial, seguido pelo Japão (12%) e depois pela Alemanha e França (6% cada). O cenário mundial vem apontando para uma desaceleração no crescimento do mercado farmacêutico. As grandes indústrias farmacêuticas mundiais investem entre 15 a 20% de suas vendas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos. Apenas como comparação, a indústria eletrônica investe 8,4%, a de telecomunicações apenas 5,3% e a automotiva 3,9% (INTERFARMA, 2002). Segundo estudo do Tufts Center (BOSTON UNIVERSITY, 2001), o custo para o 15 desenvolvimento de um novo medicamento é de aproximadamente US$ 800 milhões. De cada 10.000 compostos selecionados, apenas um chega ao mercado, sendo que a maior causa de abandono é a observação de efeitos colaterais inaceitáveis, seguida por baixa eficácia clínica. Estes dados ajudam a entender a necessidade do alto e contínuo investimento do setor. A razão de ser da Aventis é oferecer aos seus clientes, sejam eles pacientes, médicos ou “pagadores”, produtos inovadores que acrescentem qualidade à vida e que promovam, em outras palavras, a saúde da população. Neste sentido, uma das competências da empresa é a área de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), ou como definido por PORTER (1990), em seu modelo de cadeia de valor, e o “Desenvolvimento da Tecnologia”: é fundamental descobrir ou inventar novas moléculas e, depois de um minucioso processo de desenvolvimento farmacêutico e clínico, fazer chegá-las ao consumidor, acrescentando-lhe valor. Outra competência digna de ser mencionada é o foco no consumidor. O ambiente empresarial e científico está em contínua mudança e com ele as características de saúde da população mundial. Graças a descobertas recentes na área médica (novas terapêuticas, procedimentos, etc.), presenciamos hoje o envelhecimento da população. Soluções para melhoria de vida desta população são, portanto, um dos principais focos de desenvolvimento das indústrias farmacêuticas atualmente. Neste sentido, a área de Oncologia é uma das prioridades da empresa. Entre as opções estratégicas definidas por TREACY & WIERSEMA (1995), a liderança em produtos é, sem dúvida, a que se aplica às empresas farmacêuticas voltadas para inovação, como é o caso da Aventis Pharma. A meta é criar produtos que incitem respostas apaixonadas dos clientes e que sejam reconhecidos claramente por eles como superiores. Uma visão inspiradora é fundamental para o surgimento de cada novo produto. O ciclo de vida de um produto compreende desenvolvimento, lançamento, crescimento, maturidade e declínio. O objetivo atualmente é reduzir a duração do ciclo, tentando acertar mais vezes o alvo e em menor tempo. No caso da indústria farmacêutica, o desenvolvimento de novas 16 drogas é voltado para o tratamento de problemas médicos ainda sem solução. É o que chamamos de unmet medical needs. E, para tornar-se e permanecer líder de produtos é necessário, ainda, o “cultivo do mercado”, isto é, gerar o desejo pelo produto. E isto, usualmente, começa a ser efetivado através das atividades de prémarketing. Além de produtos avançados e pioneiros, não se rejeitam extensões de produtos que possam gerar aumento de demanda ou entrada em segmentos adicionais de clientes. De acordo com TREACY & WIERSEMA (1998), os líderes em produtos não poderiam estabelecer preços excessivos, pois os clientes só pagam mais caro se percebem que o produto vale o custo extra. Entretanto, no caso da área farmacêutica, geralmente os novos produtos vêm acompanhados de preços altos para cobrir todos os gastos de P&D. A Visão da Aventis Pharma pode ser sumarizada na frase “Nosso desafio é a vida” (AVENTIS, 2004b). Encontramo-nos em meio a uma revolução científica e tecnológica de proporção inimaginável, graças aos avanços simultâneos que se produzem nas Biociências e na Informática. Este progresso conduzirá à capacidade de prevenir, diagnosticar e curar as doenças. E estas perspectivas representam o desafio fundamental da própria vida. Um desafio que a empresa busca superar com dedicação, unindo todas as capacidades e competências com que conta. A Missão da Aventis é criar valor para os pacientes e para os médicos, valor para nossos funcionários e acionistas, e mais, valor para toda a comunidade. Como companhia farmacêutica, visa criar valor prevenindo e curando as doenças (AVENTIS, 2004). A forma de realizar e conduzir os negócios da empresa é guiada e fundamentada no compromisso de agir de acordo com uma série de valores e princípios. Seu primeiro dever é para com a sociedade: o de manter a ética acima de tudo. A empresa se fundamenta nos seguintes valores: respeito às pessoas, integridade, criatividade, coragem, senso de urgência, empowerment e networking. A todo o momento seremos exigentes com nós mesmos, a fim de oferecer excelência. A delegação de poderes também é um aspecto fundamental. Cada pessoa e cada empresa de nosso grupo deverá dar conta de seus resultados e será plenamente responsável por suas decisões. Graças à combinação de colaboração aberta a 17 todos os níveis e responsabilidade pessoal e de equipe, criaremos ou acrescentaremos valor através do uso comum de informação e conhecimento. A Cultura da Aventis nos orienta a criar um ambiente onde todos estejam orgulhosos de seu trabalho e comprometidos com a Aventis; capitalizar nossa diversidade cultural e a variedade de nossas experiências, e guiar nossa conduta por caminhos que construam nossa vantagem competitiva alcançando excelência em nosso desempenho (AVENTIS, 2004b). 18 3. Revisão da Literatura Uma rápida revisão da literatura apresentará, em seguida, os conceitos mais relevantes na área a que este projeto pertence, de modo a atualizar e uniformizar alguns temas que serão utilizados e detalhados durante o trabalho. Progressos recentes na área de biologia molecular e o anúncio do Projeto Genoma Humano (em fevereiro de 2001 e completado em abril de 2003) trouxeram subsídios para a busca de tratamentos mais efetivos e menos tóxicos em várias áreas da medicina (UNITED STATES, 2003a). A figura 1 mostra a capa da revista Nature, que dedicou uma edição toda ao tema em 2001. Fig. 1. Capa da revista Nature, com a publicação do Genoma Humano. (Fonte: Nature. The human genome. Vol. 409, 15 fev. 2001) Uma das áreas de maior atenção é a Oncologia, uma vez que o câncer é fundamentalmente, uma doença do genoma, iniciada por alterações que ocorrem dentro do DNA, durante o ciclo de vida celular. Há especificamente quatro áreas em Medicina e, especificamente em Oncologia, que potencialmente se beneficiarão da pesquisa genômica: diagnóstico, prognóstico, profilaxia e tratamento. 19 Uma vez revelados os segredos do código genético, os cientistas estão buscando mais informações sobre a importância das variações entre as proteínas codificadas pelos genes e na determinação de como os indivíduos respondem aos medicamentos. Duas novas disciplinas entram em jogo: a Farmacogenética e a Farmacogenômica, a primeira focando o papel dos genes individualmente e, a segunda, a coleção toda de genes, o genoma em si (THE GREAT, 2003). A Farmacogenômica é, pois, a aplicação das variações genéticas humanas visando otimizar o desenvolvimento de drogas e o tratamento dos pacientes. Há, sem dúvida, uma série de obstáculos ainda pela frente, tais como questões éticas, regulatórias, sociais, além das clássicas questões de posicionamento estratégico e segmentação de mercado. De fato, o impacto do Projeto Genoma Humano se estende bem além das análises realizadas em laboratório: tornou-se o primeiro projeto científico de grande impacto a dedicar parte de seu orçamento à pesquisa de implicações éticas, legais e sociais (UNITED STATES, 2003b). “A conclusão do Projeto Genoma Humano não deve ser vista, portanto, como um fim em si; em vez disso, ela marca o início de uma nova era, a era do genoma em medicina e na saúde”, disse Dr. Francis S. Collins, M.D., Ph.D., líder do projeto desde 1993. Apenas como exemplo, a figura 2 mostra a representação esquemática de um dos cromossomos humanos. Fig. 2. Representação esquemática do cromossomo número 1, como exemplo do seqüenciamento do genoma humano. (Fonte: Nature. The human genome. Vol. 409, p. 860-921, 15 fev. 2001) 20 Tecendo uma comparação com a descoberta da dupla hélice do DNA, ocorrida há 50 anos, pode-se afirmar que foi somente na década de 80 que a tecnologia que permite analisar o DNA começou a se tornar acessível (ZATZ, 2003). Em 1990, iniciou-se o Projeto Genoma Humano com o objetivo de seqüenciar, até 2005, os 50 a 100 mil genes estimados como responsáveis pelas características humanas. A mídia não se cansou de repetir que os conhecimentos gerados revolucionariam a medicina. Mas, enquanto se especula muito sobre o futuro, pouco se fala sobre as aplicações imediatas deste feito científico. O que já existe de prático? Quais são as implicações éticas? Enquanto se atua na prevenção e na busca da cura, existe também um compromisso ético muito importante em relação ao uso de testes genéticos, principalmente em pessoas clinicamente normais. Quando oferecer os testes? Até onde vai nosso direito de interferir? E o direito de “não saber”? A controvérsia não para aí. O anúncio da conclusão do seqüenciamento do genoma humano foi saudado como um marco da história da humanidade, comparado à invenção da escrita e da imprensa e à chegada do homem à Lua (ZAGO, 2003). Na visão do bioquímico Andrew Simpsom, por exemplo, um pesquisador inglês que residiu no Brasil por mais de 12 anos e esteve à frente de alguns projetos relacionados ao genoma, desde a descoberta da estrutura molecular do DNA, nos anos 50, o tratamento contra o câncer não mudou radicalmente, principalmente no que tange à descoberta de medicamentos contra a doença (FAPESP, 2003). Por outro lado, a pesquisa genômica, se manipulada corretamente, pode mudar os sistemas de saúde em todo o mundo e abrir caminho para a prevenção e o tratamento de doenças que dizimam milhões de pessoas, principalmente em países em desenvolvimento. A questão fundamental é como transformar informação em conhecimento aplicável e quantidade em qualidade. Paralelamente a esta questão, quase que puramente científica, paira outra que é o desafio de traduzir a pesquisa realizada em laboratório em aplicação clínica prática e bem sucedida comercialmente. Um produto inovador exige idéias inovadoras! Uma das tecnologias mais promissoras do futuro é a de alimentos geneticamente modificados. Até hoje, ao menos dez variedades já foram aprovadas para venda nos 21 Estados Unidos. No futuro, essa tecnologia poderá resultar em alimentos que reduzem a taxa de colesterol, aumentam a imunidade ou que sejam simplesmente mais nutritivos (PARASURAMAN & COLBY, 2002). Mas a agroindústria norteamericana não se preocupou com a tendência humana para a insegurança relativa à tecnologia. O resultado foi uma catástrofe mercadológica que, provavelmente, reduzirá o crescimento desta tecnologia nos próximos anos. No caso dos transgênicos, repete-se um comportamento já observado em outras situações: o homem, por instinto de preservação, prefere o conforto daquilo que já é bem conhecido ao stress que representa uma novidade. Embora a segurança dos alimentos modificados geneticamente seja assegurada por laboratórios de reputação inquestionável, algumas dúvidas ainda persistem. Alguns exemplos podem ser mencionados (SCHELP, 2003): O grão transgênico provocaria mais alergias do que o grão natural, uma vez que a transgenia envolve a troca ou adição de proteínas e sabe-se que cerca de 2% dos adultos e 7% das crianças desenvolvem anticorpos contra proteínas presentes em alguns alimentos; cientistas independentes estudaram estes aspectos e não se identificou o surgimento de alergias adicionais, quando comparadas às induzidas pelos grãos normais. Os transgênicos poderiam ter uma relação de causa e efeito com o surgimento de câncer. A comunidade científica, entretanto, assinala que, até o momento, não foram identificados casos de câncer provocados pelos transgênicos; o tempo médio entre o início das pesquisas de um grão transgênico e o lançamento desse grão no mercado é de seis anos, praticamente equivalente ao tempo gasto na pesquisa de novos medicamentos. O prazo é, pois, suficiente para avaliar seus impactos no ambiente e investigar eventuais riscos á saúde. Alguns transgênicos recebem genes de bactérias resistentes a antibióticos; uma vez ingeridos esses alimentos, as bactérias presentes no corpo humano 22 poderiam se tornar resistentes aos antibióticos. Cabe esclarecer que os grãos transgênicos possuem um gene resistente a um antibiótico e não ao antibiótico em si. Em sete anos de consumo em larga escala de alimentos transgênicos, principalmente soja, milho e canola, em países como Canadá, China, Argentina e Estados Unidos, nunca foi registrado um só caso de doença relacionada ao produto geneticamente modificado. Qual o risco de uma semente transgênica em fase de teste ser roubada do laboratório e contaminar a natureza? No caso dos laboratórios que pesquisam transgênicos, todo o trabalho inicial é interno. As sementes são plantadas em ambientes fechados; em seguida, após vários testes, as sementes são plantadas em fazendas experimentais, totalmente monitoradas para evitar acidentes. Elas são mantidas a uma distância grande de outra plantação convencional ou de ambientes abertos. Teoricamente, uma semente poderia se espalhar pelo ambiente. Entretanto, a probabilidade de proliferação de uma planta fora da lavoura é de 0,1%, segundo estudo divulgado em 2003 pelo governo inglês. Se todos estes e outros aspectos tivessem sido melhor divulgados há alguns anos, talvez hoje não houvesse a resistência que ainda existe com relação a este tema. É importante, portanto, demonstrar os benefícios trazidos pela tecnologia, mobilizar inovadores na defesa desta tecnologia que, possivelmente, beneficia a sociedade, tornar a tecnologia centrada nos clientes, além de antecipar e solucionar os temores do público relativos à tecnologia. É fundamental que as empresas sejam sensíveis à resistência e à preocupação natural em relação à tecnologia de vanguarda. Entretanto, as empresas, em sua maioria, não são suficientemente preparadas para fazer marketing de produtos inovadores. A principal justificativa para essa fraqueza é a compreensão inadequada das atitudes dos clientes em relação à tecnologia e às importantes variações dessas atitudes através de diferentes segmentos de clientes (PARASURAMAN & COLBY, 2002). 23 Os fatores que conduzem a relacionamentos satisfatórios com os clientes são diferentes quando há tecnologia envolvida. Assim aconteceu com a Internet, uma fronteira anteriormente não desbravada, na qual muitas alternativas on-line geravam frustrações para os usuários iniciantes, mas ao menos os colocava on-line. A América Online (AOL) conseguiu superar essa barreira inicial, através de um agressivo marketing de massa, serviços de fácil instalação e operação, preços atraentes e salas de bate-papo igualmente atraentes e muito visitadas (PARASURAMAN & COLBY, 2002). E a próxima revolução inovadora provavelmente se baseará em biotecnologia. A lição que fica dos transgênicos é que é necessário perceber o grau de insegurança que os consumidores experimentam a respeito de qualquer inovação. Será necessário realizar um esforço para “provar” essa eficácia e segurança, tanto para os clientes finais como para as autoridades governamentais. Em geral, um cliente é uma pessoa ou uma unidade organizacional que desempenha um papel no consumo de uma transação com uma entidade ou com o profissional de marketing. Convencionalmente, o termo consumidor tem sido usado para se referir apenas aos mercados de bens de consumo. O termo correspondente para o mercado industrial tem sido cliente (SHETH, MITTAL & NEWMAN, 2001). Utilizaremos o termo cliente neste trabalho para se referir a ambos os mercados. Isto porque, mesmo no mercado de bens de consumo, pouco se tem utilizado o termo consumidor. Indo para o mercado dos profissionais autônomos, por exemplo, estes se referem às pessoas que atendem diariamente como “clientes” (advogados, contadores, imobiliárias, etc.) ou por seus papéis mais específicos em termos do contexto (por exemplo, os médicos chamam seus “clientes” de pacientes; já os educadores os chamam de alunos; etc.). Apenas fabricantes que não tratam rotineiramente com os usuários finais de um produto se referem a eles como “consumidores”. Um exemplo seria a Johnson & Johnson, que, em geral, chama seus consumidores finais de “consumidores”. Três papéis, pelo menos, são desempenhados pelos clientes em uma transação mercadológica: a) comprar, isto é, selecionar um produto; b) pagar por ele; e c) usá- 24 lo ou consumi-lo. Desta maneira, um cliente pode ser um comprador, um pagante ou um usuário/consumidor de fato (SHETH, MITTAL & NEWMAN, 2001). O usuário é a pessoa que efetivamente consome ou utiliza o produto ou recebe os benefícios do serviço. O pagante é a pessoa que financia a compra. E, por último, o comprador é quem participa da obtenção do produto no mercado. Tratando-se de medicamentos e, mais especificamente, medicamentos para o tratamento do câncer, poder-se-ia dizer que esses papéis são assim representados: Usuário: paciente; é quem de fato recebe e utiliza o medicamento e quem sentirá as conseqüências do tratamento (cura ou não, mais ou menos efeitos colaterais, qualidade de vida com o tratamento, etc.). Comprador: médico prescritor, responsável pelo tratamento do paciente e pelos resultados dele advindos; embora não compre de fato o medicamento, é o médico que deve avaliar seu paciente, estudá-lo como um caso individual e, à luz da ciência e dos conhecimentos atuais, decidir qual o melhor tratamento para aquele caso em questão. Pagante ou pagador: aqui existem algumas diversas alternativas, pois o tratamento pode ser pago pelo próprio paciente (consulta e tratamento particulares), pelo governo (tratamentos subsidiados ou cobertos pelo SUS – Sistema Único de Saúde) ou por um convênio particular, pago pelo paciente. Vale ressaltar que no Brasil, ao contrário de muitos países desenvolvidos, os convênios, em sua imensa maioria, não reembolsam medicamentos de uso ambulatorial e sim apenas aqueles recebidos durante uma internação hospitalar. A disposição das pessoas para tecnologia, isto é, a sua propensão a adotar e usar novas tecnologias é mais uma disposição psicológica do que um nível de competência. É uma combinação de crenças relacionadas à tecnologia que, em 25 conjunto, determinam a predisposição da pessoa para interagir com produtos e serviços baseados em tecnologia. Com base em um programa anual de pesquisa realizado nos EUA desde 1998, PARASURAMAN & COLBY (2002) desenvolveram um Índice de Disposição para Tecnologia ou, em inglês, Technology Readiness Index – TRI. Evidências de vários grupos de discussão por eles realizados, em diversos setores, sugerem que as pessoas podem ter, simultaneamente, crenças favoráveis e desfavoráveis a respeito de tecnologia. Embora as visões positivas possam mover as pessoas em direção à tecnologia, as negativas podem afastá-las. Estas várias crenças sobre a tecnologia podem ser classificadas em quatro componentes distintos: dois deles são “contribuintes” (otimismo e caráter inovador), ao passo que os outros dois (desconforto e insegurança) são “inibidores” (Figura 3). Contribuintes Otimismo Caráter Inovador Disposição para Tecnologia Inibidores Desconforto Insegurança Fig. 3. Impulsionadores da disposição para a tecnologia (Fonte: Adaptado de PARASURAMAN & COLBY, 2002) A faceta “otimismo” da TRI é definida como uma visão positiva da tecnologia e a crença de que ela oferece às pessoas maior controle, flexibilidade e eficiência em suas vidas. No exemplo dos EUA, o otimismo varia em função da idade: os adultos mais velhos, sobretudo acima de 65 anos, tendem a ser menos positivos e mais céticos em relação à tecnologia. 26 Já a faceta “caráter inovador” da TRI refere-se à tendência de ser pioneiro em tecnologia e líder de pensamento. Mede a extensão da crença de estar na vanguarda em termos de experimentação de novos produtos/serviços baseados em tecnologia e é considerada, pelas demais pessoas, uma líder de opinião em questões relacionadas ao tema. As características principais dos inovadores estão fortemente associadas a sexo e idade. Usando a mesma fonte dos EUA, os homens tendem a ser os primeiros a experimentar novas tecnologias e, com relação à idade, há mais líderes de opinião na faixa dos 30 anos do que no grupo mais idoso. Cabe uma ressalva aqui, com relação ao campo da medicina e saúde, a respeito do qual esse trabalho versa, onde, provavelmente, estas tendências não se repetiriam. A diferença se justifica, pela pesquisa feita nos EUA ter sido voltada para produtos como Internet, novos aparelhos de som, etc., o que é muito diferente de se lidar com a aceitação de novas abordagens terapêuticas, principalmente se deles depender a nossa vida. Indo para as facetas inibidoras, aquela relacionada ao “desconforto” refere-se à falta de controle percebida sobre a tecnologia e ao sentimento de ter sido subjugado por ela. Já a ”insegurança”, outra faceta inibidora da TRI, pode ser definida como desconfiança e ceticismo a respeito da capacidade da tecnologia em funcionar corretamente. Estas facetas são, indubitavelmente, muito fortes ao se tratar de temas relacionados à saúde, pois lidam com necessidades fisiológicas e com sentimentos e, em última análise, com a sobrevivência (SHETH, MITTAL e NEWMAN, 2001). Este tema será abordado, com maior detalhamento, no item 4.2. deste projeto. Neste momento, nos volta à mente a visão da Aventis: “Nosso desafio é a vida”. Com as devidas adaptações, certamente necessárias em cada área do conhecimento humano, o Índice de Disposição para Tecnologia (Technology Readiness Index – TRI) pode ser muito útil na segmentação do mercado quando da introdução de produtos inovadores, como é o caso do Genasense, a ser visto a seguir. 27 4. Proposição Neste capítulo será apresentado um diagnóstico da empresa Aventis Pharma, com foco na questão do desenvolvimento de novos produtos e, mais especificamente, de produtos ligados de uma maneira ou de outra às novas conquistas científicas no campo da farmacogenômica. O caminho para o desenvolvimento de medicamentos será sumariamente explicado e na seqüência será abordado o novo produto da empresa, que foi, em última análise, a motivação deste projeto. A Aventis Pharma, como empresa de inovação em medicamentos, está continuamente buscando introduzir produtos que reflitam a evolução científica que caracteriza os nossos dias. Uma aliança recentemente firmada com a empresa de biotecnologia Genta Inc. trouxe à empresa a oportunidade de lançar um medicamento inovador nos próximos meses, o oblimersen (Genasense ). Como um produto de alta tecnologia e com foco em alvos específicos, deverá receber um cuidado especial no momento do lançamento, de modo a atingir efetivamente os clientes, sejam eles usuários finais, compradores ou pagadores. Neste capítulo serão abordados, portanto, a situação atual da empresa em relação ao seu pipeline, seus movimentos recentes em busca da ampliação da linha de produtos e, mais especificamente, a descrição e posição atual do medicamento Genasense. Serão apresentados, também, os objetivos (principal e intermediários) do projeto. 4.1 Importância do projeto para a empresa A Aventis Pharma já está presente de forma importante na área de Oncologia há alguns anos. A liderança nesta área depende basicamente de Taxotere (docetaxel), um dos agentes quimioterápicos mais utilizados no mundo. Em 2002, as vendas 28 mundiais de Taxotere excederam um bilhão de Euros. Além de Taxotere , a Aventis comercializa também Campto (irinotecam), tratamento de referência para câncer coloretal avançado, em países como Estados Unidos e Japão. No Brasil, a Aventis não tem os direitos de comercialização de Campto , assim como nos demais países da América Latina. Um medicamento para tratamento de náusea induzida por quimioterapia, o Anzemet (dolasetrom) complementa o portfólio. Vários outros produtos estão em desenvolvimento, incluindo o AVE-8062, um agente antivascular; o flavopiridol, um inibidor de ciclo celular; novos taxóides e uma linha de vacinas para câncer. Recentemente, ficou mais clara a intenção da empresa em focar nesta promissora área, onde ainda existe muito por ser feito pela população mundial. Algumas alianças foram firmadas com companhias de pesquisa genômica para o desenvolvimento de produtos voltados para focos específicos (targeted therapies, ou drogas-alvo, em português), ainda em estágio inicial de desenvolvimento, porém com grande potencial de sucesso. Em julho de 2003, Aventis e ImmunoGen assinaram um acordo para descobrir, desenvolver e comercializar novos produtos anticâncer baseados em anticorpos. Com isto, a Aventis adquiriu os direitos de comercialização mundiais para os novos produtos a serem desenvolvidos, assim como para três produtos anticâncer, atualmente em fases iniciais de pesquisa. Esta aliança está “totalmente alinhada com a estratégia da Aventis de reforçar sua posição de liderança no campo da Oncologia”, comentou o Dr. Frank Douglas, Vice-Presidente Executivo de Desenvolvimento de Drogas da Aventis Pharma. “A parceria é também importante para a ImmunoGen, pois nos permite desenvolver mais produtos, mais rapidamente e com menor custo do que se continuássemos sozinhos”, disse Michael Sayare, Ph.D., Presidente da ImmunoGen. A ImmunoGen receberá um pagamento de US$ 12 milhões inicialmente, além de mais de US$ 50 milhões em fundos para pesquisa, em um período de três anos. Adicionalmente, para cada produto, a ImmunoGen poderá receber pagamentos de US$ 20 a 30 milhões, dependendo dos resultados 29 alcançados em termos de desenvolvimento, de aprovação junto aos órgãos regulatórios, assim como de royalties sobre as vendas (AVENTIS, 2003a). Em setembro de 2003, a Aventis adquiriu os direitos de um medicamento experimental, também para o tratamento de câncer, da Regeneron, um grupo de biotecnologia dos Estados Unidos. Este novo produto faz parte de uma nova classe conhecida como bloqueadores de VGEF (vascular endothelial growth factor), isto é, um fator de crescimento de endotélio vascular, secretado por muitos tumores para estimular novos vasos, dando suporte ao crescimento do tumor. Uma vez bloqueado, os tumores morrem por interrupção do fluxo sanguíneo. Ainda em fase I de desenvolvimento, há pouca informação já publicada sobre o produto (VALOR ECONÔMICO, 2003; O ESTADO DE SÃO PAULO, 2003a). Em 2002, a Aventis já havia assinado um acordo com a Genta Inc. para desenvolver e comercializar Genasense, já em fase mais adiantada de desenvolvimento (início de fase III, naquele momento). 4.1.1 O desenvolvimento de um novo fármaco O desenvolvimento de um novo medicamento leva em torno de 7 a 10 anos e é caracterizado por duas fases distintas: a primeira, denominada pré-clínica, é realizada em animais de laboratório. Nesta fase, são feitos testes de toxicologia aguda, sub-crônica e crônica, além de testes específicos sobre a reprodução (fertilidade, teratogenicidade, toxicidade pré, peri e pós-natal) e de mutagenicidade e carcinogenicidade. Somente após a realização destes testes em animais, a agência regulatória americana FDA concede a autorização – conhecida como IND, Investigational New Drug - para se iniciar o desenvolvimento do novo fármaco em seres humanos, 30 caracterizando, a partir deste ponto, as fases I a IV de pesquisa clínica. Estas fases estão sumarizadas na Tabela 1 (DAINESI, 2003). Tabela 1. Descrição sumária das fases de pesquisa clínica de medicamentos. Fase Nº de pacientes Duração Objetivo principal I 8-40 (voluntários) Vários meses Segurança II Várias centenas (100-400) Vários meses a 2 anos Segurança e Eficácia III Várias centenas a milhares 1 a 4 anos IV Vários milhares Vários anos Segurança e Eficácia comparativa Farmacovigilância (Fonte: DAINESI, 2003.) As fases I a IV de pesquisa clínica geram os dados de eficácia e segurança do novo medicamento e, conseqüentemente, as informações que constarão do dossiê de submissão de registro às autoridades regulatórias que, posteriormente, farão parte dos dados das bulas dos produtos. A fase I de desenvolvimento caracteriza-se por ser a primeira vez que o novo medicamento será administrado em seres humanos. Desnecessário dizer que toda cautela é obrigatória nesta fase, uma vez que os dados até então disponíveis provêm de dados em animais. As doses utilizadas nos primeiros voluntários (sadios, sem doença) são escalonadas gradualmente, com rigoroso acompanhamento de todos os parâmetros clínicos e laboratoriais. Na fase seguinte, ou fase II, um número maior de pacientes é incluído nos estudos, que já passam a ser realizados em vários centros de pesquisa (estudos multicêntricos). Busca-se, nesta fase, uma avaliação conjunta de eficácia e segurança do medicamento, de modo a se definir a sua “janela terapêutica”, isto é, o range de doses onde o fármaco já apresenta ação (eficácia) sem, entretanto, apresentar efeitos tóxicos significantes. Até este momento, centenas de pacientes foram incluídos nos estudos. A fase III se caracteriza pela ampliação dos estudos em grandes estudos multicêntricos internacionais, usualmente fazendo a comparação do novo medicamento com o gold standard, isto é, com aquele medicamento que é tido como o padrão no tratamento da patologia em questão. Nesta fase, milhares de pacientes são incluídos. Os dados coletados nestas pesquisas serão a base do dossiê de submissão às 31 autoridades competentes (NDA, ou New Drug Application). Uma vez concedida a aprovação, o produto poderá ser comercializado. Uma vez no mercado, pesquisas adicionais podem e costumam ser realizadas, caracterizando a fase IV de desenvolvimento, quando é feito o acompanhamento pós-comercialização do novo fármaco (o termo utilizado em inglês é Post-marketing Surveillance). O desenvolvimento de novos fármacos é cada vez mais rigoroso, visando sempre à qualidade e segurança do produto que vai chegar ao consumidor final. Apesar de todo o rigor nos procedimentos de pesquisa pré-clínica e clínica acima definidos, alguns efeitos colaterais podem não ser detectados durante estas fases, tornando-se evidentes apenas quando o produto vai para o mercado e atinge um número muito maior de pacientes. Neste sentido, são imprescindíveis o contínuo controle e acompanhamento dos medicamentos, garantidos pelos procedimentos de Farmacovigilância mundialmente seguidos (DAINESI, JUQUIRAM e BIAZETTI, 2001). A Farmacovigilância é, pois, a ciência relativa à detecção, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos (ANVISA, 2004). Ao se falar de pesquisa clínica em Oncologia, entretanto, algumas diferenças existem em relação às fases clássicas de pesquisa descritas acima. Um exemplo é a seleção de pacientes para a fase I, onde, dada a característica mais tóxica dos medicamentos anticâncer, não seria ética a inclusão de voluntários sãos. Neste caso, são recrutados pacientes, geralmente já pré-tratados com outros medicamentos amplamente utilizados, mas que carecem de tratamento adicional. Não havendo outra opção cientificamente reconhecida de tratamento, está autorizada a administração do fármaco em pesquisa. Apenas como menção, avaliações fármaco-econômicas começam a fazer parte do desenvolvimento em fases cada vez mais precoces da pesquisa de medicamentos. Estes dados, que visam analisar o impacto econômico dos novos tratamentos e procedimentos terapêuticos, já são pré-requisitos obrigatórios para aprovação do novo fármaco em alguns países, como o Canadá e Austrália. 32 4.1.2 Oblimersen (Genasense): O novo produto Das licenças mencionadas, aquela realizada com a Genta Inc. tinha algo de diferente: trazia consigo a oportunidade de um produto já em fase III de desenvolvimento, isto é, praticamente pronto para ser submetido aos órgãos regulatórios. Obviamente, este tipo de negócio custou à Aventis mais do que as demais alianças, nas quais os produtos estão ainda em fases mais precoces de desenvolvimento e, portanto, com maior risco de não terem êxito. Este novo medicamento teve, pois, seus resultados de pesquisa clínica, fase III, divulgados em setembro de 2003 e, posteriormente, no VI Encontro Anual de Melanoma, realizado em Miami, Flórida, em novembro de 2003. Este novo medicamento, o oblimersen (Genasense), será o primeiro no mercado com um mecanismo diferenciado e voltado para o tratamento de uma enorme necessidade médica ainda não satisfeita, que é o tratamento do melanoma avançado, um dos cânceres onde ainda existe uma carência muito grande de tratamentos eficazes e, conseqüentemente, um dos mais fatais (AVENTIS, 2003b; GENTA, 2003). Além disso, existe um potencial efeito em outros tipos de tumores (mais de 20 estudos estão em andamento, patrocinados pelo NCI - National Cancer Institute). Embora não tendo demonstrado significante melhora no tempo de sobrevida, robustos efeitos foram observados na taxa de resposta do tumor ao tratamento. Em mais de 30 anos de pesquisa, é a primeira vez que um novo medicamento consegue demonstrar vantagem clínica sobre a dacarbazina, considerada como gold standard no tratamento de pacientes com melanoma metastático. Os dados foram submetidos ao FDA em 8 de dezembro de 2003. A empresa tem, portanto, a oportunidade de ter o produto para lançamento mundial no próximo ano, uma vez que está prevista a concessão do status de fast-track (seis meses) para esta aprovação pela agência americana (FDA). Embora a Aventis já trabalhe com a linha oncológica desde 1996 através, principalmente, do produto Taxotere, recomendado para tratamento de câncer de mama, pulmão e ovário e em fase final de estudo para câncer de próstata, estômago e cabeça e pescoço, o Genasense será o primeiro produto da Aventis 33 em outro tipo de tumor e com um mecanismo de ação completamente inovador. O processo de colocação no mercado exigirá, sem dúvida, conhecimento detalhado do assunto e dos clientes para adequado planejamento estratégico do lançamento e comercialização. 4.1.2.1 Oblimersen (Genasense): Mecanismo de ação Os tumores possuem uma defesa natural contra a apoptose (isto é, morte celular programada) e este é um dos fatores que os torna tão agressivos e “intratáveis”. Uma maneira de tornar os tratamentos anticâncer disponíveis mais eficientes seria vencer esta defesa natural. A defesa primária em vários tipos de câncer é a proteína Bcl-2. A Bcl-2 impede a ativação da caspase-3 inibindo, portanto, a apoptose. Quando a apoptose falha, o resultado é a superexpansão da população celular, o que se chama de neoplasia. A neoplasia é causada por dois processos antiapoptóticos: proliferação celular descontrolada e insuficiente turnover apoptótico (AVENTIS, 2003c). O oblimersen sódico é o primeiro agente que age especificamente na Bcl-2. Deste modo, pode ajudar a otimizar a eficácia dos tratamentos antitumorais (AVENTIS, 2003c). A expressão da proteína Bcl-2 já foi identificada em muitos tumores, incluindo mama, coloretal, melanoma, próstata, pulmão, leucemias agudas e crônicas, linfoma e mieloma (Figura 4). Altos níveis dessa expressão de Bcl-2 são indicativos de pior prognóstico e se correlacionam com resistência à quimioterapia, baixas taxas de resposta, rápidas recidivas e menor sobrevida (AVENTIS, 2003c). 34 Proporção de pacientes cujas células tumorais, no momento do diagnóstico, apresentaram resultados positivos (superexpressão de Bcl-2). HR = hormônio refratário SCLC = câncer de pulmão de pequenas células AML = leucemia mielóide aguda CLL = leucemia linfocítica crônica Fig. 4. Proporção de pacientes cujas células tumorais, no momento do diagnóstico, testaram positivas para expressão ou superexpressão de Bcl-2. (Fonte: AVENTIS, 2003c.) Os medicamentos que podem regular os efeitos da Bcl-2 podem recuperar o processo fisiológico normal da apoptose. Tais agentes terapêuticos trabalhariam em combinação com os tratamentos tradicionais. São eles oligonucleotídeos com ação antisense, curtos segmentos de DNA quimicamente modificados e que são complementares ao seu RNA mensageiro alvo. A ligação do oligonucleotídeo ao RNA mensageiro impede a leitura do código do RNA, interferindo, 35 conseqüentemente com a produção da proteína. Estes agentes são altamente específicos para seus alvos, como a Bcl-2 (KLASA et al, 2002). 4.1.2.2 Oblimersen (Genasense): Evidências pré-clínicas Estudos pré-clínicos em células de linhagem tumoral e em modelos animais de câncer humano têm demonstrado que o oblimersen sódico é ativo contra a produção de Bcl-2 e age em combinação com uma ampla gama de agentes quimioterápicos. Os resultados destes estudos incluíram: redução da expressão de Bcl-2, aumento da apoptose, inibição do crescimento tumoral, redução ou eliminação do tumor e aumento da sobrevida dos animais (AVENTIS, 2003c). Com base nos estudos pré-clínicos, foi desenhado o plano de estudos clínicos utilizando-se o oblimersen em associação com vários quimioterápicos, como: carboplatina, ciclofosfamida, cisplatina, docetaxel, dacarbazina, mitoxantrona, talidomida, entre outros. 4.1.2.3 Oblimersen (Genasense): Resultados de estudos clínicos (seres humanos) Os pesquisadores relataram que o oblimersen foi bem tolerado nos estudos clínicos de fase I (caracterizada por ser a primeira vez que se administra o novo medicamento em seres humanos), tanto em monoterapia como em combinação com docetaxel, dacarbazina e paclitaxel, em pacientes com vários tipos de câncer. Os dados dos estudos clínicos iniciais de fases I/II indicaram que o oblimersen traduz a expressão da proteína Bcl-2 em tumores. Esses dados confirmam que esta terapêutica pró-apoptótica pode agir focalmente e reduzir os níveis de proteína Bcl-2 36 em tecidos tumorais humanos. Vários outros estudos de fase II foram conduzidos pela Aventis e Genta, em combinação com vários agentes e em uma ampla gama de tumores. Recentemente, estudos clínicos de fase III em melanoma e mieloma múltiplo concluíram a inclusão de pacientes e dois outros estudos, um em leucemia linfocítica crônica (LLC) e outro em câncer de pulmão de não-pequenas células, estão atualmente em andamento. O estudo clínico em pacientes com melanoma avançado foi o maior estudo randomizado já realizado nesta população de pacientes: foram incluídos 771 pacientes em 139 centros, espalhados em 9 países. O objetivo primário do estudo era demonstrar vantagem em sobrevida quando utilizado em combinação com a dacarbazina, em comparação com a dacarbazina isolada, droga considerada padrão no tratamento desta patologia. Os objetivos secundários do estudo eram: sobrevida livre de doença, resposta tumoral e segurança clínica. Resultados ainda tidos como preliminares foram divulgados e demonstram o seguinte: O oblimersen sódico pode ser seguramente combinado com a dacarbazina no tratamento de pacientes com melanoma em estágio avançado. Aumenta a eficácia da dacarbazina: Resposta antitumoral global: 11,7 % vs. 6,8%, p = 0,0185; Sobrevida livre de progressão: 74 vs. 49 dias, p = 0,003; Sobrevida mediana global: 9,1 vs. 7,9 meses, p = 0,184. 37 4.1.2.4 Oblimersen (Genasense): Conclusões As conclusões do programa de desenvolvimento do oblimersen, até o momento disponíveis, são as seguintes (AVENTIS, 2003c): O oblimersen sódico é um novo medicamento pró-apoptótico, atualmente sendo desenvolvido em combinação com as terapêuticas clássicas anticâncer. É altamente seletivo para o RNA mensageiro da Bcl-2. Reduz a expressão de Bcl-2, aumenta a apoptose, reduz o tamanho do tumor, e prolonga a sobrevida em modelos animais. É ativo em um amplo espectro de tipos de câncer, em estudos pré-clínicos. Parece ser bem tolerado tanto como agente único como em combinação com agentes quimioterápicos clássicos. Está atualmente sendo estudado em vários tipos de câncer, para que se determine o seu benefício clínico. Destes estudos, pelo menos um deles, em melanoma avançado, já teve seus resultados divulgados em recente encontro médico, confirmando resultados animadores e estatisticamente significantes, tanto em termos de taxa de resposta como em sobrevida livre de doença (p = 0,0185 e 0,003, respectivamente). Embora não tendo demonstrado significante melhora no tempo de sobrevida (p = 0,184), os efeitos observados na taxa de resposta do tumor ao tratamento estão sendo considerados como muito animadores: é a primeira vez que um novo medicamento consegue demonstrar vantagem clínica sobre a dacarbazina, considerada como tratamento padrão para este tipo de tumor. 38 4.1.2.5 Preparando o lançamento do novo produto A medida em que os cientistas desvendam o código genético, mais e mais se descobre sobre a importância das variações entre as proteínas codificadas pelos genes e qual o impacto destas variações na resposta de cada indivíduo aos medicamentos. O trabalho nesta área gerará, portanto, medicamentos mais específicos, isto é, as assim chamadas “drogas-alvo” (targeted therapies). Certamente a farmacogenética parece promissora, entretanto, muitas respostas ainda estão por vir. O Dr. Mike Clarke, Diretor do Centro Cochrane, no Reino Unido assim sumarizou este sentimento: “As pessoas são mais complexas que seus genes, embora estes já sejam suficientemente complexos” (THE GREAT, 2003). De acordo com essa “medicina personalizada”, o DNA de um paciente revelaria a probabilidade de se contrair doenças específicas e novas drogas poderiam ser desenvolvidas para alterar esses pontos nos genes. Os pacientes poderiam também ser “triados” pelos seguros-saúde de acordo com seu código genético e, eventualmente, não serem mais aceitos por possuir uma ou outra característica potencialmente perigosa. Apenas como exemplo, pode-se mencionar recente projeto de lei aprovado por unanimidade pelo senado americano contra a discriminação com base em resultados de exames genéticos. Tal legislação tornará ilegal o uso de informações genéticas pelos empregadores e planos de saúde, com o objetivo de negar cobertura médica, e estabelecerá condições para o acesso a essas informações (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2003b). Além destas e de outras questões éticas associadas ao tema, dificuldades regulatórias também estão previstas na medida em que a própria agência americana FDA vem repensando o modo de aprovação de novos medicamentos à luz dos novos conceitos emergidos após o seqüenciamento do genoma humano (FDA, 2003). Medo e insegurança relacionados à novidade envolvida com este assunto também são esperados, sem mencionar a questão do preço. 39 4.2 Objetivos do projeto Tendo em mãos um produto como Genasense e um cenário no mínimo preocupante, pela inovação que carrega consigo, surgiu a idéia deste projeto, cujos objetivos serão descritos a seguir. 4.2.1 Objetivo Principal No caso de medicamentos, conforme descrito no capítulo Revisão da Literatura, os papéis de usuário, comprador e pagador são representados, respectivamente, pelo paciente, pelo médico (que “compra” a idéia de que o novo medicamento é melhor que os demais) e pelo seguro-saúde e/ou SUS e/ou o próprio paciente como possíveis pagadores. O quadro é, portanto, bastante complexo, uma vez que os desejos do paciente não obrigatoriamente são os mesmos do médico ou do pagador. A conseqüência é óbvia: é muito difícil satisfazer a todos! É neste sentido que este trabalho foi idealizado, visando entender qual a melhor maneira de trabalhar com cada um dos clientes, em cada um de seus papéis, e buscar simultaneamente o sucesso mercadológico. Além disso, esse trabalho busca entender como funcionam os clientes de um medicamento completamente inovador, desenhado e desenvolvido no mundo pósgenoma. Será, certamente, um produto que o cliente percebe como novo. E os clientes geralmente não correm para comprar esses produtos, independentemente de serem eles promissores ou não. A resposta do cliente (seja ele o médico prescritor ou o pagador ou o próprio paciente) é denominada “adoção da inovação” (SHETH, MITTAL & NEWMAN, 2001). Um complicador adicional nesta discussão é o fato de estarmos tratando de vidas humanas e de uma doença que pode, infelizmente, não nos dar uma segunda 40 chance de escolher o melhor tratamento. No caso de patologias menos graves, se o cliente preferir tentar primeiramente o tratamento mais antigo, seja por comodidade, por melhor preço ou por outras experiências anteriores bem sucedidas, e só optar pelo medicamento inovador caso o primeiro não tenha agido adequadamente, ele terá tempo para isso. Em se tratando de doenças graves, como é o caso de vários tipos de câncer, poderá ser tarde demais para uma segunda tentativa. Com estas considerações em mente, o objetivo principal deste projeto foi definido como se segue: Como trabalhar com os diferentes papéis ocupados pelos clientes (usuário, comprador e pagador) no lançamento de um novo medicamento na era pósgenoma. Gerar um modelo de perfil do cliente para cada um dos papéis assumidos no lançamento de um novo medicamento. 4.2.2 Objetivos Intermediários As necessidades e desejos humanos organizam-se em uma hierarquia, de acordo com o psicólogo Abraham Maslow. As necessidades de nível mais alto ficam dormentes até que as mais inferiores na hierarquia sejam atendidas (SHETH, MITTAL e NEWMAN, 2001). A hierarquia das necessidades consiste em (do nível mais baixo para o mais alto): a) Necessidades fisiológicas b) Necessidades de segurança c) Necessidades de amor e pertença d) Necessidades de estima e do ego e) Necessidades de auto-realização 41 Uma pessoa, usualmente, só passa para as necessidades de nível mais alto se forem satisfeitas suas necessidades de nível mais baixo. Maslow não fazia distinção entre necessidades e desejos, mas a maioria dos autores contemporâneos de marketing o faz. Para estes, apenas as duas primeiras necessidades da hierarquia seriam de fato “necessidades”, enquanto que as três outras seriam “desejos” (SHETH, MITTAL e NEWMAN, 2001). No caso de um medicamento, principalmente quando se trata de patologias graves, como é o caso do câncer, as necessidades fisiológicas e, provavelmente, também as de segurança são extremamente aguçadas quando se pensa no cliente como usuário. Não obrigatoriamente serão as mesmas necessidades para o cliente “comprador” e, provavelmente, menos ainda para o cliente “pagador”. Torna-se importante, portanto, fazer a distinção entre as necessidades e percepções de cada um desses clientes. Deste modo, os objetivos intermediários serão: Identificar quais são as preferências de produto, as percepções de valor do novo medicamento e dos medicamentos alternativos pelo usuário (paciente). Avaliar os fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos que exercem o papel de comprador nesta situação. Definir quais os fatores influenciadores na decisão e autorização de pagamento de novos medicamentos, geralmente mais caros que os então disponíveis, pelos pagadores no setor de saúde (governo e/ou convênios e/ou paciente). 42 5. Metodologia de Pesquisa Uma vez definido o tópico a ser abordado e considerando-se os vários tipos de pesquisa que poderiam ser utilizados (KOTLER, 2000; MALHOTRA, 2001), a metodologia escolhida para responder a pergunta central do projeto em questão foi a Pesquisa Exploratória. De acordo com MALHOTRA (2001), a pesquisa de Marketing pode ser classificada, de forma ampla, como exploratória ou conclusiva (Figura 5). Tipos de Pesquisa de Marketing Pesquisa de Marketing Pesquisa Exploratória Surveys com especialistas Surveys pilotos Pesquisa Conclusiva Análise de Dados Secundários Pesquisa Qualitativa Pesquisa Descritiva Dados Internos ou Externos Diretas ou Indiretas Pesq. Longitudinal ou Transversal Pesquisa Causal Fig. 5. Tipos de pesquisa de marketing. (Fonte: Adaptado de MALHOTRA, 2001). A pesquisa exploratória é utilizada nos casos em que não se conhece muito bem a situação-problema, sendo necessário definir o problema com maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais antes que se possa desenvolver uma abordagem para a situação (MALHOTRA, 2001). Por tratar-se de assunto relativamente novo e potencialmente conflitante, a abordagem do tema genoma, desenvolvimento de medicamentos a ele associados e as diferentes percepções de valor do novo medicamento pelos clientes se encaixam neste critério de situação ainda de pouca precisão. 43 5.1 Ordenação da metodologia Dentro da Pesquisa Exploratória, uma abordagem planejada é a análise de dados secundários. Utilizar-se-á, por exemplo, a experiência do que já foi feito no Brasil e no mundo por outras empresas para os lançamentos de produtos semelhantes (isto é, dados externos obtidos de fontes públicas de informações). Adicionalmente, será feita uma busca do que já existe internamente (na Aventis), prevendo-se o lançamento de nosso produto (dados internos). Com esta revisão bibliográfica, externa e interna, espera-se obter dados de produtos e situações semelhantes já vivenciadas e que agreguem experiência ao projeto em questão. De uma forma geral, o pesquisador pode reunir dados primários, secundários ou ambos. Dados primários são aqueles que foram reunidos para uma finalidade específica ou para um projeto específico de pesquisa. Dados secundários são dados que foram colhidos para uma finalidade diferente daquela do problema em pauta. Estes dados podem ter sido postos à disposição por fontes empresariais e governamentais, por empresas de pesquisa de marketing ou constarem de banco de dados on-line; no caso da área médica, as revistas especializadas em cada uma das diferentes especialidades médicas devem obrigatoriamente ser consultadas, uma vez que contêm o que de mais atualizado existe em termos de ciência. Muitas vezes a informação é tão nova que nem o livro-texto mais conceituado a contém. O crescimento explosivo e a popularidade da Internet, ou mais particularmente a World Wide Web, a transformaram em uma fonte fundamental para obtenção de informações. Ela é hoje o maior repositório de informações que o mundo já viu (KOTLER, 2000). Atualidade é, pois, uma questão muito importante e deve ser levada em consideração na seleção dos dados secundários que são utilizados. A pesquisa de marketing exige dados atuais, portanto, o valor dos dados secundários diminui com o tempo. Além do quesito atualidade, a confiabilidade dos dados também deve ser cuidadosamente analisada. Uma indicação geral da confiabilidade dos dados pode ser obtida pela avaliação da experiência, reputação, credibilidade e integridade da fonte (MALHOTRA, 2001). Mais uma vez, na área médica, assim 44 como em outros diferentes segmentos, alguns veículos são reconhecidamente aceitos. Foram fontes como estas que embasaram a nossa coleta de dados, tanto externa como interna. A análise de dados secundários ajuda a definir o problema e a desenvolver a abordagem a ser seguida. Esta análise deve se iniciar, portanto, antes do planejamento da pesquisa para a coleta de dados primários realizada neste projeto de pesquisa através dos surveys já descritos no item anterior. E assim foi feito: a própria elaboração dos roteiros de entrevistas foi baseada em dados secundários previamente coletados. Dados secundários fornecem um ponto de partida para a pesquisa, além de oferecerem a vantagem de baixo custo e imediata disponibilidade (KOTLER, 2000). Dados secundários internos são aqueles gerados na própria organização para a qual está sendo realizada a pesquisa. Serão eles os pontos de partida na busca de dados secundários. Embora de origem interna, esses dados não são obrigatoriamente de fácil acesso, uma vez que o produto que deu origem a este projeto empresarial (Genasense) ainda não está comercializado; na verdade, nem sequer foi aprovado pela agência americana FDA (Food and Drug Administration) e boa parte da informação sobre ele ainda é considerada confidencial. As fontes de dados secundários externos incluem publicações de governos, organizações sem fins lucrativos, associações comerciais, organizações profissionais, editoras comerciais, etc. São muitos os dados disponíveis, talvez um pouco menos no tema deste trabalho, ainda considerado relativamente recente. Uma vez realizada a análise de dados secundários, a partir dela serão elaborados roteiros de entrevista a serem utilizados com cada grupo de indivíduos: médicos, pagadores, pessoas da agência reguladora nacional responsável pela aprovação de novos medicamentos no Brasil (ANVISA) e, finalmente, representantes de pacientes (voluntários de ONGs ligadas ao acompanhamento de pacientes com câncer e/ou os próprios pacientes). 45 Esta parte da pesquisa exploratória consiste, usualmente, em entrevistas pessoais, sendo que a amostra selecionada geralmente é pequena e não representativa. Os dados são de natureza qualitativa e, como tal, serão analisados. Caracteriza-se, portanto, por flexibilidade e versatilidade, respeitando-se os métodos e geralmente sem envolver questionários muito estruturados. Justamente por isto os pesquisadores devem estar sempre alertas para novas idéias e dados. Utilizar-se-á, por conseguinte, roteiros de entrevistas dando abertura suficiente ao entrevistador para mudar a exploração para outra direção, caso se descubram alternativas ou se esgotem as possibilidades na rota original. Neste sentido, a criatividade e habilidade na condução são essenciais. Em nossa pesquisa, o fato de a entrevistadora ter experiência na área e conhecer relativamente bem o tema poderá ajudar essa condução. Além disso, compensaria, por outro lado, a sua inexperiência como entrevistadora neste tipo de projeto. Três objetivos deverão ser atingidos com as entrevistas. Primeiramente, deve traduzir a informação desejada em um conjunto de questões específicas e que sejam passíveis de serem respondidas. Em segundo lugar, o roteiro deverá motivar e incentivar o entrevistado a completar a entrevista, cooperando com o tema. Por último, deverá minimizar o erro da resposta evitando-se respostas imprecisas ou mesmo anotações que não reflitam exatamente o que o entrevistado dirá. Conforme mencionado acima, os entrevistados serão divididos em quatro grupos; para cada um deles será utilizado um roteiro ligeiramente diferente, de acordo com o perfil do entrevistado (usuário, comprador ou pagador): Médicos oncologistas, “líderes de opinião”, com experiência na área e representando diferentes instituições de renome; eles representarão neste projeto os clientes “compradores” (APÊNDICE A). Administradores de convênios e/ou hospitais particulares: representam um tipo de clientes “pagadores” (APÊNDICE B). 46 Pessoas-chave da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão responsável pela aprovação e acompanhamento de medicamentos no território brasileiro, serão consideradas representantes do setor público de saúde; interessante observar que as respostas destas pessoas podem ser classificadas como sendo de “pagadores”, mas também como de “compradores”, uma vez que têm um papel, embora indireto, na decisão da prescrição (APÊNDICE C). Associações de pacientes e/ou pacientes representando os “usuários” (APÊNDICE D). O roteiro de entrevista para médicos líderes de opinião poderá ser respondido por telefone, e-mail ou fax. O mesmo será feito com os demais grupos de entrevistados. Uma carta de apresentação (por escrito ou lida) sempre precederá as entrevistas. Sempre que possível, a entrevista será feita por telefone, pela própria autora deste projeto, visando aproveitar e explorar mais as respostas obtidas. Caso o entrevistado não disponha de tempo ou prefira responder o questionário por e-mail ou fax, assim será feito. Perguntas abertas serão preferencialmente utilizadas, permitindo ao entrevistado usar suas próprias palavras. Tratando-se de uma pesquisa exploratória, o objetivo principal é de fato saber o que as pessoas pensam e não mensurar quantas pessoas pensam de um determinado modo ou de outro (KOTLER, 2000). Os apêndices A, B, C e D, conforme mencionado acima, contêm os roteiros utilizados com cada um dos grupos mencionados. O anonimato dos entrevistados será garantido, sendo disponibilizadas respostas apenas em forma consolidada e não individualmente. Poder-se-ia excluir, entre os entrevistados, os representantes da classe de “usuários”, isto é, os pacientes ou mesmo representantes de Organizações Voluntárias de Pacientes. Optou-se, entretanto, por não fazê-lo, pois, apesar de se saber que eles não são experts o suficiente para participar de um processo de inovação propondo soluções reais, está claro que eles podem e devem ser ouvidos com relação às suas expectativas diante de um novo produto, ou seja, quais 47 benefícios eles esperam ou desejam deste novo produto (ULWICK, 2002). Ulwick (2002) aborda, de maneira muito clara, o papel dos clientes e como eles podem colaborar (ou não) no processo de inovação citando, inclusive, em sua revisão um texto de Dorothy Leonard, professora da Harvard Business School, intitulado “The Limitations kkof Listening”. Quando o cliente é um paciente, como é o caso do cliente “usuário” neste projeto, os conceitos de Ulwick e Leonard (ULWICK, 2002) se tornam ainda mais verdadeiros e aplicáveis, pois o paciente delega a decisão do tratamento praticamente de maneira integral a seu médico. Isto ocorre simplesmente porque ele é ou pelo menos está naquele momento em uma situação de tamanha vulnerabilidade, que sua real intenção e desejo é ser tratado e cuidado por outra pessoa. Considerando-se estas características do processo de pesquisa exploratória, os resultados deverão ser considerados experimentais ou como fonte para pesquisas posteriores. A pesquisa exploratória é, portanto, um tipo de pesquisa que tem como principal objetivo o fornecimento de critérios sobre a situação-problema enfrentada pelo pesquisador e sua compreensão (MALHOTRA, 2001). 48 6. Resultados Neste capítulo serão apresentados os resultados da pesquisa exploratória realizada, englobando-se tanto a análise de dados secundários e primários como os dados obtidos através dos roteiros de entrevista utilizados com cada grupo de clientes: usuários, compradores e pagadores. Far-se-á uma integração entre os dados apresentados no capítulo de revisão da literatura e os resultados aqui relatados e, finalmente, serão sugeridos os próximos passos para a efetiva implantação e utilização dos resultados. 6.1 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários Perguntar diretamente pode proporcionar inúmeras e valiosas informações, mas tem também suas limitações. Serão, pois, apresentadas a seguir algumas análises provenientes de dados secundários primeiramente internos e, em seguida, externos. 6.1.1 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários internos Algumas pesquisas já foram realizadas pela empresa, globalmente, visando entender melhor este mercado e como se preparar para o lançamento de um produto como o Genasense (oblimersen sódico). Estes dados, uma vez localizados, estavam disponíveis para serem usados, mas exigiram e ainda exigirão um processamento considerável antes de se tornarem adequados à nossa realidade. Conforme já descrito no capítulo Proposição, Genasense será o primeiro produto no mercado com uma nova abordagem terapêutica, isto é, introduzindo um novo 49 mecanismo de ação: a pró-apoptose, sendo altamente seletivo para o RNA mensageiro da Bcl-2 e reduzindo assim a expressão (ou a superexpressão) do Bcl-2. Está sendo estudado em vários tipos de câncer, mas é para o tratamento de melanoma maligno (um tipo de câncer de pele) que deverá ter sua primeira indicação aprovada pelos órgãos regulatórios internacionais. Uma primeira análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats) do produto para o mercado brasileiro apontou o cenário descrito na figura 6. GENASENSE – Análise SWOT Strenghts (Forças) 1. Primeiro no mercado com a nova tecnologia 2. Alvo bem definido em muitos tipos de câncer 3. Toxicidades não superponíveis com quimioterápicos Weaknesses (Fraquezas) 1. Novo conceito a ser criado 2. Esquema de administração em infusão contínua 3. Alto Cost of Goods 4. Experiência clínica limitada Threats (Ameaças) Opportunities (Oportunidades) Taxotere 1. Sinergia com 2. Novos alvos, em termos de audiência (hematologistas, por exemplo) 3. Reforçar a posição da Aventis no campo da Oncologia 1. Política de reembolso de medicamentos 2. Reembolso da bomba de infusão 3. Necessidade de teste diagnóstico (pré-tratamento) para Bcl-2 4. Outras terapêuticas semelhantes (Velcade, por exemplo) Fig. 6. Análise SWOT do produto GENASENSE para o mercado brasileiro. Fonte: AVENTIS, Dados internos da empresa, 2003) Em termos de tamanho do mercado, dados do INCA (Instituto Nacional do Câncer) de 2003 apontam uma incidência de 4370 novos casos de melanoma, sendo que boa parte do mercado está no setor privado (TCA, 2003). O medicamento mais 50 utilizado nestes casos é a DTIC (dacarbazina), droga com a qual o Genasense foi comparado nos estudos clínicos que estão ora sendo finalizados e submetidos ao FDA, nos Estados Unidos. Um trabalho bastante amplo foi desenvolvido pela Taylor Nelson Sofres, a pedido da Aventis, em 2001 e 2002, cuja missão era “Prever como o tratamento e o manejo de pacientes com vários tipos de tumores terá mudado em 2010”. Para tanto, cerca de 20 experts em Oncologia e Epidemiologia, representando vários setores destas especialidades, estiveram reunidos entre março e novembro de 2001, em três encontros distintos (ONCOLOGY, 2002). Este estudo utilizou a técnica de Delphi, uma metodologia reconhecida para prever o futuro (ANEXO 1). Em essência, a técnica se baseia em um processo com repetidas visitas – aos participantes e aos tópicos – acumulando, desta maneira, não somente uma considerável quantidade de dados, mas também desafiando os experts em relação a respostas contraditórias de seus pares. A primeira rodada deste projeto, que recebeu o nome de “Oncologia 2010”, aconteceu em março de 2001 e gerou uma análise preliminar que serviu como base para a segunda rodada. Esta aconteceu em julho-agosto de 2001, com os mesmos experts, aprofundou os mesmos tópicos já avaliados e adicionou alguns novos, desafiando aqueles que estivessem em desacordo com uma ou outra questão. A terceira etapa aconteceu em outubro-novembro de 2001 e revisitou as questões das primeiras etapas em alguns pontos-chave. Alguns resultados, ainda preliminares deste projeto, encontram-se listados abaixo: Embora uma pequena minoria de cânceres (3-5%) seja causada por anomalias genéticas e não dependa de agentes carcinogênicos externos, o painel, como um todo, acredita que os cânceres resultem da interação entre fatores de risco e mutações envolvendo muitos genes. Estas interações respondem pela variabilidade entre os diferentes indivíduos e suas reações a exposições semelhantes a fatores de risco externos. Um exemplo disso é que alguns 51 indivíduos sobrevivem fumando por 40 anos, enquanto outros podem desenvolver um tumor após 10 anos de uso. Com o aumento da expectativa de vida, a exposição a fatores de risco e, conseqüentemente, a probabilidade de interações inevitavelmente aumentará. Portanto, apesar de todos os nossos esforços, a incidência de tumores tende a aumentar em 5% nos próximos 10 anos. Os níveis de incidência de vários tipos de câncer são e continuarão sendo determinados principalmente pelos fatores de risco aos quais as pessoas são expostas, com base em seus respectivos estilos de vida. Um bom exemplo está nos japoneses que, enquanto vivendo no Japão, tem alta taxa de câncer gástrico e baixa de câncer de colo. Mudando para a América e ocidentalizando sua dieta, desenvolvem altas taxas de câncer de colo e menores de câncer de estômago. Em países onde o screening médico é de alta qualidade, haverá uma redução de risco através de melhor diagnóstico e tratamento de lesões pré-cancerosas. Desta maneira, a necessidade de diagnosticar tumores em um estágio mais precoce deve ser vista, atualmente, como uma prioridade. A incidência de câncer de pele dependente do sol se manterá estável na medida em que a queda nas nações já sensibilizadas compensará o aumento em áreas aonde as campanhas de proteção contra o sol ainda não chegaram. Apesar do atual status controverso, a quimioprevenção se desenvolverá como uma limitada, porém promissora, opção em tumores específicos na próxima década. Os agentes COX-2 começarão a se estabelecer como uma classe de drogas para quimioprevenção de câncer coloretal. 52 O crescimento da quimioprevenção será lento e muito dependente da relação risco-benefício. Vitaminas, antioxidantes, finasteride, raloxifeno e os COX-2 demonstrarão, eventualmente, eficácia como quimioprevenção. Apesar de promissora, por várias razões, a quimioprevenção terá um papel questionável em reduzir a incidência de tumores na próxima década. Progressos significantes no entendimento dos genes que estão envolvidos com os mecanismos tumorais nos permitirão, eventualmente, identificar pacientes de risco. Nenhum significante avanço é esperado nos próximos 10 anos com relação à identificação de grupos de risco, com base em seu perfil genético. Quatro tipos de tumor – mama, próstata, pulmão e coloretal – serão as maiores preocupações de saúde pública em 2010. Na busca de diagnóstico precoce, o mais promissor avanço será a disponibilidade de testes não-invasivos para detectar pessoas que têm probabilidade de ter câncer. A quimioterapia permanecerá como o “pilar” do tratamento para tumores sólidos. Como os cânceres ainda não serão diagnosticados suficientemente cedo para levar a intervenções cirúrgicas mais precoces, a quimioterapia não deverá ser afetada. O melhor entendimento dos mecanismos celulares conduzirá ao tratamento mais preciso e com menor dano às células sadias. 53 Formulações orais dos agentes quimioterápicos atuais se tornarão a regra. Pressão será feita sobre o governo americano para alterar sua política de nãoreembolso de agentes anticâncer administrados por via oral. A quimioterapia será muito melhor tolerada, a qualidade de vida e a “compliance” melhorarão, mas não está prevista importante melhora nas taxas de cura dos tumores. O uso de tamoxifeno poderia se alterar acentuadamente, a medida que a detecção dos genes BRCA 1 e 2 se tornar uma rotina. A hormonioterapia eventualmente substituiria a quimioterapia no tratamento dos tumores hormônio-dependentes. Sem dúvida é uma área a se expandir devido a menor incidência de efeitos colaterais. O uso de tamoxifeno, entretanto, não é muito favorecido devido ao aumento de risco de câncer cervical e trombose. A detecção dos genes BRCA 1 e 2 possibilitará aos médicos excluir pacientes não-respondedores ao tamoxifeno, de modo a assegurar sua melhor aplicação. A combinação de drogas se tornará “o modo” de se tratar câncer no futuro. Novos agentes, como as drogas-alvo (targeted therapies), serão usados em combinação com drogas não específicas, mas antigas. Mesmo os mais entusiasmados defensores das drogas-alvo concordam em que a maioria dos cânceres ainda será tratada com compostos tradicionais em 2010. As drogas-alvo têm um conceito atraente. Mas sua especificidade individual restringirá as aplicações clínicas de cada representante desta classe. 54 O Glivec representa o início de uma explosão que resultará em vários novos agentes STI (Signal Transdutional Inhibitor) entrando em fase de pesquisa. Uma preocupação é que companhias farmacêuticas desviem seu foco de pesquisa para os STIs, deixando de investir em melhorias dos quimioterápicos já disponíveis. A inibição da angiogênese – pelo menos na próxima década – continuará a ser cientificamente desafiante, porém clinicamente não-importante. Anticorpos monoclonais serão amplamente úteis em diferentes tumores. Já os policlonais são vistos como desfavoráveis, pois são percebidos como crude quando comparados às drogas-alvo. Os anticorpos policlonais são vistos como desfavorecidos quando comparados às drogas-alvo e tendem a desaparecer. Vacinas: há mais teoria científica do que prática clínica; isto não deve mudar. Melanoma é um dos possíveis casos em que as vacinas podem emergir como efetivo tratamento. Serão descobertas drogas que oferecerão a possibilidade de manter o crescimento do tumor sob controle indefinidamente – algumas delas já podem estar sendo utilizadas. A investigação científico-clínica deve caminhar para o manejo crônico de tumores e células tumorais. A terapêutica crônica anticâncer alterará significativamente os paradigmas de custo dos tratamentos antineoplásicos. 55 A genômica pode eventualmente demonstrar valor na detecção e no tratamento do câncer, mas isto deve demorar mais do que uma década. A farmacogenômica é uma grande esperança, mas não se acredita que alguma mudança drástica ocorrerá logo. Custo já é um fator importante na decisão da prescrição. E isto se acentuará. Ao menos que as novas drogas sejam muito melhores que as já existentes, excelentes argumentos deverão justificar os seus custos e serão um prérequisito para sua adoção. O custo das terapêuticas anticâncer e dos testes diagnósticos aumentará muito rapidamente e isto vai restringir a sua aplicabilidade. O céu não é mais o limite. Já estamos enfrentando restrições ao tratar pacientes quando a droga é muito cara. Os medicamentos orais poderão apresentar vantagens, na medida em que reduzem os custos da hospitalização. Um problema aliado ao aumento do custo dos medicamentos é que eles virão acompanhados de tecnologia, testes diagnósticos, monitorização, etc. mais caros. Testes diagnósticos muito caros se tornarão comuns, apesar de seu custo. Acredita-se que os pagadores reconhecerão o custo-benefício da prevenção. Questões políticas emergirão na medida em que alguns países já apontam restrição orçamentária que pode inclusive atingir áreas tão sensíveis quanto a de medicamentos anticâncer. 56 Os parentes de pacientes cobram informações. Se conhecido que o tratamento está disponível em outras regiões, as pessoas tentarão obtê-lo a qualquer custo. É evidente que o custo será um fator decisivo na escolha do tratamento: os médicos não podem mais ignorar o custo ao tomar uma decisão de prescrição. Na verdade, o custo já inibe a utilização dos produtos mais caros, mesmo em áreas onde estes produtos são aceitos inquestionavelmente como a melhor terapêutica disponível. Neste sentido a Europa está na frente por ser mais custo-resistente do que os Estados Unidos. Os médicos deverão estar cada vez mais preparados para defender e argumentar em favor de uma determinada droga e se o seu uso está, de fato, justificado. Enquanto não se conseguir desenhar drogas objetivamente, em vez de acidentalmente descobri-las, alguém deverá arcar com o seu custo. 6.1.2 Pesquisa Exploratória: Análise de dados secundários externos Se tivéssemos que atribuir uma data de nascimento à era genômica, esta seria 14 de abril de 2003, data de anúncio de conclusão do seqüenciamento do Projeto Genoma Humano. Portanto, não passa de um recém-nascido. Se quisermos ter uma idéia de qual será a evolução deste Projeto nos próximos 50 anos, talvez tivéssemos que compará-lo ao desenvolvimento havido nos últimos 50 anos, desde a descrição da estrutura do DNA. Impossível, entretanto, saber se tal comparação é válida e razoável. E nem tudo são promessas e esperanças. Nos últimos meses, alguma confusão e falta de informação têm causado alguns problemas. Um exemplo pode ilustrar este lado negativo: o caso de pessoas que se submetem a screening para fibrose cística. Diferentes mutações podem acontecer e conduzem a diferentes efeitos e, conseqüentemente, vários fenótipos (GUTTMACHER & COLLINS, 2003). A adequada interpretação destes resultados é fundamental para se entender e 57 explicar ao paciente as implicações clínicas dos achados laboratoriais. Fica claro que resultados destes testes em mãos despreparadas podem causar pânico desnecessariamente. Na verdade, não há razão para se crer que estes problemas sejam inerentes à medicina genômica, pois refletem meramente as dificuldades temporárias de se integrar qualquer nova forma de tecnologia à prática clínica. Recentemente, mais de 600 experts colaboraram para produzir uma visão do futuro da pesquisa genômica e suas aplicações no campo da biologia, da saúde e da sociedade (COLLINS, GREEN, GUTTMACHER e GUYER, 2003). De acordo com esta visão, por exemplo, dentro de uma década ou duas será possível seqüenciar o genoma inteiro de qualquer indivíduo por um custo menor que US$ 1.000! Pode-se imaginar como a pesquisa e os cuidados de saúde podem mudar em decorrência disto. E também quais seriam as conseqüências éticas, legais e sociais que complicariam este cenário. A primeira delas é a discriminação que poderia ocorrer se tais informações caíssem nas mãos de potenciais empregadores ou mesmo de seguradoras. Por outro lado, se a genômica pode beneficiar os pacientes, como deveriam ser regulamentados os testes? Seria adequado fazer propaganda direta aos pacientes nos países onde isto é permitido? E seriam os benefícios da genômica disponibilizados apenas para pessoas dos países desenvolvidos? Traduzir o sucesso do projeto Genoma Humano para avanços médicos reais significa, portanto, intensificar esforços para assegurar que os benefícios aos seres humanos sejam maximizados e os possíveis prejuízos minimizados. Provavelmente, em 2010, a indústria farmacêutica não trabalhará apenas com “pós brancos”, mas sim com uma variedade de produtos e “pacotes” de cuidados de saúde que incluirão testes diagnósticos, fármacos, mecanismos de monitorização e serviços de suporte a pacientes com subtipos específicos de doenças. As empresas que conseguirem disponibilizar tais tratamentos específicos e focados em cada necessidade médica ainda não atendida, certamente trarão maiores lucros a seus acionistas (ARLINGTON, BARNETT e SHU, 2003). A genômica e a proteômica (estudo das proteínas expressas por um tipo de célula ou tecido) estão fornecendo uma infinidade de novos alvos biológicos, mas os cientistas ainda sabem muito 58 pouco sobre quais destes alvos são relevantes ou a quais doenças são associados. Mesmo ainda rodeadas de incertezas as empresas vêm investindo nesta abordagem mais biológica do que química, principalmente em doenças potencialmente fatais. Ao definir as doenças de uma maneira mais específica, torna-se um pouco mais simples validar um alvo e encontrar moléculas que interajam com estes alvos. Além disso, uma vez que estes fármacos ditos “biológicos” são, usualmente, menos tóxicos que as entidades químicas, o risco de desenvolver uma droga que falhe devido a efeitos colaterais é razoavelmente menor. Isto foi evidenciado, recentemente, pela CMR International: os “biológicos” têm uma chance quatro vezes maior de chegar ao mercado, a partir do ponto em que foram primeiramente testados em seres humanos, quando comparados às drogas clássicas (ARLINGTON, BARNETT e SHU, 2003). E as mudanças não param aí. Se as empresas de fato querem produzir o que os pacientes, médicos e pagadores esperam, elas deverão obter maior feedback deles e em um estágio de desenvolvimento muito mais precoce. Um dos resultados será a transição dos atuais estudos de fase III para o que vem se chamando de “in-life testing”. Uma vez concluídos os estudos de fase II, os medicamentos seriam submetidos aos órgãos regulatórios para uma aprovação condicional. Poderiam então ser lançados no mercado mais precocemente, mas obviamente sujeitos a estudos de acompanhamento periódico gerando, conseqüentemente, a necessidade de um relacionamento muito mais próximo com estes órgãos. As empresas deveriam, portanto, estar engajadas em um processo mais contínuo de revisão de seus produtos, facilitando a sua avaliação no assim chamado “real world” e reduzindo uma das críticas comuns aos estudos clínicos, que é a de criarem um mundo artificial para a avaliação dos medicamentos (critérios de inclusão e exclusão de pacientes muito rigorosos, follow-ups mais freqüentes e detalhados que os da prática clínica, etc.). As conseqüências não seriam apenas para os times de P&D. O impacto certamente se sentiria também nas áreas de vendas e marketing. As empresas deveriam criar equipes de vendas menores, focadas, melhor treinadas e capazes de oferecer suporte técnico de qualidade aos médicos. Foi esta a abordagem utilizada pela 59 Novartis para o lançamento de Glivec. Com relação ao preço do produto, a maioria das empresas coloca o seu preço de maneira relativa aos concorrentes; isto talvez não seja mais possível, na medida em que a nova droga passa ser indicada para uma situação extremamente específica e, portanto, sem concorrente. O preço seria colocado com base nos resultados clínicos e, talvez, boa parte do seu valor estaria nos serviços que acompanham o produto. Todas estas mudanças serão conduzidas por um balanço de forças entre as empresas farmacêuticas e seus clientes, isto é, governo, seguradoras, médicos e pacientes. Há alguns anos, boa parte das companhias farmacêuticas negligenciava a importância da biotecnologia. A estratégia era focada principalmente em produtos de menor custo de manufatura (MULLER, FUJIWARA e HERSTATT, 2004). Mais recentemente, entretanto, as grandes empresas do setor passaram a tentar preencher seu pipeline de produtos com aqueles oriundos de empresas menores de biotecnologia. A Roche, multinacional de origem suíça, já possuía uma tradição em biotecnologia e foi uma das primeiras empresas a investir em alianças deste tipo: fez um acordo com a Genentech, que lhe rendeu uma série de produtos inovadores lançados nos últimos anos (Herceptin e Mabthera , por exemplo) e alguns ainda por chegar (Avastin , por exemplo). O Avastin , da Roche, assim como o Genasense , da Aventis, figuram atualmente na lista de drogas experimentais mais promissoras (HERPER & LANGRETH, 2004). Interessante observar como os dados do Genoma Humano têm atraído pesquisadores para o assunto. O tráfico semanal no site do Ensembl (http://www.ensembl.org/), por exemplo, cresceu de 30 a 40 mil impressões em junho de 2000 (quando do anúncio do draft da seqüência) para cerca de 100 mil em fevereiro de 2001 (quando da publicação do draft na revista Nature) e para cerca de 600 mil em abril de 2003. Estados Unidos e Reino Unido são os maiores usuários, mas nações como Brasil, Índia e México figuram entre os 50 primeiros (THE SANGER, 2003). É evidente, portanto, o interesse e a atenção que o tema tem 60 levantado. E o acesso é aberto não apenas aos profissionais de saúde, mas também aos leigos. Deste modo, a interação com o paciente será muito maior. O paciente passa a opinar e perguntar ativamente sobre o seu tratamento, em vez de, passivamente, aguardar a conduta que seu médico lhe recomendará. No caso da Oncologia, esta participação ativa do paciente na escolha do tratamento é mais evidente que em outras especialidades médicas. A doença, usualmente, não é uma doença crônica e, como tal, não permite um longo conhecimento entre o médico e o paciente. As condutas, invariavelmente, são tomadas de maneira urgente, pois não se pode perder tempo. O tratamento é oferecido, a eficácia esperada e os efeitos colaterais associados ao tratamento são descritos ao paciente. E a quimioterapia anticâncer é, sem dúvida, um dos procedimentos terapêuticos com maior índice de toxicidade. Para matar as células cancerosas muitas vezes células normais também são atingidas, levando a efeitos colaterais desagradáveis como, por exemplo, perda de cabelo, diarréia, queda de glóbulos brancos, etc. Geralmente, o médico decide pelo paciente com base no que existe de mais moderno em termos de evidências científicas, mas, às vezes o paciente deve escolher entre duas opções terapêuticas, uma que ofereça maior probabilidade de cura, porém às custas de maior toxicidade, e outra menos tóxica, porém com menor chance de sucesso. E a decisão nunca é fácil. É exatamente o oposto, por exemplo, do que acontece com doentes mentais. É muito mais difícil, nesta situação, utilizar a participação do paciente e, devido à natureza da doença, a opinião do paciente é, na maioria das vezes, excluída do processo de decisão (SMITH & FISCBACHER, 2002). Voltando ao paciente oncológico, a comunicação entre o médico e o paciente é um aspecto fundamental na satisfação deste último, além de vários outros profissionais de saúde que também estão envolvidos no tratamento do paciente (enfermeira, assistente social, psicólogo, etc.). Existe a tendência de os profissionais de saúde assumirem que sabem ou podem deduzir as necessidades e desejos dos pacientes, mas nem sempre isto é verdade. Desta maneira, este trabalho busca avaliar as diferenças de percepção entre o médico, o paciente e o pagador, que na Oncologia é representado geralmente pelo 61 serviço público ou pelos convênios. Para tanto, foram preparados roteiros de entrevista para cada um dos grupos de clientes de um novo medicamento a ser lançado; os resultados destas entrevistas estão listados no item seguinte. 6.2 Pesquisa Exploratória: Resultados dos surveys (roteiros de entrevistas) Foram realizadas 20 entrevistas em profundidade. Conforme já mencionado, os questionários utilizados com cada grupo de clientes eram ligeiramente diferentes, visando obter dados mais pertinentes ou, em outras palavras, buscando a visão de cada um deles pelo seu ângulo de observação. 6.2.1 Ouvindo os “compradores” (médicos líderes de opinião) Ao serem perguntados sobre quais as conseqüências práticas da finalização do seqüenciamento do genoma humano, algumas respostas mencionadas pelos médicos foram: É ainda um processo em desenvolvimento. Milhões de perspectivas podem surgir: é, portanto, um começo e não o fim de um processo. Cautela com as expectativas, pois o organismo humano é diferente de um conjunto de células em cultura. Identificação de drogas novas e alvos novos. Melhor identificação dos defeitos genéticos associados às doenças. 62 As respostas ainda estão por vir, pois não se sabe exatamente quantos destes genes participam das funções celulares. Tratamentos mais especializados. Em curto prazo “é conhecimento pelo conhecimento”, isto é, pouca alteração na prática; já a médio-longo prazo, veremos novos medicamentos surgindo, podendo chegar a uma verdadeira “revolução” em mais ou menos 20 anos. Abre-se um universo de conhecimento específico, que vai nos levar a alvos farmacológicos ou intervenções clínicas antes desconhecidos. Melhor entendimento do comportamento de determinados grupos de pacientes para com determinadas doenças, assim como a suscetibilidade ao tratamento. Possibilidade de cura de doenças transmitidas hereditariamente. Identificação de lócus genético que passaria a fazer parte da rede de identificação de causalidade de doenças crônicas. Desenvolvimento de novos princípios ativos “inteligentes”, com destaque para a área oncológica. Uma das questões pedia a menção de uma palavra, a primeira que lhe viesse à mente, ao se ouvir falar de “medicamentos novos ou farmacogenômica ou targeted therapies”. Algumas repostas obtidas estão listadas abaixo: Evolução. Inovação. Futuro. 63 Não é para agora e sim algo para longo prazo. Provavelmente será utilizada uma combinação de medicamentos (e não como monoterapia). Especificidade. Uso customizado, personalizado. Cura: passaremos do tratamento paliativo para o curativo. Medicamentos individualizados. Câncer. Um jeito de fazer crescer o valor das ações das indústrias farmacêuticas. Uma terceira questão pedia qual seria o fator decisivo na escolha de determinado medicamento, isto é, o que pesa mais na decisão da prescrição de um medicamento. Seguem algumas das respostas coletadas: Possibilidade de cura. Eficácia: taxas de resposta e, principalmente, sobrevida; caso a eficácia seja a mesma, comparativamente com outros fármacos disponíveis, aí entram outros fatores na equação como toxicidade, custo, etc. Eficiência, quantidade e qualidade de vida. Se houver chance de tratamento curativo, obviamente o objetivo é a cura e “aí não interessa o custo, a toxicidade, etc.”. Por outro lado, em caso de 64 tratamento paliativo, o enfoque é outro: a decisão considera aumento de sobrevida, mas também qualidade de vida, toxicidade e custo. Em adjuvância e neo-adjuvância, o que pesa é a eficácia traduzida em sobrevida. Já em doença metastática, o que importa é a qualidade de vida. Evidências científicas (EBM: Evidence-Based Medicine), pois ainda há muito empirismo. Relação eficácia/segurança. Com relação a esta questão, é importante relembrar que o campo da medicina em questão é a Oncologia, na qual muito progresso tem sido feito nos últimos anos e décadas, mas ainda persistem alguns gaps. Muitas vezes, um novo medicamento para tratamento de um determinado tipo de câncer agrega valor por trazer melhores resultados em taxas de resposta do tumor, mas às custas de incremental toxicidade ou mesmo com aceitável perfil de toxicidade, porém sem conseguir demonstrar aumento de sobrevida. E, indubitavelmente, a expectativa de maior tempo de vida prevalece e é o que norteia a busca incessante de novos medicamentos. Ao serem questionados sobre outras drogas recentemente lançadas e/ou em fase de lançamento, ligadas de uma maneira ou de outra aos conceitos em questão, os comentários recebidos dos entrevistados foram: Como a ciência pode avançar sobre dados concretos através do adequado uso da pesquisa na área básica e sua aplicação na prática. Não basta funcionar no laboratório, a doença humana é muito mais complexa. Drogas “inteligentes”, específicas, que podem mudar os paradigmas do tratamento do câncer e a história natural da doença. 65 Exemplos práticos do potencial, mas também da dificuldade que existe em lidar com o desenvolvimento de medicamentos. Causam comoção social por, em algumas situações, lidar com nichos geralmente não abordados (doenças raras, sem dúvida, mas sem tratamento até o momento). Lógicas, bem desenvolvidas. Úteis. Revolução: maior eficácia em doenças de difícil abordagem e com efeitos colaterais controláveis. Importante identificar quem de fato se beneficia com o tratamento (por se tratar de medicamentos específicos, para alvos bem definidos). Relacionado ao item acima: importância e necessidade de crescimento e investimento também na área de diagnóstico, uma vez que, por serem medicamentos específicos, deve ser determinado previamente a quem essa terapêutica pode trazer benefícios. Relação direta com custo, fazendo com que as agências regulatórias sejam mais restritivas no momento da aprovação. Falando especificamente de alguns fármacos: Glivec: “a droga dos sonhos, perfeita”; “maravilhosa, é o sonho do oncologista: eficaz, específica, com baixa toxicidade”; “tão revolucionária que dispensaria campanha promocional”; “dados convincentes”; “transformou uma doença incurável em uma doença crônica”; “doença 66 muito bem caracterizada, foi uma sorte!”; “o lançamento no Brasil foi uma lástima, devido ao fator custo, depois se ajeitou”. Herceptin: “muito bem desenhada, um modelo a ser copiado”; “lógica”; “não se faria sozinha, como o Glivec”; “maravilhosa, infelizmente se aplica a apenas um terço dos casos de câncer de mama”; “importante identificar quem pode se beneficiar com seu uso”; “abordagem científica foi fundamental”; “educação bem feita, marketing muito bom”; “foi passo-apasso garantindo conceitos muito sólidos ao ser introduzida no mercado”. Iressa: “tudo o que não deveria ter sido feito, pré-marketing muito agressivo, desenvolvimento mal pensado”; “aparentemente ótima, mas está decepcionando na prática”; “espectro modesto, não bem definido”. Mabthera: “sucesso”; “educação continuada do médico muito eficiente e simpática”; “abordagem sobre o preço foi polite e hoje o produto está disponível em serviços públicos assim como em clínicas privadas”. Uma das questões mais especificamente voltadas à patologia que o medicamento da Aventis pretende tratar (Melanoma Avançado), perguntava sobre o que se espera de um novo medicamento neste campo. Algumas respostas estão listadas abaixo: Eficácia, eficácia, eficácia... Eficácia, principalmente com aumento de sobrevida. Que chegue logo! Será extremamente bem-vindo. Aumentar a sobrevida sem comprometer muito a qualidade de vida do paciente. 67 Minimizar custo, freqüência de administração e toxicidade; aumentar eficácia, índice de resposta, sobrevida, tempo livre de progressão da doença... Nesta doença, um aumento do tempo livre de progressão já seria excelente, nem precisaria aumentar a sobrevida. Melhorar a sobrevida, só aumentar o índice de resposta não adianta. Algo equivalente ao Glivec.... Com relação à questão acima, a pergunta focava o que o médico esperava de uma nova droga para se tratar Melanoma Avançado; em seguida, foi-lhe perguntado o que, do seu ponto de vista, o paciente esperaria de um novo medicamento neste campo. Seguem as respostas: Cura. Cura, facilidade de administração e baixa toxicidade. Aumento de sobrevida. Eficácia, com toxicidade aceitável. Ao menos transformar a doença incurável em doença crônica. A questão seguinte abordava a glosa dos convênios, isto é, se perguntava ao médico qual sua conduta quando, ao prescrever um medicamento para seu paciente, seu pedido é glosado. As respostas obtidas estão abaixo listadas: Se houver opção terapêutica equivalente, propor nova alternativa. Caso haja evidência científica de que este é, de fato, o melhor tratamento, orientar o paciente a solicitá-lo novamente, com envio de material científico de suporte. 68 Tentar negociar com o convênio através de envio de relatórios científicos que justifiquem a solicitação. Em última hipótese, buscar outra opção terapêutica. Enviar ao convênio compilado de dados da literatura que embasem o pleito. Às vezes, ainda há confusão nos convênios ao exigirem dados de estudos de fase III, randomizados, para doenças raras em que não exista número suficiente de pacientes para que estudos deste tipo sejam realizados. Neste caso, publicações com séries de casos clínicos deveriam ser suficientes. Se for de fato importante e sem outra opção equivalente, acionar o convênio com auxílio de um advogado. Normalmente funciona. Geralmente, quando o medicamento é novo, encaminho ao convênio, juntamente com a prescrição, a evidência científica que dá suporte à escolha e isto tem evitado que volte. Entretanto, não funciona assim com o SUS. O envio de uma justificativa científica usualmente é suficiente comigo. Talvez o prestígio pessoal ajude. Justificativa científica associada a um bom advogado sempre dá certo. O médico não deve ser, entretanto, o “provocador” da situação e sim o paciente. Este tem seus direitos e deve buscá-los a qualquer custo. Uma pergunta, um pouco mais aberta que as anteriores, foi feita no fechamento da entrevista sobre o que seria uma verdadeira inovação em termos de medicamentos. Os dados obtidos estão abaixo enumerados: Maior eficácia com baixa toxicidade e a baixo custo. Maior qualidade de vida, maior chance de cura, baixa toxicidade e preço acessível, nesta ordem de prioridade. 69 Cura. Aumento de sobrevida. Aumento de sobrevida, mas com qualidade de vida. Novas aplicações, como foi o caso do Glivec. Melhor opção de tratamento para uma doença na qual os resultados até então obtidos são “angustiantes”, com prolongamento da sobrevida, bom índice terapêutico (relação eficácia/segurança) e, se possível, por via oral. 6.2.2 Ouvindo a ANVISA No caso das entrevistas realizadas com pessoas da área técnica da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), optou-se por inserir as respostas a perguntas que fossem iguais àquelas feitas aos médicos prescritores na avaliação anteriormente apresentada (item 6.2.1). Deste modo, serão apresentadas aqui apenas questões que se refiram exclusivamente ao trabalho realizado pela ANVISA, no tocante à aprovação de novos medicamentos em nosso país. Uma destas perguntas questionava o que mais pesa na decisão da ANVISA ao aprovar um novo medicamento no país. Seguem as respostas: Relação risco-eficácia proveniente de um estudo clínico randomizado duplocego; caso não haja diferença significativa em relação aos medicamentos já disponíveis deve haver obrigatoriamente outros benefícios. Evidências conclusivas sobre a eficácia e segurança do medicamento constituem a primeira avaliação realizada pela ANVISA, através da Gerência 70 de Medicamentos Novos, Pesquisa e Ensaios Clínicos (GEPEC). É desejável que existam ensaios de fase III que utilizem desfechos considerados hard (isto é, sobrevida, por exemplo) e/ou qualidade de vida, dependendo do caso, em contraposição aos chamados “intermediários” (tempo para progressão da doença, taxa de resposta). O preço que o produto terá no mercado é também, hoje em dia, da alçada da ANVISA, embora seja de outra gerência (Gerência Geral de Mercado); a ANVISA deve, portanto, autorizar e concordar com o preço proposto pela empresa. Outra questão específica para os membros da ANVISA foi relacionada ao critério atualmente utilizado para que o Ministério da Saúde disponibilize um novo medicamento para a população. A resposta obtida foi mais um esclarecimento do que descrição de critérios: Em nível federal, a definição de critérios é da alçada do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde e não da ANVISA. Em nível estadual, isto está a cargo das Secretarias de Saúde Estaduais e nos municípios das Secretarias de Saúde Municipais. Desta maneira, também os estados e municípios disponibilizam medicamentos, sendo que cada nível e cada equipe têm seus critérios. Foi-lhes perguntado, em seguida, o que as empresas poderiam fazer para colaborar com a ANVISA neste processo de introdução de novos medicamentos. As declarações foram as seguintes: A submissão do “pacote” de registro deve incluir evidências bem substanciadas do ponto de vista científico, no que tange à eficácia e segurança do novo medicamento. 71 É desejável que as indicações do novo medicamento e o grupo de pacientes que dele se beneficiariam estejam claramente definidos, embora isso talvez não fosse do interesse das empresas farmacêuticas. Em termos de facilitar a entrada no mercado, as empresas deveriam reivindicar preços proporcionais aos do mercado internacional, levando-se em conta o impacto que tal registro traria para o SUS. As empresas deveriam introduzir medicamentos com custo cada vez mais baixo, para garantir o acesso à maioria da população e não onerar os cofres públicos. 6.2.3 Ouvindo os “pagadores” Foram ouvidas pessoas ligadas à administração de convênios “clássicos”, assim como administradores de planos de saúde para empresas, nos quais o enfoque é um pouco diferente. No primeiro caso, o segurado compra um plano de seguro e paga por ele mensalmente, independente de quanto o utiliza. No segundo caso, efetuado apenas por empresas, o custo é definido posteriormente e o risco é totalmente da empresa, de modo que o valor a ser pago no final de cada período dependerá de quanto os funcionários utilizaram o plano naquele período. Com relação à questão sobre as conseqüências práticas da finalização do seqüenciamento do genoma humano, algumas respostas obtidas podem ser observadas abaixo: Ainda não se tem noção exata do que ocorrerá, mas toda essa nova tecnologia, a princípio, viria encarecer o plano. A primeira coisa que se faz em situações como essa é excluir o benefício do plano, até que se tenha noção exata da sua utilidade e aplicabilidade. 72 As novidades relacionadas ao genoma devem trazer oportunidades de evolução; o problema estará nas mãos de quem detiver as decisões e o controle. O convênio pode recusar-se a aceitar certos pacientes. Menor toxicidade graças a maior especificidade. A questão seguinte abordava o que mais pesa na decisão de se incluir ou não um novo medicamento na cobertura do plano de saúde. As respostas encontram-se abaixo: Custo, uma vez que na maioria dos casos, a visão não é de um médico e sim de um administrador. Custo adequado, isto é, deve-se buscar o melhor tratamento possível, o mais rapidamente possível com um custo “adequado”. A decisão depende basicamente do que estiver no contrato; desde a publicação da Lei 9656, tornou-se obrigatório incluir no contrato que só os tratamentos experimentais, os não aprovados no país e os de uso domiciliar (geralmente por via oral) não têm cobertura do plano de saúde. Mesmo produtos não aprovados para uma determinada indicação, mas já disponíveis no país, podem ter o acesso disponibilizado, apenas com base em evidências científicas adequadas. Quais os critérios utilizados para se recusar o pagamento de um medicamento (glosa), foi a pergunta seguinte. Os pontos mencionados encontram-se listados em seguida. O médico auditor fazia algumas “bobagens” no passado. A partir da definição de regras pela Agência Nacional de Saúde, há alguns anos, a cobertura é determinada pela lei: uma vez registrado o produto em nosso país, o convênio é obrigado a pagá-lo, desde que o paciente esteja internado ou, em caso de 73 quimioterapia, durante todo o tratamento (esquema utilizado nos hospitais-dia, por exemplo, nos quais o paciente vai até o hospital apenas para receber a medicação e pode voltar para casa no mesmo dia). Tecnicamente, tudo está definido na apólice que o segurado comprou. O fato é que, geralmente, o segurado não sabe o que está incluído ou não. Há diferenças entre medicamentos nacionais e importados, uso hospitalar ou ambulatorial, uso intravenoso ou por via oral, etc. Por vezes, para receber um medicamento por via oral, geralmente não coberto pelos planos, o médico acaba internando o paciente e o custo total acaba ficando maior. A recusa e/ou aprovação são essencialmente contratuais. Ao serem perguntados por medicamentos específicos, eles não os conheciam ou não tinham experiência suficiente para comentar, pois preferem responder mais por atividades administrativas a médicas propriamente. Com relação a qual cobertura é atualmente dada a pacientes com melanoma, as respostas obtidas foram: Pagamento integral (mesmo que caro), mas desde que internado. Não sabem detalhes sobre uma ou outra doença, mas lembram-se de casos semelhantes em que a decisão médica foi cobrir tudo (às vezes até para evitar problemas com o CRM – Conselho Regional de Medicina). O pagamento é feito de acordo com o fármaco solicitado (DTIC, interferon etc.), sendo utilizado, em geral, o valor do Brasíndice, com um desconto de 10 a 15%. Relembram que hoje uma grande arma é o Código de Defesa do Consumidor, que está sempre ao lado do paciente e do médico. 74 6.2.4 Ouvindo os usuários finais (pacientes) e/ou seus representantes Foram ouvidas, como representantes do grupo de usuários finais, pessoas diretamente envolvidas com pacientes, seja por parentesco próximo ou pela atividade que exercem junto a estes pacientes. Uma associação de pacientes e amigos de pacientes, localizada no sul do país, nos forneceu a maior parte das respostas que aqui serão sumarizadas. A primeira pergunta feita a eles foi: ao se submeter a um tratamento para câncer, o que se espera deste medicamento ou tratamento? As respostas obtidas estão sumarizadas a seguir: Cura, mas principalmente, que não cause dor nem efeitos colaterais agressivos. Que seja eficaz e sem contra-indicações. Cura rápida, com menos efeitos colaterais e sem sofrimento. Que lhe dê segurança e saúde novamente. O grande medo é o câncer retornar. Garantir a vida. O medo e a mistificação de que o câncer é uma sentença de morte faz com que o paciente queira, num primeiro momento, viver. Vencida a barreira do medo entre a vida e a morte, espera-se não ficar com seqüelas, primeiramente físicas e depois psicológicas. Alívio e garantia de que o câncer não voltará e o mínimo de efeitos colaterais (se possível nenhum, o que é muito difícil). Que acabe imediatamente com o tumor e que isto seja visível. 75 A segunda pergunta abordava a questão da glosa do convênio: qual a sua atitude se o convênio se recusar a pagar o tratamento recomendado pelo seu médico? As seguintes respostas foram coletadas: Solicito outra alternativa ao médico. Caso não exista outra opção, procuro meus direitos junto ao convênio, que deve estar preparado para qualquer tipo de tratamento que o paciente necessite. Peço ao médico um medicamento similar que seja coberto pelo convênio, desde que tenha a mesma eficiência. Caso contrário eu compraria o medicamento. Os pacientes são orientados a procurar seus direitos junto aos convênios ou ao SUS. Se tivesse condições de comprá-lo, eu o faria. Dependendo da emergência, da necessidade de uso do medicamento e da minha realidade financeira no momento, acho que perderia a cabeça e talvez fosse à mídia denunciar. Sem dúvida, buscarei meus direitos. Procuro o médico e peço um medicamento substituto coberto pelo convênio. Se não existir, vou comprar o remédio que me curará. Verificar junto aos órgãos competentes a ação do convênio. Foi-lhes perguntado, em seguida, quais são suas maiores preocupações, quando o médico lhes explica o tratamento a que se submeterão. As respostas ouvidas foram: Que cure o mal sem desencadear outros. 76 Sofrer no percurso do tratamento, perder cabelo, a memória ou outro dano ao cérebro. São várias as preocupações: eficácia, efeitos colaterais, custo. Mas a preocupação maior é se o medicamento é eficaz. Efeitos colaterais provocados pelo medicamento. Sem dúvida, minha maior angustia seria o fato de o tratamento acarretar efeitos colaterais agressivos e de não ter condições de pagá-lo. Efeitos colaterais, em quanto tempo vou melhorar e se ele irá me curar total e definitivamente. Auto-estima: como este medicamento vai atuar no meu organismo e que efeitos colaterais terei. A última questão perguntava sobre o que seria, na sua opinião, um medicamento ideal. Seguem as respostas coletadas: Em primeiro lugar que curasse a minha enfermidade e, em segundo, que não tivesse muitos efeitos colaterais. Aquele que não tivesse muitos efeitos colaterais, pois o relato dos pacientes é de que o sofrimento corporal é muito grande. Mesmo sabendo que os medicamentos vão ajudá-los, o sofrimento com a quimioterapia é imenso. Aquele que funciona em curto prazo e não apresente uma gama de contraindicações. Um medicamento que ajudasse na minha sobrevida, que me permitisse o mínimo de qualidade de vida com um preço acessível, pois não adianta o 77 médico me dizer que os medicamentos são fundamentais se eu não tiver a menor condição de pagá-los. Um medicamento eficiente e que não cause efeitos colaterais e dor. Aquele que não tem efeitos colaterais, curto período de tratamento, com cura rápida, preço acessível e que seja indicado para uma doença específica, pois alguns medicamentos são indicados para tantas coisas que chego a desconfiar. Que não tivesse tantos efeitos colaterais e proporcionasse uma pronta recuperação. 6.3 Discussão Uma transação de mercado requer pelo menos três papéis desempenhados pelos clientes: comprar (selecionar um produto), pagar por ele e usá-lo ou consumi-lo. Assim, o cliente pode ser um comprador, um pagante (ou pagador) ou um usuário, respectivamente. Quando o comprador, o usuário e o pagador são diferentes, os profissionais de marketing devem personalizar suas estratégias de produtos e serviços. Assim, o profissional de marketing precisa utilizar uma estratégia de puxar quando quer divulgar seu produto para o usuário final, induzindo-o a pedir ao comprador que adquira o produto oferecido. Já com uma estratégia de empurrar, ele vai atrair os compradores e induzi-los a comprar o produto e depois fazer a sua divulgação junto aos usuários (SHETH, MITTAL e NEWMAN, 2001). Por exemplo, quando uma indústria farmacêutica divulga seus produtos diretamente para os usuários, está se baseando em estratégia de puxar para criar uma preferência por seus produtos entre os consumidores que irão, conseqüentemente, buscá-lo na farmácia. Quando esta mesma empresa quer atingir os proprietários de drogarias, que irão comprar o produto e recomendá-lo ao consumidor, pode utilizar uma estratégia de empurrar. Esta mesma estratégia é utilizada tendo em vista o pagador 78 (governo, corporações, seguradoras) e o comprador (médicos e hospitais), no caso de remédios vendidos com prescrição médica, em que a escolha não está nas mãos do paciente. A decisão quanto a utilizar uma estratégia de puxar, de empurrar ou ambas depende de quem é a pessoa que toma as decisões. Se for o usuário quem decide, é necessária uma estratégia de puxar; se um comprador é quem decide, a estratégia de empurrar está indicada; se ambos tomam a decisão, ou seja, ambos têm influência na compra, ambas as estratégias são desejáveis. Para alguns produtos os papéis de tomada de decisão mudam, e o setor de serviços médicos é um exemplo; nos últimos anos essa tomada de decisão vem passando do médico para o paciente. No passado, quando um paciente precisava de um hospital, ele confiava inteiramente na escolha de seu médico. Atualmente, embora os médicos ainda exerçam influência sobre a escolha, os pacientes estão desempenhando um papel mais ativo na relação com seu médico. Cada vez mais hospitais divulgam suas instalações e serviços diretamente para os clientes, isto é, os pacientes em potencial. E, sem dúvida, a estratégia de empurrar, que apóia e motiva os médicos, continua simultaneamente (SHETH, MITTAL e NEWMAN, 2001). É importante reconhecer o valor de cada um dos papéis dos clientes na identificação e satisfação de suas necessidades e desejos. Ignorar um deles pode significar perder o cliente. Inicialmente, o papel do usuário é importante no próprio projeto do produto: as características do produto devem ser as que o usuário está buscando e que irão satisfazer da melhor maneira possível suas necessidades ou desejos. Entretanto, os outros dois papéis também são importantes: o do pagador, por exemplo. Caso o preço ou outras características não satisfaça o pagador, o usuário e o comprador não poderão tê-lo, pois sem o pagador, nenhuma venda se concretizará. Este papel foi por muito tempo ignorado na literatura, mas está sendo cada vez mais reconhecido nas práticas de marketing. Como conseqüência, os recursos financeiros do pagador restringem as transações de mercado como nenhum outro fator. Finalmente, o papel do comprador: sua tarefa é encontrar a mercadoria e um modo de pedir ou adquiri-la. Se o acesso ao comprador, no nosso 79 caso, o médico, for restringido, ele simplesmente não irá “comprá-lo”, isto é, não prescreverá o produto e o usuário final não terá o produto disponível para uso. É fundamental, portanto, fazer a notícia do novo medicamento chegar ao médico, com detalhes, para que ele possa “comprar” a idéia e passar a prescrevê-lo a seus pacientes. A empresa ou, mais especificamente, seus profissionais de marketing devem facilitar a tarefa do comprador, tornando-o conveniente e acessível. Tentando, ainda, entender o que move o consumidor, verifica-se que ele age racionalmente: busca maximizar sua satisfação, isto é, considerando um conjunto de dados de produtos, ele adquirirá uma combinação que se traduza por um máximo de utilidade total. Os preços dos produtos e a renda são as duas limitações à maximização da função da utilidade total: os preços como obstáculo e a renda como restrição. A realização de um nível mais alto de satisfação do consumidor, mantidos os preços, só será possível se a renda aumentar (ROSSETTI, 2002). Entretanto, os consumidores têm propensões e hábitos que não são definidos apenas por uma função individual de utilidade total, imutável no tempo. As preferências individuais são fortemente condicionadas pela sociedade a cada qual pertencem e, mais ainda, pelo comportamento de seus grupos de referência (VEBLEN, 1973). São fatores extra-econômicos que exercem uma influência não desprezível sobre o comportamento do consumidor. E as empresas os conhecem bem. E o processo de comunicação publicitária, por elas utilizado, fundamenta-se, em grande parte, nestes fatores. Quando se colocam em jogo variáveis como saúde, sofrimento e até risco de vida, estes fatores extra-econômicos adquirem ainda maior importância. É o caso dos medicamentos para tratamento de tumores e, especificamente, alguns tipos de câncer, em que os resultados até hoje obtidos ainda estão, infelizmente, muito aquém do satisfatório. O medicamento que justificou a realização deste trabalho é um bom exemplo disto: Genasense está indicado para o tratamento de melanoma maligno avançado, uma doença muito grave, com altos índices de morbidade e mortalidade. Buscando compreender os fatores que influenciam e interagem neste 80 cenário, foi realizado um levantamento da literatura, seguido por uma pesquisa exploratória que incluiu a análise de dados secundários internos e externos, além de uma seqüência de entrevistas em profundidade. Dificilmente uma operação ou um produto consegue ter desempenho excepcional em todos os aspectos ao mesmo tempo, e isto é especialmente verdadeiro quando as necessidades e desejos dos vários clientes envolvidos não são obrigatoriamente os mesmos. Isto é conhecido como o “paradigma dos trade-offs”, ou o paradigma dos “dilemas”: em determinadas situações é necessário, portanto, escolher poucos aspectos de desempenho a focalizar, pois para se obter um bom desempenho em um deles pode ser necessário abrir mão do desempenho em outros critérios (CORRÊA & CAON, 2002). A analogia com o projeto de aviões pode ser um bom exemplo: ou se quer um avião muito veloz (supersônico) ou capaz de pousar em uma pista de apenas 500m de extensão; ou se deseja agilidade e rapidez, como nos caças de combate, ou se opta pelo conforto dos passageiros. Não é possível, evidentemente, ter todos os objetivos de desempenho máximo num só avião, de modo que a opção por um ou alguns deles é obrigatória (SKINNER, 1974). Adicionalmente, ao lidar com diversos tipos de clientes, a empresa ou o prestador de serviço deve estar preparado para executar certos movimentos, os quais podem transformar os clientes em aliados ou parceiros. Dependendo do tipo de cliente, uma ou outra ação pode estar indicada: comunicação, aconselhamento ou envolvimento, conforme a matriz que correlaciona atitude do cliente (positiva ou negativa) e grau de atividade do cliente (ativo e passivo) (Figura 7). A comunicação estaria indicada para transformar uma atividade passiva em ativa, o envolvimento para transformar uma atitude negativa em positiva e o aconselhamento tentaria realizar as duas ações conjuntamente (JOHNSTON & CLARK, 2002). 81 Comunicação Positiva Aconselhamento Envolvimento Atitude Negativa Passiva Ativa Atividade Figura 7: Criando aliados e campeões (Adaptado de Johnston e Clark, 2002) Fig. 7: Criando aliados e campeões. (Fonte: Adaptado de JOHNSTON & CLARK, 2002) Um bom guia para direcionar os movimentos que se fazem necessários pode ser conseguido através do benchmarking. O benchmarking, como se conhece hoje, foi desenvolvido e popularizado pela Xerox: um membro da equipe de logística, Robert Camp, iniciou nos anos 70 a utilização de uma lógica, inicialmente chamada por eles de “benchmarking competitivo”, na qual se buscava aprender com os novos concorrentes, que vinham apresentando desempenho superior (CORRÊA & CAON, 2002). Apesar de tratar-se de uma ferramenta útil, logo se percebeu que apresentava algumas desvantagens claras: o acesso era muito difícil, pois os concorrentes em geral relutam em compartilhar práticas e informações, com medo de deixar escapar alguma fonte de vantagem competitiva; além disso, o máximo que a empresa logrará é igualar a concorrência, mas não superá-la. 82 Hoje o benchmarking é visto como uma ferramenta muito mais ampla, podendo ser completado com outras abordagens: o benchmarking interno e o funcional, além do tradicional benchmarking competitivo. No benchmarking interno, o espírito é garantir que a empresa não aja como um conjunto de operações independentes, mas efetivamente como uma corporação, isto é, pretende-se evitar que boas práticas de uma operação ou de um outro produto fiquem a ela restritas. Neste sentido, a Aventis pode e vai utilizar alguns conceitos e aprendizados já consolidados com outros produtos, mais especificamente com outros medicamentos da mesma linha oncológica, como é o caso do Taxotere. Líderes de opinião e speakers já conhecidos e habituados a trabalhar com o Taxotere e com suas equipes de marketing e vendas certamente serão convidados a participar dos projetos envolvendo o novo produto Genasense. O benchmarking competitivo, conforme já mencionado, é a prática de continuamente comparar-se com o desempenho da concorrência e tentar melhorar com base nesta comparação. Pensando nesta abordagem, buscou-se na literatura comentários e resultados obtidos com outros produtos semelhantes, além de incluir questões no roteiro de entrevistas que obrigatoriamente levassem os entrevistados a dar suas opiniões e comentários sobre tais produtos. De uma certa forma, as informações competitivas foram coletadas sem acessar diretamente os concorrentes, evitandose, assim, as desvantagens acima mencionadas quando este tipo de benchmarking for utilizado (dificuldade de acesso por receio de compartilhamento de práticas e informações). Uma das formas mais úteis de benchmarking, embora bastante subutilizada pelas empresas, o benchmarking funcional, baseia-se no princípio de que, se a empresa pretende superar mais que igualar o desempenho da concorrência, a fonte de informações para aprendizado não pode ser exclusivamente a concorrência, mas alguém fora do setor, portanto, um não-concorrente (CORRÊA & CAON, 2002). A idéia geral do benchmarking funcional é identificar o(s) melhor(es) não no setor, mas no mundo, nesta função específica que se quer aperfeiçoar; no nosso caso, o processo de lançamento de um produto inovador. Uma vantagem evidente é que, 83 não sendo concorrentes, em geral o acesso fica mais fácil. Neste aspecto, este projeto levantou, como benchmarking funcional, dois exemplos: o caso dos alimentos transgênicos e o da AOL, ambos descritos no capítulo de revisão da literatura. É de fato interessante como se pode aprender com este tipo de estratégia. Embora a segurança dos alimentos modificados geneticamente esteja assegurada por renomados laboratórios, algumas dúvidas ainda persistem. A ingestão do grão transgênico pode provocar mais alergias do que o natural? Como ter certeza que não há relação de causa e efeito entre os transgênicos e o câncer? Qual o risco de uma semente transgênica, em fase de teste, ser roubada do laboratório e contaminar a natureza? A ingestão de alimentos geneticamente modificados não pode alterar a cadeia de DNA do próprio homem? Estes são apenas alguns exemplos. O ser humano tem a tendência de preferir o conhecido em vez de enfrentar uma novidade sem o devido suporte e conhecimento. A história mostra que os protestos costumam ser mais fortes quando se suspeita que algo possa colocar em risco a segurança da família (BRASIL, 2003). No fim do século XIX, as pessoas se manifestaram contra a pasteurização, que livra o leite de micróbios e bactérias. Nas décadas de 1940 e 50, registraram-se, nos Estados Unidos, protestos contra a fluoretação da água, embora a medida seja considerada a maior arma conhecida no combate às cáries. O novo, enfim, incomoda em todas as esferas do conhecimento, nas artes plásticas, na política, na economia, no campo dos costumes e, evidentemente, na ciência; é principalmente nesta última área que o homem expõe de maneira mais explícita sua insegurança. Ainda utilizando-se o exemplo dos transgênicos, no final dos anos 90, os agricultores americanos foram encorajados a plantar variedades geneticamente modificadas e as grandes empresas de produtos alimentícios usavam-nas como ingredientes. Enquanto isso, na Europa, protestos de consumidores e críticas de cientistas ainda não convencidos da segurança dos alimentos modificados tomavam a cena. A agroindústria não deu atenção suficiente a essas preocupações, nem tomou providências adequadas para tranqüilizar o mercado. O problema cresceu e explodiu 84 na Europa, onde os países passaram a impor leis regulamentando as informações contidas nas embalagens, e os varejistas e produtores de alimentos foram forçados a retirar do mercado os produtos com ingredientes geneticamente modificados. A situação repercutiu nos Estados Unidos, ganhou espaço na mídia e levantou uma série de preocupações em um país que, em geral, era mais receptivo às inovações agrícolas. A lição que fica para os fornecedores de tecnologia de ponta é de perceber o grau de insegurança que os consumidores experimentam a respeito de qualquer inovação. É necessário realizar um esforço para provar a segurança dessas tecnologias e, provavelmente, a intensidade da prova terá de ser maior para os clientes do que para as autoridades governamentais (PARASURAMAN & COLBY, 2002). E como deve ser feito este esforço? Características e mensagens tranqüilizadoras podem ser utilizadas pelos profissionais de marketing para “acalmar” os clientes. E estas mensagens devem ser usadas continuamente, buscando reforçar os eventuais pontos que possam deixar qualquer possibilidade de insegurança. O cliente tem que estar seguro que tudo está correndo normalmente, dentro do previsto, isto é, que o processo está funcionando de forma confiável. O conceito de feedback tranqüilizador é utilizado em várias tecnologias nas quais a insegurança do cliente é levada a sério, reconhecendo que os consumidores menos dispostos para tecnologia só passarão a utilizá-la depois de seguros de que ela de fato cumpriu sua promessa. Uma marca sólida é outra forma de garantia, um sinal de que o consumidor confia em uma compra isenta de risco. Pode-se criar uma marca forte a partir do zero ou promover um nome já existente; existem prós e contras para ambas as opções. A opção final para o profissional de marketing é oferecer uma sólida garantia. Garantias que protejam o consumidor de riscos ajudam em qualquer oferta baseada em tecnologia, mas se tornam essenciais se a marca é nova ou desconhecida (PARASURAMAN & COLBY, 2002). Não é simples passar estes conceitos para a área de medicamentos. Este tema será retomado mais adiante, na Análise de Resultados. 85 No passado os concorrentes eram inimigos. Na nova economia, impera a necessidade de o gestor considerar modalidades de co-opetition, um neologismo que poderia ser traduzido como co-opetição (CORRÊA & CAON, 2002). Seria um misto de competição e cooperação, no qual os concorrentes deixam de ser simplesmente inimigos para também cooperar naquilo que não seja essencial para a concorrência. Na área de medicamentos, um fato que exemplifica esta situação é a parceria entre uma empresa que produz um determinado medicamento com outra que fornece o kit diagnóstico para aquela doença. Este é, na verdade, um exemplo muito próximo do tema deste projeto, uma vez que este tipo de parceria é usualmente buscado quando do lançamento de produtos voltados para focos específicos (drogas-alvo). A Roche, quando do lançamento de Herceptin, trabalhou juntamente com laboratórios que forneciam o kit diagnóstico para a adequada identificação do paciente que se encaixaria no novo tratamento. Esta abordagem foi um dos aspectos mais elogiados pelos líderes de opinião em nosso roteiro de entrevistas, quando lhes foi perguntado sobre recentes lançamentos. Outro exemplo é o co-patrocínio de revistas de educação continuada, inclusive dirigidas a pacientes. No final de 2003, por exemplo, presenciamos o lançamento da revista Essencial, cujas corporações fundadoras foram os laboratórios Roche e Pfizer. 6.4 Análise final dos resultados Conforme comentado anteriormente, quando se lida com medicamentos os papéis de usuário, comprador e pagador são representados por pessoas diferentes gerando, conseqüentemente, a necessidade de abordagens diferentes para cada um deles. Com esta necessidade em mente, este projeto foi desenvolvido com o objetivo primário de gerar um modelo de perfil do cliente para cada um dos papéis assumidos no lançamento de um novo medicamento. Mais especificamente, como trabalhar com os diferentes papéis ocupados pelos clientes (usuário, comprador e pagador) no lançamento de um novo medicamento na era pós-genoma. 86 O detalhamento do projeto teve, como um de seus fundamentos, a hierarquia de necessidades de Maslow. No caso de medicamentos, as necessidades fisiológicas e também as de segurança são muito acentuadas, quando se pensa no cliente como usuário (paciente). Não obrigatoriamente são as mesmas necessidades para o cliente “comprador”, tampouco para o cliente “pagador”. Tentando, portanto, fazer a distinção entre as necessidades e percepções de cada um desses clientes, foram estabelecidos os objetivos intermediários, a saber: (i) Identificar quais são as preferências de produto, as percepções de valor do novo medicamento e dos medicamentos alternativos pelo usuário (paciente); (ii) Avaliar os fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos que exercem o papel de comprador nesta situação e (iii) Definir quais os fatores influenciadores na decisão e autorização de pagamento de novos medicamentos, geralmente mais caros que os então disponíveis, pelos pagadores no setor de saúde (governo e/ou convênios e/ou paciente). Os desejos do paciente não são obrigatoriamente os mesmos do médico ou do pagador. E isto ficou muito claro em nossa pesquisa, principalmente, durante as entrevistas em profundidade. A conseqüência é, evidentemente, uma grande dificuldade em satisfazer a todos. As entrevistas em profundidade realizadas com os médicos revelaram, de uma maneira geral, a busca da cura, de maior eficácia, principalmente se a doença ainda está em fase onde a cura é possível. Neste caso, não interessa o custo, a toxicidade, etc. Por outro lado, em caso de tratamento paliativo, isto é, quando não há mais chance de cura, o enfoque é outro: a decisão também considera aumento de sobrevida, mas há um grande enfoque na qualidade de vida, na toxicidade e no custo. Com relação às novas descobertas no campo do genoma e das assim chamadas drogas-alvo, há uma certa euforia, porém contida num período de tempo de cerca de 10 anos em média. A ligação feita é com inovação, evolução, mas também com futuro. Além disso, fica clara a necessidade de comprovação científica de eficácia no 87 ser humano, pois “não basta funcionar no laboratório, uma vez que a doença humana é muito mais complexa”. Ficou evidenciada também a necessidade de crescimento e investimento também na área de diagnóstico, uma vez que, por serem medicamentos específicos, deve ser determinado previamente a quem essa terapêutica pode trazer benefícios. Obviamente, com tantos investimentos e inovações, tanto no campo terapêutico como no diagnóstico, uma relação direta com custo se torna presente, fazendo com que as agências regulatórias sejam mais restritivas no momento da aprovação. SIMON & KOTLER (2004), em obra recentemente lançada sobre a construção das biomarcas, mencionam alguns destes aspectos, como, por exemplo, que as terapias orientadas ao paciente serão predominantes em áreas como a oncologia, nas quais menos da metade dos pacientes responde aos medicamentos atuais. Entretanto, segundo eles, isto pode não ocorrer até o final da década, devido a uma série de fatores: custos ainda muito elevados, não disponibilidade de infra-estrutura necessária para avaliações farmacogenômicas pelos órgãos de regulamentação, as empresas farmacêuticas ainda temem que a genotipagem reduza seus mercados, os médicos necessitam de treinamento para diagnósticos e terapias moleculares e, finalmente, os consumidores precisam de proteção legal contra a discriminação de seguradoras e empregadores antes de aceitar testes genéticos de rotina. Em um cenário de diagnóstico preciso associado a tratamento específico, o caso do medicamento Herceptin, da Roche, foi citado como exemplo a ser seguido. Infelizmente se aplica a apenas um terço dos casos de câncer de mama, mas é possível saber quem são essas pacientes, através de um kit diagnóstico, desenvolvido paralelamente ao fármaco, por meio de uma parceria com a empresa de diagnósticos Dako, e que garantiu uma abordagem científica bem fundamentada. A educação médica desenvolvida pelo laboratório foi muito elogiada e garantiu conceitos muito sólidos quando dão lançamento no mercado. Em termos de negócio, a ligação entre diagnóstico e terapêutica é razoavelmente recente, e vem aproximando duas áreas que até então ocupavam diferentes universos (ALLARY, 2003). 88 Quando a questão se voltou para o caso dos melanomas, altamente malignos e intratáveis, um consenso não foi obtido: alguns julgaram que, nesta doença, um aumento do tempo livre de progressão da doença já seria excelente, “nem precisaria aumentar a sobrevida”. Outros já consideram essencial a melhora da sobrevida, de modo que só aumentar o índice de resposta não adiantaria. Uma comparação inevitável com o Glivec foi feita, quando se falou em “ao menos transformar a doença incurável em doença crônica”. Ao serem questionados sobre a glosa dos convênios, foram praticamente unânimes na resposta: havendo opção terapêutica equivalente, uma nova alternativa pode ser proposta. Entretanto, caso haja evidência científica de que este é, de fato, o melhor tratamento, deve-se orientar o paciente a solicitá-lo novamente, com envio de material científico de suporte. Um “bom advogado” também foi mencionado como adjuvante e, aparentemente, o Código de Defesa do Consumidor vem atuando intensamente em favor do paciente. Foi mencionado também que, muitas vezes, é mais frutífero já enviar a documentação científica que dá suporte ao tratamento solicitado, evitando assim o vai e vem do paciente e o retardo no tratamento. Neste sentido, é muito bem visto, quando o laboratório detentor do produto disponibiliza a informação científica necessária, facilitando o trabalho do médico. Passando para a análise das entrevistas com os representantes dos órgãos governamentais, ficou claro que o que mais pesa na decisão da ANVISA ao aprovar um novo medicamento no país é a existência de evidências conclusivas sobre a eficácia e segurança do medicamento, com um favorável balanço da relação riscoeficácia. Quanto aos critérios atualmente utilizados para que o Ministério da Saúde disponibilize um novo medicamento para a população, a resposta obtida deixou claro que há uma descentralização da decisão: em nível federal, a definição de critérios é da alçada do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde e não da ANVISA. Em nível estadual, isto está a cargo das Secretarias de Saúde Estaduais e nos municípios das Secretarias de Saúde Municipais. Desta maneira, também os estados e municípios disponibilizam medicamentos, sendo que cada nível e cada equipe têm seus critérios. 89 Foi-lhes perguntado também, o que as empresas poderiam fazer para colaborar com a ANVISA neste processo de introdução de novos medicamentos. Mais uma vez, a necessidade de evidências bem substanciadas do ponto de vista científico, no que tange à eficácia e segurança do novo medicamento, foi citada como essencial. O assim chamado “Marketing baseado em evidências” aparentemente veio para ficar, tomando o lugar do “Marketing baseado em experiência”, fazendo, portanto, com que a prática médica se oriente cada vez mais pelas evidências científicas (SIMON & KOTLER, 2004). Além disso, a definição de que grupo de pacientes se beneficiaria com o novo medicamento é primordial. O exemplo positivo mencionado neste caso foi o Glivec e o negativo, o Iressa. A estratégia do mercado de massa começa a ser questionada pelo novo paradigma da medicina personalizada. Outro ponto citado foi relativo ao preço: as empresas deveriam reivindicar preços proporcionais aos do mercado internacional, mas também levando em conta o impacto que tal registro traria para o SUS, de modo a tentar garantir o acesso à maioria da população. Na análise das respostas dos pagadores, vale mencionar, por exemplo, que, segundo eles, o que mais pesa na decisão de se incluir ou não um novo medicamento na cobertura do plano de saúde é o custo, uma vez que na maioria dos casos, a visão – e, muitas vezes, a decisão - não é de um médico e sim de um administrador. Entretanto, a decisão depende do que estiver no contrato e, desde a publicação da Lei 9656, tornou-se obrigatório incluir no contrato com os segurados que somente os tratamentos experimentais, os não aprovados no país e os de uso domiciliar (geralmente utilizados por via oral) não têm cobertura do plano de saúde. Mesmo produtos não aprovados para uma determinada indicação, mas já disponíveis no país, podem ter o acesso disponibilizado, apenas com base em evidências científicas adequadas. Teoricamente, portanto, tudo está definido na apólice que o segurado assinou, de modo que a recusa e/ou aprovação são essencialmente contratuais. Às vezes, o paciente não sabe que tem certo direito e, por não requerê-lo, acaba sendo prejudicado. Mencionaram o Código de Defesa do Consumidor, “que está sempre do lado do paciente e do médico”. 90 Analisando estas respostas, uma ação aparentemente possível seria de esclarecimento junto aos pacientes, talvez via associação de pacientes, de seus direitos junto à seguradora. O Código de Defesa do Consumidor poderia ser explicado, de modo a dar subsídios aos pacientes para se defenderem quando de uma glosa. Finalmente, ouvindo os pacientes ou seus representantes, o que eles mais esperam de um tratamento para câncer é, sem dúvida, a cura. Entretanto, quando questionados sobre suas maiores preocupações, praticamente todas as respostas mencionavam medo do sofrimento e de efeitos colaterais. “Que cure o mal, sem desencadear outros”, foi uma frase ouvida e que representa bem este sentimento. Com relação à glosa, as respostas variaram desde procurar uma alternativa de tratamento até ir à mídia denunciar, passando por “buscaria meus direitos”, com ou sem advogado, ou mesmo, “perderia a cabeça” e faria qualquer coisa para ter o tratamento recomendado. Mais uma vez, caberia a ação já mencionada acima, de esclarecimento junto aos pacientes, talvez via associação de pacientes, de seus direitos enquanto segurados. Anteriormente examinamos a questão das mensagens tranqüilizadoras e quando este recurso deve ser utilizado. Entretanto, não é simples passar estes conceitos para a área de medicamentos. Mensagens tranqüilizadoras podem ser difíceis de se conseguir quando se trata de um paciente terminal; talvez o simples fato de não sofrer muito com o tratamento, uma vez que a cura é impossível, já seja uma mensagem tranqüilizadora a ser reforçada. É interessante observar que esta foi uma constante nas entrevistas realizadas com os representantes de pacientes. Sem dúvida existe a preocupação com a eficácia e mesmo com a cura, mas foi muito mais evidente a preocupação com o sofrimento e a dor. Talvez os pacientes não tenham a dimensão da doença e nem sequer pensem na idéia de não haver cura, de modo que a única preocupação passa a ser “simplesmente“ não sofrer durante o tratamento. Talvez seja o oposto... Uma vez não sendo possível a cura, que pelo menos não haja sofrimento importante enquanto ainda houver vida. 91 O poder de uma marca e a segurança que passa uma empresa reconhecida por seus produtos podem ser também explorados. Muitos medicamentos são conhecidos do público em geral, ao contrário de medicamentos especializados, como é o caso de terapêuticas anticâncer. Uma ligação com outras marcas poderia, portanto, ser explorada. Do ponto de vista do cliente “comprador”, isto é, o médico, a imagem da empresa-parceira muito ajuda na passagem de seriedade e segurança com relação à informação recebida e qualidade oferecida do produto. Neste quesito, a Aventis desfruta de excelente reputação, de acordo com recente pesquisa de mercado realizada pela Unidade de Negócios Oncologia/Brasil (ainda não concluída): apesar de ter apenas um produto importante na linha oncológica (Taxotere), a Aventis divide o primeiro lugar, em termos de satisfação dos clientes, com a Roche, empresa que introduziu no mercado vários medicamentos inovadores nesta linha, nos últimos anos. Falar de “garantias” da forma como ela é tradicionalmente entendida (“sua satisfação ou seu dinheiro de volta”...) talvez não faça sentido neste contexto de terapêuticas para doenças graves e potencialmente fatais. A comunicação tranqüilizadora, já mencionada acima, seria o mais próximo de uma garantia a ser oferecida. Voltando ao quesito preço, abordado no início do capítulo Resultados, sabe-se que o mercado farmacêutico de produtos inovadores trabalha com uma situação complexa: o desenvolvimento de um novo fármaco pode consumir facilmente US$ 500 milhões ou mesmo mais do que isso (US$ 800 milhões, de acordo com a Boston University). Isto torna os tradicionais custos de produção e distribuição em caixinhas pouco relevantes. Mesmo assim, muitas vezes os custos de produção e o preço de um produto similar são encarados como um referencial para a definição de preços, o que distorce a realidade de custo de um medicamento inovador, tornando o lançamento muitas vezes inviável em determinados mercados. O preço praticado deveria considerar o “valor” percebido pelo cliente do segmento de mercado pretendido que é, muitas vezes, absolutamente novo. Os novos medicamentos conhecidos como “drogas-alvo” encontram esta dificuldade, pois, como o próprio 92 nome diz, são voltados para doenças específicas ou subtipos de doenças até então não tratadas. As comparações ficam, portanto, muito difíceis de serem feitas. A Novartis utilizou uma abordagem inovadora de preços, ao lançar o Glivec. O preço foi fixado em US$ 2.200 por mês, em todo o mundo. Foi criado, então, um programa de assistência global, que oferecia descontos excepcionalmente amplos a pacientes não segurados. Pacientes com renda anual inferior a US$ 43.000, receberiam o medicamento gratuitamente e, para aqueles que recebessem entre US$ 43.000 e US$ 100.000 anuais, o custo da droga era limitado a 20% da renda. Este programa deu a Novartis uma cobertura extensa e favorável na imprensa. Tudo isso acompanhado, ainda, de agressiva campanha pelo acesso à droga, desenvolvida por pacientes ativistas, lutando pela aprovação rápida da droga e pelo acesso inicial ao novo medicamento (SIMON & KOTLER, 2004). O setor público questiona muito o preço dos novos medicamentos. E é absolutamente procedente a preocupação, uma vez que, com preços menores, uma maior parcela da população poderia ser atendida. O acesso ao tratamento estaria garantido. Entretanto, fica a pergunta: mas de quem é esse papel, o papel de distribuir a renda pública adequadamente e dentro de limites precisos? Certamente não é da indústria que, entretanto, pode colaborar de outras formas, como através de parcerias, por exemplo. Vale lembrar que a verba destinada ao SUS pelo governo está congelada há seis anos. Considerando-se todas as inovações feitas nos últimos anos, os “pacotes” de tratamento de cada uma das patologias estão, muito provavelmente, bastante defasados (apenas como exemplo: o pacote mensal para tratamento de câncer de mama metastático, primeira linha, vale R$ 571,50; para melanoma maligno, R$ 2.408,52) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Os valores aprovados certamente não cobrem recentes descobertas em termos de novas terapêuticas para várias doenças. Já o setor privado, que responde por 25% dos atendimentos de saúde no Brasil, é constituído por pelo menos três tipos de plano: o plano de saúde clássico, como Unimed, BlueLife, etc.; a seguradora de saúde, como a Sulam, por exemplo e os 93 planos conhecidos como de “risco compartilhado”. As informações coletadas na literatura e nas entrevistas mostram que o enfoque das duas primeiras categorias é puramente em custo: qualquer nova tendência ou proposta terapêutica é vista como sinônimo de aumento de custo e a primeira conduta é excluir o procedimento do plano, até que se tenham dados suficientes que embasem a cobertura pelo plano. A cobertura é feita com base no contrato que o segurado assinou. Muitas vezes, entretanto, o segurado nem recorre ao contrato e pode perder a oportunidade de ter um reembolso ao qual teria direito. Hoje em dia, o Código de Defesa do Consumidor tem propiciado ao segurado todos os seus direitos, de acordo com o contrato que esteja em vigor. O plano de “risco compartilhado” busca um pouco mais a satisfação do cliente, basicamente porque a empresa que o contratou divide com ele os custos e também assume os riscos. Nesta situação, o custo não é o único fator decisivo: busca-se o melhor tratamento, no menor tempo possível, a um custo aceitável. Talvez esse mercado de “risco compartilhado” fosse um ponto de entrada para um medicamento como o Genasense. É muito mais provável que os consumidores de serviços médicos se coloquem nas mãos do médico e não se queixem diretamente ao “vendedor de serviços”, isto é, ao pagador (KOLODINSKI, 1995). O seu vínculo é, portanto, na maioria das vezes, o médico. Assim, o pagador tende a manter distância do paciente, o que é muito conveniente para o primeiro: não há vínculos ou envolvimentos e o processo de pagamento do serviço é geralmente conduzido por um administrador de seguros que, muitas vezes, pouco entende de medicina. Alterações substanciais na forma de encarar a economia e os negócios vêm acontecendo. E, sem dúvida, os setores mais afetados serão aqueles cuja tecnologia evolui a taxas mais rápidas e aqueles cujo pacote de serviços é ou está se tornando mais intensivo em informação. Mais uma vez, o setor farmacêutico está aqui encaixado. Os prêmios provavelmente justificarão os esforços requeridos para se adaptar a estas novas condições de mercado. Estima-se que, mesmo que as soluções 94 baseadas na genômica demorem a se concretizar, as companhias que aprenderem como fazê-lo poderão triplicar seu valor de mercado em 2010 (ARLINGTON, BARNETT e SHU, 2003). Através do perfil farmacogenético, o tratamento de algumas doenças pode se tornar mais racional e certos tumores, por exemplo, poderão ser tratados com maior especificidade, maior chance de sucesso e menor risco de efeitos colaterais. Não seríamos mais escravos da evolução, mas seus mestres e as companhias de biotecnologia teriam promissores dias pela frente (SIMPSON, 2003). Entretanto, como aconteceu com as companhias “pontocom”, a euforia não durou muito, pois as companhias de biotec perceberam que o seqüenciamento do genoma não trazia as respostas em si. No final de 2003, apenas um quinto destas empresas que procuraram financiamento em 2000, ainda estavam ativas. No período pré-genoma, quando um fármaco alcançava, na fase II de pesquisa clínica, por exemplo, 30% de eficácia, ele era esquecido. Com o perfil farmacogenético, entretanto, os pesquisadores podem se ater àquelas pessoas onde o novo medicamento funciona. Assim, com a ajuda do genoma dos pacientes, este mesmo fármaco poderia seguir para fase IIb e III, selecionando-se apenas os pacientes que poderiam se beneficiar com a droga. As vantagens são evidentes: não seria necessário expor 70% dos pacientes, em nosso exemplo, a uma droga que não terá efeito sobre eles; além disso, um medicamento potencialmente de valor, tanto do ponto de vista médico quanto financeiro, não seria perdido à toa. Outro ponto chave é a possibilidade de se evitar efeitos adversos dos medicamentos. Catalogando-se os efeitos e os perfis genômicos dos pacientes susceptíveis a esses efeitos, pacientes com potencial de desenvolver o mesmo efeito seriam excluídos do tratamento. Por outro lado, considerando-se que as pesquisas vêm sendo realizadas por diferentes empresas, um potencial problema é a fragmentação dos recursos e da informação, o que poderia reduzir a velocidade do desenvolvimento. Recentemente, o vice-presidente mundial de pesquisa genética da GlaxoSmithKline (GSK), Allen 95 Roses, balançou o mundo ao dizer que a grande maioria dos medicamentos da Glaxo – mais de 90% - age apenas em 30 a 50% dos pacientes (BBC, 2003). Segundo ele, “as empresas desenvolviam, no passado, remédios dirigidos à população mais ampla possível; era esta a estratégia mais rentável, mas que também ignorava um fato básico da biologia: que as pessoas são diferentes umas das outras” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2003). Hoje, com o refinamento nas técnicas genéticas, seria possível identificar mais precisamente aqueles que se beneficiarão com uma certa droga, antes de prescrevê-la. É exatamente o que propõe o Genasense. É fundamental, entretanto, que se defina bem qual a população-alvo, para evitar o uso indevido do medicamento e, conseqüentemente, um gasto desnecessário. A propósito, há um ditado que diz: “Saúde não tem preço, mas tem custo”. Cabe mencionar, ainda, a necessidade da prevenção, mencionada por alguns médicos entrevistados. Recentemente, em coluna publicada na Carta Capital, o Dr. Draúzio Varella menciona a necessidade de convencer as pessoas a não fumar, beber pouco, praticar atividade física diária, comer com moderação, para que se possa vencer os limites da longevidade (VARELLA, 2004). Sabe-se que 70% dos tipos de câncer estão relacionados a hábitos inadequados. Obesidade, sedentarismo, dieta desequilibrada, cigarro e álcool parecem facilitar a incidência e o desenvolvimento de câncer. Consumir muita fruta, verdura e grãos reduz em até 50% os tumores de mama. O cigarro é responsável por 90% dos cânceres de pulmão. No caso de câncer de pele, o principal inimigo é o sol, por isso o uso de protetor solar é tão importante (FOLHA DE SÃO PAULO, 2004). Considerando-se que o lançamento de Genasense deve ser feito primeiramente na indicação de melanoma, um dos tipos de câncer de pele, uma abordagem interessante seria patrocinar campanhas de esclarecimento e prevenção deste tipo de câncer e, eventualmente, comercializam protetores solares. trabalhar em parceria com empresas que 96 A população está cada vez mais interessada em assuntos envolvendo a saúde. Como exemplo, podemos mencionar o número de acessos à Internet, em busca de temas de saúde, os quais só perdem para a visita a sites pornográficos. E, no país do samba, a saúde vem virando tema de música e de samba-enredo: vide o tema da Mocidade Independente de 2003, que abordou o assunto Transplantes de Órgãos e, este ano, a Unidos da Tijuca, que se inspirou justamente na evolução científica, com enfoque para a genética. Cabe a nós, portanto, aproveitar esta explosão de interesse por temas relacionados à saúde para educar a população e tentar evitar que grandes males – evitáveis – continuem acontecendo e onerando o sistema público e, mais importante do que isso, cerceando vidas desnecessariamente. Limitações de tempo nos impediram de prolongar a revisão de literatura ou mesmo de incluir um maior número de entrevistados. Entretanto, a informação coletada pode servir de base para uma pesquisa mais ampla e, talvez, quantitativa. O propósito é tentar entender o cliente, seja ele o médico, o paciente ou o pagador. E este projeto já nos sinalizou alguns caminhos possíveis. Esse entendimento dos clientes e dos valores de mercado por eles buscados são os pré-requisitos para um bom planejamento de marketing. No caso do Genasense, por exemplo, diferentes abordagens poderiam ser utilizadas. Poder-se-ia falar de um novo approach terapêutico, que seria o antisense. Uma alternativa seria falar de um novo mecanismo de ação, com alvo no Bcl-2. Ou ainda, um novo caminho no progresso do câncer, a terapia pró-apoptótica. Entretanto, há evidências de que o nível de interesse do cliente aumenta quando se usa, simplesmente, a expressão targeted therapy, onde também os níveis de preocupação e cepticismo são menores. É uma indicação, portanto, de que caminho seguir. A adequação da força de vendas é outra exigência, uma vez que está clara a necessidade de boa dose de divulgação do produto aos profissionais. Enquanto para uma droga tradicional, são necessários pelo menos três mil vendedores somente nos Estados Unidos, um fármaco específico, como é o caso do Genasense, pode 97 ser lançado com apenas 15 vendedores (SIMON & KOTLER, 2004). Considerandose, ainda, a comunicação global dentro da comunidade médica, é importante que a equipe de venda, seja qual for seu tamanho, receba treinamento e incentivos globais padronizados. 98 7. Conclusões Cinqüenta anos depois da descrição da dupla hélice do DNA (Figuras 8 e 9), presenciou-se outro grande momento da biologia e da ciência como um todo: o seqüenciamento do genoma humano. Fica cada vez mais evidente que este não é o fim da linha e sim apenas o começo de mais uma etapa de grande desenvolvimento científico. As empresas farmacêuticas deverão se adaptar às novas regras que começam ser desenhadas e definidas. Fig. 8: Representação esquemática da dupla-hélice de DNA, formando o cromossomo. (Fonte: SIMPSON, 2003) O sucesso no lançamento de um produto inovador, neste desafiante cenário, dependerá de estreita coordenação entre as equipes de desenvolvimento clínico e comercial, a ser iniciada ainda no estágio pré-clínico. Será necessário moldar o produto, o mercado e, provavelmente também a empresa. Por levar a uma redefinição de doença e drogas, a medicina personalizada levará também a uma reformulação dos modelos de marketing, da segmentação, do estabelecimento de preços e da comunicação, seja ela institucional ou dirigida à nova marca. 99 Para moldar o mercado, as empresas deverão trabalhar com os três tipos de clientes que caracterizam o mercado farmacêutico: os usuários (pacientes), os médicos (compradores) e os pagadores. Para os pacientes será necessária uma conscientização sobre a doença e os terapêuticas disponíveis. Uma conexão forte deverá ser estruturada com a comunidade de pacientes, possivelmente através das associações de pacientes e equipes que nestas organizações trabalham. Para o segundo tipo de cliente, os médicos, forte formação científica, baseada em evidências, deverá ser fornecida. Deverá haver a conquista dos formadores de opinião, através de estreito relacionamento, já no período pré-marketing, com sua participação ativa em estudos clínicos, em programas de acesso inicial expandido ou participação em Advisory Boards. Quanto aos pagadores, a estratégia de definição de preços deverá estar também baseada em evidências, o que será fundamental para garantir o reembolso, mesmo que após intercessão de advogados, em nome do Código de Defesa do Consumidor. Dar suporte científico aos médicos para que possam facilmente justificar sua prescrição será absolutamente essencial. Quanto à empresa, esta também deverá ser moldada em vários aspectos: quanto à alocação de recursos, equipes bem integradas, velocidade para chegar ao mercado (processos de P&D paralelos ao desenvolvimento de possíveis kits diagnósticos, em parceria ou não com outras empresas de biotecnologia), adequado equilíbrio entre o planejamento central e a execução local, além de, obviamente, excelente infraestrutura para o lançamento global rápido. É evidente que, quando variáveis como saúde, sofrimento e mesmo risco de vida, entram em jogo, uma série de teorias podem não ser aplicáveis. Fatores extraeconômicos adquirem ainda grande importância, embora o custo do produto ainda seja um fator fundamental. A lição que fica, após o exercício de benchmarking com outros fornecedores de tecnologia de ponta (medicamentos ou não) é que é extremamente importante perceber o grau de insegurança que os consumidores experimentam a respeito da inovação, seja ela qual for. É necessário realizar um esforço para provar a segurança dessas tecnologias e, provavelmente, a intensidade 100 da prova deverá ser maior para os clientes finais (pacientes) e médicos (compradores) do que para os pagadores. Através do perfil farmacogenético, o tratamento de algumas doenças pode se tornar mais racional e certos tumores, por exemplo, poderão ser tratados com maior especificidade, maior chance de sucesso e menor risco de efeitos colaterais. É o que propõe o Genasense . Além disso, aproveitando a onda de interesse por assuntos relacionados à saúde, não se deve perder a oportunidade de educar a população com medidas preventivas, tentando evitar males que podem ser evitados. Assim, além de desonerar o serviço público e o privado, muito sofrimento estará também sendo evitado. É verdade que a ciência está aí para nos ajudar, sem dúvida, mas o bom senso também. E este custa bem menos. Fig. 9. Figura comemorativa dos 50 anos de DNA, disponível no site do National Human Genome Research Institute. (Fonte: <http://www.genome.gov/About/>, 2004) 101 8. Referências Bibliográficas ALLARY, Claude. In search of a business model. Scrip Magazine, p.29-31, jun. 2003. ANVISA. Conceitos de farmacovigilância. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/conceito.htm#1>. Acesso em 08 fev 2004. ARLINGTON, Steve; BARNETT, Sam; SHU, Eimei. Rich rewards for redefining disease. Scrip Magazine, p.8-9, jan 2003. AVENTIS. Annual Report 2002. Disponível em: <http://www.aventis.com/main/attachments/3336326313977326996.pdf>. Acesso em 12 jan.2004a. AVENTIS. Nosso desafio é a vida. Disponível em: <http://www.aventispharma.com.br/aventispb/aempresa/>. Acesso em 18 fev. 2004b. AVENTIS. Annual Report 2003. Disponível em: <http://www.aventis.com/main/attachments/83663320040205064753.pfd>. Acesso em 29 fev. 2004c. AVENTIS. 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Acesso em: 22 out. 2003. 107 APÊNDICES 108 APÊNDICE A - CARTA DE APRESENTAÇÃO E ROTEIRO DE ENTREVISTA UTILIZADAS PARA MÉDICOS Fundação Dom Cabral Projeto de conclusão de MBA Sonia Mansoldo Dainesi Prezado Dr. Estou trabalhando em um projeto de conclusão de MBA, onde o tema por mim escolhido foi relacionado à avaliação dos desafios no lançamento de um novo medicamento, na era pós-genoma, e como trabalhar com os diferentes clientes envolvidos (usuário/comprador/pagante). Neste sentido, o papel do médico é chave. Planejo, pois, coletar, através deste roteiro de entrevista, informações sobre os possíveis fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos e qual o seu papel na aceitação de novas terapêuticas, em primeiro lugar, pelos seus pacientes e, em segundo lugar, pelos pagadores, sejam estes o governo ou os convênios ou o próprio paciente. A escolha do tema foi feita pois a Aventis, como as demais empresas de porte mundial, vem investindo no desenvolvimento de novos produtos e uma das áreas onde a Aventis vem trabalhando é a Oncologia. As respostas serão utilizadas em conjunto, sem identificação pessoal. Agradeço sua colaboração. Atenciosamente Sonia Dainesi Janeiro/2004 109 Roteiro para Entrevista 1) Do seu ponto de vista, quais são as conseqüências práticas da finalização da seqüência do genoma humano? 2) Quando o dr. opta por um determinado tratamento para seu paciente, o que mais pesa em sua decisão, isto é, o que é mais importante? Este item está plenamente satisfeito com os medicamentos atualmente disponíveis? 3) Suponha que seu paciente tem indicação de utilizar um determinado medicamento. O sr. o prescreve mas o convênio glosa o pedido. Qual é a sua atitude? 4) Qual a primeira palavra que lhe vem à mente quando ouve sobre: Farmacogenômica ou Novos medicamentos ou Targeted therapy? 5) Qual sua opinião sobre medicamentos recentemente lançados (ou a serem lançados), como Glivec (Novartis), Iressa (AstraZeneca) e Herceptin (Roche)? 6) Na sua opinião, qual foi a melhor abordagem de lançamento de produto, Herceptin, Glivec ou Iressa? Por quê? 7) O que o dr. esperaria de um novo medicamento para o tratamento de Melanoma Avançado? 8) Na sua visão, o que o paciente esperaria deste mesmo medicamento? 9) Ainda na sua visão, o que os pagadores (governo, convênio e/ou paciente) esperariam deste mesmo medicamento? 110 10) Na sua opinião, como um medicamento poderia ir além do que já foram os outros? O que poderia ser considerado, verdadeiramente, uma inovação em medicamentos, que agregasse valor ao paciente e à sociedade como um todo? 111 APÊNDICE B - CARTA DE APRESENTAÇÃO E ROTEIRO DE ENTREVISTA UTILIZADAS PARA ADMINISTRADORES DE CONVÊNIOS OU HOSPITAIS Fundação Dom Cabral Projeto de conclusão de MBA Sonia Mansoldo Dainesi Prezado Dr. Estou trabalhando em um projeto de conclusão de MBA, onde o tema por mim escolhido foi relacionado à avaliação dos desafios no lançamento de um novo medicamento, na era pós-genoma, e como trabalhar com os diferentes clientes envolvidos (usuário/comprador/pagante). Neste sentido, o papel do médico é chave. Planejo, pois, coletar, através deste roteiro de entrevista, informações sobre os possíveis fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos e qual o seu papel na aceitação de novas terapêuticas, em primeiro lugar, pelos seus pacientes e, em segundo lugar, pelos pagadores, sejam estes o governo ou os convênios ou o próprio paciente. A escolha do tema foi feita pois a Aventis, como as demais empresas de porte mundial, vem investindo no desenvolvimento de novos produtos e uma das áreas onde a Aventis vem trabalhando é a Oncologia. As respostas serão utilizadas em conjunto, sem identificação pessoal. Agradeço sua colaboração. Atenciosamente Sonia Dainesi Janeiro/2004 112 Roteiro para Entrevista 1) Do seu ponto de vista, quais são as conseqüências práticas da finalização da seqüência do genoma humano? 2) Quando o sr. opta por aprovar um novo tratamento e incluí-lo no arsenal terapêutico, o que mais pesa em sua decisão, isto é, o que é mais importante? Lista de fatores como exemplos: eficácia, presença em guidelines, preço, facilidade de administração (IV, IM, VO), duração do tratamento, etc. 3) Algumas vezes, um determinado paciente tem indicação de utilizar um determinado medicamento, o médico o prescreve, mas o convênio glosa o pedido. Qual(is) é(são) o(s) critério(s) utilizado(s) que justificaria(m) a atitude de recusa do pedido? 4) Qual a primeira palavra que lhe vem à mente quando ouve sobre: Farmacogenômica, Novos medicamentos, Targeted therapy ? 5) Qual sua opinião sobre os medicamentos recentemente lançados (ou a serem lançados), como Glivec (Novartis), Iressa (AstraZeneca) e Herceptin (Roche)? Eles estão sendo reembolsados pelo seu convênio? 6) O que (ou quanto) o convênio reembolsa atualmente para o tratamento de Melanoma Avançado? 113 APÊNDICE C - CARTA DE APRESENTAÇÃO E ROTEIRO DE ENTREVISTA UTILIZADAS PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE LIGADOS À ANVISA (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA) Fundação Dom Cabral Projeto de conclusão de MBA Sonia Mansoldo Dainesi Prezado Dr. Estou trabalhando em um projeto de conclusão de MBA, onde o tema por mim escolhido foi relacionado à avaliação dos desafios no lançamento de um novo medicamento, na era pós-genoma, e como trabalhar com os diferentes clientes envolvidos (usuário/comprador/pagante). Neste sentido, o papel do médico é chave. Planejo, pois, coletar, através deste roteiro de entrevista, informações sobre os possíveis fatores determinantes de mudança prescritiva dos médicos e qual o seu papel na aceitação de novas terapêuticas, em primeiro lugar, pelos seus pacientes e, em segundo lugar, pelos pagadores, sejam estes o governo ou os convênios ou o próprio paciente. A escolha do tema foi feita pois a Aventis, como as demais empresas de porte mundial, vem investindo no desenvolvimento de novos produtos e uma das áreas onde a Aventis vem trabalhando é a Oncologia. As respostas serão utilizadas em conjunto, sem identificação pessoal. Atenciosamente, agradeço sua colaboração. Sonia Dainesi Janeiro/2004 114 Roteiro para Entrevista 1) Do seu ponto de vista, quais são as conseqüências práticas da finalização da seqüência do genoma humano? 2) Quando a ANVISA decide aprovar um novo tratamento e incluí-lo no arsenal terapêutico, o que mais pesa na decisão, isto é, o que é mais importante? 3) Qual a primeira palavra que lhe vem à mente quando o sr. ouve sobre: Farmacogenômica, Novos medicamentos, Targeted therapy ? 4) Qual sua opinião sobre os medicamentos recentemente lançados (ou a serem lançados), como Glivec (Novartis), Iressa (AstraZeneca) e Herceptin (Roche)? Eles estão sendo reembolsados pelo governo? 5) Qual o critério atualmente utilizado para que o governo disponibilize um determinado medicamento? 6) Na sua opinião, como um medicamento poderia ir além do que já foram os outros? O que poderia ser considerado, verdadeiramente, uma inovação em medicamentos, que agregasse valor ao paciente e à sociedade como um todo? 7) O que as empresas poderiam fazer para colaborar com a ANVISA neste processo de introdução de novas drogas? 115 APÊNDICE D - CARTA DE APRESENTAÇÃO E ROTEIRO DE ENTREVISTA UTILIZADAS PARA PACIENTES OU PROFISSIONAIS TRABALHANDO EM ONGS (ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS) LIGADAS A ASSOCIAÇÕES DE PACIENTES COM CÂNCER. Fundação Dom Cabral Projeto de conclusão de MBA Sonia Mansoldo Dainesi – Diretora Médica (Aventis Pharma) Prezado Sr.(a) Estou trabalhando em um projeto de conclusão de MBA, onde o tema por mim escolhido foi relacionado à avaliação dos desafios no lançamento de um novo medicamento, na era pós-genoma, e como trabalhar com os diferentes clientes envolvidos (usuário/comprador/pagante). Neste sentido, planejo coletar, através de alguns roteiros de entrevista, informações sobre os possíveis fatores determinantes na aceitação de um novo medicamento, no campo da Oncologia. A escolha do tema foi feita, pois a Aventis, como as demais empresas de porte mundial, vem investindo no desenvolvimento de novos produtos e uma das áreas onde a Aventis vem trabalhando é a Oncologia. As respostas serão utilizadas em conjunto, sem identificação pessoal. Agradeço sua colaboração. Atenciosamente Sonia Dainesi Janeiro/2004 116 Roteiro para Entrevista 1) Quando um paciente começa a receber um tratamento para câncer, o que ele espera deste medicamento/tratamento? 2) Se o seu médico prescreve um determinado medicamento e o convênio glosa o pedido, isto é, recusa-se a pagá-lo, qual a sua atitude? 3) Quando o seu médico lhe explica como será o tratamento a que o(a) sr.(a) se submeterá, quais são suas maiores preocupações? (Exemplos.: Será que vai funcionar (eficácia)? Será que terei muitos efeitos colaterais (toxicidade)? Será que vou poder pagar?) 4) O que seria, na sua opinião, um medicamento ideal? 117 ANEXOS 118 ANEXO 1 – A METODOLOGIA DE DELPHI Quais as mudanças que o futuro trará é um dos objetivos de muitos projetos de pesquisa de mercado. Na indústria farmacêutica em especial, o desafio é antecipar essas alterações em relação às demais empresas concorrentes. A metodologia de Delphi, muito conhecida, mas pouco utilizada, é talvez a única técnica com a capacidade real de predizer o futuro. A técnica, primeiramente descrita em 1951 por pesquisadores da Rand Corporation of América, foi desenvolvida como uma ferramenta para prever as respostas relacionadas à defesa estratégica dos EUA. É considerada uma das mais elegantes técnicas de pesquisa, porque encoraja os participantes a julgar e validar suas próprias atitudes em um contexto de visões provenientes de um amplo grupo de experts. Na primeira fase, os potenciais respondedores são cuidadosamente selecionados e são então convidados a participar. Um longo e detalhado questionário é geralmente a forma utilizada para avaliar: a probabilidade de cenários futuros, eventos, alterações, conflitos, etc. e suas conseqüências e/ou a importância destas conseqüências ou resultados. Os resultados desta primeira rodada são então analisados e as questões refinadas. Uma segunda rodada acontece e gera uma nova análise dos dados. A terceira etapa novamente revisita as questões e gera um report intermediário. Fonte: Taylor Nelson Sofres, 2002. 119 DAINESI, Sonia Mansoldo. Desafios no lançamento de um novo medicamento na era pósgenoma. 2004.118 f. Projeto Empresarial - Fundação Dom Cabral, Nova Lima, 2004. (Como referenciar)